Listras, Poesias e Paixões escrita por Geovanna Danforth


Capítulo 2
One


Notas iniciais do capítulo

Existem muitas experiências humanas que desafiam os limites da linguagem. É um dos motivos da poesia. (Ava Dellaria)



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— Ei, vai ser legal.

Silêncio.

— Vamos lá, por favor.

A voz de Gabriel é insistente do outro lado da linha. Ele está a alguns minutos no telefone tentando me convencer a ir a um lugar que ele descobriu a umas semanas atrás, um clube diferente.

— Eu já disse que você não vai se arrepender.

— É, você me prometeu. _ respondo.

— Então você vai?

— Gabriel.

— Diga flor do dia...

— Aquela garota de cabelo roxo vai?

— É...

— Sabia!

— Não! Espera aí! Você precisa sair e se divertir Nicole, sabe disso.

— Eu sei que não nasci pra ficar segurando vela pra ninguém.

— Ei, eu não vou ficar com ela... EU NEM FALO COM ELA.

— É verdade, ela nem sabe que você existe.

— Mas pode saber! Por isso temos que ir lá hoje... por favor.

—Tudo bem. Vou procurar uma roupa aqui.

— Yes! Te adoro.

Só nesses momentos eu era valorizada...

***

Amo roupas com listras. Meu guarda roupa é cheio delas.

Pego minha jardineira jeans e uma blusa de mangas compridas com listras laranjas e amarelas, solto meu cabelo que já está um pouco abaixo dos ombros (preciso cortar), passo rímel e um batom cor de cobre e lá vamos nós. Pareço meio pálida mas é minha cor mesmo, não gosto de blush porque qualquer coisa eu já estou corando então entre parecer jambo ou uma pimenta, prefiro o jambo.

Gabriel disse que ia emprestar a moto da mãe pra gente ir, apesar de ele ter 17 anos e não ter carteira nós vamos mesmo assim, já é noite e não tem fiscalização, só há o risco de sofrermos um acidente e ter algum membro quebrado ou morrer em uma curva fechada.

Ouço a buzina da moto e desço a escada espiral que liga a cozinha ao meu quarto, único cômodo no segundo andar. Saio correndo porta a fora e mando um beijo para vovó que está na sala assistindo novela.

— Volto antes das onze! _ grito antes de passar pela grade e vou ao encontro de Gabriel na pop branca que vai nos transportar ao desconhecido.

— Preparada pra se aventurar? _ diz ele me entregando o capacete.

— Até hoje eu não sei porque sou amiga de um adolescente. _ falo enquanto sento na moto.

E partimos.

***

— Clube Nostalgia? É isso mesmo? _ pergunto olhando para as letras e as luzes que estão piscando no letreiro acima da entrada. Gabriel está do meu lado e apenas sorri.

— Vamos entrar. Dentro deve ser muito melhor.

Respiro fundo e o sigo.

Entramos e logo percebo a falta de luz no ambiente. Deveria ter trazido meus óculos, minha miopia e astigmatismo estão me fazendo ver tudo embaçado e distorcido, principalmente com os jogos de luzes que brincam no espaço.

Gabriel segura minha mão e me leva pra uma mesa perto da porta que entramos. Há poucas pessoas aqui. Algumas mesas distribuídas pelo salão, um balcão e cadeiras do lado esquerdo e ao fundo... estreito os olhos para enxergar, um palco?

— Você quer beber o que?

— Oi? _ respondo distraída.

— Beber. _ repete ele e indica com a cabeça os barmans

— Ah.. sim. Água.

— O quê?

Arqueio as sobrancelhas em resposta.

— Nicole, você tem 20 anos, pode muito bem beber qualquer coisa que quiser aqui.

— Pois bem, quero água. _ respondo.

— Você é inacreditável.

O encaro e ele percebe o “foda-se” escrito em letras invisíveis na minha testa.

— Ok. Vou lá pegar.

Gabriel se levanta e eu fico observando o ambiente, uma banda se posiciona com seus instrumentos e começa a tocar uma música meio indie, já ouvi em algum lugar a melodia... quando a garota de jaqueta começa a cantar percebo a semelhança na voz e lembro: Birdy. 1901.

Fold it, fold it, fold it, fold it...

Quando minha visão retorna do palco para o espaço eu percebo um olhar me observando, mas rapidamente olha em outra direção. Ele é alto e tem a pele escura, me lembra um professor do ensino médio e o faraó, o cabelo black power é iluminado pelas luzes coloridas e ali está ele, me observando novamente. Aquilo parece ser tão normal, olhar um estranho e o analisar, e deixar que ele faça o mesmo, tão confortável...

Gabriel volta. Com a minha água e um drink próprio pra idade dele.

— E então... gostou?

— Do quê exatamente?

— Disso... _ diz ele apontando o lugar com o indicador.

— Ah... é misterioso. Gostei da música.

— Adoro suas avaliações.

— Algum sinal da cabelinho roxo?

— Ei, o nome dela é Giulia.

— Aaa... me desculpa amiguinho.

— E o cabelo dela é lindo.

— Aham.

— Você já experimentou pintar seu cabelo de alguma cor assim? Ia ficar legal.

— Ah, pintei uma mecha de vermelho uma vez e quase apanho da mamãe, sorte que a vovó me defendeu.

— Você não merece a avó que tem.. _ diz ele rindo.

— Eu sei. _ e sinto uma dorzinha no peito, vovó não tem estado bem de saúde ultimamente.

As luzes mudam e a música para.

— Ei, _ Gabriel me chama _ vai começar.

— O quê?

— Só presta atenção.

Um cara de óculos entre os 30 ou 40 anos sobe no palco e pega o microfone.

— Boa noite senhoras e senhores! Nostálgicos ou não, estamos aqui mais uma vez para essa explosão de palavras e sentimentos que vocês já conhecem...

“Eu não.”

— Demos início à nossa competição semana passada e já temos presentes os selecionados para a fase dois. Então agora declaro aberto o Slam Nostalgia!

As pessoas aplaudem inclusive Gabriel e eu fico meio perdida, que porra é slam?

— Temos presente nossos jurados, voluntários é claro, que frequentam nosso clube. _ repete o cara.

Só então percebo a mesa comprida distante atrás do palco e cinco pessoas sentadas atrás dela. O tiozinho continua dando instruções enquanto algumas pessoas se aproximam do palco.

— Gabriel.

— O que é?

— O que é isso?

— Eu disse pra você prestar atenção.

— Mas o que é slam?

— Será que você pode ficar em silêncio? Poxa Nicole, você é uma ótima observadora.

Reviro os olhos enquanto vejo um rapaz de óculos e sinal preto na bochecha subir no palco e pegar o microfone, a mão dele está tremendo. Alguns assovios vem da plateia e o rapaz respira fundo.

— Uma lágrima apenas. Teu descaso. Isso é necessário pra meu coração se partir.

A voz dele é grave e aveludada. Ele é cantor?

— Engolir o choro. Soluço desenfreado. Palavras presas na garganta.

Seu olhar fita algo externo a esse lugar. Ele está em outro mundo. Ele está recitando um poema.

— Raios cortam o céu. Teus olhares soslaios cortam o meu coração. _ Pausa. _ Barulho ensurdecedor. Tudo em mim estremece como um trovão. _ Outra pausa. _ Sinto tua falta. Preciso de você. _ Agora ele fala compassadamente. _ Ou talvez não. Talvez seja necessário, para me encontrar. Primeiro me perder.

O olhar do rapaz retorna para o palco. A alma dele estava longe. E a plateia bate palmas novamente e eu acompanho.

Outra garota sobe no palco. Ela é baixa e tem as pernas grossas, a voz dela é meio infantil. Outra poesia. Logo em seguida outra e mais outra. Então, quer dizer que encontramos um lugar que exalta cultura literária nessa cidade? Mas de quem são os poemas?

Gabriel está vidrado no palco, ele ama poesia tanto quanto eu. Ao olhar pra ele meu olhar acaba alcançando alguém mais distante, o olhar confortável, sim, ele novamente. Está todo de preto e com uma corrente no pescoço, inclina a cabeça e semicerra os olhos, eu arqueio as sobrancelhas e nosso contato visual é interrompido por Gabriel falando alguma coisa.

— Deveríamos ter pegado um lugar pro outro lado.

— Por quê? _ pergunto.

— Pra podermos ver as notas.

Só então percebo que os jurados estão avaliando os candidatos logo quando terminam.

— Eles dão notas? _ pergunto novamente.

— Sim, de zero à dez.

O tiozinho extrovertido pega o microfone novamente então percebo que acabaram as apresentações, agora vão fazer a somatória dos pontos. A banda indie volta a tocar e eu olho para um Gabriel desanimado.

— O que foi?

Ele dá de ombros.

— Bora, fala que eu sei que tem alguma coisa aí... a roxinho não veio né?

— O nome dela é Giulia.

— Que seja, eu não a conheço e ela não tem nenhum significado especial pra mim.

— Por que você é tão insensível Nicole?

— Eu não sou insensível! Sou realista. E não me chama assim, sou tua melhor amiga.

Ele me encara.

— Ela veio? _ pergunto.

— Não. _ resmunga ele.

— A gente pode vir outro dia.

— E vamos mesmo. Quero ver quem vai ganhar essa bagaça.

Dou uma gargalhada e olho de soslaio para o carinha de perto da porta. E não sei porque só agora vim me dar conta de que ele é lindo.

***

Alguns dos que se apresentaram foram selecionados pra fase da semana que vem. A competição de poesia, slam, acontecia aos sábados, e eu fiquei me perguntando na viagem de volta porque eventos como aquele não eram tão reconhecidos ou sequer divulgados, era por isso que a sociedade estava aquela merda, a poesia traz vida e sensibilidade às pessoas, uma vida sem poesia é uma vida sem cor.

Gabriel me deixa em casa e não esconde a decepção de não ter encontrado a Roxinho no clube, mas combinamos de frequentar e assistir as competições nos próximos sábados.

Entro em casa e ainda faltam quinze minutos para as onze. Infelizmente a grade faz um barulho irritante quando é aberta então mamãe já sabe que estou chegando.

— E aí, como está o Gabriel? _ela me pergunta quando chego na cozinha.

— Está bem. A Carol já foi dormir?

— Sim. Ela está no quarto com a mamãe.

Dou a volta e abro a porta do quarto rosa bem devagarinho, Carol está embrulhada na cama com os cabelos arrepiados. Vovó está sentada na cadeira lendo a Bíblia, ela faz isso toda noite.

— Boa noite vovó. _ sussurro. Ela acena e sorri de volta.

Saio de fininho e vou para o quarto.

Ele ainda falta ser pintado mas já tem as minhas coisas marcando meu território. Me mudei pra cá a um mês, antes dormia com a vovó e a Carol com a mamãe, mas agora já tenho meu espaço e estou muito feliz por isso. Vou pintar o quarto de todas as cores possíveis, um infinito arco íris, e vou comprar umas prateleiras pra colocar meus livros porque não tenho escrivaninha ainda, só guarda roupa, cama e mesa de cabeceira.

Tomo um banho rápido e visto meu short rosa e minha camiseta da Minie, checo as mensagens e fico com preguiça de responder como sempre, pego um livro do David Arnold que eu amo e me jogo na cama. No mesmo instante um olhar semicerrado invade meus pensamentos e eu fico pensando se quando voltar ao Clube Nostalgia no próximo sábado eu ainda vou ser analisada com tanta delicadeza como fui essa noite.


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