Meu Inferno Particular escrita por Carol McGarrett


Capítulo 3
Jethro e Jen


Notas iniciais do capítulo

Chegou a hora da Jenny conhecer o porão de Gibbs! Yeah! E descobrir o bourbon...
Alguém aqui duvida que o elevador era mais do que uma sala de reuniões para Jibbs... porque eu não!!

Boa leitura!!



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O restante da semana foi estranha, por falta de uma definição melhor. Depois do incidente do elevador – e é incrível como eu ainda posso senti-lo escorado em mim – nossa dupla foi desfeita temporariamente. Se Jethro tivesse a oportunidade de escolher alguém, era sempre um dos meninos que ia com ele.

Não me importei... até porque havia sonhado novamente com ele. Dessa vez meus sonhos não foram na sala do esquadrão, mas sim, dentro do elevador. E nós dois não ficamos só no quase beijo. Ah, não mesmo.

Para manter a minha sanidade, passei a usar a escada.

Acontece que ainda tínhamos uma proposta para aceitar. Eu já estava decidida. Agora se Jethro iria ou não, problema era dele.

É claro que a distância entre nós não passou despercebida pela dupla dinâmica que se sentava à nossa frente. E na primeira oportunidade à sós, Will me perguntou:

— Hei, Jen. Por acaso você mordeu o Gibbs?

— Como é?

— Você e ele estão estranhos, cansaram de se bicar e partiram para o ataque? Porque só você tendo finalmente cumprido alguma de suas tantas ameaças para deixá-lo com aquela cara.

Então ele pensa que tínhamos brigado. Interessante.

— Vamos dizer, Will, que chegamos no quase. E, às vezes é bom mudar de ares. Aprender como outras pessoas veem a mesma cena que você está vendo! – Acrescentei e dei um passo para trás, procurando por mais alguma evidência que poderia haver naquele escritório.

— Faz sentido. – Decker continuou a fotografar o local.

— Ahn.. Will. O que você acha que é isso? – Levantei um pedaço de papel que estava ensopado de sangue.

Ele veio e tirou uma foto, fazendo questão de focar também o meu rosto.

— Não teve graça! – Reclamei.

Will chegou mais perto e tentou ver o que poderia estar escrito debaixo de todo aquele sangue.

— Não faço ideia. Por via de dúvidas, embala e etiqueta. Parece que a nossa vítima estava segurando isso. – Ele deu de ombros.

— Quando eu terminar de processar esse escritório vamos precisar de um caminhão de mudança para levar cada uma dessas evidências. – Dei uma volta vendo que praticamente toda a mobília e os enfeites teriam que ser levados.

— Trabalho para o pessoal da Ciência Forense. – Stan gritou da porta, ele vinha todo feliz depois de interrogar a secretária.

— Alguém descolou um encontro... – Will comentou.

— Ou está fingindo que conseguiu um. – Emendei sarcástica e Stan escutou.

— Isso é dor de cotovelo, Ruiva? Saiba que eu te dei uma chance!

Fingi que não escutei e comecei a olhar em volta mais uma vez, só por precaução, não queria que a solução desse sequestro – já que nenhum corpo tinha aparecido ainda. – ficasse perdida pelo meio do caminho.

Não vi nada de nosso interesse, depois passei pelos outros cômodos do andar só para ter certeza.

— Will, preciso de você aqui! – Gritei quando vi uma marca estranha na porta principal.

Ele veio rápido e com a câmera em mãos.

— Um chute? – Ele perguntou depois de bater uma foto.

— Sola estranha. Não faço ideia de qual sapato é... – Comentei.

Com tudo devidamente fotografado, embalado e etiquetado fomos embora. Stan ainda teve a cara de pau de se despedir da secretária. Mereceu o tapa na cabeça com certeza.

O caso se revelou ser uma fuga, a primeira sargento dos Fuzileiros tinha sumido porque quis. Não deixou rastros, não deixou pistas, parou de usar o cartão de crédito ou de sacar dinheiro em banco. E todas as pistas e evidências que tínhamos levava a essa conclusão.

Mas por que eu não estava satisfeita?

Fui para casa com a sensação de que o caso não estava elucidado. Fora fácil demais, perfeito demais. E o que mais intrigava. Por que havia sangue em um pedaço de papel, se McDowell queria sumir? Por que deixou um rastro de sangue?

Parei de ler o livro que tinha aberto e mal tinha lido dez páginas. Tinha mais alguma coisa por baixo de tudo isso. Eu tinha certeza, só não sabia o que era.

Do jeito que estava, peguei a chave do meu carro e me dirigi para Alexandria. Mesmo com quase dezoito meses de parceria, era a primeira vez eu vinha até a casa de Jethro.

E como eu sabia o endereço? Fácil. Olhei na ficha dele. Deve ter sido assim que ele descobriu o meu.

Parei o carro na frente da casa de cerca branca, já pensando que isso não combinava muito com o Marine mal-humorado que era Jethro.

Na porta hesitei por um momento, mas eu não tinha tempo a perder. Uma sargento estava desaparecida e contava com o NCIS para ser encontrada.

Bati a campainha e esperei.

Ninguém veio me atender.

Olhei meu relógio. Não era tão tarde assim.

Bati de novo. Nada.

Resolvi testar a maçaneta, estava destrancada.

Entrei e chamei, e só depois me ocorreu que Gibbs poderia estar com alguém. De qualquer forma o estrago já estava feito, tudo o que poderia acontecer era uma encarada furiosa. Mas ninguém mandou deixar a porta destrancada...

Dei um passo para o lado e me vi na entrada do que me pareceu ser a sala de estar, de jantar e cozinha. Uma luz iluminava uma porta no canto direito da cozinha, quase escondida pela geladeira.

Segui o brilho, sabendo que a qualquer momento poderia dar de cara com Jethro.

Ele não apareceu e eu me vi no alto de uma escada de madeira, encarando um porão e um...

— Isso é um barco?! – Perguntei abismada.

Sim, eu já sabia que Jethro sabia mexer com madeira, mas tinha um boato que falava que ele construía um barco no porão. Nunca dei crédito, afinal, como ele tiraria um barco de dentro de um porão?

Porém era verdade. Tinha um barco dentro daquele porão.

— O que você quer, Jen?

— Como você tira isso daqui? – Continuei com o interrogatório. Estava olhando para as paredes, nenhuma delas parecia uma espécie de porta.

Pelo canto do olho vi que Jethro tinha parado o que ele estava fazendo e me encarava.

Fiquei sem graça pela intromissão.

— É, bem, eu bati, ninguém foi me atender e a porta estava destrancada. – Apontei com o polegar para a direção de onde tinha vindo.

Jethro me ignorou e voltou a mexer no barco. Mesmo sem convite, desci as escadas devagar, se eu me descuidasse, era bem capaz que acabasse com um tornozelo torcido ou o pescoço quebrado. Quando cheguei sã e salva no piso, olhei com atenção para o barco. Era inacreditável.

— Você construiu isso sozinho? – Me vi perguntando e atrapalhando a paz com a qual ele trabalhava.

— Sim. – Foi a resposta monossilábica que recebi. Era melhor do que nada.

— Quem te ensinou a fazer isso? – Cheguei perto e tive que tocar a estrutura, só para ter certeza de que era real.

— Meu pai. – Jethro não falou mais nada e eu entendi que era para não insistir no assunto.

Jethro estava pintando algo na proa. Se eu entendo algo de barcos, geralmente é o nome que é pintado ali. Curiosa e sabendo que a qualquer momento ele poderia me expulsar dali, cheguei perto de onde ele estava sentado, parando à suas costas.

O nome não estava pintado completamente, só as bordas.

Diane

E eu não acreditei que ele tinha colocado o nome da ex-esposa #01 em algo que ele tinha levado um tempo considerável para fazer.

— Você está de brincadeira, não está?

E foi aí que ele me encarou, com uma sobrancelha levantada e uma feição nada feliz. Furioso ele não estava, mas claramente não estava gostando da minha interrupção e, principalmente, das minhas perguntas e comentários.

Não me intimidei.

— Sério, o nome da sua ex-esposa? Como você vai esquecê-la se vai navegar em um barco com o nome dela?

— Quem te falou que eu vou navegar nesse barco? – Ele retrucou.

— Então vai dar de presente para ela, como uma oferta de paz? É verdade que ela se casou com aquele agente do FBI, o Fornell?

— Eu vou queimar o barco, Jen.

E eu caí sentada no chão.

— QUEIMAR? Por que não vender?

— Não quero qualquer um navegando em um barco que é meu.

— Pelo que ouvi, você não se importou em quem navegava na Diane... – Disse ainda sentada do chão, dessa vez em uma posição menos constrangedora.

Jethro se virou na minha direção.

Eu dei de ombros.

— Foi o que eu ouvi.

— O que você está fazendo aqui, Jen, além de me perturbar.

Foi aí que o motivo da minha visita voltou à minha mente.

— Nosso caso. – Disse.

Jethro levantou uma sobrancelha e deu um sorriso debochado.

— O caso em que estamos trabalhando.— Elaborei. – Por que tudo o que eu falo você traduz com outro sentido? – Perguntei exasperada.

Ele se levantou do banco onde estava sentado e me deu a mão para me ajudar. Ainda sorria da minha pergunta.

— Por que sempre tem que haver um “mas” com você, Shepard?

Bom, ele tinha focado no caso.

— Não parece tão simples quanto parece. Algo está me incomodando...

— O que? – Ele foi até a bancada, pegou um porta parafuso, jogou o conteúdo em cima dela e depois encheu de whiskey. Fez o mesmo com uma caneca que estava por ali e me estendeu.

Levantei uma sobrancelha para os seus hábitos de higiene. Mas seria muita falta de educação falar algo... eu já tinha invadido a casa dele e atrapalhado o seu trabalho manual. Assim, dei um gole na bebida e cuspi o conteúdo imediatamente.

— Mas o que é isso? – Perguntei tossindo.

E mais uma vez fui o motivo da risada dele.

— Bourbon.

— É álcool puro. – Reclamei sentindo o cheiro.

— É um gosto que se adquire, Jen. Vamos lá, aprenda a beber. Ou você vai beber aqueles drinks coloridos o resto da vida?

Olhei desconfiada para o conteúdo da caneca. Ainda podia sentir a ardência na minha língua nem queria pensar no que isso ia fazer com a minha garganta.

Jethro esperava com um sorriso que indicava que ele sabia que eu não tomaria aquela bebida.

Não tem nada no mundo que eu odeie mais do que ser desafiada.

Respirei fundo e virei todo o conteúdo de uma vez. O líquido âmbar desceu queimando pela minha garganta, a minha reação natural era tossir, mas me mantive composta e quando senti que era seguro olhar para ele, levantei uma sobrancelha como que o desafiando a manter aquele sorriso de canto nos lábios.

Ele pareceu impressionado por alguns meros décimos de segundo e depois voltou a falar.

— O que você acha que está de errado com o caso?

Comecei a tecer a minha teoria. Eu ainda não tinha provas.

— Então você acha que ela foi levada? – Jethro me perguntou ao encher a minha caneca pela terceira vez. Ele tinha razão, não é tão ruim assim de beber depois que se acostuma com o gosto.

— Sim. O papel encharcado de sangue é a única evidência que não se encaixa na história, Jethro.

— E que você acha que tem ali.

Dei de ombros.

— Pode ser qualquer coisa. Mas se ela queria sumir, por que deixar aquilo ali? Por que não levar com ela e descartar em um lugar longe?

— O sangue no papel estava seco?

— Estava. – Balancei a minha cabeça e de repente ela ficou pesada. – Até onde me lembro, tem como tirar sangue de papel, mas leva um tempo absurdo e é muito trabalhoso.

— Ainda bem que não somos nós quem vamos fazer isso.

— Não. Não somos. O nosso problema é descobrir para onde ela iria ou para onde foi levada. Não creio que para muito longe. – Terminei de falar e me sentei no último degrau. Aquela porcaria de bourbon subia rápido.

— Vamos ter que refazer os passos dela pelas últimas semanas, tentar descobrir a rotina dela.

— Acha que poderia ser um perseguidor. A moça não tinha lá muitos amigos na Capital. Tinha chegado há poucos meses.

— Quantos? – Jethro quis saber.

— Três. Veio depois de uma designação de seis meses trabalhando na Embaixada Americana no Iraque.

— Iraque é um lugar perigoso.

— Jethro, eu não vejo como uma Fuzileira que trabalhava como segurança em uma Embaixada possa ter ouvido algo que não deveria.

— Talvez nem ela soubesse disso, Jen.

 - Mas se ela não falou nada com ninguém, por que viraria um alvo? – Perguntei, eu já me sentia muito alterada. Estava na hora de ir para casa.

— Ficaram com medo de que ela juntasse alguns fatos.

— Uma queima de arquivo assim não faz sentido. Ou pelo menos não faz sentido para mim nesse exato momento. Preciso pensar com mais clareza. Nos vemos amanhã. - Falei de supetão e me levantei. Estranhamente tudo ficou preto e só me lembro de murmurar: - Maldito Bourbon.

Acordei com cheiro de café. Isso era estranho para alguém que morava sozinha. Sem abrir os olhos acabei por rolar e...

Caí no chão. E isso me acordou de vez.

Onde eu estava? Por que estava em um sofá? E quem colocou esse café na minha frente? - Eram as perguntas que eu fazia.

— Bom dia, Jen. Dormiu bem?

Eu conhecia aquela voz. Eu não acredito!

— Eu apaguei no seu porão, não foi? – Perguntei muito sem graça.

— Eu te avisei para ir devagar com a bebida. – Jethro comentou sorrindo.

— Acho que deve ter avisado. – Murmurei e peguei a caneca de café. Preto e completamente sem açúcar. – Você não teria açúcar, teria? – Sorri torto para ele.

— Isso vai te ajudar, sem açúcar. – Ele comentou.

Bem... eu tinha tentado.

Tomei o café e me dei conta de que o dia ainda não tinha amanhecido completamente. Dei uma olhada no meu relógio de pulso. Na verdade, eu ia chegar atrasada no NCIS se me demorasse ainda mais.

Me levantei do sofá de uma vez, quase tropecei nos meus próprios sapatos que estavam jogados de qualquer jeito aos meus pés, um claro aviso de que Jethro realmente odeia meus saltos, e fui até a cozinha para lavar a caneca. Que estranhamente era a mesma da noite anterior.

— Obrigada pela conversa, pelo sofá e pelo café. Te vejo no escritório. – Falei apressada e sai para a manhã fria.

Jethro não disse nada. E com uma cara de tacho tive que voltar para dentro da casa. Eu tinha me esquecido de calçar os sapatos e não fazia ideia de onde estava a chave do meu carro.

— Você viu a chave do meu carro? – Perguntei ao me jogar no sofá para me calçar.

— Você fica desorientada quando bebe, Jen. – Jethro me provocou ao me entregar a chave.

—  Não bebo com essa frequência, Jethro.

— Eu tenho muito o que te ensinar, Jen... Essa missão na Europa veio em boa hora.

Parei na entrada da sala e olhei para ele.

— Você se decidiu?

— Você não? – Ele me devolveu a pergunta.

— Por que você me devolveu a pergunta?

Ele deu de ombros.

— Você, Leroy Jethro Gibbs, é um homem muito estranho! – Comentei.

— Pelo menos não sou desorientado quando bebo.

Fui obrigada a voltar para perto dele. E muito mais perto da sua orelha do que seria recomendado para duas pessoas que trabalham juntas, falei:

— Esse é o charme, Jethro. Será que você pode conviver com isso? – E antes de me afastar ainda dei um beijo na sua testa.

Milagrosamente ele ficou um tempo calado, mas antes que eu descesse os três degraus da entrada escutei:

— Não chegue atrasada, Shepard.

Não pude conter o sorriso.

No final, eu estava certa, ou quase certa, o pedaço de papel não era um nome ou uma localização, mas um extrato de uma conversa por e-mail que tinha ido parar na mão da Sargento. Mas, ela fora sim sequestrada. E a teoria de Jethro era verdade também, pois eles planejavam executá-la. Já que a tinham torturado para saber o que ela sabia. Crente de que a moça tinha ouvido todos os planos para um atentado na capital iraquiana.

Chegamos a tempo e salvamos a Sargento.

No fim das contas, foi um bom dia no escritório.

O restante da semana passou, e na segunda cedo, Morrow nos chamou em sua sala, querendo as nossas respostas.

Confirmamos que iríamos. Ele, por um lado, pareceu ficar feliz de se livrar de nós por tempo indeterminado e nos avisou que nossas posições estariam garantidas ao final de tudo.

Tínhamos seis meses em Washington e depois, só Deus sabia o que iria acontecer.

À medida que a data do embarque se aproximava, começamos a receber as informações de nossos alvos. Com três meses para a nossa decolagem, eu já tinha mais de mil folhas de inteligência em meu escritório.

Não raro, Jethro aparecia para conversar, ora sobre o caso em aberto, ora sobre a missão. A verdade era que, pelo menos três vezes por semana ele vinha. E quando não aparecia, era eu quem ia até Alexandria. Era uma rotina estranha e perigosa. Eu sabia disso. E ele também. E quanto mais tempo passávamos juntos, mais as cenas como o incidente do elevador aconteciam.

Na grande maioria das vezes conseguíamos nos desvencilhar um do outro sem qualquer contato, mas a tensão ficava cada dia maior, mais forte. E eu me peguei sonhando com ele com mais frequência. O que não me ajudava em nada, já que eu passava mais de 2/3 do meu dia ao seu lado.

E toda essa dança, toda essa tensão explodiu dois meses antes da missão ser iniciada.

Era início da primavera de 99. Mais precisamente o meu aniversário de dois anos como agente do NCIS. Nosso caso era de vendas ilegais de armas da Marinha. Já tínhamos rodado praticamente todas as gangues de rua de D.C. e arredores. Até que nossa última pista nos levou para Baltimore. Um armazém com cara de abandonado. Mas só cara mesmo, pois, por dentro, era um verdadeiro escritório de tráfico de armas, com mostruário, computadores. Uma verdadeira festa de provas e documentos.

Logicamente não estávamos só nos quatro. Levamos reforço, já que as armas roubadas e que estavam sendo vendidas ilegalmente eram de grande porte e nenhum de nós tinha a intenção de morrer.

Confesso que não me lembro como o tiroteio começou. Escutei Will gritar arma e logo em seguida uma chuva de balas passou voando por onde eu estava. Para meu completo desespero, fomos separados e da distância em que estávamos, não dava para que um cobrisse o outro que tivesse a ideia de contra-atacar.

Até que eu vi uma brecha. Entre a troca de um cartucho vazio por um novo, o atirador levava doze segundos. Eu era a menor e mais leve e ainda corria mais rápido. Esperei o click sinalizando o fim das balas e saí correndo na direção do atirador. Eu teria muito pouco tempo de reação.

A cada passo eu contava regressivamente os segundos. Quando pulei bem atrás dele, estava no zero. Ele engatilhou a automática na minha direção, mas eu fui mais rápida para atirar. Não o matei, mas consegui que ele soltasse a arma.

Depois disso foi fácil seguir os demais.

A apreensão foi feita e eu achei que tudo estava acabado. Will e Decker prometeram pagar a rodada da noite. E foram os primeiros a sair. Gibbs tinha desaparecido desde que voltamos para o prédio. Eu estava terminando meu relatório, conferindo se tudo estava explicado e se não tinha nenhum erro.

Com tudo pronto, deixei o relatório na mesa de Jethro, peguei as minhas coisas e ia para casa primeiro, deixaria meu carro lá e iria de táxi até o bar.

Na hora em que as portas do elevador se abriram, eu quase trombei com Jethro. Achei que ele estaria com um humor melhor, já que tínhamos feito uma grande apreensão e todos estavam dando o devido crédito para o NCIS, mas não. Sua expressão era fria e taciturna.

Ele não saiu do elevador quando eu entrei.

— Já vai para o bar? – Perguntei.

Ele não me respondeu. Deu um passo para frente e parou o elevador. Quando se virou na minha direção eu não consegui identificar a sua expressão. Muitas emoções passavam pelos seus olhos, raiva, ódio, fúria e...

— O que você pensa que fez hoje, Shepard? – Sua voz estava perigosamente perto do limite entre o ódio e a fúria.

— Nós fizemos uma apreensão. – Respondi desconfiada.

— Eu não estou falando do resultado. Estou falando da sua atitude. Você pensou no que estava fazendo quando saiu correndo daquele jeito?

— Eu vi uma oportunidade e aproveitei. Eu sou a mais rápida, Jethro. – Me expliquei.

— Você se colocou em perigo sem necessidade, Jen. Tem noção que se você tivesse se atrasado um segundo. Você estaria em uma das mesas da autópsia agora? – Ele falava baixo, me encarando.

— Eu sabia o que estava fazendo! Não daria errado. – Bati o pé. Ele estava sendo irracional.

— Quem é o seu parceiro, Shepard? – Ele perguntou, chegando perto de mim.

— Você. Mas o que isso tem a ver?

— Quem você teria que avisar quando tem uma ideia como a de hoje?

— Não comece, Jethro, eu sou a sua parceira, você é o Chefe da equipe, mas eu não vou pedir a sua benção toda vez que eu for fazer alguma coisa. Sou tão agente quanto você! – Vociferei.

— Você poderia ter morrido hoje, Jen! Não consegue perceber isso? – Ele se assomou sobre mim e bateu uma mão na parede do elevador, bem ao lado da minha cabeça.

— Eu não estou morta! – Sibilei.

Ele me encarou cheio de fúria, a essa altura estava tão furiosa quanto ele, e sustentei o seu olhar.

— Nunca mais faça isso. – Ele ordenou.

— Você não manda em mim. Se eu ver uma oportunidade que possa ser benéfica para a equipe, eu vou fazer de novo. – Retruquei.

— Não vai, Jen. Você não vai fazer isso comigo de novo.

— Não se trata de você, Jethro. Se trata do caso. Era o melhor jeito. A única saída. – Respondi e a outra mão dele bateu do outro lado da minha cabeça. Eu estava literalmente presa por ele.

— Jen... não. Você não vai fazer isso de novo. – Ele chegou a centímetros de mim, eu ainda podia sentir a raiva emanando dele.

— Por quê? – Demandei, inconscientemente ajeitei a minha postura e tentei equiparar a nossas alturas, e cheguei ainda mais perto dele.

— Porque eu não sup... – Seus olhos ficaram negros e quando dei por mim, meus braços estavam ao redor do seu pescoço, sua boca estava na minha e uma de suas mãos estava na minha cintura, me puxando para perto de si.

Não foi um beijo casto. E nem poderia. A tensão que nos rodeava há meses estava cobrando o seu preço. Eu queria cada pedaço dele. E ele queria cada pedaço de mim. Eu poderia beijá-lo por um tempo indeterminado, sentir o gosto de café, de bourbon que tinha em sua boca. Mas precisamos de ar. Eu não tinha para onde me afastar e ele não moveu um milímetro.

Encarei seus olhos azuis. E foi só aí que eu percebi que ele estava usando uma camisa azul clara, exatamente como na primeira vez que eu sonhei com ele. Jethro, não satisfeito, me beijou de novo, com ainda mais intensidade. E quando dei por mim, tinha as minhas pernas envoltas em sua cintura, sua mão passeava pelo meu corpo, e as minhas estavam agarrando as suas costas. Uma vozinha me alertou que estávamos muito próximos de cruzar uma linha que não devíamos.

Ofeguei ao pensar onde esse beijo terminaria.

— Jethro... – praticamente sussurrei seu nome.

Ele não parou e nem se afastou.

— Jethro... – Tentei empurrá-lo, mas ele entendeu errado o que eu queria e me beijou novamente. E me vi correspondendo.

— Temos que parar. – Falei assim que tivemos que respirar.

— Por que Jen? – Ele agora estava distribuindo beijos na minha mandíbula e estava ficando difícil de pensar.

— Aqui não é o lugar. E... – Parei.

— E o que?

— E se não der certo? E se acontecer algo? Esqueceu que temos uma missão no exterior? – Consegui soltar em um fôlego só.

Jethro levantou a cabeça para me olhar. Suas pupilas ainda estavam dilatadas.

— Aqui não é o lugar, Jethro. Não só porque estamos dentro de um elevador, mas porque todo mundo vai saber. Nada fica escondido dentro desse prédio. – Consegui falar.

Ele me olhou longamente. Sua mão ainda apoiava a minha coluna e eu ainda estava praticamente em seu colo.

— Não faça isso comigo... – Eu vi o brilho em seus olhos e quase desisti.

— Acha que é fácil para mim também? Acha que não quero continuar? – Perguntei. – Acha que esses últimos meses foram fáceis para mim? Se acha, está enganado, Jethro.

— Na Europa, então.

— O que são dois meses para quem já esperou mais de um ano? – Perguntei e desenlacei minha perna da sua cintura. Ele cuidadosamente me colocou de pé, mas manteve suas mãos em minha cintura.

— Você vai ser meu inferno particular pelos próximos dois meses, Jen. – Ele disse em uma voz rouca.

Mal ele sabia que era o meu inferno particular desde que entrei aqui.

—--------------------

E mais rápido do que nós dois pensamos, o dia de nosso embarque chegou.

Passamos os últimos dois meses discutindo os detalhes da primeira ordem. Depois planejando palavras de ordem para o caso de algo dar errado. É lógico que a nossa estranha rotina de visitas continuou. Agora, algumas vezes elas não passavam de uma sessão para alívio de tensão. E toda vez que sentíamos que íamos cruzar a linha, éramos obrigados a parar. Jethro era sempre o primeiro a reclamar.

— Alguém tem que ter juízo entre nós dois. – Eu disse.

Ele apenas me deu um olhar de lado e depois me pegou pela cintura e me pôs em seu colo. Quando tentei me levantar.

— Não estou cruzando nenhum limite, Jen. Nenhum. – Seu sorriso santo não enganaria nenhum anjo.

E entre os casos que iam surgindo e a inteligência que íamos recebendo, nosso tempo ficou curto. Quando me dei conta, era verão e hora de arrumar a minha mala.

Cinco dias antes do embarque, descobrimos que Decker seria o nosso correspondente. Foi um alívio saber que a única pessoa que conhecia as nossas reais identidades era um amigo.

A nossa última noite em solo americano foi de comemoração. Stan, que tinha sido transferido para ser Agente à Bordo resolveu se despedir de todos e, naquele mesmo bar de sempre, nos mesmo bancos de sempre, estávamos nós quatro, bebendo à nossa amizade e, internamente, eu rezava para que pudéssemos fazer isso novamente, algum dia no futuro.

Para o completo desespero de Jethro, eu pedi um drink colorido. Não podia entregar o que quer que nós tínhamos para os demais ao pedir algo igual ao dele. Afinal, tenho certeza de que Stan seria o primeiro a perguntar quando foi que eu tinha mudado o meu gosto por bebidas.

Foi uma boa noite, e por alguns momentos eu consegui esquecer o que estava prestes a fazer. Não era muito tarde quando me levantei e me despedi de todos.

— Mas eu não vou ganhar um beijo seu nem no nosso último dia juntos, Ruiva? – Stan implorou.

Parei na frente.

— Você não percebeu nada em todo esse tempo, Stan? – Perguntei.

— Que você é apaixonada por mim e tem medo de confessar? – Ele brincou.

Revirei os olhos. E depois dei um tapa nele.

— Como eu disse tempos atrás. Você não faz o meu tipo, Burley. Mas como eu estou de bom humor e com pena de você por ficar preso dentro de um mesmo navio por meses, eu vou te fazer um favor.

Stan abriu os braços me esperando.

Dei um tapa atrás da cabeça dele e depois um beijo na bochecha.

— E não se acostume, é o máximo que você vai ganhar de mim e será só essa vez! – Eu o adverti.

— Eu vou sentir a sua falta, Jenny! – Ele falou me abraçando.

— Por mais que me doa dizer isso, Stan. Eu também vou sentir a sua. Por favor, não caia do navio!

— Eu vou tentar não fazer isso! – Ele brincou me dando uma piscada.

E eu me despedi de uma pessoa que eu realmente poderia considerar a meu amigo.

Decker e Ducky eu veria na Europa, ainda não sei quando, mas veria. Nossas despedidas foram normais.

Estava para sair quando escutei Jethro dizendo:

— É melhor deixar aquela lá em casa ou é capaz que ela não chegue.

Eu não estava bêbada, aliás, estava muito longe disso, dois drinks nem tinham feito efeito, mas eu sabia o que Jethro queria. Esperei por ele ao lado do carro.

— Precisava acabar comigo daquele jeito? – Cruzei os braços e me sentei no capô do carro.

— Eles caíram, Jen. Anda, entra no carro, vou te deixar em casa.

Queria ter feito birra, mas estava realmente cansada e começando a ficar nervosa de novo.

A viagem foi silenciosa, não que Jethro falasse muito, na verdade era sempre eu quem falava, ele só completava com “sim”, “talvez”, “não sei” e alguns “hums” ocasionais. Porém hoje nem eu estava querendo falar muito. E isso despertou a curiosidade de Jethro.

— Pensando em que?

Poderia ter falado mil e uma mentiras, estava escuro dentro do carro, ele não conseguiria saber se era verdade ou não. Porém, optei pela verdade.

— Em tudo o que pode dar certo e errado.

— Não faça isso. Quer enlouquecer?

— Não é você que vive dizendo que eu sempre procuro um “mas” em tudo? Estou fazendo isso agora.

— Jen, o segredo de missões infiltradas é não pensar muito. É agir com o que se tem. É como um jogo de pôquer, o melhor blefe, vence.

Me virei no banco para ficar de frente para ele.

— E se o outro blefar melhor do que eu?

— O que você acha que eu vou estar fazendo lá?

— Jethro, você não vai ficar vinte e quatro horas do meu lado! Vai ter hora que vamos ter que nos separar!

— Jen, seja menos analítica e mais de ação. Vai dar tudo certo.

Suspirei. Não adiantava tentar argumentar com ele hoje. E eu jamais admitiria que estava com medo.

Já na minha casa, ficamos dentro do carro por um tempo, nenhum dos dois falou alguma coisa. E como sempre, eu tive que quebrar o silêncio.

— Bem, te vejo amanhã, Jethro. Boa noite.

— Você sabe que não precisa ficar com medo.

— Eu não estou. - Cortei.

Jethro desceu do carro e parou do lado da porta do carona.

— Sim, Jen. Você está.

— Não é medo. É nervosismo. Estou prestes a pular em algo completamente desconhecido por mim. – Desconversei enquanto caminhava até a porta.

— Sentir medo é normal. Mostra que você é humana.

— Nossa. Disso eu não sabia. Obrigada pela informação! – Me virei na direção dele, eu estava um degrau acima da posição dele e somando os meus saltos, finalmente igualei as nossas alturas.

— Eu não vou deixar que nada te aconteça, Jen. – Ele me garantiu.

— É muito bom, porque se eu morrer lá, Jethro, vou te assombrar pelo resto da sua vida.

Eu não entendi o sorriso dele. Contudo, só de pensar que ficaria sozinha com os meus pensamentos pelas próximas dez horas era demais para o meu nervosismo. Então, fiz uma coisa que meses atrás acharia impossível que fizesse.

— Fique e me distraia. E eu não vou aceitar um “não” como resposta. – Falei o encarando.

Jethro não me respondeu. Apenas me seguiu porta adentro.

Acordei no sofá aninhada nos braços dele.

— Tem café nessa casa, Jen? – Ele me perguntou assim que viu que estava desperta.

— Sim. Na cozinha.

Nos levantamos e de algum modo estranho conseguimos nos dividir para fazer um café da manhã. Eu tentei não pensar muito que essa era a última refeição que eu faria em solo americano.

Quando terminamos, Jethro me olhou e disse:

— Você vai ficar bem por um par de horas até que eu arrume as minhas coisas e venha te pegar?

— Sim, eu vou. Ainda tenho algumas coisas para arrumar também. – Garanti.

— Eu volto para te pegar, Jen. – E ele se foi.

Me preparei para a viagem, arrumei o que faltava e na hora que Jethro tocou a campainha, dei uma última olhada na casa. Não sabia quando ou se a veria novamente.


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Notas finais do capítulo

Capítulo cheio de referências à terceira e quinta temporadas... não me culpem.. foi o que nos restou!
Amanhã posto o último capítulo e o epílogo!!
Obrigada por lerem!
xoxo



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