Encontro Inesperado escrita por Anny Andrade


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Em determinados dias quando tudo fica muito difícil de se assimilar eu gosto de ir no youtube assistir o clipe de Partilhar e de Quando Bate Aquela Saudade do cantor Rubel. Fico ouvindo a música e lendo os comentários, choro um pouco. Ontem depois de chorar um tanto considerável, resolvi escrever isso porque se encaixa tão bem com o que estou imaginando para esses personagens ultimamente.

Espero que gostem, ou pelo menos vão dar uma espiadinha nos clipes e nos comentários.

Boa Leitura!



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Eu estou parada em uma das muitas esquinas da movimentada Londres trouxa. Espero o momento certo de atravessar, espero o sinal permitir minha passagem. Meus pés batem impacientemente no chão e olho para o lado apenas para passar o tempo.

O primeiro impacto faz meu coração acelerar brevemente, mas preciso confirmar que estou vendo a pessoa certa. Depois de tanto tempo. De tantas turbulências.

É ele.

Viro meu rosto mais rápido e agora não apenas sinto as batidas aceleradas, mas também um suor pelas mãos e um calor intenso por meu rosto. Ficamos em uma dança silenciosa de troca de olhares e viradas de cabeça enquanto decido se digo algo, se espero ele dizer.

― Hei... – decido tomar a iniciativa. E toco em seu braço.

Penso a quanto tempo não ficávamos próximos assim. Ele sorri. Está exatamente como antes, como minha memória preservou e ao mesmo tempo está completamente diferente.

― Oi, como você está? – Seu abraço é rápido e um tanto desajeitado. Mudanças que o tempo provoca.

Estamos nervosos. Posso sentir que não sabemos muito bem como se comportar, como prosseguir. Não somos mais aqueles dois adolescentes que passavam mais tempo juntos do que separados.

― Estou bem... bem. Estou ótima. – Uso meu sorriso que atualmente estampa muitas revistas trouxas e bruxas. Sou consumida pelos dois mundos. – E você?

― Estou bem, ótimo. – Ele responde enquanto passa a mão esquerda pelo cabelo e em seguida parece não saber o que fazer. Seu rosto alguns anos mais velho, seus olhos um tanto mais sábios. Seus lábios proferindo palavras normalizadas que a tanto não trocávamos.

― Que bom. – Tento sorrir confiante enquanto sei que estou tremendo por dentro, porque de todas as pessoas que esperava encontrar ele estava no fim da lista.

― Então você voltou...

Não é uma pergunta, mas mesmo assim aceno afirmativamente a cabeça. Finalmente eu voltei depois de tanto tempo vivendo longe daqui, longe de todas essas lembranças que me invadiram a partir do momento que coloquei meus olhos nele.

― Sim, voltei para Londres. – Levanto ligeiramente meus ombros como se isso não fosse importante. – por causa dos trabalhos.

― Claro... Eu vi algumas fotos, estavam ótimas. – Os olhos dele parecem preocupados, ansiosos, tantos anos sem me olhar pessoalmente. Talvez estranhem minha presença como os meus estranham a dele.

― Obrigada...

Ficamos um momento em silêncio. Diferente dos silêncios que tínhamos aos 15 anos. Aqueles silêncios eram confortáveis. O de agora muito mais constrangedor, cheio de palavras que nunca foram de fato ditas.

― Acho que o sinal já abriu e fechou algumas vezes. – Suas mãos gesticulam apontando em volta.

Talvez ele queira ir. Queira terminar tudo isso por aqui. Mas eu gostaria tanto de falar, uma chance de conversar com ele. Não posso apenas seguir adiante, sem tentar. Não depois desse encontro do acaso.

― Para onde está indo? – Questiono ansiosa.

― Ia passar pela loja de Rose, ela precisa de ajuda algumas vezes na semana. – Ele sempre fora um irmão apoiador. Na verdade talvez ele fosse a ancora de todos na juventude. Quantas vezes percebi seu jeito resgatando um a um de nós.  Só que a vida faz até mesmo as âncoras se afastarem dos navios.

― Eu pensei em passar lá, dizer um oi... mas acabou que não deu certo. – Minto. Na verdade nos distanciamos muito. E cultivei um certo medo da reação da irmã superprotetora e de encontros inesperados exatamente como esse.

― Às vezes penso em passar na casa de seus pais, só que acaba não aparecendo o momento... certo.

Temos tantos assuntos pendentes. Tanto para conversar.

― Será que nós poderíamos... sei lá... dar uma volta... por aqui? – Não tenho certeza da resposta que ele me dará, mas sei que preciso perguntar. Preciso de mais alguns minutos dessa conversa, por mais estranha que possa parecer.

Vê-lo trouxe-me de volta todas as lembranças que fiz questão de congelar por tanto tempo, apesar de elas retornarem nos dias mais frios, nas noites de sonhos agitados, sempre que pareço estar perdida.

Ele concorda. E estamos andando pelas calçadas antigas de uma Londres trouxa. Ele com as mãos nos bolsos, um gesto comum que quase tinha me esquecido que sempre pertenceu a ele. Seu jeito de caminhar. Eu mexendo nos cabelos sem saber direito como me expressar. Perdida em tantas perguntas e em tantos momentos que nos trouxeram até aqui.

― Como vai a vida? – Procuro iniciar a conversa, mesmo com suas mãos nos bolsos sei que sua aliança está ali. Percebi ela assim que nos abraçamos ainda na esquina.

― Eu casei... – Ele diz como se para confirmar que nós não temos mais chance alguma. Como se os anos não tivessem deixado isso claro.

― Fiquei sabendo. – Meus pais disseram que estavam atrasados para o casamento em uma tarde em que liguei para eles ao fim de uma sessão exaustiva de fotos. Disseram que era uma cerimônia pequena, ao pôr do sol.

Talvez eu tenha tomado muitas taças de vinhos durante aquele pôr do sol e durante o restante da noite.

― Pensei em te enviar um convite, mas...

― Deveria ter enviado. Eu viria. – Não sei se viria mesmo. Ou se ele deveria ter enviado. Porque nunca chegamos a resolver as coisas. Talvez eu estragasse tudo, como tinha a tendência de fazer. Como tenho a tendência de fazer quando ele é a questão principal.

― E você? – Ele pergunta tentando não deixar a conversa ainda mais estranha.

― Não. Nada.

― Nada? – Sua sobrancelha ergue claramente desacreditando de mim.

― Algo aqui ou ali. Mas nada, nada sério. – Confesso. Porque ele sabe que raramente estou sozinha, isso desde sempre. Mas raramente estou fortemente comprometida.

― Entendi... – Ele diz rindo um pouco. Sei que se lembra de nossos anos em Hogwarts, das escapadas que eu sempre tentava dar para alguma sala vazia ou para Hogsmead. As vezes com ele, mas na maioria das vezes sem ele.

― E qual é mesmo o nome dela? - Pergunto como se não soubesse. Talvez para me convencer do nosso fim enquanto escuto o nome saindo de seus lábios.

― Íris. Ela é ótima. – O sorriso que ele me entrega é tão sincero e os olhos brilham do jeito que por muito tempo brilharam para mim. Mas foi o nome dela que o trouxe para seu olhar.

― Imagino que ela realmente seja ótima. – Falo porque sei que ela deve ser perfeita para ele. Porque alguém que não fosse, não seria capaz de fazer os olhos brilharem daquela maneira. – E como é? Estar casado? Você morria de medo do casamento. Dizia que jamais o faria.

Ele ri.

― Eu ainda morro de medo. – Seu suspiro me acerta.

Mas enquanto ele comenta sobre como é percebo que uma jovem que passou por mim ficou me olhando estranho.

― Ela me reconheceu... – coloco meus cabelos mais para frente.

― Quem?

― Aquela menina que passou por nós. Eles quase nunca me reconhecem sem a maquiagem e os penteados. Quando estou toda esculhambada assim...

― Uau, esculhambada? – O desdém em sua voz é palpável. Mas logo o vejo chacoalhando a cabeça e sei que ele está conversando consigo mesmo para não me julgar.

Eu ainda reconheço algumas manias dele.

― E como é? A fama? – Ele pergunta com a voz já de volta ao normal.

― Um pouco alienante, mas o trabalho é como quando você me fotografava nas férias de verão ou nas viagens em família. – Explico. Ele começou com as fotografias. Fez de mim uma modelo antes que eu realmente me tornasse uma. – Nas revistas trouxas as produções são mais elaboradas, acho que como as fotos não mexem eles querem mostrar tudo que precisam através do meu olhar. As bruxas gostam de acessórios e que eu os jogue ou que joguem em mim. E você? Ainda desenha?

― Fui contratado em uma editora de quadrinhos. Gosto do trabalho trouxa, mas preciso me policiar para não brincar de fazer os desenhos ganharem vida. – Seu corpo diz que apesar de gostar ele gostaria de muito mais. – estou tentando algo no mundo bruxo, em breve terei novidades.

Fico mais feliz com a notícia. E ele parece feliz em um contexto geral. Mas não posso evitar minha pergunta.

― Então você está feliz?

Seu som é quase de desagrado. Ele bufa cansado mas mesmo assim me responde.

― Não entendo essa obsessão que todos têm em ser feliz.

― O objetivo no final não é exatamente esse?

― Será que é? Uma vez li em um banheiro de pub uma frase que dizia que “melhor do que ser feliz é viver". – sua explicação é válida, mas mesmo assim não é uma resposta.

― Está bem, eu vou mudar minha pergunta então... Você está vivendo, pelo menos?

― Nesse momento aparentemente eu estou sendo interrogado. – Ele sorri. E eu acabo rindo. – E você?

E eu? Eu estou feliz? Estou vivendo? Nesse momento estou revivendo um passado que tinha deixado há alguns anos para trás. Estou andando com um conhecido que se tornou desconhecido, mas com alguém que ainda é tão fácil de se conversar.

― Eu... todo dia acordo achando que vou perder o trem para Hogwarts, é como se todas as sessões de fotos fosse muito cansativa e eu estivesse tentando resgatar algo do passado.

Nós dois paramos de andar e ficamos parados frente a frente. Seus olhos pedindo para que eu não continuasse, mas todo o resto buscando uma resposta.

― E o que é esse algo?

Sinto minha boca seca. Meu coração volta a palpitar e as mãos a suarem. Respiro fundo antes de finalmente fazer o que deveria ter feito a tantos anos atrás.

― Eu queria te pedir desculpa... Há muito tempo eu queria pedir desculpas...

― Pelo que?

― Por não ter voltado.

Percebo que sua impaciência se aproxima, que talvez essa conversa não devesse ter tomado esse rumo.

― Você estava construindo sua vida lá fora. – Ele diz tentando tirar minha culpa.

― Mas eu disse que iria voltar.

― E não voltou. – Seu olhar diz que tudo já passou. Que não somos mais as mesmas pessoas. – E tá tudo bem.

― Está tudo bem mesmo? – Espero que ele diga que não, que fale tudo que sentiu quando percebeu que eu não voltaria, que ele precisaria seguir.

No fundo desejo que ele me beije. Mais uma vez. Que diga que podemos sim voltar atrás, que o tempo pode ser apagado e que nossas escolhas nunca foram reais.

― Está tudo bem. Mesmo. – Mas ele garante que não é do jeito que desejo, que espero que seja. Que o tempo passou e que agora ele está bem, que eu vou ficar bem.

Voltamos a andar. Sem beijo. Sem lágrimas ou drama. Sem verdades dolorosas sendo jogadas na cara, sem gritos roucos de raiva. Nada tão dramático quando cultivei em minha fértil mente adulta que ainda carrega traços da adolescente intensa que fui.

Andamos lado a lado em silêncio até chegar a esquina em que nos encontramos. Enquanto eu percebo que nossos caminhos se cruzaram apenas por um momento para que tivéssemos a certeza de que as escolhas tinham sido feitas e não havia mais como voltar atrás. Foram cruzados em uma esquina e seriam descruzados no mesmo lugar.

― Foi bom te reencontrar. – Falo esperando o sinal abrir.

― Foi. – Ele responde enquanto vemos os carros começarem a parar lentamente. – Tchau Lily.

― Adeus Hugo. – Digo antes de atravessar a rua. Olho para ele uma, duas, três vezes.

Suas mãos nos bolsos. Seu rosto decorado de sardas. Ele espera eu partir. Quando chego na outra calçada vejo que ele não está mais lá.

Só me resta as lembranças, das tardes sendo empurrada em um balanço no quintal de casa. Nos corredores de Hogwarts escondidos embaixo da capa de meu irmão Albus. Dos beijos perto da casa dos gritos aonde ninguém iria nos encontrar. Do adeus em uma esquina movimentada. Do fim de um romance que já havia terminado muito antes desse dia.


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Notas finais do capítulo

Talvez eu vá ler mais um pouco de comentários dos clipes, mas espero ler alguns por aqui também.
Até a próxima.
Beijos.



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