Somos Nó(s) escrita por Anny Andrade, WinnieCooper


Capítulo 18
Eu só preciso Ser


Notas iniciais do capítulo

Olá leitoras(es) maravilhosos, tudo bem com vocês?
Nosso capítulo de hoje é uma longa reflexão sobre quem somos e o que precisamos ser. Acredito que ás vezes passamos por tais questionamentos, nossos amados personagens também.
Estamos chegando ao fim, mais dois capítulo e acaba. Confesso que estou nostálgica já e devo avisar que talvez os capítulos ganhem muitas palavras (estamos um pouco descontroladas) espero que sejam palavras que agreguem...
Desejo uma boa leitura!



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Eu não preciso ensinar
Eu não preciso pregar
Eu não preciso me explicar

           

É impressionante o quanto o tempo muda as coisas, mas não todas. Espera-se que em algum momento as mulheres sejam vistas como pessoas igualmente capazes quando comparadas aos homens. Espera-se por salários iguais, por respeito, por liberdade de escolha e de expressão. Sem que julguem todo e qualquer movimento como algo ligado ao gênero e não as capacidades mentais e físicas de cada indivíduo.

            Infelizmente, não é assim.

            Eles julgam nossas escolhas de roupa, penteado, jeito de falar e de andar. Eu com a ministra da magia preciso escutar piadas, gracinhas que tenho certeza quase nenhum ministro antes de mim teve que ouvir. Permaneço irredutível mesmo assim e algumas vezes, a maioria na verdade, respondo sarcasticamente e sigo meu caminho. Sou ocupada e dedicada.

            Foi uma vitória chegar a esse cargo e certamente eu merecia ele, porque ninguém estudou sobre o mundo bruxo mais do que eu, ninguém se dedicou a atender e entender as diferentes formas de vidas, ninguém ficou mais tempo dentro do ministério do que eu. Mas alguns ainda insistiam de me chamar de melhor amiga de Harry Potter. Ou perguntar diariamente o que meu marido achava de ser casado com alguém que passava mais tempo no trabalho do que em casa. Como se fosse obrigação dele achar algo.

            ― Eu odeio todos eles. – Digo amarrando meu cabelo. Procuro livros pelas prateleiras e nenhum parece me chamar atenção.

            Rony me observa calado. Ele está sujo de farinha, estava testando uma receita que sua mãe lhe ensinou. Ele adorava cozinhar para se acalmar, se divertia misturando ingredientes. Quem poderia imaginar? Eu detesto qualquer tipo de interação com o fogão, só fiz aquela lasanha porque ele disse que eu não era capaz. E eu sou capaz de fazer qualquer coisa.

            ― Não fique ai me olhando com esse avental e essa farinha. – Me jogo na poltrona. Seu avental diz “Melhor Pai do Mundo”. Eu não tenho nenhuma camiseta dizendo melhor mãe do mundo. E se dependesse de Rose, teria uma com a frase pior mãe do universo, ela faria questão de dizer que o mundo seria pouco para representar o quanto eu era ruim.

            Quando ele se ajoelha em minha frente e segura minhas mãos sinto ainda mais raiva. Não dele, mas de todos os outros. De todos que não enxergam quem sou, do que sou capaz, que não enxergam quem ele é, do que ele é capaz.

            ― Você está linda com o cabelo amarrado e irritada. – Seu sorriso me desarma, faz com que eu suspire.

            ― Por que não são iguais a você? – Beijo a ponta de seu nariz. Rimos e ele se deita em meus joelhos.

            ― Que bom, senão quem me garante que você me escolheria. – Seu cabelo é macio e eu gosto da sensação de tocá-lo.

            ― Eles acham que estou errada, que você não merece ficar tanto tempo em casa enquanto eu fico naquele prédio tentando tornar a vida deles, de todos muito mais fácil e segura. E eu não sei se eu mereço...

            ― Você merece. – Ele levanta a cabeça e fica olhando fundo em meus olhos. – Você merece tudo que conquistou com esforço. Eu era Auror e não aguentava aquilo, eu gosto de trabalhar na loja. E sou muito orgulhoso de declamar para todo cliente que sou o marido da ministra.

            ― Ninguém merece achar isso bom. Não sei o que preciso fazer, quem preciso ser. – Estou frustrada por me fazerem me sentir assim.

            ― Hermione, você só precisa ser. – Ele me beija e me arrasta para a cozinha.

            Preciso ser o que? Um homem? Outra pessoa? Alguém melhor?

            ― Preciso ser o que? – Deixo meus questionamentos escaparem.

            ― Você só precisa ser você. Mulher. Forte. Inteligente. Maravilhosa. Capaz. Impressionante. Minha.

            ― Não sou uma propriedade para ser sua Ronald Weasley.

            ― Exatamente. – Ele me beija e joga um pouco de farinha em mim.

            Finalmente começo a ri. Sei que sou muitas coisas, mas a principal é que sou completamente apaixonada pelo melhor amigo, por cada uma de suas sardas, por seu cabelo macio, por seus defeitos. Por tudo que ele é.

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Não 'to aqui pra dar exemplo
Nem buscando acalento
Eu não preciso me posicionar
E nem te convencer

 

Estou submersa na banheira. Olhos abertos, boca fechada, ar acabando. Qual será o recorde que uma pessoa ficou sem respirar debaixo da água? Acho que estou pelo menos dois minutos e tudo já está tão difícil. Sinto minha garganta se contrair querendo abrir. Não vou aguentar por muito mais tempo. Penso por um momento quais seriam as manchetes do dia seguinte “Filha de melhores amigos de Harry Potter morre afogada em banheira da sua casa”. Não aguento mais, um pouco da água que entra em minha garganta queima. Levanto, começo a tossir descompassadamente. Olho o relógio do meu celular ao lado. Quatro minutos! Somente quatro minutos.

O celular apita. Vejo o nome de Scorpius. Decido me trocar.

Ele digita: Como estão suas férias? A minha estão regadas de o sofrimento do jovem Werther. Detalhe, na mansão de meus avós paternos. Estou andando pela casa com a capa do livro esticada para que eles leiam o título e digam ao meu pai que tenho tendência suicida.

Começo a rir. Olho meu exemplar de Anne na minha cabeceira. Amo quando ele conversa comigo sobre livros. Sempre acaba de um jeito melancólico.

Dígito: Minhas férias estão normais, suponho que as suas estão piores. Elas estão regadas pelos questionamentos e as desilusões de Anne Frank. Mas não é algo inédito para mim. Releio uma vez por ano.

Coloco o celular de lado tentando controlar minha ansiedade. Pego meu livro e começo a vagar pelas páginas procurando minhas citações preferidas. O celular apita.

Ele: Mexendo no celular, lendo livro trouxa, me recusando a deixar de ser amigo de Potter e Weasley. Sinto-me perseguido por meu avô. “Somente o túmulo poderá libertar-me desses tormentos”.

Com certeza a tendência suicida reinou no dia de hoje. Dígito uma frase de Anne: “Pense em toda beleza que ainda resta em torno de você e seja feliz”.

Espero... Não demora um minuto e sua resposta vem: “De que me serve o ar de bondade que quase sempre me olha... Quase sempre?”

Outra frase do livro. Não penso em nenhuma resposta de imediato, trapaceio novamente olhando o livro.

Digito: Não é em imaginação que fico mais calma e que me encho de esperança quando olho o céu, as nuvens, a Lua e as estrelas. É um remédio melhor do que a valeriana e o bromo. A natureza torna-me um ser humilde, torna-me capaz de suportar melhor todos os golpes”.

Espero. Pés balançando ansiosos, escuto minha mãe discutir com meu pai no andar de baixo, algo relacionado a casa desorganizada e ele novamente dizendo que queria um elfo. Discussões rotineiras em minha vida aos 14 anos. O que não é muito rotineiro é essa conversa com Scorpius.

O celular apita: "Me deleito com sua conversa, imagino seus olhos negros azuis. Talvez tendo os mesmos sentimentos do jovem Werther? Em um mundo de tragédias, você seria minha Julieta?”

Não estou gostando do rumo que essa conversa estava levando. Nunca vi Scorpius citar um livro dessa maneira, tão imerso na história. Penso um pouco para digitar. Decido pesquisar alguma frase do livro que ele estava lendo e encontro o trecho que ele escreveu. O final dizia que era atraído pelos lábios dela. Ele se sentia atraído por meus lábios? Penso em outra frase de Anne.

Decido: “Fico tão confusa pela quantidade de coisas que tenho de considerar que não sei se choro, ou se rio, depende do meu humor. Depois durmo com a sensação estranha de que quero ser diferente do que sou, ou de que sou diferente do que quero ser, ou talvez de me comportar diferente do que sou ou do que quero ser”

Queria na verdade enviar a frase que ela diz sobre o amor. Mas seria um passo enorme em indiretas que não alcancei com ele ainda.

O celular apita: Eu sei quem você é Rose Weasley. Sei exatamente quem é. Sinto que sou eu por completo quando me mostro para você. Quero te encontrar.

Tenho certeza que meu coração parou de bater por um segundo. Sinto meu rosto quente. Escuto gritos da sala. Meus pais continuavam a brigar. Lembro de outra frase da Anne, em que ela afirma que só se conhece uma pessoa depois da briga, só assim se afirma o caráter. Qual seria meu caráter junto a minha mãe?

Lembro de Scorpius. Não sei o que responder a ele. Decido deixar o celular de lado. Tento distrair minha cabeça, começo a organizar meus livros na prateleira, vinte minutos depois o celular toca. É ele.

― Estou aqui fora.

― Você veio? – minha voz incrédula e completamente chocada sai de mim.

― Devo tocar a campainha?

Ele não tem medo de meu pai? Sinto que devo fazer algo urgente.

― Me espere na esquina. Estou indo.

― Ok, traga seu livro. Estou com o meu.

Ele desliga, sem despedidas amorosas nem saudades ou um simples tchau. Tento organizar meu cabelo molhado, visto uma roupa confortável. Saio de casa sem que meus pais me notem.

O vejo na esquina. Ombros caídos, cabelos despenteados, diferente do gel que ele insiste em usar em Hogwarts, camiseta amarela, parece um dia ensolarado, não um dia cinzento como me descrevia nas mensagens. Ele sorri quando me vê. Me sinto flutuar.

― Então? São seus questionamentos ou de Anne Frank?

― Então? São seus questionamentos ou de Werther?

Ele sorri. Parece brilhar. Começamos a caminhar e continuamos a falar sobre livros. Talvez sobre nós, talvez sobre um futuro desejado em incerto. Sei que sou eu completa e sem máscaras com ele. Me sinto plena e feliz, como um dia ensolarado de verão nas férias escolares.

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Eu só preciso ser
Eu só preciso ser
Eu não preciso me justificar

 

Ninguém avisa para a gente o quanto é confuso mudar de criança para adolescente. Ninguém explica o que essas mudanças causam na cabeça da gente. Eles apenas dizem você não é mais criança. Mas também continuam dizendo que você ainda não é adulto. Então o que somos?

Fico olhando para meu corpo. Minhas mãos. Minha voz tremula entre grossa demais ou fina. E meu rosto já enfeitado de sardas agora ganhou espinhas. E eu nem mesmo me importo com isso. O que me importa de verdade é saber quem eu sou.

Sou melhor amigo, irmão, filho. Sou neto, primo, conhecido. Sou aluno, cliente. Mas eu sou o que sou, ou sou o que todas as pessoas em volta esperam que eu seja?

― O que está fazendo? – Minha irmã enfia a cabeça para dentro do quarto e vê em pé em frente ao espelho.

― Quem eu sou, Rose?

― Como assim? Você é o Hugo. Você experimentou uma daquelas poções que o Lorcan inventa? – Ela se aproxima e toca em minha cabeça.

― Não tomei nada. -Respondo indignado. Sei que ninguém deveria experimentar aquelas coisas esquisitas. – E não estou com febre. É sério, quem eu sou de verdade?

Ela suspira como se soubesse exatamente o que eu perguntava.

― Só você pode responder isso, porque cada um vai te enxergar de uma maneira diferente.

― E se eu não sei?

― Hugo, você tem quinze anos... Nem sei se um dia chegamos a essa resposta. Nós mudamos e somos pessoas novas a cada dia.

― Mas e a nossa essência? – questiono tentando aceitar a primeira resposta.

― Bom, essa não muda. É algo que levamos com a gente. – Ela pensa um pouco. Procura exemplo. – Por exemplo, a essência do papai é cuidar da família.

― Sua essência também é cuidar de todos. – Eu ergo a sobrancelha.

― Gosto dos fracos e oprimidos. – Rose sorri.

― Como a mamãe...

Sabia que isso mudaria a dinâmica, mas Rose apenas engole e continua com a expressão neutra.

― Olhe em volta. Sua essência é a arte. – Ela mostra desenhos que nem estão tão bons, os livros de fotografia, as histórias em quadrinhos. – Você é artista.

Fico absorvendo a informação. Rose começa a ri. E eu acabo rindo junto.

― Mas no geral somos mais que só alguma coisa. Somos várias. O muito transformado em um só.

Nós ficamos conversando por tanto tempo e sobre assuntos tão aleatórios. Que penso que nesses momentos só precisamos ser Rose e Hugo. Irmãos. Amigos. Livres de qualquer pressão estética ou emocional.

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Eu não preciso exagerar
Pra te provar que não é cena

 

Aos sete anos. Recebo seu bilhete em meu aniversário, o primeiro recado escrito:

“Feliz aniversário, meu primo ruivo preferido, melhor amigo, e melhor desenhista que conheço”

Escrevi uma resposta nunca enviada:

“Obrigado, minha prima sonhadora, ruiva, sorridente, minha melhor amiga, a modelo mais talentosa que já conheci”

Aos onze anos. Recebo um recado, cheio de questionamentos:

“Amanhã nessa mesma hora, estaremos jantando em Hogwarts, e já saberemos as nossas casas. O que nos define para que o chapéu nos escolha para a Grifinória? Coragem? Mesmo que eu morra de medo de barata? Ou para a Corvinal? Inteligência? Mesmo que eu tenha uma péssima memória para decorar procedimentos matemáticos? Ou para a Sonserina? Audácia? Mesmo que às vezes eu queira só me esconder por trás dos talentos e das falas das pessoas? Ou para a Lufa-Lufa? Lealdade? Mesmo que às vezes eu pare de torcer para o time de quadribol da minha mãe? Estou com medo do que será a minha definição amanhã”.

Escrevi uma resposta nunca enviada:

“Posso te definir: Grifinória, pela coragem de ser o que quiser ser, sem pensar no julgamento dos outros. Corvinal, pela inteligência que reconheço em você fora do padrão de matemática. Sonserina, pela audácia de suas falas e conceitos. Lufa-Lufa, pela lealdade a família e aos amigos em todos seus detalhes. Posso te ver em todas elas. Mas eu não me enxergo na Grifinória, nem na Corvinal, nem na Sonserina, talvez na Lufa-Lufa, a casa dos que sobraram? Sinto que não vamos cair na mesma casa, porque mesmo melhores amigos e com os mesmos pensamentos, sinto que somos muito diferentes. O que nos define?”

Aos quinze anos. Recebo outro bilhete:

“Por que está tendo essas atitudes comigo? Simplesmente não te conheço mais, achei que ficaria feliz por eu estar feliz, mas parece que não sente isso. Estou com tanta raiva de você! Eu sei tudo sobre você Hugo: melhor desenhista, inteligente sem demonstrar, sempre se esconde debaixo de um boné, gosta de viver observando. Você me observa não é? Me diga. Por que se afastou de mim? O que fez com meu melhor amigo?

Escrevi uma resposta nunca enviada:

“Estou tendo as mesmas atitudes que você tem comigo quando começa a namorar outro cara qualquer, você se afasta e eu não te reconheço mais. Fico com tanta raiva, de você e de mim por me deixar abalar tanto, não estou feliz por você, porque ele te poda, não aceito nenhum namorado que te limita e não te deixa ser o que é em toda sua essência! Eu sei mais de você do que você mesma. Lily: a que mais chama atenção, melhor atacante do time de quadribol, melhor modelo, bailarina, inteligente de uma forma diferente das demais, excepcionalmente brilhante, como a lua, mas, tem uma luz própria, e insiste em se escorar em outras pessoas para brilhar. Não me afastei de você, só estou tentando respirar, logo volto. Ainda sou seu melhor amigo, primo, nunca alguém a ser notado de outra forma a não ser a descrita por você. Ainda estou aqui”.

Aos dezessete anos, recebo outro bilhete:

“Não sei o que vou ser. Por quê que nessa idade temos que decidir nossa profissão? Não sei ser jogadora de quadribol profissional, ou estilista, ou modelo, ou bailarina, ou costureira. Não sei o que fazer, toda vez que olho meu pai, sinto que vou decepciona-lo em qualquer ramo que escolher. Quem eu sou?”

Escrevi uma resposta, que não envio:

“Você pode seguir qualquer uma das carreiras que almeja, sei que terá sucesso em qualquer uma. O que não quero é que se afaste de mim e vire outra pessoa, ou que não me aceite e que não me encaixe mais em sua vida. Não vire uma lua de verdade, você tem sua luz própria como o sol. Nunca se esqueça disso. Eu queria ser esse sol, e permitir que você espelhasse minha luz, mas sou muito sonhador e assisto filmes demais. Quem eu sou para você? Um sol ou só uma estrela cadente passageira?”

Aos vinte e seis anos. Recebo outro bilhete:

“Não te conheço mais, não sei qual é sua comida favorita, nem seu filme favorito, nem qual lugar anda frequentando sempre, nem se está conseguindo viver com sua arte, nem se encontrou-se no mundo dos trouxas, não sei se anda doente ou vivendo plenamente pela primeira vez, sem se esconder, sem ficar nas sombras só observando, e você era meu melhor amigo, costumávamos ser perfeitos juntos. Eu não sei quem sou, me sinto perdida no meio de fotos, agendas e compromissos, tudo é muito rápido e urgente, não consigo parar um segundo e admirar um casal passeando com seu bebê, ou como um pássaro toma banho em um chafariz, ou como as gotas da chuva podem ser tudo que precisava sentir naquele dia. Não te conheço mais, não me conheço mais. O que aconteceu com a gente?”

Escrevi uma resposta, que não envio:

“Minha comida preferida é tudo o que vovó Molly faz (ou Íris), meu filme favorito ainda é todo catálogo da Pixar e suas mensagens que não são para crianças, estou frequentando muitos parques e praças, muitos desenhos e fotos, estou tirando um dinheiro com minha arte que dá pra pagar o aluguel do meu micro apartamento e das despesas, da pra viver, não estou doente, vivo plenamente do meu jeito. Guardando todas as recordações importantes em desenhos ou fotos, guardando palavras em minha mente, não vivo nas sombras, agora sou um sol que ao refletir numa poça de água encontrou um arco-íris que se mostra e precisa do sol para sobreviver. Nunca achei que eu, como sol, não ficaria com a lua no final, mas sei que o arco-íris, durante o dia, mesmo chuvoso, é tudo o que preciso. Não te conheço mais, não sei quem é a que descreveu. Você é para mim, ainda a garotinha sonhadora antes de entrar em Hogwarts, a que sentava comigo em um balanço e traçava planos e dizia que seríamos amigos para sempre. Hoje sei que o para sempre são momentos e não dias. Ainda estou aqui. Diferente ou igual a antes, comecei a me enxergar de outra forma, mas minha essência é a mesma. Sua essência continua a mesma?

Aos quarenta anos. Recebo outro recado de aniversário:

“Eu sei exatamente quem você é em seu aniversário. Hugo, maravilhoso artista, um padrinho excepcional, aquele que sempre está cuidando, não observando, meu melhor amigo, o mesmo garoto que conheci em meu primeiro dia de nascida. Feliz aniversário, te desejo o melhor que há no mundo. Eu te amo do jeito que é e sempre foi”

Escrevo uma resposta que envio:

“Obrigado. Minha melhor amiga, prima, melhor, estilista e costureira, a melhor mãe solteira que já conheci, colecionadora de sonhos e de metas, a lua que conseguiu ter luz própria sozinha. Você é incrível, desde os primeiros dias de nossa vida, eu sabia que seríamos assim. Obrigado por ser exatamente o que sempre quis que fosse em minha vida, mesmo com os erros ao longo do caminho, sei que o agora é exatamente onde queria estar. Eu te amo, da maneira mais sincera e genuína, do jeito que sempre foi, e que será para sempre”.

 

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Eu não preciso de muito dinheiro
Nem sou refém do meu espelho

 

Já faz um ano.

Um ano que estou preso nessa vida que de certa forma foi eu que escolhi. Escolhi ser o que sou. Mas as vezes me pergunto se realmente escolhi, ou se apenas fui seguindo adiante, sendo guiado pelo desejo do outro.

Nunca fui muito bom em saber quem sou, sempre esperava que os outros me definissem. Me enxergassem de um jeito grande, espetacular. E a cada nova missão ou treinamento me sinto morto. Morto por dentro, sem a mínima vontade de fazer piadas ou de sorrir.

Exceto quando estou na loja, olhando para as crianças, para os novos alunos de Hogwarts. Enquanto encosto no balcão consigo sorrir sabendo que eu era exatamente como eles. Sonhadores. Cheio de energia e expectativas.

― O que aconteceu comigo? – Questiono mais para o ar do que para qualquer pessoa próxima.

― Uma guerra. – A voz de meu irmão me responde. Ele está com a mão apoiando a cabeça, seus cabelos um pouco mais longos que o comum. Olheiras embaixo de seus olhos. Somos jovens, mas não tão jovens quanto antes.

― É verdade, tem isso... – respondo, mas sei que não é só isso. Todos nós passamos pela guerra, mas ainda assim as pessoas parecem mais felizes a cada dia, enquanto eu me sinto cada vez mais chateado.

― E você odeia seu trabalho. – George sorri. – Enquanto eu continuo amando o meu.

― Não odeio não. – Mas na verdade eu possa estar bem próximo de detestar. Todos os dias quando acordo quero voltar a dormir, ou queria poder adiantar o relógio e chegar logo ao fim do dia.

― Não? Tem certeza disso? Porque parece odiar, reclama dele o tempo todo e parece ser mais velho que o Percy. E nós sabemos o quanto ele é velho.

― O que seria sem meu trabalho?

― Ronald Weasley. Herói de guerra. Filho de Molly e Arthur. Namorado de Hermione. Melhor amigo de Harry Potter. Sócio de uma loja? Poderia ser muitas coisas.

― Sócio?

― Talvez, mas só se você souber o que quer mesmo.

― Se desisti serei apenas mais um covarde. – Digo a verdade. Não desisti até agora para não parecer um completo idiota.

― Desisti não é covardia, é coragem. Coragem de ir atrás do que te faz bem, no lugar de aguentar o que te faz mal. Não existem covardes na nossa família.

Ele dá um soco em meu ombro.

― Mas e o Harry...

― Vocês continuaram amigos, não estão mais em uma guerra ou na escola. Amigos seguem caminhos diferentes e nem por isso deixam de ser amigos. Ele ama ser Auror. Você está se odiando a cada dia mais.

Isso é verdade. Eu odeio meu trabalho e nos piores dias também me odeio.

― Valeu. – Digo enquanto vou saindo da loja. Hermione me espera do lado de fora. Ela está radiante, sei que me contará sobre ambições e terá a voz cheia de entusiasmo, com detalhes que não irei entender.

Enquanto caminho até ela sei que eu só preciso ser. Ser corajoso o suficiente para desistir. Respiro fundo. Eu a beijo. Nós temos planos, posso ser covarde por um tempo, só para garantir nossa vida. Garantir os próximos dias. E quando tudo estiver estável posso pular no escuro.

Guardo minha coragem por nós. E sei que isso ninguém pode me tirar. A lealdade a quem amo. Sou Rony amigo leal, namorado apaixonado. Um elo entre o menino que sobreviveu e a bruxa mais inteligente para sua idade.

No final do dia me orgulho disso.

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Eu só preciso ser
Eu só preciso ser

 

Já fazia tanto tempo que eles não se falavam, e eu podia sentir o quanto um precisava do outro. Harry não era o mesmo sem ele, parecia mais mal humorado com um peso enorme para carregar sem um melhor amigo para se apoiar e ele estava morrendo de ciúmes e se menosprezando. Rony de longe era o que mais me preocupava, mesmo que ele fingisse que não se importava. Ele estava péssimo, e eu sentia que precisava ficar mais ao seu lado. Foi em meio a uma lição de história da magia que o ajudava que ele confessou:

― Não sei quem sou. Acredito que seja só o amigo de Harry Potter.

― Como assim não sabe quem é? – perguntei incrédula.

― Na verdade agora conhecido como ex-amigo Harry Potter.

― Não precisa ser ex-amigo...

― Só precisa pedir desculpas – completou meus pensamentos. – por favor, Hermione, me escute, só hoje e não jogue erros em minha cara.

Suspirei, estava com raiva dele, com raiva do Harry, com vontade de trancar os dois em uma sala até se acertarem e eu poder bater nos dois depois que todo drama acabasse.

― Ronald Weasley, ex-amigo de Harry Potter, puro-sangue, traidor, pobre, o último filho homem, o menos desejado. Um zero o a esquerda.

Sempre que ele se menospreza dessa maneira eu tenho vontade de entrar em sua cabeça e gritar que ele é mais, mais que um melhor amigo de Harry Potter, nada traidor e sim acolhedor, que a pobreza não está na quantidade de dinheiro que uma pessoa tem, e sim em sua alma, e a dele é rica em vários aspectos, que era muito desejado, pela família, amigos e por mim. De um jeito que não posso explicar nem a mim mesma. Mas eu tenho medo. Medo de lhe dizer o que quer que queira lhe dizer e só quero arrancar a sensação de vazio de dentro de si.

― Esqueceu de mim. – sussurro com medo.

― Esqueci? – me olha confuso, ainda tão triste e chateado consigo mesmo. – Oh sim! Amigo da garota mais inteligente do seu tempo, só assim para conseguir passar nas matérias da escola.

Posso sentir que ele está quase chorando.

― Não! Eu posso te descrever de outra forma. Ronald Weasley, melhor amigo de Harry Potter, um elo que o ajudou a entender o mundo da magia, o que acolheu uma nascida trouxa, que faz de tudo para ajudar e fazer o que acha certo. Você não precisa viver na sombra do Harry para ser importante, não precisa ser um vencedor do torneio tribruxo para perceberem o quão importante é para as pessoas a sua volta.

Sinto minhas bochechas vermelhas quando termino de falar, seus olhos estão marejados e sinto sua voz falhar um pouco quando fala.

― Obrigado.

Pego minha mochila e tiro um sapo de chocolate que estava guardando para comer mais tarde, sei o quanto gosta daquilo e o quanto adora colecionar essas figurinhas. Ele sorri me agradecendo quando lhe entrego, abre o pacote, divide o sapo comigo e fica reparando na figurinha que se mexe.

― Não tinha essa.

Ele sorri para mim, bem mais animado. Não posso deixar de sorrir e saber que ele está bem melhor do que quando começamos a estudar.

― Aposto que um dia vai ser tão importante que sairá estampado nessas figurinhas.

― Eu? – ele começa a dar risada.

E logo estamos rindo juntos e aproveitando o momento. Eu ainda torcendo para que ele volte a ser amigo de Harry Potter e que ganhe outras definições em meu dicionário. Talvez, Ronald Weasley, namorado de Hermione Granger, o melhor companheiro que alguém poderia desejar.

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Eu não preciso me justificar
Mas não posso ter que me calar
Eu só preciso ser

 

Estou furioso, aquele frustrado ensebado. Como que ousa me dar uma detenção por ter defendido ela? Ele fez uma pergunta, Hermione sabia respondê-la e mesmo assim ele insistiu em humilha-la em sala de aula e dar a entender que ela era a errada e não o contrário. Agora estou aqui, cumprindo detenção, enquanto ele está em sua sala descansando como se não fizesse nenhum tipo de atrocidades com os alunos. Filch me olha bravo e manda que eu faça tudo mais rápido, duas horas depois estou indo para o dormitório da Grifinória, com sono e fome. Assim que entro pelo buraco do retrato vejo ela sentada de frente a lareira dormindo.

Seu peito sobe e desce de forma ritmada e tem uma expressão tensa no rosto, como se tivesse dormido pensando que algo estava errado. Não há mais ninguém acordado, e não quero que ela durma no lugar errado.

Chego perto dela e a chamo.

― Hermione.

Ela abre os olhos assustada e me encara. Seu rosto se suaviza assim que me vê.

― Você está bem?

Me pergunta colocando a mão no pescoço que devia estar doendo por causa do mal jeito que dormia.

― Estou ótimo, por que não estaria?

― A sua detenção foi muito ruim? – entendi o porquê da pergunta dela.

― Ah, só tive que encarar o Filch por algumas horas.

Sento-me ao lado dela no sofá. Ela ainda me encarando de uma forma enigmática.

― Me desculpe por fazer você cumprir detenção. Mas não devia ter enfrentado o Snape.

Ela não podia me elogiar sem alfinetar na mesma frase.

― Ele não tinha o direito de fazer aquilo com você. Viu como ele trata alunos como você e Neville? Parece até que tem prazer em fazer isso. Não sei, não achei justo. Você sabia a resposta.

Ela desvia o olhar do meu, percebo suas bochechas vermelhas.

― Eu achei que você me enxergasse como Snape, uma sabe-tudo insuportável.

― Você é uma sabe-tudo, mas não insuportável, na verdade só quando resolve nos encher com estudos o tempo todo.

Ela solta um sorriso, mas ainda não me encara.

― Obrigada por me enxergar de um jeito fora dos estereótipos.

Não sei o que significa o que ela falou. Mas acento a cabeça. Ela se levanta se despede de mim indo para o dormitório feminino. Nunca pensei que uma detenção do Snape faria Hermione dormir no sofá me esperando e que ficaria preocupada comigo. Ela era muito mais que uma sabe-tudo e queria que Snape e o resto do mundo soubesse disso. Talvez nem tanto o resto do mundo. Talvez eu guarde essa informação comigo. Hermione Granger, melhor amiga, inteligente, preocupada com amigos e criaturas, ao ponto de dormir no sofá por causa de mim. Vou para o meu dormitório sorrindo. Valia a pena encarar o Snape.

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Não 'to atrás de atenção
E nem da tua aprovação

 

Nos Estudos Trouxas nós tínhamos que fazer uma redação sobre quem somos. Todo ano na primeira e na última semana. O intuito era perceber as mudanças que um ano escolar poderia acarretar em nós.

Era pessoal. Não precisávamos ler para sala, nem mesmo a professora pedia para lê-la. Ela chamava de projeto pessoal, era algo que precisávamos reconhecer, aceitar ou descobrir sobre nós mesmos.

Muitos alunos não se preocupavam em realmente fazer a tarefa, as vezes fazia a primeira no início do ano letivo, as vezes somente a ultima. Mas ele sempre fazia ambas.

Quando se inscreveu para as aulas de Estudos Trouxas os burburinhos duraram por várias semanas, os olhares e questionamentos, até mesmo os deboches. Qualquer um desistiria. Mas ele permaneceu e levava a sério toda proposta, cada uma das atividades e as listas de leituras. Era sem dúvida o melhor da sala, mesmo tendo pouquíssimo contato ou convívio com a sociedade trouxa.

Alguns anos depois que terminamos Hogwarts, quando já estávamos namorando. Passando mais tempo juntos do que separados encontrei cada uma das redações que foram pedidas durante aquelas aulas.

― Pode ler se quiser. – Scorpius disse percebendo que a minha curiosidade estava ativada.

― Você é uma das poucas pessoas que fizeram todas elas. – Falo analisando sua letra reta, deitada para a direita e sempre usando a letra bastão ou imprensa, nunca a cursiva. Sou apaixonada por sua letra de uma forma que nem mesmo sei explicar.

― Gostava de pensar as questões propostas. Quem sou? – Ele sorriu enquanto beijava meu cabelo. Isso soa estranho, mas fica entre o cheirar e o realmente beijar. É algo nosso, inexplicável em palavras. – Vai em frente. Pode ler.

Pego uma dos últimos anos. Quando comecei a questionar sobre a vida, meu irmão questionava sobre há tempos, mas eu parei para realmente pensar sobre quando já estava me aproximando da vida adulta.

Começo a ler.

Sou um Malfoy.

Sou Greengrass.

Sou Sonserino.

Sou traidor.

Sou introspectivo.

Sou Melhor Amigo.

Mas isso são apenas palavras. Uma lista de coisas que sou e que não poderei deixar de ser. Porque daqui a um ano ou daqui a dez anos eu ainda serei um Malfoy, ainda serei cada uma dessas descrições acima. Talvez não mais traidor, porque não conviverei mais com a maioria das pessoas que me enxergam assim. Mas terei sido da Sonserina, carregarei comigo a fama da casa. Espero ainda ser melhor amigo. É engraçado como no primeiro ano eu queria ser qualquer coisa menos quem sou. No segundo fingia não ser ninguém, apenas tentava me tornar invisível. No terceiro comecei a perceber que o problema estava neles não em mim. No quarto acabei percebendo que eu poderia ser melhor que uns, pior que outros, porém sendo eu. No quinto já sabia quem queria ser. E agora sou Scorpius Malfoy. Tenho orgulho de carregar meu sobrenome. Tenho orgulho do meu pai. De cada uma de suas mudanças, das suas vitórias. Sou o que minha mãe me permitiu ser, sou quem ela me ajudou a ser.

No final das contas sou tantas opções em uma única pessoa. Sempre serei. Cada um aceitará ou enxergará o que quiser sobre mim. Em alguns momentos irão acertar quem sou, em outros apenas vão acreditar no que querem que eu seja.

Hoje, sou Scorpius. Aluno ansioso pelas férias. Tentando não beijar a garota da carteira ao lado da minha.

 

― Gostei do final. – Falo sorrindo. – Acabou beijando a garota?

― Não, foi ela que me beijou. – Ele segura a caneca entre as mãos. – Me beijou muitas vezes.

― Ela foi bem esperta em te beijar. – Falo voltando a encarar suas redações. Todas começavam com Sou um Malfoy. Mas o restante foi mudando ao longo dos anos.

Ele é muito mais do que tudo que escreveu, mas continuava tendo cada uma daquelas características.

― Ser Rose também nunca foi fácil, mas você me ajudou a entender que eu podia ser. Que eu só preciso ser.

Ele sorriu por trás da caneca. Continuamos sendo melhores amigos. E gosto exatamente disso.

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Eu não preciso de muito dinheiro
Nem sou refém do meu espelho

 

Cheguei tarde naquele dia, então não esperava encontrar ela na sala. Estava dormindo sentada no sofá de nossa casa. Automaticamente lembrei do nosso terceiro ano quando ela me esperou voltar da detenção de Snape. Cheguei perto dela, e acariciei seu rosto cansado. A chamei com a voz suave.

― Hermione.

Ela acordou e quando me viu parecia angustiada, me abraçou logo em seguida.

― O que aconteceu? – pois eu sabia que algo tinha acontecido.

― Conversei com Rose.

Fiquei tenso, já imaginava que nada tinha sido tranquilo ou apaziguador.

― Mas foi tudo bem. Ela foi muito sincera comigo, não teve gritos, e fui honesta com ela. Pedimos desculpas uma para a outra.

Sinto meu peito se encher de conforto, será que era possível elas começarem a se dar bem?

― Era o que mais queria ouvir.

― Ela falou algo para mim que nunca tinha parado para pensar. – Hermione continuou ainda abraçada a mim. – Me disse que como ministra da magia eu havia me transformado em outra pessoa.

― O que? – questionei esticando meu rosto a encarando.

― Eu fiquei pensando o resto da tarde toda e a noite também, queria te enviar uma carta assim que Rose saiu daqui, mas não consegui sequer escrever. Eu sempre quis mudar o mundo, mas nunca percebi que fazia com que Rose mudasse o dela para se encaixar no meu. Eu pensei tanto Rony e decidi que vou sair do cargo de ministra.

A encarei preocupado, não sabia o que dizer ou o que sentir.

― Sei que cansei dos rótulos que consegui com minha carreira, a ministra perfeita, defensora das minorias e opressora da própria filha. Estou cansada. Quero ser só Hermione.

― Você é só a Hermione para mim. Nascida trouxa mais inteligente de seu tempo, melhor amiga que poderíamos ter, corajosa, minha eterna namorada, uma mãe que tenta sempre acertar, a mulher mais linda que já conheci por dentro e por fora.

Ela me beija, e acaricia meu rosto, seus olhos estão baixos e tristes, tudo culpa daquele artigo da Rita Skeeter. Como queria arrancar sua tristeza com minha própria mão.

― Se eu desistir, ainda vai me amar?

― Eu te amo, sendo ministra ou não, mas você sabe que os rótulos não irão sumir do dia para a noite.

― Eu sei. – ela vira o rosto e para de me encarar. – Cansei de trabalhar demais, quero aproveitar a vida, viajar com você e Hugo e Rose, quero ter mais tempo para nós. Mesmo que o dinheiro diminua e que as críticas sejam horríveis, sei que seria mais feliz.

― Vou te apoiar no que decidir. Você estava ali por mim quando precisei desistir também e quanto ao dinheiro, podemos nos adaptar. Fique tranquila.

Ela deita sua cabeça em meu ombro e pega minha mão, começa a acaricia-la.

― Obrigada por me enxergar sem estereótipos.

Depois de todos aqueles anos eu sabia o que estereótipos significava.

― Você só precisa se enxergar assim também.

Lhe dou um beijo na testa desejando que ela melhorasse e que de fato trabalhasse menos e que passasse a se enxergar como a mulher incrível que era, apesar dos erros. Sempre a ouvir falar que eu me menosprezava, era irônico que justamente eu estava pedindo para ela não se menosprezar.

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Eu só preciso ser
Eu só preciso ser

 

― Está lendo a carta novamente? – A voz de Íris me faz voltar a focar no agora e deixar que as palavras parem de dançar em minha volta.

Ela está certa. Estou lendo a carta de novo. Todos os dias na verdade. Em alguns dias mais do que uma vez.

Só me resta acenar afirmativamente. Tentando controlar os sentimentos que ela ainda me causa. Um ano depois e ainda sinto vontade de chorar sempre que vejo meu nome escrito com sua letra, já tremula nos momentos finais.

― Vamos ler juntos, então. – Ela senta-se ao meu lado e delicadamente retira o papel já amassado e um pouco manchado de tanto manuseio, de minhas mãos e começa a ler em voz alta.

 

Hugo,

Meu filho mais novo, que sempre foi um orgulho. Desde pequeno tão sério, observador. Lembro-me quando em uma noite em que sua mãe precisou sair e você apenas virou-se para mim e disse cresça. Tão maduro. Naquele dia eu soube que você seria grande. Seria especial. Seria alguém confiável.

 

― Nunca canso de imaginar você mais jovem, uma criança dizendo para o adulto crescer. – Íris sorri.

― Eu podia ser um pouco chato naquela época.

― Seu pai acertou. Quando te enxergou como confiável. – Ela fala enquanto aperta minha mão e continua lendo.

Eu sei que será capaz de cuidar delas. Certamente eu pedi ajuda para seu tio Harry, isso é algo particular nosso. Meu, de sua mãe e dele. Nós nos cuidamos e protegemos. Mas sei que você será aquele que vai mantê-las na linha. Sempre foi a ligação mais forte que existia entre elas. Ou seja, você sempre foi um elo. Um elo entre sua mãe e sua irmã. O único que conseguia fazer com que as duas cedessem. Era só você pedir que elas paravam com os gritos e portas.

 

― Devo continuar? – Íris percebe minha emoção.

― Sim. – respondo, porque é bom mais alguém ler aquelas palavras. Alguém que talvez concorde com ele. Porque eu não sei se de fato concordo.

E meu filho, vou te contar que ser um elo nem sempre é fácil. Em alguns dias irá se questionar sobre suas habilidades, sobre quem você é, o porquê de precisar passar por certos momentos. Muitas vezes sentirá que é o filho menos amado, ou tão insignificante que nem o notam. Ser um elo é exaustivo. Mas também é um papel tão poderoso. Sem você as pessoas não teriam conquistado amizade, calmaria, seriam apenas gritos e tristeza. O elo traz sorrisos.

Eu tinha cinco irmãos e uma irmã. Achei por muito tempo que era o injustiçado. Quem se lembraria de mim quando tantas outras pessoas antes e depois eram extraordinárias? Quem repararia justamente em mim? Você cresceu com tantos primos e primas, com sua irmã geniosa. Fico pensando que deve ter sentido exatamente a mesma coisa. O Weasley esquecido.

 

Começo a chorar o que faz com que Íris pare a leitura. Ela beija minha testa. Olha em meus olhos.

― Eu repararia em você mesmo no meio de mil Weasleys.

Dou um sorriso no meio das lágrimas. Indico que ela continue.

Se eu não fui esse personagem, você muito menos. Sua mãe me enxergou. Me escolheu apesar de toda a insegurança que eu possuía, me tornou único entre todos os outros. Pelo que pude perceber Íris também teve a mesma percepção. O viu entre várias opções e o tomou para si, o enxergou antes mesmo que você se enxergasse. Olho para ela e posso ver o quanto é parecida com sua mãe. Forte. Independente. Inteligente. Como sua irmã. Solidária. Amiga. Corajosa.

Acredita mesmo que alguém que não fosse extraordinário conseguiria companheiras como essas? Eu divido muito. Pessoas extraordinárias atraem pessoas extraordinárias. Não conte isso para sua irmã, não quero que ela ache que estou dizendo que o Scorpius é extraordinário, mesmo que ele seja.

 

― Posso imaginar seu pai dizendo isso. E rindo. – Ela limpa as lágrimas que escorriam pelas suas faces.

― Ele faria isso mesmo.

Hugo, nunca duvide do que você é. Porque você só precisa ser, exatamente quem você sempre foi. Extraordinário. Elo. Filho. Observador. Confiável. Fiel. Leal. Impossível alguém assim ser invisível ou esquecível.

As coisas vão ser difíceis. O primeiro ano será terrível, tudo fará com que se lembre. Os anos seguintes vão melhorando, eu te garanto. Quando perceber as lembranças vão te fazer sorrir e não mais chorar. Eu prometo.

Te amo, filho.

E tenho orgulho de quem você é, das escolhas que fez. Você é espetacular.

Ronald Weasley.

 

Íris dobra a carta com cuidado e a guarda no envelope. Eu sou apenas pranto. Suas mãos são suaves e macias. Contrastam com as minhas sujas de tinta.

― Ele está certo. Você realmente é espetacular.

Nós nos abraçamos e beijamos. Meu pai disse que pessoas extraordinárias atraem pessoas extraordinárias. Eu digo que tive sorte em ser filho de uma das pessoas mais extraordinárias. De ser parecido com ele até nas diferenças. 


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Notas finais do capítulo

Vou deixar um spoiler aqui....
Faltam duas músicas agora, uma começa com R. Palpites?
Espero vocês no próximo capítulo.
Até lá.
Beijos.



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