Audeline escrita por Jardim Selvagem


Capítulo 17
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

Música: Audeline - Alexandra Savior



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/792477/chapter/17

 

Ela sabia tudo sobre ele.

Seria apenas uma questão de horas. Ou mesmo minutos.

Suspirou e afundou o corpo no sofá de veludo, as pernas cruzando-se, a bolsinha de grife deslizando para o lado. Deu mais uma longa tragada no cigarro que comprara na semana anterior. Colhia os frutos do treinamento intensivo: desta vez não tossiu. Virou-se e examinou o espaço ao seu redor.

Como esperava, as mulheres pareciam cópias: todas altas, muito magras, os cabelos iluminados e sedosos balançando com a música junto com suas minissaias de couro, blusinhas de renda preta, botas de salto alto e bolsas caras. Os homens, todos de camisa social e calça jeans escura, pareciam muito ocupados com suas taças intocadas e seus celulares de telas ridiculamente gigantes. Todos os pulsos iluminados com a pulseirinha roxa brilhante.

Ela mesma olhou para os seus. O pulso fino e delicado envolto pela faixa, as veias azuladas contrastando com o roxo. Com o dedo indicador da mão esquerda, girou a pulseira, agradecendo mentalmente pelo passe que a melhor amiga conseguira para ela. Depois não seria capaz de arrancá-la sozinha. Meneou a cabeça para si mesma. Se desse certo — vai dar, vai dar, tem que dar —, ele já a teria tirado para ela no fim da noite, como o perfeito cavalheiro que era.

Ele ainda não havia chegado, disso ela tinha certeza — a ausência das pequenas aglomerações ou dos flashes inconvenientes era denunciatória. É claro, no portão principal já havia um grupinho de adolescentes carregadas de maquiagem e ansiedade, os olhinhos pintados fixos na entrada.

Ela sabia tudo o que podia sobre ele. Ele na verdade entraria por aquela portinha dos fundos à esquerda, os amigos logo atrás, e mais atrás ainda um ou dois, no máximo dois, seguranças pessoais. Iria direto para o barzinho no canto. Pediria um Cabernet Sauvignon com vodka e frutas vermelhas. Encostaria na bancada de mármore. Vasculharia a festa com os olhos escuros grandes e preguiçosos, escondidos pelos habituais óculos Ray-Ban. E, fatalmente — aterrissaria nela.

O novo projeto injetava doses extras de confiança em sua corrente sanguínea. Ela poderia recolher os pedaços de si mesma e se esconder sob a fachada lustrosa e loira de outra mulher, uma mulher que não era e nunca seria.

— Se divertindo muito, não é?

A interrupção veio sob a forma de um homem de cabelo bagunçado e barba por fazer. Ele sentou ao seu lado e instantaneamente o cheiro de tequila misturado a um forte e desagradável perfume masculino assaltou seu olfato. Ela franziu o nariz.

— Desculpe, você está falando comigo?

Saia daqui e não atrapalhe meus planos, queria dizer, mas ficou quieta. O que aquele cara estava pensando ao tentar falar com ela? Bella achava que estar sozinha no sofá era uma mensagem clara o suficiente para que a deixassem em paz.

— Achei que você parecia muito solitária aqui no canto. Não saiu do sofá para dançar nem uma vez.

Ela virou o rosto para o lado, os dedos brincando com o cigarro. Saia daqui, saia daqui, saia daqui…

— Qual o seu nome?

Você não vai desistir tão fácil, não é mesmo? Ela suspirou.

— Audeline — Bella disse entredentes.

Ela o observou observando-a, os olhos dele já bêbados embebedando-se no tremor dos seus lábios vermelhos a cada tragada.

Audeline — ele repetiu, as letras dançando em sua língua. Ela queria que seu novo nome dançasse na língua de outro. — Eu sou Orlando. Calderas. Orlando Calderas.

Bella fez questão de ignorar a ênfase desnecessária no sobrenome famoso. Voltou os olhos para a porta dos fundos, subitamente ansiosa. Ele poderia chegar a qualquer momento agora. Já era tarde o suficiente.

— O que você está bebendo aí? — Orlando roçou o braço musculoso em seu vestido de seda ao pegar o copo dela da mesa de centro. Apertou os olhos, analisando o líquido transparente como se fosse uma complexa substância de laboratório. Quando descobriu o que era, arqueou a sobrancelha em reprovação, como se fosse absurda a presença de um copo de água sem gás numa festa como aquela.

— Vem, gata, deixa eu te pagar uma bebida.

Ele puxou o braço de Bella, e ela automaticamente levantou-se do sofá, desfazendo-se das garras de Orlando. O gesto brusco o fez se virar para ela. A expressão dura que tomou seu rosto a alertou de que ele já estava ficando impaciente. Para ela, Orlando parecia mais um garotinho mimado pronto para um ataque público de birra.

— Vou ficar por aqui mesmo.

Orlando sorriu, inabalável.

— Não aceito não como resposta…

Ele agarrou seu braço novamente, desta vez com mais força, deixando uma mancha vermelha em sua pele com a compressão do sangue. Ela tremeu. Por uma fração de segundo, Bella se viu encurralada nos braços de James, os dedos ásperos sobre ela, comprimindo-a, arruinando-a, ele lançando uma maldição em seu ouvido, te acho nem que seja no meio do inferno te acho nem que seja no meio do — Ela balançou a cabeça, repelindo a lembrança. Aquele idiota não era James Witherdale e ela, graças a Deus, já não era Giulia Zafuri. Bella se desvencilhou com mais força desta vez.

— Me deixa em paz, cara.

Bella tentou olhar mais uma vez a porta dos fundos, os olhos escaneando incessantemente ao redor em busca de uma saída.

Orlando puxou-a pela cintura e a arrastou para o barzinho mais próximo, que esvaziava-se aos poucos conforme as pessoas formavam-se em grupos para conversar nos cantos.

— Paul, por favor, um Bloody Mary para essa bela dama ao meu lado…

Dama? Você está me tratando como uma boneca de pano, seu brinquedinho pessoal, me arrastando para onde bem entender.

Ela ainda tentava afastar-se dele, mas Orlando a envolvia num abraço forte, a mão deslizando por suas costas até parar pouco abaixo da cintura.

— Me solte. Agora. Estou avisando.

O bartender terminava de preparar o coquetel.

— Só te solto se você der um bom e longo gole na bebida, Audeline. Você precisa se divertir um pouco, ficar mais soltinha…

— Não vou beber nada, me solte, merda!

Paul deslizou o copo cheio de vodka e suco de tomate em sua direção. Antes que ela pudesse empurrar Orlando e tentar sair dali de qualquer forma, mesmo que acabasse caindo da banqueta acolchoada, ele segurou seu queixo e forçou sua boca a se abrir, derramando o líquido dentro. Ela tentou cuspir nele, mas já era tarde — a bebida desceu ardendo pela sua garganta, desviando para os pulmões e fazendo-a engasgar e tossir. Ele riu em seu pescoço, e novamente o cheiro forte de tequila subiu até suas narinas.

Orlando levou sua mão livre até a bochecha dela, afagando-a. E a beijou, forçando a entrada da língua na boca de Bella. Os dentes dela afundaram nos lábios dele, o gosto metálico do sangue espalhando-se em sua boca. Ela conteve a ânsia de vômito.

— Sua…

Não serei mais tratada como brinquedinho por filho da puta nenhum. Basta.

E então, no exato momento em que a música parou, Bella lançou um tapa bastante audível no rosto de Orlando.

Agora todos olhavam para os dois.

Ela buscou nas centenas de olhares um em particular, o único que importava. Encontrou-o exatamente como imaginara: chegando pela porta dos fundos, óculos escuros cobrindo os olhos. O rosto virado em sua direção. Sim, ele a notara. Mas pelos motivos errados.

Bella afastou-se de Orlando em questão de segundos. Talvez estivesse delirando, mas pôde jurar que, enquanto caminhava para onde estava minutos antes, os olhos de Edward a seguiam, absorvendo seus passos em direção ao sofá. Quando ela pensou que ele se aproximaria, Edward já tinha se virado para conversar com os outros membros de sua banda. Os ombros antes erguidos e abertos de Bella encolheram-se. Ótimo. As primeiras etapas de seu plano milimetricamente traçado já foram arruinadas antes mesmo que começassem.

Espalhando-se no sofá, o veludo e a derrota prematura tocando suas costas, ela contorceu o rosto numa careta enquanto observava Orlando abordar outra pobre moça solitária. Voltou a cabeça para espiar Edward Cullen, a visão escondida pelos Ray-Bans. Como cargas d'água ele conseguia enxergar com aqueles óculos escuros na escuridão da própria festa, ela não fazia a menor ideia. Ele parecia absorto em seu mundinho particular, conversando sobre sabe-se-lá-o-quê com Emmett McCarty e Seth Clearwater. Suas pesquisas ajudaram-na a reconhecer aqueles dois. Os seguranças, notando seu olhar, encararam-na de volta e apertaram o cerco protetor que formavam ao redor deles. Ótimo. Suas chances com Edward Cullen naquela noite eram nulas.

Bella não estava bêbada, é claro. Não poderia estar. O único líquido com algum miligrama de álcool que entrou em sua boca foi aquela porcaria de coquetel. Talvez só estivesse um pouquinho… animada. Bêbada de sono. De cansaço. Ela já passara por isso antes, os efeitos da exaustão em seu corpo deixando-a mais solta do que o normal.

Então por que desta vez essa sensação parecia… diferente?

Nos fundos de seu cérebro já entorpecido, ela desconfiava de que Orlando tinha enfiado alguma coisa naquele coquetel, mas como? A bebida mal saíra das mãos do bartender e Orlando já a derramara na sua garganta. A não ser que… O que Bella estava pensando mesmo? Dane-se. Estava tudo perdido, estava tudo girando, estava tudo borrado, borrões coloridos e sombras humanas rodopiando à sua volta. Bella apertou os olhos. Agora tudo parecia mais… mais vivo, mais tangível e ao mesmo tempo mais etéreo. Ela agora também se sentia estranhamente… sensível. Sensível ao toque da seda do vestido no seu corpo, ao contato da sua pele com o veludo do sofá, às batidas da música em seus ouvidos, ao cheiro de perfume e couro e suor e tabaco e vodka e cerveja em suas narinas. Estranho. Talvez aquele babaca tivesse mesmo colocado algo na bebida e… O que ela estava pensando mesmo? Ah, foda-se. O plano já estava arruinado de qualquer forma. Não seria naquela noite que ela conseguiria se aproximar dele, já sabia disso.

O que vou fazer agora? Embebedar-se estava fora de questão, não quando ela… O que eu estou pensando mesmo? As pupilas dilatadas de Bella vagaram até os convidados dançando e pulando e cantando as letras da música. Ela já não pensava em mais nada quando andou até a pista de dança.

Ela balançava o corpo de forma descoordenada, fora do ritmo, como se estivesse em seu próprio quarto, dançando sua música favorita ainda de pijama. Ela não dava a mínima. O álcool e a droga fluíam em sua corrente sanguínea, injetando desinibição em seu corpo. Alguns dos convidados já a encaravam e cochichavam entre si, rindo de seus passos de dança.

Bella fechou os olhos e se deixou levar pela música. A escuridão tão cintilante, tão vívida, tão acolhedora, estendendo-se como uma noite eterna, envolvendo-a num transe de euforia.

A sensação era tão boa que ela se recusava a abrir os olhos, mesmo quando ouviu uma risadinha rouca perto dela.

— Belos passos de dança.

— Cale a boca.

E continuou dançando de olhos fechados, alheia ao homem ao seu lado, até que seu cérebro finalmente registrou aquela voz grave e aveludada. De onde eu conheço essa —

Abriu os olhos de súbito. Em frente a ela, também de olhos fechados e dançando de modo ridículo, estava Edward Cullen.

O sangue subiu e concentrou-se em suas bochechas. Isabella Swan tinha acabado de mandar Edward Cullen calar a boca.

O perfume dele a invadiu e a colocou num torpor momentâneo. O perfume de Edward se misturava ao cheiro de grãos de café, mel, tabaco e o couro italiano de sua jaqueta preta imaculada, que se encaixava com perfeição em seus ombros. Feita sob medida, ela registrou vagamente.

Bella tinha os olhos bem abertos agora, observando-o e absorvendo seus movimentos como se ele fosse uma obra de arte. Os fios de seu cabelo cor de bronze moviam-se angelicalmente conforme ele balançava a cabeça, despreocupado. Ela refreou o impulso de tocar numa mecha. Edward parecia um anjo caído, perdido numa festa que não tinha nada a ver com ele. O desejo de tocá-lo a tomou como uma onda gigantesca. Bella queria ouvir sua voz mais uma vez, queria acompanhar o movimento daqueles lábios finos com a ponta dos dedos.

Ao fundo, os amigos de Edward continuavam bebendo e conversando na bancada do bar. Os seguranças encaravam-na como se a qualquer segundo ela fosse pular em Edward e sequestrá-lo da festa — o que não estava muito longe da verdade.

Ele mexia os quadris e as mãos de forma quase tão descoordenada quanto ela, um sorriso sem dentes brotando em seu rosto. Adorável. Edward abriu os olhos quando ouviu a risadinha dela.

— Só para deixar claro, eu não estava sendo irônico quando comentei sobre os seus passos de dança. — Estendeu as mãos. — Sou Edward.

Ele disse o nome sem um único resquício de afetação na voz, como se ele fosse um desconhecido e não, sabe como é, o cantor de uma banda adorada por milhares de pessoas.

— Audeline Blanc — ela disse com a voz arrastada.

Os dois cumprimentaram-se.

— Você parece um anjo. — As palavras escaparam de sua boca antes que ela pudesse filtrá-las. — Um anjo com péssimos passos de dança.

Ele soltou uma risada melodiosa, o som ao mesmo tempo rouco e aveludado. Barítono, ela lembrou. Tinha lido em suas pesquisas que ele era um barítono.

— Agradeço o… elogio.

— Por que você está aqui? Comigo.

— Eu…

— Que horas são? Hmmm… — Bella deu uma olhada no relógio de pulso. — Olha aí, está vendo? — Quase enfiou o relógio no nariz dele. — Vai dar uma da manhã, eu passei a noite inteira te esperando e você só vem a essa hora.

Ele riu mais uma vez.

— Perdoe-me pelo atraso — Edward disse num tom formal, antes de pegar a mão de Bella e plantar um beijo suave. Ela ruborizou. — Como posso compensá-la?

Bella desta vez conseguiu engolir as palavras que queriam sair de sua boca, uma transcrição direta de seus pensamentos nada apropriados. Em vez disso, perguntou:

— Como você pretende me compensar?

Ele aproximou os lábios da orelha de Bella, enviando arrepios em sua espinha.

— Desaparecendo dessa festa com você.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada por ler! Comentários são sempre bem-vindos!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Audeline" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.