Listras, Poesias e Paixões escrita por Geovanna Danforth


Capítulo 6
Five


Notas iniciais do capítulo

Nenhuma de nós duas sorriu. Nenhuma de nós duas falou. Sentimos a sombra juntas. (David Arnold)



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No dia seguinte amanheço um pouco sonolenta ainda, fiquei até tarde conversando sobre serial killers com meu novo amigo, e antes de chegar à sala de aula da faculdade eu recebo uma mensagem de bom dia. Puta merda.

***

Enquanto espero o ônibus pra voltar pra casa acabo descobrindo pelas mensagens que troquei com Paulo que ele tem um casal de irmãos mais novos, seus pais se separaram recentemente e ele meio que desistiu de entrar na faculdade. Meu instinto de “garota auxiliadora” fala mais alto e eu começo a aconselhá-lo a não desistir do nível superior. Até que meu ônibus chega e eu sigo pra casa.

***

Encontro mamãe agitada falando ao telefone quando passo pela porta, alguma coisa está fora do normal. Ela desliga o celular e respira fundo.

— O que houve mãe?

— Sua avó, teve uma queda de pressão.

— Quê? Mas a pressão dela não é alta?

— Sim, mas parece que ela ficou revoltada hoje.

— Onde está a vovó? Ela está bem?

— Sim, está no quarto. Mais estável. Eu liguei pra Inês agora, vou mandar uma substituta no meu lugar.

— A situação é tão grave assim que a senhora precisa faltar?

— Sim Nicole, a sua avó vomitou o que comeu então quando ela fica fraca assim não é bom que ela fique sozinha com uma adolescente e uma criança.

— Eu não sou uma adolescente!

— Seria um motivo para os vizinhos falarem que sou irresponsável. _ continua ela me ignorando.

— Ela já tomou algum remédio?

— Já. Vou arrumar a mesa pro almoço. Vai chamar a Carol.

Sigo para o quarto de Carol e quando abro a porta lá está ela sentada embaixo da rede da vovó. Elas estão conversando sobre alguma coisa que parece ser importante então espero um pouco antes de interromper.

— Oi vovó.

Ela olha para mim.

— Nicole, _ fala Carol _ tô com fome, a comida já tá pronta?

— Sim Carol, troca esse uniforme e vai pra cozinha. _Me aproximo da rede e seguro a mão de vovó_ E como a senhora se sente? Quer comer alguma coisa?

— Ah não, vou ficar aqui mais um pouco. Isso vai passar. _ responde ela com a voz pesada.

— Quer tomar algum chazinho?

— Acho que aquele chá de alecrim ia fazer bem.

— Tá bom, vou fazer.

Saio do quarto e fico me perguntando com quem a vovó aprendeu pra que serve essas folhas.

***

Quando eu era criança e minha mãe precisava trabalhar eu ficava com a minha avó, era bom demais ficar com ela, ela sempre tinha alguma coisa pra eu comer e me deixava brincar bastante, só não podia sair de perto dela.

Com o tempo ela acabou adoecendo e tendo complicações no coração e agora quem ficava com ela era eu, mas diferente dela, as vezes eu preferia não estar perto, queria ajudar mas também não suportava a ideia de perde-la então acabava me afastando, e depois me sentia a pior pessoa do mundo.

***

Sem perceber acabei compartilhando com Paulo as situações que ocorreram em casa e fiquei sabendo que ele havia perdido a avó materna a uns seis meses, mas como não eram tão próximos ele não sentiu tanto. Mesmo assim se dispôs a me ouvir, literalmente, porque eu mandava áudios e depois de me consolar dizia que minha voz era gostosa de se ouvir. Tudo bem, não é todo dia que alguém diz que sua voz é gostosa, geralmente falam isso da sua bunda mas depois de encarar o teto com um sorriso bobo no rosto, eu agradeci o elogio.

Quando o final de semana chegou vovó já tinha melhorado um pouquinho mas sua pressão ainda oscilava, no sábado a faxina não foi tão barulhenta quanto antes e eu me sentia meio que dentro de uma panela de pressão já que mamãe ficava mais nervosa quando alguma coisa andava fora do normal em casa, e nem pensei duas vezes antes de dizer pra Gabriel que queria sair à noite.

***

— Nossa cara, espero que sua avó fique bem logo. _ disse Gabriel na frente de casa.

— Sei que ela vai, a vovó é forte. _ respondi olhando pro chão.

— Sim, ela é. Tem certeza de que quer ir pro clube hoje, lá não é um lugar tão animado, a maioria dos poemas é meio...

— Não, tudo bem, vamos lá. _ e caminhei em direção a moto, mas antes peguei meu celular e enviei uma mensagem para Paulo.

***

Puxo o vestido tubinho com as mãos pra baixo, ele é de mangas compridas na cor roxo, não é muito aconselhável pra se usar em motos mas eu não tive paciência pra procurar outra roupa que combinasse com meu tênis branco.

— E aí, vai dar uma vigiada hoje? _ falou Gabriel enquanto caminhávamos em direção à porta do clube.

— Quê?

— Ah, qual é Nicole, nem vem me dizer que essa sua bunda não tá doida pra ser pegada por aquele negão.

— Mas quê que é isso... _ encaro Gabriel, como ele conseguiu ler os meus pensamentos?

Ele dá de ombros e adentra para a escuridão do ambiente.

***

— A vida, deve ser vivida. A vida, deve ser amada. _ Uma mulher de quase trinta anos recita dessa vez. _ Mas, por que tanta gente anda iludida? E ainda por cima, culpa a vida? _ Ela é ruiva e muito bonita. _ É porque a vida, mesmo vivida, mesmo amada...

Olho para Gabriel e ele parece fascinado por ela, acho que ele tem uma queda por mulheres de cabelos diferentes.

— Costuma ser suicida, costuma ser malcriada. _ continua ela. _ É porque a vida, só é vivida, quando te faz uma ferida, quando te dá uma cantiga, quando te traz alegria, quando te enche de harmonia...

Por um momento fico pensando na minha vida, e na vida da minha avó e da minha mãe, será que a Carol também passaria por momentos de tensão como nós, que mesmo em épocas diferentes fomos acertadas por golpes da vida, e presenciamos situações que não pudemos controlar?

— Então, viva.

Todos aplaudem e eu fico parada por um momento, mergulhada nos meus pensamentos até que Gabriel me cutuca.

— Ei.

— Que foi?

— Tem alguém te encarando do outro lado.

Olho pra direção que ele aponta e vejo Paulo de pé, não perto da porta e nem de preto, pelo contrário, essa noite ele está com uma camisa branca de mangas compridas e uma bermuda, ele parece um adolescente. Quando percebe que eu o vi ele acena com a mão.

— Já volto.

— Vai lá safada.

— Cala a boca.

Ao me aproximar de Paulo percebo que ele continua alto, é, eu não cresci. Ele fez a barba, isso já notei, ainda bem que trouxe o meu óculos.

— E aí, tudo bem? _ falo.

— Tudo suave. E você?

Meneio a cabeça.

— Mais ou menos.

— Tomara que melhore.

— Espero que sim. E você não vai trabalhar hoje?

— Ah não, hoje é meu dia de folga.

— Não acredito. _ arregalo os olhos. _ Eu fiz você vir pra cá na sua noite de folga?

— É, parece que sim... _ ele sorri.

Não, não... mas que caralho do sorriso. Ok. Eu respiro e olho para outra direção.

— E então, já recitou algum poema? _ pergunta ele.

— Quem? Eu?

— Sim, você.

— Eu não, tenho vergonha, não me sinto confortável lendo meus poemas pra alguém.

— Sabia que você escrevia. _ disse ele com um sorrisinho.

— É... não ia conseguir esconder isso por mais tempo... _ admito.

— Mas por quê? Por que esconde e não recita aqui?

— Ah, não sei... uma vez li um livro do John Green onde a personagem dizia que ler os seus poemas pra uma pessoa é como ficar nu na frente dela então...

— Profundo. Bem que você podia recitar pra mim. _ ele dá de ombros – Sei lá, só pra exercitar...

Eu o encaro.

— Sério isso?

— Que foi? _ ele sorri de novo. Ah não. _ Só dei uma dica.

Não aguentei e sorri também, Paulo tinha uma gargalhada falsa as vezes, ele fazia de propósito, mas o sorriso não, ele era intenso e verdadeiro.

— Ei, tem um lugar aqui bem maneiro, você quer ver?

— Aqui no clube?

— Sim.

— Você não está querendo me sequestrar né?

— Se eu quisesse iria te levar pra fora.

— Mas aqui dentro pode ter alguma passagem secreta.

— E tem, é lá que quero te levar.

—Como é que você sabe dessas coisas?

— Esqueceu que eu sou o segurança, bebê?

— Você me chamou de bebê?

— Sim, chamei.

Ficamos nos encarando.

— E aí, _ disse ele _ vai ou não?

— Bora.

Paulo passou por mim em direção a um dos cantos do clube.

— Eu que deveria ficar com medo, você pode ser uma estupradora. _ disse ele à minha frente.

— Uma estupradora com metade do teu tamanho? Faça-me o favor.

Segui ele até uma escada que nem dava pra ver ali e subimos para a passagem secreta que ele como segurança deveria guardar mas agora estava mostrando para uma garota que ele conheceu a uma semana.

Logo chegamos a uma porta no andar de cima que eu nem sabia que tinha e Paulo a abre, sinto o vento frio da noite. Depois que ele passa por ela, vira e estende a mão pra mim, me deparo então com uma espécie de terraço, só que não tão grande porque o resto da cobertura do clube tem outras salas que não sei pra que servem.

— Uau. _ falo enquanto admiro a vista. Apesar de estar meio escuro o que mais me chama atenção é o céu, e as estrelas que resolveram aparecer hoje.

— Gostou? _ pergunta ele.

— Ah sim, eu adorei. _ respondo sorrindo.

Caminhamos até a mureta e sinto vontade de me jogar, não quero morrer, é que eu gosto de pular de lugares altos, tipo trampolins ou de paraquedas, mas a segunda opção ainda não realizei.

— E então, como você está? _ pergunta Paulo. _ De verdade.

— Ah, eu... estou tentando ajudar quem eu amo, as vezes acabo esquecendo de mim mas isso não importa.

— Importa sim.

Dou de ombros.

— Só queria ser capaz de fazer coisas além do meu alcance, _ digo _ mas na maioria das vezes me sinto inútil.

— Se você não cuidar de você mesma, não vai ter como cuidar dos outros.

Fico em silêncio.

— Espero que tudo melhore pra você. _ fala ele.

— Obrigada. Pra você também, se há alguma coisa pra melhorar...

— Ah, tem sim... comecei a estudar para a prova da faculdade. Minha cabeça tá um turbilhão.

— Ei, vai com calma, você ainda tem tempo. Seleciona os principais assuntos e faz um cronograma, ai você estuda aos poucos no seu ritmo.

— Tô ligado, o negócio é que lá em casa é meio complicado, minha mãe costuma brigar do nada sabe? Ela não acredita muito que eu vá passar na prova, ela quer que eu trabalhe.

— Nossa, minha mãe é o contrário, minha vida toda ela me pressionou pra estudar e passar em provas, isso me deixava meio neurótica as vezes mas agora já se lidar com ela. Sua mãe trabalha em que horário?

— De manhã, as vezes o dia todo.

— Então, tenta estudar no horário que ela não tiver na casa.

— De manhã? De manhã eu durmo...

— Ah Paulo, pelo amor de Deus, a gente tem que sacrificar algumas coisas as vezes.

Ele me olha com uma cara desconfiada.

— Não estou dizendo pra você acordar seis da manhã, _ continuo _ mas também não dorme até meio dia. Se você quer mesmo uma coisa, tem que investir.

Quando paro de falar Paulo me encara com uma intensidade que eu já conheço desde a primeira vez que o vi, ele parece querer me agarrar e quero muito que ele faça isso mas do nada o encanto acaba.

Paulo olha para a porta por onde entramos.

— Seu amigo vai ficar bem lá? _ pergunta ele.

— Vai sim, ele tem uma crush que sempre vem aqui.

— Boa sorte pra ele então. E você?

— Eu o quê?

— Tem algum crush que sempre vem aqui?

— Talvez... _ meneio a cabeça.

— Eu posso ser seu crush, não tem nenhuma problema.

— Sério? Que lega da sua parte se oferecer assim.

— Aham, adoro me oferecer.

Começo a rir, e ele também, aí ficamos rindo igual uns drogados e depois paramos, disfarçando.

— Escreveu alguma coisa ultimamente? _ pergunta ele.

— Tentei...

— E deu certo?

— Não sei, quer ouvir pra ver se ficou bom?

— Quero. Fala aí.

— OK. _ pigarreio. _ E se eu te pedisse pra parar. Você pararia? Se eu te pedisse pra não mais me olhar... Você não olharia? _ respiro fundo. _ Então eu peço, peço pra parar, e fingir que isso tudo foi uma brincadeira. Que doidera. _ acabo sorrindo. _ Meu coração é tão idiota. Se apaixonou na mesma hora. Mas, ele também decidiu deixar você ir embora... Decidiu parar. E não mais te olhar.

Quando olho para Paulo ele está me encarando, parece estar vendo além de mim, e o próximo verso que eu recito sai meio que automático, como se eu fosse uma robô, porque estou hipnotizada de certa forma.

— Se eu te pedisse pra me amar. _ continuo. _ Você me amaria? Não? Então tchau. Até outro dia.

Silêncio.

Ainda estou esperando Paulo me dizer o que achou do poema mas nós estamos numa bolha surreal que nem percebo que existe tempo, ou seja lá o que for. Só percebo que estou num terraço com um preto meio desconhecido quando ele se inclina na minha direção e encosta os lábios nos meus. Aí meu amigo, já era. Fecho os olhos e tudo explode. Foda-se o mundo, posso morrer agora mesmo.


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