Listras, Poesias e Paixões escrita por Geovanna Danforth


Capítulo 4
Three


Notas iniciais do capítulo

Se não valorizarmos nós mesmos as nossas palavras como pretendemos que os outros as prezem? (Monteiro Lobato)



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Essa semana foi bem rilex, estavam acontecendo apenas as programações da semana de acolhimento aos alunos, calouros e veteranos, mas já fiquei sabendo que nesse semestre vamos ter disciplinas sobre processos penais, direitos e processos civis e o temido estágio supervisionado obrigatório. Me sinto ansiosa mas meio que receosa, isso sempre acontece comigo, me sinto impulsionada a fazer e conhecer coisas novas mas ao mesmo tempo quero me esconder no meu quarto debaixo do lençol. Mas existem coisas das quais não podemos fugir.

Esse sábado amanhece com uma cara nublada mas nada tira a energia da minha mãe de espanar o forro e passar pano em estantes, até sobra pra Carol que tem que dar uma geral no quarto e nos seus brinquedos, ela vai ter que separar uns para doação porque o quarto está entupido e isso faz mal pra vovó. Sábado é dia de faxina.

***

Depois de tomar um banho rápido desço para almoçar, Gabriel acaba de me mandar mensagem lembrando do nosso compromisso hoje à noite e eu já fico planejando uma piada sobre ele e a Roxinho, mas no fundo sinto receio por ele, não quero que ele se machuque, e já vi umas fotos dessa garota no Instagram, ela é bonita e tem a metade do tamanho de Gabriel, mas tem jeito de arrogante.

Que roupa eu levo hoje? Estou indecisa... como se eu tivesse escolha. Me jogo na cama bufando, e lembro de uma camiseta rosa choque que mamãe me deu no natal passado, começo uma caça por ela dentro do guarda roupa e a encontro junto de uma minissaia jeans, é um sinal, vou usá-las.

Enquanto me analiso no espelho prendo o cabelo várias vezes mas ele é rebelde, até que decido prender apenas as mechas de cima e as demais ficam soltas, a saia ainda cabe em mim, infelizmente é uma luta pra eu engordar mas não estou nem aí. Desço as escadas assim que meu celular começar a vibrar com a chamada de Gabriel.

***

O clube continua com o mesmo número de pessoas, e hoje ao invés de pedir água, bebo um suco e sento do outro lado do salão pra visualizar melhor os candidatos e jurados da competição, e mais um detalhe não escapou da minha visão logo quando chegamos, o faraó de olhar confortável estava perto da entrada novamente e nos olhamos quando cheguei, ele acenou com a cabeça para mim e eu fiz o mesmo, senti vontade de dar “boa noite” mas estava um pouco longe, enfim.

— E se eu procuro um sentido pra viver, você não precisa se importar, você não precisa entender.

Uma garota loira está recitando dessa vez, na semana passada ela estava mais diferente.

— Se eu procuro um sentido pra existir, você não precisa se preocupar, você não precisa insistir.

Acho que ela cortou o cabelo.

— Quando eu achar um sentido pra viver, não se eu espante se eu te procurar, não se assuste se eu te contar...

Me distraio por um segundo e observo os jurados, são pessoas diferentes da semana passada, eles estão fascinados.

— Que o sentido pra existir já estava dentro de mim, faltava apenas eu encontrar.

Os aplausos acontecem e eu me espanto, estava em outra dimensão. Numa dimensão em que existe uma garota exatamente como eu me encarando, me perguntando porque eu não escrevo a tanto tempo.

— Nossa cara, queria ter poemas pra concorrer nessas competições. _ Fala Gabriel olhando para o palco.

— Mas você tem. _ digo.

— Aquilo não são poemas, são aberrações.

— Gabriel por favor, eu diria pra você se fossem aberrações.

— Sim, mas não são poemas.

— Eu digo que são poemas em construção.

— Você é tão otimista.

— Você diz que eu sou pessimista.

— Ah... você é as duas coisas.

— Só acho que você deveria seguir o meu conselho e praticar.

— Tudo bem Elizabeth Bennet.

Dou uma risada e depois uma piscadela.

— Obrigada senhor Darcy.

— E você também deveria voltar à sua prática. A galera do site não comentou mais?

— Acho que cansaram... _ murmuro.

— Mas eles sempre te elogiaram, isso é verdade.

— Não quero falar sobre isso agora, pode ser?

Ele suspira e concorda com a cabeça.

Começo a analisar o ambiente, de onde estou não dá pra ver muitas pessoas mas parece que Gabriel captou alguma coisa pois ele me olha com os olhos arregalados.

— Ela tá aqui.

— Ela quem?

— A-a... _ ele gagueja, nossa ele está mesmo nervoso. Será que algum dia um cara ficaria assim por mim?

— A Roxinho?

Ele concorda novamente com a cabeça.

— Onde ela tá?

Ele aponta pra direção da entrada. Olho e não vejo nada. Maldita miopia, e a falta de luz não contribui tanto.

— Você não deveria ir até lá? _ pergunto.

— Bem... eu troquei algumas mensagens com ela essa semana, mas... você sabe que não é a mesma coisa.

— É verdade, mas você nunca vai saber se não tentar. _ dou de ombros e termino minha bebida.

Gabriel continua reflexivo, ele tem um certo problema em interações sociais assim como eu, talvez por isso nossa amizade dê tão certo.

— Olha só, _ falo _ vou dar uma voltinha por lá, e te dou um sinal, caso eu veja que a barra tá limpa, pode ser?

— Tá ótimo.

— OK.

Me levanto e vou em rumo a entrada, o que a gente não faz pelos amigos né, é certo que vejo Gabriel como um irmão mais novo, e a timidez dele me encanta as vezes, apesar de eu saber que isso é meio errado porque essa timidez o prejudica bastante. Mas quando meus olhos se ajustam e eu localizo a Roxinho vejo também outro cara com ela, e agora... a barra não está limpa.

— Posso ajudar?

Acabo me sobressaltando por conta da voz do cara que estava ao meu lado e eu não tinha percebido, me viro pra dizer que está tudo bem mas aí eu vejo que não, não tem nada bem, na verdade sim, tudo está ótimo porque eu estou de frente com um homem que eu nunca vi mas que tenho a sensação de conhecer, e a pele dele é realmente como um chocolate, e os olhos... me analisam e esperam uma resposta.

— Ah... eu só estava procurando uma pessoa.

— E já encontrou?

— É... sim.

Que droga, porque as vogais estão saindo arrastadas da minha boca?

Um garçom vem na minha direção então recuo e acabo me recostando na parede junto com o carinha maravilhoso.

— Está gostando do slam? _ ele pergunta.

— Sim, eu amo poesia. E você?

— Gosto também, eu gosto do poder da língua.

— Aham. _ Concordo enquanto sinto um calor repentino, ainda bem que aqui está meio escuro, odeio que as pessoas digam “nossa, você está vermelha”, quando eu sei que estou vermelha.

Em um instante a outra garota dentro de mim é acionada, a mesma que me encara e questiona minhas emoções e habilidades, ela é meio impulsiva... e ela age quando me encontro em situações constrangedoras ou quando estou nervosa.

— Sabe o que é... _ começo _ Tenho um amigo aqui e ele, estava querendo falar com uma garota mas eu acabei percebendo que ela está acompanhada com outro cara e aí...

— Então quer facilitar as coisas pro seu amigo? Você conhece a garota?

— Na verdade não.

— E como estava pensando em fazer? _ ele ameaça rir.

— Eu ia pensar nisso agora.

— Ah sim. Pode pensar então.

Então ele me encara. Eu arqueio as sobrancelhas.

— Você faz sempre isso ou é só comigo?

— O quê?

— Fica encarando pessoas que acaba de conhecer.

— Bem, eu gosto de observar, mas encarar... é só com você mesmo.

— Aham. Entendi.

Desvio o olhar pra me estabilizar e tento localizar Gabriel, ele ainda está sentado na mesa observando as apresentações.

— Pensei que você ia competir.

— O quê?

— No slam. Sei lá, pensei que fosse poeta.

Mas eu sou. Ou era.

— Ah não... na verdade vim por causa desse amigo, nem sabia que esse clube existia.

— Então que bom que você veio.

— É. Muito bom mesmo.

Estou me sentindo uma idiota cada vez mais, eu sou boa em conversas, falo demais as vezes mas sou boa, só que o jeito que ele me olha parece afugentar todas as palavras, e isso pode dar merda.

— Olha só, eu preciso falar com meu amigo, talvez ele tenha coragem de abordar uma pessoa acompanhada.

— Certo, dá o incentivo pra ele.

Um sorriso escapa dos meus lábios e o mesmo acontece com o carinha. Sinto uma imensa vontade de rir mas me controlo.

— Até mais.

— Até.

Com o coração palpitando volto pra mesa e explico a situação pra Gabriel. Ele me surpreende quando respira fundo e faz o mesmo trajeto que eu, indo em direção à Roxinho. Bem, vamos ver no que vai dar.

***

Os poemas de hoje foram surpreendentes, existem tantos adolescentes e jovens talentosos, outras pessoas deveriam ver isso.

Gabriel acabou engatando uma conversa com a Roxinho, o que me deixou boquiaberta também, mas evitei olhar pra eles, não só pra dar privacidade mas também porque o faraó crente no poder da língua estava na mesma direção deles, e nossos olhos se encontravam toda vez que eu virava o rosto naquela direção, aquilo estava parecendo um clichê adolescente e eu só queria dar umas boas gargalhadas.

***

Gabriel veio me chamar e disse que nosso horário estava chegando, o segui entre as mesas e fomos na direção da entrada, eu doidinha pra saber os detalhes da conversa, antes de sairmos a garota apareceu na nossa frente e ficou falando umas coisas pra Gabriel, eles estavam acertando alguma coisa... será que iam sair? Ai meu Deus.

— Será que eu poderia saber o seu nome?

Me sobressaltei de novo. Mas que merda... a voz daquele cara era apenas uma voz comum, porque eu me arrepiava toda?

— Ah... oi. É... desculpa não ter me apresentado antes, meu nome é Nicole.

— Eu também peço desculpas, a gente acabou falando do seu amigo e esqueci de perguntar. _ ele sorri. O sorriso dele é lindo. Meu cérebro registra. _ Meu nome é Paulo.

— É um prazer conhecer você.

— O prazer é todo meu.

— Você vem sempre aqui? _ começo a planejar voltar ao clube na semana que vem.

— Na verdade, eu trabalho aqui.

— Você trabalha aqui?

— Sim, sou segurança.

O analiso e depois sinto vontade de me dar um tapa na cara por ter olhado pra ele dos pés à cabeça descaradamente. Ele está todo de preto como na semana passada e continua lindo por sinal.

— Ah... que legal. Me sinto bem mais protegida agora. _ falo e ele dá uma risada.

— Vou aceitar isso como um elogio.

Eu sorrio também.

— É... não sou muito boa com elogios. _ dou de ombros.

— Vamos? _ Gabriel fala pra mim, olhando o segurança.

— Vamos. Boa noite. _ digo e empurro Gabriel para a saída.

— Boa noite. _ ouço a resposta dele.

Do lado de fora Gabriel demonstra sua empolgação misturada com curiosidade em relação a mim e ao faraó segurança.

— Então já está flertando na minha frente mesmo? Nem avisa?

— Gabriel! Pelo amor de Deus, eu só estava conversando com o segurança.

— Segurança? _ ele dá uma gargalhada.

— Pelo menos ele não tem o cabelo roxo.

Ele me encara.

— Ah qual é, você sabe que as últimas respostas são minhas. _ retruco.

— Você é uma caixinha de surpresas.

— Bora, conta tudo sobre o que rolou entre você e ela, e o outro cara lá, quem era?

— Ah ele é só um amigo gay que veio encontrar um boy aí.

— Nossa, esse clube deveria mudar o nome pra Clube dos Encontros.

— Clube dos Encontros e Flertes aleatórios.

— Dessa vez eu tenho que concordar.

Gabriel liga a moto e partimos numa fuga de acidentes e mortes repentinas causadas por uma moto em alta velocidade com um piloto em fase de apaixonamento.


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