Listras, Poesias e Paixões escrita por Geovanna Danforth


Capítulo 10
Nine


Notas iniciais do capítulo

O sofrimento por si só é tolerável se não tivermos que suportá-lo sozinhos. (Mark W. Baker)



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A minha noite é conturbada, quando cheguei em casa mamãe me disse que a pressão da vovó estava oscilando e o estômago dela não queria receber nem um alimento. Antes de subir pro meu quarto fiquei com elas por uns minutos, vovó tentou tomar outros remédios mas estava fraca demais pra conversar, então deixamos ela descansar. Fui pra cama e mamãe ficou com vovó e Carol que parecia estar assustada.

Não sei quantas horas se passaram depois de eu pegar no sono mas em algum momento da madrugada mamãe me acordou dizendo que vovó havia piorado. Ela ligou pra emergência e vovó seria internada em alguns minutos.

***

Em situações de crise eu costumo fazer tudo rápido ou então rir. Sim, eu começo a rir como uma louca. Mas enquanto troco de roupa e vou escovar os dentes eu não sinto vontade de rir, apenas quero encontrar uma solução pra esse problema, desejo que os médicos nos falem qual é o remédio que vai fazer vovó ficar bem, que vai normalizar o funcionamento dos seus órgãos, que vai fazer ela parar de rejeitar comida.

Quando desço às escadas o mais rápido que posso, vejo mamãe na cozinha arrumando uma bolsa, ela leva tudo que se possa imaginar em bolsas quando sai, pra qualquer lugar.

— Mãe, e a vovó?

— Ela está no quarto. Você pode abrir o portão por favor, aquele cadeado me estressa.

— E a Carol?

— Ela está dormindo ainda. Nicole, você vai ficar com ela.

— Então eu não vou?

— Não tem como filha, sua irmã não pode ficar sozinha. Ainda faltam duas horas pra amanhecer.

— Caramba. _ murmuro.

— Fica aqui e descansa. De manhã vamos precisar de você.

— Tudo bem mãe.

Sigo para a porta da frente pra abrir o portão e facilitar a saída quando a ambulância chegar. Depois volto e entro no quarto. Vovó está deitada na rede, com os olhos fechados, mas ela sente minha presença e me olha.

— Oi vó. Como tá se sentindo?

— Uma dor por aqui. _ ela aponta pra o lado da barriga.

— A senhora vai ficar bem, tá? Os médicos vão lhe dar remédios injetáveis, então o efeito é rápido. Logo a senhora vai voltar.

— Não quero ir pra hospital. _ resmunga ela. _ Quero morrer em casa.

— Vó, a senhora não vai morrer. _ minha voz falha. _ Eu vou estar aqui com a Carol lhe esperando quando a senhora voltar.

Seguro a mão enrugada enquanto ela aperta a minha com força. Ela acredita nas minhas palavras.

***

Enquanto fico encarando o forro florido na cama com Carol dormindo, meus pensamentos vagam por todos os campos possíveis, até que começo a observar os detalhes do quarto. Paredes rosas, com exceção de uma que tem uma pintura gigantesca do quarto da Faniquita, uma formiguinha de um desenho bíblico que Carol gosta, fico impressionada com a criatividade de algumas pessoas, eu nunca pensaria em criar um grupo de formiguinhas crentes.

Os brinquedos de Carol estão dentro de um cesto no canto do quarto, e do lado de seu guarda roupa as prateleiras estão cheias de bichos de pelúcia e bonecas, elas me assustam então paro de olhar pra elas e ligo meu celular. Quando entro no Facebook vejo que Paulo está online, em plena quatro horas da madrugada.

Mando um emoji de olhinho e ele logo me responde, em alguns segundo ele está me ligando. Saio do quarto de fininho e vou para a cozinha.

— E aí, como você tá? _ pergunta ele.

— Estou preocupada. Minha avó foi pro hospital pra ser internada, e agora não consigo dormir.

— Nossa mano, eu espero que ela fique bem logo.

— Eu também espero.

Me encosto na parede da cozinha cheia de lajotas brancas com florzinhas laranjas, ela está fria, e aos poucos chego ao chão.

— E você? _ pergunto _ Por que você tá acordado a essa hora?

— Uma fita parecida com a sua. Mas nem tanto na verdade...

— Hã?

— Coisa de família. Eu tive uma conversa com meus pais hoje cedo.

— Seu pai estava aí?

— Sim, ele veio ver como a gente tá. Aí minha mãe ficou reclamando coisas de mim pra ele sabe, ela também não gosta muito que eu me envolva nas batalhas de rap aqui do bairro.

— Coisa de mãe.

— Sim, mas eu já sou maior de idade, tem uma hora que cansa.

— Entendo. Será que ela não quer que você faça alguma coisa? Às vezes as mulheres não falam mas esperam que os homens entendam.

— E eu sou telepata? Eu sei lá o que ela quer. Sorte que eu tô trabalhando agora e ajudo aqui em casa, se não a implicância era maior.

— Não duvido. Família é um negócio complicado.

— Você nem tem do que se queixar né.

— Eu não tenho uma família perfeita, Paulo.

Quando percebi já estava deitada no chão gelado da cozinha.

— A minha mãe diz que meu pai sumiu no mundo no primeiro sinal que ela deu que tava grávida de mim. _ falo enquanto encaro a laje que é o chão do meu quarto bem acima de onde estou.

— E ele nunca apareceu?

— Nunca. Mas até que foi bom.

— Por quê?

— Porque minha vó diz que ele fazia mal pra minha mãe, era irresponsável, se ele ficasse ela ia aceitar viver com ele mas ele ia fazer da vida dela um inferno.

— Nossa, que fita.

— E anos depois a minha mãe encontrou um cara legal que foi o pai da Carol, minha irmã de 5 anos, mas ele faleceu antes de ela completar um ano, eles se envolveram tão rápido, queriam casar e tudo mais. Mas parece que minha mãe não tem muita sorte no amor.

— Realmente, deve ter sido difícil pra ela.

— Sim, foi bastante difícil.

— E você?

— Eu o quê?

— Tem sorte no amor?

— Ah, não sei, eu tive um bom relacionamento uns meses atrás, era bom se eu olhar de forma geral, mas quando eu lembro que acabou ele não parece tão bom assim.

— Sei como é, tive um relacionamento a um ano atrás mas eu não soube lidar com algumas coisas da moça. Aí agora somos amigos, ou tentamos ser.

— Que bom.

— E os boys?

— Que boys?

— Eu sei que deve ter alguns aí te rondando.

Começo a rir.

— Não sei porque você pensa isso. Eu estou curtindo esse tempo sozinha. As mulheres da minha família me ensinaram que eu posso ser feliz comigo mesma, do jeito que eu sou, e que sou mais forte assim, as vezes, quando você se entrega demais pra alguém, você enfraquece.

— Então não se entrega.

Ficamos em silêncio alguns minutos e eu sinto minhas pálpebras querendo fechar.

— Ouvi uma música da hora hoje, é do Xamã, se chama A Bela e a Fera, já ouviu?

— Não, como é?

— Vou te mandar o link.

— Canta pra mim.

— Tem certeza? Sou um péssimo cantor, só sei rimar e olhe lá.

— Eu não me importo. _ falo sorrindo.

— Então lá vai... Gata, você é o crime toda boa, eu sou o crime em pessoa, eu não tô aqui à toa pra agradar. Nossa vida louca Deus perdoa, marca dez que o tempo voa, lá na frente nós tá pronto pra voar...

A voz de Paulo, mesmo sem jeito de cantor, estremece meu corpo e ao mesmo tempo me acalma.

“Eu nunca quis ver você indo embora

Mas todo filme foda sempre tem um fim

Me lembro da batalha, quinta-feira, nove horas

Eu na multidão sempre sozin

 

Eles não entendem nossa solidão

Somos de carne e aço

Oldschool lá do pistão

Nós bebe, comemora, mas por dentro tá tristão

Minha mãe mandou um abraço e aguarda a continuação

 

Me lembro que um dia vi uma águia pelo céu

Que mergulhou e resolveu se aventurar no mar

Mas acordou bêbada num quarto de hotel

Dizendo pra si que jamais voltaria amar

 

Pegou busão espacial e viu o céu azul escuro

Passei na sua rua e vi o seu nome no muro

Não sei se eu escrevo o meu do lado ou se eu rasuro

Prometo que se o chão cair de novo eu te seguro...”

 

Antes que Paulo termine a música eu já mergulhei no sono.


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Notas finais do capítulo

Ouçam Xamã



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