Somos Nó(s) escrita por Anny Andrade, WinnieCooper


Capítulo 12
Grito Mudo


Notas iniciais do capítulo

Oie Leitoras(es) que nós tanto amamos!
Esse capítulo foi um capítulo de transição e transições nunca são fáceis de escrever, por isso mesmo a demora para postar, nós ficamos dias tentando encaixar música e contexto, algo que acontecia em minutos nos outros capítulos. E certamente que está acontecendo no próximo.

Espero que gostem desses momentos.
Boa Leitura!



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Falo com você em pensamento
Conto as coisas do meu dia
Da minha vida

 

Nós dois batemos porta. Ele a do quarto e eu a do banheiro. Primeiro vieram os gritos, depois as palavras e por último o ato de fazer as madeiras soarem mais alto, duras, deixando escapar nossas raivas.

Sei que eu comecei, sempre desconfiando de mim e consequentemente dele. Desconfiando da minha capacidade de conseguir manter uma família. E da possibilidade dele querer uma família justamente comigo.

Estamos juntos há algum tempo, passamos por alguns momentos importantes. Fomos crescendo lado a lado. Mas enquanto me olho no espelho questiono qual o real motivo dele continuar aqui ao meu lado mesmo depois de ter deixado claro o quanto eu sou problema.

Escuto a porta se abrindo. Ele completamente cabisbaixo entrando, me abraçando por trás. Nos encaramos pelo espelho. Ambos vermelhos, cabelos pelas faces. Ambos com os olhos marejados por causa das lágrimas que já haviam caído.

— Sinto muito. – deixo minha voz entrecortada ser a primeira.

— Quando vai me deixar te amar? – Ele me diz ainda me olhando pelo espelho. – Quando vai acreditar cem por cento no meu amor?

Eu sinceramente gostaria de acreditar. De ser toda positiva. De não me agarrar a cada detalhe horrível das pessoas comentando, de ignorar os olhares.

— Por que? Por que você me amaria? – Deixo escapar tentando segurar as lágrimas. – você não deveria estar com alguém como eu. Deveria estar com alguém como aquela sua colega de trabalho.

— Rose! – Sua voz está machucada. Demonstra a dor que lhe causo. – Isso é uma escolha minha. Eu escolho que com quem quero estar.

Me permito virar para ele. Me permito gritar.

— Mas por que eu?

— Porque eu quero. Quero você. Não entendeu que eu preciso de você, escolho você, amo você. – Ele me segura. – Eu decido. E decido ficar com você.

Então ele me beija. Sem se importar com nada. Apenas tentando me provar todo seu amor. Eu queria dizer para ele fugir enquanto ainda havia tempo. Fugir do grande problema que Rose Granger-Weasley pode ser. Mas ao mesmo tempo só quero segurá-lo, mantê-lo junto a mim.

Aceito seu amor. Aceito ser conduzida de volta para sala. Conto sobre meu dia, sobre minha família e aceito escutar sobre ele. Ignoro as vozes em minha cabeça que insistem que ele é muito mais do que eu mereço. Me esforço para substituir pela voz de meu pai, em meio a sorvetes dizendo o quanto Scorpius é sortudo por ele gostar dele. É difícil, mas por um momento sei que nós dois somos sortudos de maneiras diferentes e complementares.

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No meu coração
Eu canto as horas e as melodias
À espera do momento
De ir além da ilusão

 

Ela mudou para meu micro apartamento. E começou a reparar nas minhas coisas. Nos meus inúmeros desenhos espalhados. Colocados dentro de uma pasta debaixo da cama. Alguns jogados no chão. Outros emoldurados e pregados nas paredes. Outros escondidos no fundo da gaveta. Ela amava encontra-los. Era seu passatempo preferido. Achava e me mostrava falando que poderia tentar vender na internet que era para eu tirar a magia de alguns que se mexiam. Ou que simplesmente os bruxos precisavam de um sistema de vendas a distância por coruja ou se adaptarem a internet para ela conseguir vender mais fácil os que se mexiam. Ela amava fazer isso. Mas começou a reparar em algo. Lily estava ali. Em vários desenhos. Quando nova com seus cabelos assoando num balanço. Quando em Hogwarts sorrindo com o chapéu seletor em sua cabeça. Mais velha rodando num campo com os braços esticados. Numa apresentação de ballet, numa apresentação de canto, num desfile, jogando quadribol. Ela pareceu notar a frequência exagerada de seus desenhos. E começou a olhar triste cada vez que achava um.

— Quando vai me contar sobre seu amor platônico? – ela me disse displicentemente depois de um jantar que havíamos preparado juntos.

Eu sabia que essa conversa chegaria. Precisava ser honesto com ela. Já que ela havia partilhado sua história de vida comigo sem medo de meu julgamento.

Eu contei para ela. Tudo que havia vivido com Lily minha eterna paixão jamais concretizada. A paixão que achava que era amor e que só descobri que era passageira quando encontrei ela.

— A pare. – me pediu colocando sua mão em meus lábios. – Não acho que uma paixão de mais de vinte anos acabe por minha causa.

— Como disse. Era paixão. Não amor.

Mas ela parecia incomodada não acreditava em minhas palavras. Começou a se distanciar de mim naquela noite. Não queria meus carinhos. Estava triste. Percebi que era culpa minha. Não havia como abordar aquele assunto sem machucá-la. Como faria isso?

— Talvez sendo sincero comigo. – ela me respondeu quando lhe pedi para acreditar em mim.

— Nunca a beijei. Nunca passamos de melhores amigos. Eu juro a você. – era verdade e precisava que ela entendesse.

— Então ela ganhou Hugo. – me disse chateada parecendo entender um ponto que eu não havia percebido ainda. – Amores que não se concretizam são eternos. Ela nunca vai sair de você. Eu perdi.

Fiquei sem fala diante das suas palavras. Não sabia como a contestar. Não sabia como provar meu amor. Não sabia se ela estava certa. Íris virou de costas para mim na cama e fechou seus olhos tentando dormir. Queria abraçá-la, mas não o fiz. Lily me assombravam a todo momento. Precisava resolver algo que não sabia que tinha que resolver.

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Na minha vida, não me encaixo sem você
O vazio da tua falta transbordou.

 

Sinto tanta raiva. Porque ele conseguiu estragar toda a noite. Sua cara feia, sua má vontade. O jeito como parecia não se importar nem comigo e nem com ninguém que estava ali. Quando voltamos para minha casa quero entrar o mais rápido possível. Antes que comece a gritar com ele ou antes que comece a chorar por culpa dele.

— Qual é o problema? – Ele pergunta enquanto tento andar para longe. Sem beija-lo apenas tentando me segurar para não conjurar pássaros e depois joga-los em sua cabeça.

— Não me venha com essas perguntas. – resmungo enquanto tento encaixar a chave na porta.

— Por que? O que eu fiz dessa vez? – Sua voz me irrita. E eu não acredito que esteja mesmo perguntando isso.

— Sério mesmo? Não sabe o que fez? – cruzo meus braços.

Ele coça a cabeça, começa a ficar vermelho, meche os pés desajeitados. Ele sabe exatamente o que fez.

— Eu sinto muito. É isso que quer que eu diga? Eu sinto muito.

— Eu não quero que diga! Quero que sinta. – Estou bufando, meus cabelos se soltando do rabo de cavalo. – você deixou todo mundo desconfortável a noite toda. Se não queria ir deveria ter dito logo.

— Ora, então é isso? Queria ir sem min? – Sua voz áspera cheia de sentimentos escondidos.

— Se eu quisesse ir sem você eu não teria te convidado! Não teria falado o quanto o meu namorado era divertido, o quanto ele gostava de experimentar sabores trouxas. Um Auror diferente da maioria, mais preocupado em descobrir se o tempero é pimenta ou alguma outra especiaria. Mas quando chegamos lá, meu namorado ficou a noite inteira com expressão de poucos amigos, sendo áspero e grosseiro. Com meus amigos. Com colegas do ministério, como se fosse um crime preferir lidar com burocracia.

Vejo a expressão em seu rosto mudando de irritado para constrangido.

— Falou tudo isso de mim?

— Claro! Eles amam seu pai, dizem que era um dos funcionários mais gentis. Dizem que Percy é o mais responsável. Queriam conhecer o meu Weasley. – Falo sem pensar muito sobre os termos que uso.

— Sou seu Weasley? – Seu sorriso é bobo, quase o perdoo.

— Você foi horrível, grosseiro, insensível!

Seu beijo me pega de surpresa. Mas o aceito, porque beija-lo ainda é tão surpreendente e magnífico que não consigo evitar me sentir como a garota de quatorze anos que percebeu que não tinha outra escolha além de aceitar o amor que sentia por ele.

— Eu sinto muito... - Ele suspira em meus ouvidos. – Sinto muito... Estava com ciúmes.

— Por que?

— Eles são tão inteligentes e intelectuais, exatamente como você. – Seus ombros caem. – Olhe para mim.  Eu sou o mesmo de sempre.

— Por isso que amo você. Por ser o mesmo, por ser melhor que todos. – Digo segurando seu rosto

— Ronald Weasley, você sempre é melhor que todos.

Agora o beijo. Com toda a paixão que ele alimenta.

— Vou ter que me desculpar?

— Nada menos que oito barras de chocolate com um bilhete. – Suspiro.

Desisto de encaixar a chave. Aparatamos. Aproveitamos o resto da noite, sem que ele estrague mais nada.

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Vem calar meu grito mudo
Meu grito mudo de amor

Petrificada. Hermione havia sido petrificada. É claro que ela era irritante. Uma sabe tudo insuportável. Sempre no nosso pé para os estudos. Sempre implicando quando fazíamos algo errado. Nunca imaginei ela petrificada. Muda. Sem fala. Ainda com os olhos de pavor ao ver o basilisco no espelho. Sinto uma pontada no peito ao ver sua feição. Sinto algo doer dentro de mim. Nunca fui muito corajoso. Ainda não entendi porque o chapéu seletor me deixou na Grifinória. Na certa pela tradição Weasley. Mas assim que percebo que preciso entrar na floresta proibida atrás de aranhas, mesmo achando que estamos nos enfiando numa armadilha, mesmo apavorado. Encaro meu medo. Por ela.

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A verdade óbvia da tua falta
É difícil de se revelar
Mas dói sentir

 

Envenenado. Quem envenenaria Rony? Não consigo controlar minhas lágrimas que caem ao vê-lo dormindo na ala hospitalar. Tento afastar meu rosto das pessoas a minha volta. Não quero que percebam meu abalo. Mas é tão fácil chorar. Tão fácil imaginar ele morrendo. Envenenado. Não digo nada, escuto Harry, Gina, Fred e George fazerem várias suposições do envenenamento. Mas meu cérebro trabalha. E lhes digo algo que parece óbvio para mim do que havia acontecido. É quando ele balbucia. Balbucia meu nome.

Tenho vontade de chorar mais ainda. Tenho vontade de me lançar em seus braços e o beijar na face pedindo para que ele acorde. Mas não o faço. Apenas fico encarando sua feição que volta a ser sonolenta e não diz mais nada. Somente meu nome. Ele havia dito meu nome.

Fui o visitar no dia seguinte. Ele está apreensivo por conta do quadribol. Lhe entreguei alguns rascunhos da aula daquela manhã. Ele pareceu agradecido. Mas cansado. Não queria que eu lhe explicasse uma matéria.

— Você voltou a falar comigo? – me perguntou tentando parecer displicente ao ler o pergaminho que havia lhe emprestado.

— Somos amigos não é? – respondi com outra pergunta querendo que ele dissesse que não. Não podíamos ser só amigos.

— Obrigado Hermione. Eu realmente senti sua falta. – ele me diz sem me encarar. Suas orelhas vermelhas. Seus olhos desviados dos meus.

Quero prolongar a conversa. Começar a falar nas entrelinhas. Lhe perguntar porque disse meu nome não o de Lilá. Mas não faço nada disso. Começo a lhe dizer as novidades, sobre as aulas, quadribol e o quanto ele ficou famoso pelo envenenamento. Ele faz piadas e ri. Rio junto a ele. Tudo estava bem. Não tinha pressa.

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À espera do momento
Desse nó desamarrar

 

Ela estava tensa. Parecia até um grande evento que era protagonista. Me lembrou o dia que ela foi eleita ministra da magia e não sabia o que fazer com suas mãos e tinha a mania de piscar o tempo todo. Ela apertava suas mãos uma na outra, e piscava mais que o normal quando me ditava as regras.

― Prometa que não falará nenhuma besteira.

― Nunca faria isso.

Ela me olhou brava, sabendo que eu estava mentindo.

― A Rose realmente gosta dele.

― Não precisa me lembrar.

Estávamos parados em frente a grande porta da enorme mansão que vivam os Malfoys.

― Prometa pra mim que vai se comportar. – ela segurou minha camiseta e me fez olhar para ela desesperada.

― Prometo. – disse enfim fazendo ela voltar a respirar devido a tensão.

Foi então que a porta se abriu e a mulher de Draco nos recebeu com um enorme sorriso no rosto. Ela por si só chamava a atenção, por sua elegância, ser alta, e esbelta. Hermione parecia pequena perto dela. Mesmo sendo...

― Ministra da magia. – disse Draco estendendo a mão para apertar a de Hermione. Ele pareceu ver meu olhar de desgosto lançado a ele, mas mesmo assim não se importou em segurar a mão de Hermione.

Ela me encarou brava antes que eu dissesse alguma coisa.

― Não vamos entrar em formalidades, por favor. – Hermione pediu sorrindo.

Abriram caminho para entrarmos. Estava indo para minha tortura e tinha que controlar minha língua.

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À espera do momento
De ir além da ilusão

 

Eu acho que me acostumei, a ser sempre sua sombra, o que te resgata, te acolhe, te salva do que precisasse ser salva. Sempre achei que seria eterno em sua vida. Percebi só esse ano que o eterno não é para sempre, o eterno às vezes dura somente um período de tempo. Você sempre será eterna em minha vida Lily, talvez não entenda isso agora. Como te disse, não existe isso de merecimento, vivemos um amor muito mais significante do que esses banais que vemos por aí. Eu preciso te agradecer pelo beijo que me deu. Ele me libertou. Percebi que minha paixão por você não passou disso. Paixão. Que o beijo não me fez ir até a lua e voltar, não me fez perder a gravidade, na verdade me pregou no chão diante da realidade que se chocou em mim. Minha realidade e o beijo que me faz acreditar, vem de um arco-íris, não mais de uma lua, um arco-íris tão colorido, machucado, que às vezes aparece e a gente quer correr para o final dele e encontrar o pote de ouro. Eu encontrei meu pote de ouro. Não quero mais o soltar para perder a gravidade em uma lua que nunca foi minha. Eu te amo. Sempre te amei. Estarei aqui para o que precisar. Como um melhor amigo, que sempre fui. Fica bem. Hugo”.

 

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Na minha vida, não me encaixo sem você
O vazio da tua falta transbordou
Vem calar meu grito mudo
Meu grito mudo de amor

 

Existe algo sobre cama que ninguém percebe, temos um acordo mudo de eu sempre deitar na esquerda e ele a direita, com apenas um edredom dando briga a noite, dormir exprimidos diante dos filhos, que vem precisar de um acalento depois de um pesadelo. Uma cama que conta tanto nossa história e agora não quero vê-la. Não quero olhar para o lado direito e não te ver. Não quero deitar e ter todo o espaço para mim, não quero dormir sossegada e não ter filhos me espremendo, não quero ter um edredom só para mim. Quero dividir e continuar a dividir uma vida com você. Por que teve que partir antes de mim?  

Eu disse que estava bem. Deixei minhas lágrimas trancadas dentro de meus olhos, como se todas já tivessem secado. Fui forte. Precisava ser. Porque certamente era o que esperavam de mim. Rose parecia que não sobreviveria até o final, estava completamente dopada por poções especiais e mesmo assim continuava derramando lágrimas.  Hugo tinha tanta raiva estampada nos olhos, tinha começado há passar mais tempo com ele, a entender o que tinham em comum. Ele parecia transtornado com raiva de todos, da vida.

Agora nessa cama vazia. Sem precisar ser forte por meus filhos. Sem precisar ser forte para todos os outros, posso chorar. Deixar que seu cheiro invadisse tudo em volta, que me abrace. E chorar é a única ação possível. Choro por horas. Nem me lembro mais o que é ter o rosto seco.

Estou cansada. Para ser sincera, exausta.

Quando a porta se abre, eles estão lá. Adultos. Com suas vidas, suas famílias, mas ainda sim meus. Por um momento vejo o garotinho de cinco anos e a menina de sete. No instante seguinte estão em minha cama, me espremendo em seus braços. Me abraçando.

Meus filhos. Uma parte de Ron que ficará comigo, que ficará no mundo.

Choramos juntos. Feito nós.

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Vem errar comigo
Diz que esse grito também é seu
Faz do erro o nosso antídoto
Para tudo pra ser meu

 

Ronald se comportou bem durante o jantar. Estranhamente bem. Rose estava sorrindo, parecia aliviada. Tudo bem que ele não disse quase nada. Não permiti que ele estragasse a noite dela. Não permiti seu ciúme falar mais alto. Mas eu reconhecia seus olhares e sabia que ele estava se corroendo por dentro com várias coisas que havia percebido. No final, Rose e Scorpius se recolheram na sala. Rony foi conversar com Draco sobre uma relíquia que ele havia comprado. E fui para a cozinha com Astoria.

― Rose sempre nos diz o quanto é inspiradora. – digo a verdade que sempre escuto sair da boca de minha filha. O quanto a mãe de seu namorado é melhor do que eu.

― Não tem como me comparar a você. Primeira ministra nascida trouxa. Conseguindo quebrar várias barreiras naquele ministério preconceituoso. – ela mais uma vez, gentil comigo naquela noite.

Não conseguia imaginar, como uma pessoa como ela, era casada com Draco. Tão diferente de si.

― Acredite. Rose vive me dizendo que devo aprender a ser como você. Ela nunca gostou muito da mãe. – confessei.

― Não seja tão dura consigo mesma, nossos filhos são nossos reflexos. Sei que Rose se parece muito com você. Apesar da insegurança. – ela relou a mão em mim de forma solidária. – Eu tive um medo gigante quando Scorpius nasceu. Você sabe, todos os tipos de preconceito com nosso sobrenome, com os erros do passado que ele não precisava carregar.

Não sabia o que dizer. Meu sobrenome nunca foi um peso a se carregar depois da guerra.

― Eu nunca tive vergonha, aceitei o Malfoy como meu nome, não para manter a tradição, mas para mostrar a Draco que não me importava com toda maldade das pessoas e que estava ao seu lado completa. Mas não queria que meu filho sofresse igual. E Rose estava lá. Cuidando dele. Quando meus olhos não estavam por perto.

Ela sorriu para mim. Rose nunca foi aberta comigo, nunca me contava nada o que acontecia com ela em Hogwarts. Essa mulher em minha frente parecia saber de fatos que eu não tinha conhecimento.

― Sei que erramos, como mães, tentamos os proteger demais, mas eu sei que eles são felizes juntos. Você criou sua filha maravilhosamente bem, espero que Scorpius seja o melhor para ela.

Éramos mães, com suas dores e suas inseguranças, querendo sempre o melhor para os nossos jovens filhos, mesmo os lançando no mundo cruel de julgamentos, dedos apontados pela aparência não padrão, pelo sobrenome errado.

― Eu tenho certeza que ele é. – disse o que sabia. Somente ele fazia ela feliz, somente ele a enxergava do modo como ela merecia ser enxergada.

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Se eu me calar
Eu ando em círculos, eu cedo aos vícios

 

Quando olho para ele me sinto tão egoísta. Porque eu sempre estou mal humorada, estou sempre arrumando discussões. Enfrentando os superiores. Questionando a ordem natural das coisas. E mesmo com cada um desses defeitos continuo sendo apenas Rose Weasley.

Certamente se tivéssemos um cartão de apresentação seriam tão simplórios quanto a maioria dessas pessoas.

Rose Weasley, filha dos melhores amigos de Harry Potter, dois do trio de ouro. Gorda. Rebelde. No fundo uma manteiga derretida.

Minha descrição poderia ser mais rica, com detalhes melhores, com características que pertencesse a mim e não a eles. Não físicas. Entretanto, são óbvias. São nada mais do que perspectivas. Superáveis.

Mas o vejo, desde o começo o enxergo mais do que enxergo qualquer outro. Seu cartão de apresentação seria composto por palavras mais duras, julgadoras.

Scorpius Malfoy, prepotente. Traidor. Portador do pior sobrenome bruxo. Despótico. Autocrático. Aquele que anda com o nariz empinado carregando uma honra inexistente, um orgulho putrificado.

Certamente se fosse a responsável pela descrição colocaria palavras que fossem condizentes com o melhor amigo de Albus Potter. Algo como tímido, discreto, responsável, seguidor das regras, pesquisador, insuportavelmente inteligente, uma constelação de qualidades que aos olhos nus se perdem entre os cabelos loiros e olhos cinza, com minhas lupas se destacam nas vestes verdes e pretas.

Seu corpo se mantem ereto. Sua face ignorando qualquer palavra que saia da boca deles. Segue seu caminho apesar dos papéis voando em seus cabelos, apesar da insistência de pequenos feitiços.

— Que tal uma corzinha?

Eles questionam.

— Parece um fantasma.

Eles riem.

— Que cabelo seboso. Talvez precise de um shampoo.

Gargalhadas.

— Traidor...

Sussurros.

— Traidor...

E então os corpos deles caídos um a um. Desacordados no chão.

Minha varinha erguida. E a certeza de que sou ótima lançando um estupefaça. Encaro nossos colegas de castelo com satisfação. Meu primo entre eles. Por um momento penso em chuta-lo bem no nariz, quem sabe ele perdesse a mania de rir dos outros. Mas deixo passar quando os murmurinhos começam. Quando Scorpius corre até mim.

— Rose?

— Como você aguenta? – Digo ignorando os outros alunos, professor Longbottom que corre em minha direção.

— A verdade deles não é a minha. – Ele diz segurando minha mão que ainda mantinha a varinha erguida.

— Eu sei. – afirmo. – Mas não é justo.

Sei que estou encrencada. De novo.

— Não mesmo. – Seus olhos agradecem. – Obrigado por me salvar.

Seu beijo em minha bochecha faz qualquer problema valer a pena.

— Mas da próxima vez lembre-se que não estou em perigo e que você pode se encrencar.

— Eu sempre estou encrencada. – Digo a verdade. – Não vou deixar que digam mentiras.

Sou levada para a diretoria. Mas sei que os múrmuros silenciam assim que vou passando pelas pessoas. Meu cartão é automaticamente modificado.

Rose Weasley, maluca. Gorda. Realiza um estupefaça como ninguém. Não mexa com ela.

O dele também recebe uma nova definição. Amigo da Weasley maluca. No final dia vale a pena observar Albus rindo de James, derrubado por uma garota, pela prima mais nova. Eu aguento arrumar a biblioteca após as aulas, pelos próximos três meses.

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Na minha vida, não me encaixo sem você
O vazio da tua falta transbordou
Vem calar meu grito mudo
Meu grito mudo de amor

 

Ela tamborilava dedos na mesa de café. Notei suas unhas num esmalte vermelho impecável. Seus lábios num batom também vermelho sorriam enquanto bebia seu café. Ela me contava suas aventuras, me dizia seus inúmeros trabalhos nos Estados Unidos. Contava de seus romances rápidos. Parecia querer provar que sua vida fora era tão interessante e melhor que a minha. Eu olhava meu relógio de minuto a minuto, a hora não parecia passar.

― E como anda a sua vida? – ela pareceu notar que eu existia.

― Estou conseguindo vender alguns desenhos meus, consegui fazer uns bem diferentes usando a técnica do carvão. Mas gosto de fotografar também. Estou tentando.

Ela não parecia interessada, olhava para os lados como que esperando alguém surgir de repente.

― Rose vai ganhar bebê semana que vem. – resolvi mudar o assunto trabalho e o fato de eu ser um fracasso em relação a ela.

― Fiquei sabendo que ela estava grávida. – ela sorriu ao mesmo tempo que relou em minha mão pousada na mesa. Recolhi minha mão automaticamente.

― Serei padrinho do bebê, junto com Íris.

Ela focou seu lado olhar para outro ponto.

― Tenho certeza que essa criança será muito feliz por conta do padrinho. – mordeu seus lábios e seu dente manchou com o batom. – Vou ao banheiro.

Parecia querer correr de mim. Ainda não estava entendendo o porquê ela quis que a buscasse no aeroporto. Não sabia o porquê dela ter me chamado para um café antes de levá-la pra casa. Algo estranho estava acontecendo. Olhei meu celular. Mais de dez mensagens de Íris no whatsapp.

Íris [9:34]: Me conte assim que ela chegar.

Íris [9:58]: Ela ainda não chegou?

Íris [10:30]: Estou preocupada com você. Não parecia bem hoje de manhã.

Todas as outras mensagens eram variações dessas. Digitei uma mensagem simples.

Hugo [11:07]: Estou bem. Ela está estranha. Te explico mais tarde. Te amo.

Lily voltou. Parecia querer esconder seus olhos. Pois estava com óculos escuros. Mas percebi seu nariz vermelho, e seu batom borrado no canto da boca. Ela havia chorado. Algo estava acontecendo.

— Lily? – seguro sua mão. E penso que há quanto tempo não fazemos isso. É estranho e não parece mais se encaixar como acontecia anteriormente. Não parece mais ser a outra parte do quebra-cabeça. Mas ainda sim é ela. E não recuo, apenas permaneço segurando sua mão enquanto espero palavras que sei que me serão entregues.

Ela respira fundo. E finalmente recolhe sua mão deixando a minha pousada no vazio.

— Íris parecer ser muito interessante. – Sua voz não é nem feliz e nem triste, apenas sem emoção.

— Ela é muito. – respondo não entendendo o rumo da conversa. – Você está bem?

— Não. Eu sinceramente não estou bem. Eu não sei o que estamos fazendo. – Um suspiro alto sai de seus lábios. – Não sei o que você está fazendo. O que está fazendo com essa garota de nome diferente.

— Como assim o que estou fazendo? Nós estamos morando juntos, nos adaptando. Estamos vivendo algo realmente bom. – Falo um pouco da verdade. Nós estamos fazendo tantas coisas, a maior delas é nos reinventando. Detalhes que prefiro manter entre nós dois apenas.

— Eu não consigo entender. – Ela tira os óculos. – Eu voltei. Estou de volta Hugo. Estou aqui.

Fecho meus olhos. Conto mentalmente até dez, não quero gritar e nem transformar esse encontro em um drama maior do que o necessário. Vejo seus olhos aguardando uma palavra minha.

— Eu sempre estive aqui.

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Na minha vida, não me encaixo sem você
O vazio da tua falta transbordou

 

Fico analisando como eles funcionam. Porque tantas vezes não usam palavras e mesmo assim parecem entender o que o outro deseja. Como que conseguem tamanha conexão? É tão bonito de se admirar.

Quando era criança não percebia isso, não entendia que falavam por pensamentos e olhares. Por toques nas costas e sorrisos. Por caretas e respirações profundas. Agora consigo perceber que não precisam de palavras.

Com meus trinta anos, com meu relacionamento cheio de palavras, peço aos ares que um dia possa ter exatamente o que eles possuem. A intimidade de se conhecer mesmo no silêncio, mesmo no escuro.

São como uma corda cada um controlando uma ponta, no caminho transformando as retas em curvas, criando nós e laços, desmanchando tudo e reconstruindo. Perdidos um sem o outro. Uma inspiração silenciosa, ao mesmo tempo cheia de gritos, portas arremessadas contra batentes frágeis. Meus pais abraçados em um sofá, com uma manta sobre os corpos, trocando olhares ainda apaixonados é exatamente o que quero construir com Scorpius.

Então apesar de qualquer medo bobo, dúvida. É para ele que sempre vou aparatar. Porque mesmo que não sejamos como Ron e Hermione, eu sou fruto e flor do que eles semearam, trago em mim seus traços.

Sorrio para a cena. E sei que o amor não precisa de barulho, o grito mudo diz muito mais do que qualquer outro gesto.

Meu grito mudo de amor


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo.
Que por falar nisso, estamos empolgadas em escrevê-lo.

Beijos!



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