I Of The Storm escrita por isa


Capítulo 1
Tormenta


Notas iniciais do capítulo

Bom, aparentemente meu dragão interno escritor de fanfics está desperto de novo. Essa é uma historinha que fluiu toda hoje, do inicio ao fim. Espero que gostem :)



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Ele era muito bonito mesmo, notei, não pela primeira vez, mas sempre com a surpresa de uma revelação. Nada daquilo parecia visível em Hogwarts, provavelmente porque seu rosto vivia retorcido em caretas amargas. Mas ali, enquanto bebericava chá preto, quieto e taciturno, quase se mesclando com uma das muitas peças de mobília da saleta de estar, eu pensei que ele tinha aquele tipo de beleza clássica, uma beleza que era acentuada pelas roupas feitas sob medida para o seu corpo esguio e por uma paleta de cores invernais que ressaltavam os traços de seu rosto e faziam com que a pele não parecesse tão pálida quanto de fato era.

Obviamente esses eram os benefícios da posição social que ele ocupava mesmo depois da guerra, mesmo depois da mancha em seu sobrenome. Mas ainda que não houvesse o visual elegante que me fazia ter vontade de despi-lo, restariam os olhos cinzas de tormenta, aquele milagre triste da natureza, uma obra de arte por si só. Às vezes, quando estávamos escondidos e com os corpos colados e seminus em algum dos muitos locais possíveis em Wiltshire ou na casa dos meus pais, ele se permitia firmar o olhar no meu por tempo o suficiente para que eu pudesse ver aquela tempestade incessante que havia em suas irises.

Nenhum dia de sol jamais havia passado por aqueles olhos. Eu sentia que podia encará-los para sempre. Exceto, é claro, que não podia. E parecia cada vez mais arriscado e perigoso continuar avançando assim para as linhas limítrofes do meu próprio autocontrole em relação à Malfoy. Se eu não me concentrasse o suficiente, o simples ato de mirar seus dedos longos segurando a louça durante uma visita cotidiana fazia com que eu me lembrasse da sensação gelada de suas mãos em concha sob o meu peito.

— Você se acha muito esperta mesmo não é, Tori? – Daphne me perguntou à noite, depois que os Malfoy foram embora, quando já nos preparávamos para dormir. Eu dividia o quarto com ela há quase vinte anos agora, exigência materna de quem não perdia a esperança de que eu pudesse aprender uma ou duas coisas sobre comportamento aceitável com minha irmã mais velha.

— Hum? – perguntei distraidamente enquanto trançava o cabelo de maneira mecânica, ponderando se estava frio demais para fugir de casa no meio da semana. Eu tinha um fraco por pubs trouxas.

— Eu disse que você se acha muito esperta mesmo. – ela repetiu, pinçando palavra por palavra como se eu tivesse alguma dificuldade cognitiva. Sentada de costas para mim, ela me fitava pelo espelho da penteadeira, do outro lado do cômodo. Foi quando eu soube, pelo rosto duro como pedra, que era melhor deixar ela concluir o pensamento. – Você não pensou nem por um mísero instante que eu notaria o modo como você olha para ele, pensou? Ou como ele evita olhar para você toda maldita vez que vem jantar aqui.

Para ser franca, não, eu não tinha pensado. Eu estava sempre muito distraída imaginando transgressões sexuais e como realizá-las, mas não achei prudente dividir isso.

— Eu não... – gaguejei, sem querer e então limpei a garganta, antes de continuar. – Eu não achei que você se importaria, Daphne. Você não estava saindo escondido com McLaggen ou algo assim?

— E o que isso tem a ver? – perguntou, ainda cheia da razão, mas suas bochechas coraram um pouco.

— Bom, eu só não pensei que...

— Esse é o seu problema, Astoria. Você não pensa. Você apenas caminha por esse mundo como se nada tivesse consequência. Eu não dou a mínima para Malfoy, mas é claro que eu me importo com a porra do meu casamento arranjado. – ela sibilou. Era a primeira vez na vida que eu a via xingar, então isso foi o suficiente para me manter calada, sentindo a culpa nascer em algum lugar do meu estomago. - Eu honro as minhas responsabilidades. Eu as levo muito a sério mesmo. E eu não espero que você entenda o que é isso, mas estou cansada dessa sua cara de quem se acha melhor do que qualquer um de nós, porque você não é.

— Daphne... – eu me senti zonza, sem saber o que dizer.

— Nem ouse. – ela me interrompeu, apontando para mim através do espelho com o dedo indicador – Você poderia dormir com dezenas de bruxos ou trouxas, porque Merlin sabe que você não tem critério algum. Mas arruinar o contrato que nossos pais passaram um semestre conciliando? O que você achou que aconteceria, Astoria? E aquele pobre diabo do Draco, você não acha que a vida dele já é complicada demais sozinha? Você sabe o que eu acho? Eu acho que você não passa de uma menina birrenta. E isso não é muito diferente de ser uma menina mimada, no fim das contas.

Eu senti o peso das palavras dela se assentarem uma a uma em algum ponto entre a garganta e o peito. Terminei a trança em silêncio, olhando para um ponto fixo a frente. Não tinha coragem de encará-la. Lentamente, me deitei na cama, com medo de que mesmo o menor dos gestos a irritasse mais. Murmurei um “sinto muito” antes de fechar os olhos e me cobrir com um lençol.

A dinâmica entre Daphne e eu sempre foi pautada por implicâncias mútuas. Ela era o que meus pais gostariam que ela fosse, um protótipo perfeito da elite bruxa, e eu era seu exato oposto. Apesar disso – de achar seu jeito pomposo excessivo, de querer rolar os olhos para quatro em cada cinco frases que ela dizia e de sonhar com o dia que eu daria o fora da mui honrável casa dos Greengrass sem olhar para trás –, ela era minha irmã. E eu nunca a feriria profundamente de propósito.

Eu havia subestimado o quanto sua personalidade e caráter estavam atados aos códigos sociais que ela sabia – e queria – seguir. Eu havia calculado que não partiria seu coração dormindo com o cara que ela provavelmente se casaria, uma vez que ela não parecia nem remotamente interessada por ele. Nessa parte eu havia acertado.

O que eu não imaginava é que eu partiria seu coração justamente por ignorar o quanto era importante para ela que aquele evento fosse um sucesso, independente da maneira como ela se sentia em relação ao cara com quem estava se casando. Porque aquilo era um negócio, e eu realmente não tinha o direito de arruinar essa empreitada.

Mas foi o que fiz e agora não havia volta. Daphne estava certa. No fim das contas, eu não passava de uma menina mimada, exatamente o que eu não queria ser. As coisas com Draco haviam começado justamente porque eu estava entediada e curiosa. Eu não havia considerado que nós acabaríamos nas mãos um do outro mais vezes do que aquela primeira vez. Era para ser só uma das muitas contravenções na minha lista pessoal de ovelha negra da família. Em minha defesa, à medida que as coisas foram saindo do controle, eu tive ciência de que eventualmente teria que dar um fim aquilo. Eu só não havia conseguido ainda.

A conversa com Daphne, é claro, acelerou e potencializou o processo de retomada de lucidez. Eu passei a noite inteira insone pensando como finalizar um relacionamento que em tese nem existia, mas já durava há três longos meses. De súbito, me dei conta que não havia estado com mais ninguém desde então. E como Daphne pontuara, não era por falta de gente no mundo. Ou de oportunidade.

A minha vida social permanecera intacta. Pela noite, eu me esgueirava para fora do meu quarto tantas e quantas vezes eu achasse necessário para preservar a sanidade mental, mas desde que o indizível com Draco havia começado, eu quase sempre acordava em sua cama. Constatar isso fez com que o peso em meu estomago se tornasse insuportável.

— Papai, eu não estou me sentindo bem. Acho que deveria ficar em casa. – eu anunciei durante o café da manhã, uma semana depois, no dia em que o calendário familiar estava marcado com “tomar chá na mansão dos Malfoy”. Se eu não estava enganada, aquele seria o encontro que marcaria o inicio das oficializações. Se tudo corresse bem, em breve o noivado de Daphne e Draco seria anunciado.

Eu a olhei de esguelha, ansiosa para saber se o meu gesto tinha conquistado sua aprovação, mas ela não se deu ao trabalho de tirar os olhos das bolinhas de queijo do próprio prato.

— Você realmente parece esquisita há alguns dias, querida. – ele ponderou, coçando a barba. – Quer que chamemos o medibruxo da família?

— Não acho que é necessário. Eu só quero ficar em casa, se não for um problema. – disse da maneira mais educada e humilde que eu conseguia. Meu pai levantou uma sobrancelha, surpreso, e minha mãe estreitou os olhos em desconfiança.

— Os Malfoy poderiam entender isso como uma falta de consideração, Joseph. – minha mãe interveio ao perceber que ele estava considerando meu pedido. Clássico. Ela sempre estava pronta para me desapontar.

— Ora, Freya, uma única vez não pode ser tão ruim assim. Além do mais a menina vem se comportando muito bem... – ele rebateu como se eu tivesse cinco anos de idade e não estivesse ali, sentada à mesa junto com eles. – E é Daphne quem precisa estar lá, de todo modo.

Permaneci em silêncio.

— Eu acho que papai está certo, mamãe. – Daphne interveio, e como ela era sempre o voto de Minerva, eu sabia que minha causa estava ganha.  Suspirei aliviada antes de tomar um gole de suco de abóbora.

O meu plano era ruim, mas pelo menos era um plano: a ideia era passar o máximo de tempo longe de Malfoy para que ele entendesse que eu estava me afastando. Ele já havia mandado um bilhete que eu ignorara solenemente. Assim, quando finalmente fosse inevitável que nos víssemos, eu esperava já ter acumulado coragem o suficiente para verbalizar o óbvio.

Quando a hora chegou e minha família se despediu, me permiti surrupiar uma garrafa inteira de gim da cristaleira de papai. Subi com ela para o meu quarto decidida a entorná-la e a passar a tarde inteira alimentando um sentimento de autocomiseração, mas meus planos foram brevemente adiados pela figura alta encostada ao lado da cômoda com uma cara tão miserável quanto a minha.

— McLaggen? – eu cuspi o gole que tinha acabado de colocar para dentro da boca, em choque.

— Ei, Greengrass. – ele suspirou, sentando-se na cama da minha irmã e se agarrando ao travesseiro dela de maneira patética.

— Você sabe que não deveria estar aqui, não é?

— Eu sei. – ele suspirou de novo.

Eu soltei um palavrão antes de estender a garrafa para ele.

— Eu sou um bom partido, sabe? – ele divagou, olhando com devoção para a pintura de Daphne que ficava em uma moldura dourada na parede. – A minha família em peso tem influência no Ministério.

— Eu sei. – Era uma das poucas coisas que havia para se saber e a única que ele não conseguia evitar falar sobre, mas senti pena dele mesmo assim. – Ela gosta de você, sabe? De verdade. – murmurei, sem saber ao certo se estava em posição de dizer algo desse tipo. – É só que ela jamais iria contra o desejo dos nossos pais e você sabe como funcionam as coisas em famílias bruxas tradicionais...

— É. – ele bebeu um gole generoso da minha garrafa antes de devolvê-la. – Eu não vou te causar problemas. Eu só estava me despedindo. – ele passou a mão de maneira melancólica pela colcha que cobria a cama da minha irmã.

— Tudo bem. – eu murmurei, deixando que ele tivesse o tempo dele. Depois de alguns minutos que pareceram infinitos, McLaggen finalmente se levantou e se despediu, antes de aparatar.

Eu mal havia deitado e amaldiçoado aquela dor fininha que começava a sentir no peito quando escutei as passadas no andar debaixo e soube que não estava sozinha novamente.

— Olha, eu já disse que você não pode... – eu comecei a dizer, a irritação tomando o lugar da pena rapidamente enquanto eu descia as escadas aos pinotes. – Ah.

— Oi. – Malfoy me cumprimentou, afrouxando o cachecol.

— Oi – eu disse com a boca subitamente seca. E como ele se aproximou, fazendo meu coração palpitar, senti que deveria dizer logo, antes que não conseguisse: - o que você está fazendo aqui?

Isso produziu o efeito certo. Ele parou no meio do caminho, mas só por um instante.

— Você não apareceu. Eu vim checar como você estava. – e olhou para o relógio de bolso, antes de concluir: – a minha desculpa deve me cobrir por aproximadamente cinco minutos. – avisou, antes de me puxar pela mão e pousar as pontas dos dedos gélidos no meu rosto.

A preocupação que eu vi em seus olhos desarmou o resto de resistência que eu tinha e eu o beijei com a raiva, com a culpa e com a frustração de quem não fazia isso há tortuosos sete dias e, maldito seja, ele me correspondeu com os mesmos sentimentos e com a mesma intensidade.

— É a última vez. – eu murmurei pelo que parecia ser a milésima vez quando me vi imprensada contra a parede da sala, as pernas já em volta da cintura dele e metade do vestido desabotoado.

Draco, que já conhecia o discurso há pelo menos um mês, parou de me beijar o pescoço e apertou as mãos um pouco mais na minha cintura antes de respirar fundo e me olhar sério.

— Antes, eu preciso te contar uma coisa.  

Eu me recompus como pude, voltando a ficar apoiada nos meus próprios pés.

— Sim?

— Eu não vou me casar com a sua irmã, Astoria.

— O que? – eu disse num fiozinho de voz.

— Honestamente, eu não sei se algum dia eu vou estar preparado para um compromisso de voto perpétuo com alguém. Mas se eu for... – e ele me lançou um olhar longo - ...definitivamente não será com a filha mais velha dos seus pais.

Eu respirei fundo, absorvendo a mensagem enquanto tomava um pouco de distância física dele.

— Bom, isso é...

— Um alivio? – ele pressupôs baixinho, quase como se tivesse medo da resposta.

— Não. É terrível. – eu conclui, passando as mãos pelo rosto, sem acreditar no que eu tinha acabado de fazer. Tudo o que eu precisava era ter mantido um pouco de dignidade ao invés de querer me agarrar a última oportunidade de tê-lo comigo como se isso fosse uma boia de salvação.

Se eu tivesse me mantido firme, talvez ele reconsiderasse.

— Ah. – ele murmurou, parecendo confuso e... magoado? Era difícil dizer.

— Me desculpe, Draco. – pedi, sentindo uma profunda e insana vontade de chorar. – Antes de você chegar eu estava decidida a colaborar com a minha família pela primeira vez na vida e sinto que falhei miseravelmente.

— Você sabe o que é irônico? – ele confidenciou, já prestes a ir embora. – Pela primeira vez eu não estou disposto a colaborar com a minha. E de uma maneira estranha, isso é reconfortante, mesmo agora. Fique bem, Greengrass.

Eu não fiquei bem.

Quando meus pais e Daphne voltaram, soube que ele havia levado o plano adiante, o que era mais do que eu poderia dizer de mim mesma. Os meus pais pareciam confusos e constrangidos e Daphne, ressentida por eles, decidiu ignorar que eu existia. O seu orgulho ferido falou alto por semanas e só melhorou quando, numa manobra arriscada, McLaggen apareceu de surpresa na intenção de conversar com os meus pais a respeito das sérias intenções que ele tinha de se casar com ela.

A considerar todos os risinhos e gorgolejos de mamãe na ocasião, eu soube que as coisas ficariam bem. O humor de Daphne gradualmente foi anuviando todos os olhares assassinos que ela me lançava e em algum momento ela começou a se dirigir a mim durante as refeições com frases como “me passe o sal, por favor”. Embora tudo isso tenha desapertado alguns nós no meu peito, eu continuava sentindo como se eu tivesse falhado em algum ponto crucial, em algum detalhe irreversível, e as vezes a tristeza gritava tão forte em mim que eu sentia como se eu nunca mais fosse respirar direito novamente.

Foi numa dessas vezes, perambulando de madrugada de volta para casa que eu soube o que devia fazer. Quando eu me esgueirei pela janela do meu quarto, silenciosa como sempre pelos anos de prática, Daphne iluminou o quarto com a varinha.

— Desculpe – eu sussurrei, encarando a luz azul. – Eu não tinha a intenção de te acordar.

Ela se sentou em silencio, colocando uma mecha do cabelo loiro e surpreendentemente arrumado para trás da orelha. As vezes eu me esquecia o quanto nós éramos diferentes também no aspecto físico. Enquanto Daphne tinha o cabelo e olhos claros, eu tinha o cabelo castanho escuro do nosso avô paterno e olhos furtivos que não se decidiam entre o verde e o azul.

— Tudo bem, Tori.

— Você estava certa, sabe? – eu aproveitei que ela parecia ter baixado a guarda de vez para desabafar. – Sobre mim. Eu sinto muito.

— Astoria... – ela suspirou, se levantando para me abraçar. Eu não tinha ideia de que ela faria isso e muito menos do quanto eu precisava do abraço até começar a chorar em seu ombro.

— Eu fui muito dura com você. – ela sussurrou, fazendo um carinho no meu cabelo enquanto eu tentava parar de soluçar. – Eu estava com muito medo de que tudo saísse errado, ainda que intimamente eu estivesse torcendo para isso.

— Você é um pé no saco, mas é minha irmã, D. – eu disse, com a voz embargada. – Eu não queria magoar você.

— Eu sei disso agora. – ela suspirou, me apertando mais forte. – Está tudo bem, Tori. E acho que já está na hora de você parar de se magoar também.

Eu estava tão satisfeita com o abraço que concordei com ela. Foi a primeira noite em meses que eu consegui dormir bem.

Depois disso, com a benção da minha irmã – embora não exatamente com a sua aprovação – eu decidi que era hora de seguir o meu próprio caminho. Eu conversei com os meus pais sobre sair de casa, e embora nenhum deles tenha concordado com a ideia, eu soube que uma hora ou outra eles iriam acabar se acostumando. Fiz um malão provisório com itens essenciais e fingi não ver o saco de galeões que Daphne colocou em meio as minhas coisas como um incentivo indireto à minha iniciativa de vida adulta.

Como eles não haviam concordado com a atitude, meus pais decidiram que eu não receberia nenhuma ajuda monetária na esperança de me fazer mudar de ideia, de modo que o gesto da minha irmã mais velha era realmente bem-vindo.

— Mande notícias e esteja aqui para o meu casamento. – ela me beijou o rosto, quando tudo estava dito e feito. – Se não eu corto seu pescoço.

— Pode deixar. – eu prometi, beijando-lhe a testa por implicância. Embora ela fosse mais velha, eu era alguns centímetros mais alta.

Aparatei no primeiro lugar que me veio à cabeça. Felizmente o Caldeirão Furado tinha um quarto vago, e sim, sempre precisavam de uma mãozinha extra para atender os bruxos no final de semana, de modo que eu tinha uma cama para dormir e algo-perto-de-um-trabalho do crepúsculo de sexta feira até as três da manhã do domingo. Dentro do possível, eu estava feliz e também orgulhosa e isso compensava a falta que Draco me fazia.

Eu havia pensando, mais vezes do que gostaria de admitir, em mandar uma coruja ou voar pessoalmente até sua casa, mas nenhuma desculpa parecia boa o suficiente para isso. Além do mais, havia o medo sincero de que eu havia deixado escapar a oportunidade e por um lado era melhor sofrer em dúvida do que constatar que sim, o sexo era incrível, mas isso era tudo e ficara no passado.

Numa sexta qualquer, eu estava trabalhando quando notei numa mesa que acabara de vagar o exemplar de um Profeta Diário, aberto numa coluna que, dentre outras coisas, anunciava o casamento de Daphne e Cormac. Sorri pensando em como minha efusiva e linda irmã estaria e estava justo me deixando uma nota mental para enviar um bilhete jocoso quando Draco passou pela porta e todos os pensamentos sumiram.

Ele olhou diretamente para mim e caminhou em minha direção como se eu fosse mesmo seu destino último.

— Disponível? – ele apontou para a mesa que eu tinha acabado de limpar com um meneio de varinha.

— Sim.

— Obrigado. – ele se sentou, ignorando o murmurinho que começou em uma mesa próxima. Eu sabia o quanto ele se sentia desconfortável em lugares públicos e o quanto provavelmente havia lhe custado internamente essa aparição.

— Posso te oferecer alguma coisa? – perguntei, torcendo para que minha voz não soasse tão ansiosa quanto eu me sentia.

— Eu não sei se o que eu quero está no menu, Greengrass. – ele começou, desviando os olhos dos meus. – Então aceito qualquer coisa forte.

— Tudo bem. – eu disse, pensando que eu adoraria tomar qualquer coisa forte também. Eu o servi e quase entornei o copo quando seus dedos tocaram os meus por um instante rápido. Já era tarde, beirando a meia noite, mas eu sabia que dali em diante as horas se arrastariam de maneira lenta e tortuosa até o fim do meu expediente.

Nosso contato se resumiu a esse – e outros dois copos que ele pediu – ao longo de todo o tempo. Eu evitava olhá-lo, com medo de fazer isso obsessivamente ou de descobrir que ele estava prestes a ir embora. Eu queria que o tempo passasse o mais rápido possível e ao mesmo tempo que ele simplesmente parasse para que eu pudesse absorver cada sensação que a presença de Draco no mesmo ambiente que eu era capaz de produzir. As vezes, eu sentia os seus olhos me seguindo pelo saguão, formigando minhas costas, fazendo minha pulsação acelerar.

Lenta e gradualmente o Caldeirão foi se esvaindo de gente até que por fim só havia Draco de cliente e eu de funcionária. Eu era a encarregada de encerrar oficialmente o horário de atendimento, e eu fiz isso me permitindo um copo de chopp antes de me sentar com Malfoy.

— Está tarde. – ele comentou, encarando o tempo lá fora.

— Ou cedo. Depende da perspectiva. – repliquei só para jogar conversa fora. Ele me cedeu um meio sorriso.

— Eu queria falar com você. – ele se justificou. - Soube que sua irmã vai casar.

— Sim. – murmurei, pensando que a última vez que falamos sobre minha irmã as coisas não saíram muito bem.

— E que agora você mora aqui.

— É, eu achei que era a hora de andar com as minhas próprias pernas. – comentei, antes de acrescentar: - estava passando do tempo. Eu vinha adiando por que embora provocar meus pais seja um dos meus passatempos preferidos, eu não gostava da ideia de desagrada-los de verdade.

— Eu entendo. – ele me fitou finalmente.

— Tentei jogar com as regras do time, mas não deu muito certo.

— Não?

— Não. – foi a minha vez de desviar os olhos que agora estavam perigosamente embaçados.

Nós ficamos em silêncio por muito tempo. Da última vez que a gente tinha se visto, eu tive a impressão de que se eu não tivesse agido como agi, ele me diria uma coisa importante. Além, é claro, do que ele disse. Então eu soube que essa era a minha chance de ser sincera também.

— Eu sinto sua falta. – contei, engolindo a seco.

— Mesmo? – ele segurou a mão trêmula que eu havia pousado em cima da mesa, me forçando a voltar a conversar de frente.

— Mais do que eu gostaria de admitir.

— Eu também sinto sua falta, Greengrass. – As palavras saíram da boca de Draco como se tivessem esperado ali por muito, muito tempo. Eu me permiti cruzar a pequena distancia entre nós e ele me segurou da forma que eu havia ansiado a noite toda.

 - Eu estou tão feliz por você não ter se casado com a minha irmã. – murmurei com a voz abafada em seu peito e senti uma alegria incomum com o som da risada curta e rouca dele. Eu acho que nunca tinha visto Draco rir até então.

— Eu estava contando com isso. – ele disse encostando os lábios nos meus. – E, talvez, com um quarto. – admitiu e foi a minha vez de rir alto.

— Eu tenho um quarto. – avisei.

— Ótimo. Antes de subirmos...

— Oh, Merlin, mais uma vez isso... – impliquei, mas ele não se deixou abater.

— Não é só porque tive um breve lapso de consciência e senso de dignidade que decidi ir contra os planos dos meus e dos seus pais, Astoria. No tempo em que não nos vimos, eu soube que em algum nível fundamental eu fiz o que fiz porque queria ter a chance, ainda que remota, ainda que improvável, de me casar com você. Se você quiser. Algum dia. Nos nossos próprios termos. – eu não consigo nem imaginar o quanto de coragem ele precisou para dizer isso, mas me senti absolutamente grata pelo fato.  

— Eu quero. Algum dia. Nos nossos próprios termos. – concordei emocionada e assisti, pela primeira vez do que esperava serem muitas, os olhos que eu amava irradiarem de luz.


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