Mel, Livros & Amores escrita por Dall


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Para aqueles que anseiam por um lar e para Debs, minha maior inspiração.
Espero que você goste dessa história tanto quanto eu gostei de escrevê-la.



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I

Sua primeira lembrança naquela casa era de uma rara tarde ensolarada no meio do inverno gelado de Hogwarts. Ela corria pelo jardim, sentindo a brisa fresca contra seu rosto, enquanto as irmãs tentavam a alcançar. Nada mais justo, ela pensou enquanto descia agarrada a trepadeira que cresceu perto de sua janela, que sua última lembrança fosse dela correndo pelo jardim novamente.

Dessa vez, no entanto, era só mais uma noite comum e suas irmãs não estavam atrás dela. Ainda assim, depois de uma longa e apressada caminhada, quando ultrapassou os portões da casa e encontrou a picape azul do outro lado da rua, ela sentiu o vento cortando sua pele. Gelado, como uma saudação típica da sua família.

Andrômeda não se importou em fugir de casa carregando somente seus documentos, nem mesmo se incomodou com despedidas ou com determinar seu destino. Pois, mesmo ali, no meio da estrada, abraçada ao seu melhor amigo que tentava inutilmente ler um mapa, ela tinha certeza de uma coisa: estava livre.

II

As solas gastas batendo contra o chão de mármore negro fizeram todos no amplo quarto olharem para a porta. Botas velhas, calça jeans, jaqueta de couro, postura desleixada, barba por fazer e cigarro entre os dentes. Um primo, um sobrinho e também um filho. Nem querido, nem amado. Apenas Sirius.

“O que ele está fazendo aqui?” perguntou Narcisa, em um meio sussurro, para a irmã mais velha, que a ignorou. Seu olhar estava preso a figura do jovem primo rebelde, que andava em direção a outra ponta do quarto, alcançando seus pais. Ainda pode ver a mão do tio tocando o ombro dele, fazendo com que todo seu corpo tencionasse.

Assistindo, divertida, o desconforto alheio, foi interrompida pelo resmungo de seu pai. Cygnus, o grande. Bellatrix sorriu com a ironia desse pensamento, como alguém que se achava tão poderoso poderia acabar preso a uma cama e a um cilindro de oxigênio, em uma tentativa fraca de deter sua morte. Era patético, no mínimo, mas tudo melhoraria quando ele aceitasse o próprio destino.

“Eu reuni todos aqui pelo o único assunto que é interesse de todos: a herança.” Todos prestavam atenção no homem, mais pálido que o seu normal, conectado a tubos e aparelhos. Eram como lobos famintos, engolindo cada palavra desesperadamente. “Quero minha filha...” e assim duas das mulheres no quarto se moveram em sua direção, parando quando ele completou a fala: “Minha pequena Andrômeda.”

Cygnus entendia o silêncio de sua família, interpretando-o melhor do que faria se houvesse palavras. “Sei o que estão pensando e não me importo... O advogado tem duas versões do meu testamento, e se não me trouxerem Andrômeda ele vai garantir que toda a minha herança seja doada para alguma instituição de caridade qualquer.”

A filha mais velha foi a primeira a sair do quarto. Bellatrix era um lobo raivoso e solitário, nunca cederia ao pedido feito. Não cheia de orgulho como era. Foi seguida pela caçula, os fios dourados fugindo do seu antiquado coque enquanto ela passava a mão pela grande e arredondada barriga, e dizia, no seu tom mais baixo, que não poderia ajudar pois seu marido não permitiria. Sempre sussurrando, mas isso não era da responsabilidade do pai, afinal, ela era um lobo com uma matilha diferente agora.

Os olhos dele foram até a irmã, que lhe lançou um sorriso, parte gentil, parte interesseiro, antes de acenar a cabeça em uma promessa silenciosa de que faria o que foi dito. Foi somente nesse momento que o homem notou o mais novo, já sabendo o que aconteceria. O pequeno filhote machucado se encarregaria de lamber as migalhas da comida que o foi negado. Ele buscaria sua Andy. 

III

A casa no alto da colina desaparecendo na neblina parece um barco. Há um mastro, um leme e se ele apertasse bem os olhos poderia ver a retranca. Ou talvez seja apenas a imaginação fértil de Remus agindo depois de uma longa viagem em um barco apertado.

Cruzar o país para chegar a uma cidade no meio do mar somente para encontrar uma mulher não estava nos seus planos, é claro que para Remus a programação ideal durante suas férias envolvia passar quanto tempo fosse possível na sua cafeteria preferida tentando terminar de escrever seu livro.

Ele não contava, obviamente, com os problemas da família Black batendo na porta da frente enrolados em torno do seu melhor amigo, Sirius. Apesar disso, Remus já esperava as lamentações dele, era o mesmo discurso de como sua família era odiável e irritante, mas dessa vez era ainda mais pessoal pra ele. Afinal, Sirius não queria perder nenhum momento da gravidez de Lily e, principalmente, o nascimento do bebê, seu afilhado.

De fato, poderiam ter sido tomadas decisões diferentes, mas na hora se oferecer para ir no lugar dele parecia a melhor. Remus não diria que foi a pior, mas que ele devia ter pedido mais informações sobre a prima desaparecida do amigo antes de embarcar na viagem, isso era uma certeza.

Nada contra a natureza, é só que ele era um cara urbano, nascido e criado no meio do caos da cidade grande. E agora, ele estava prestes a invadir a fazenda de uma Black perdida para convencê-la a voltar para a casa dos pais.

Seus pés continuavam batendo contra a estrada de terra, passadas largas, mas lentas, capazes de levantar uma fina e pequena nuvem de poeira. Por mais que andasse a casa parecia ficar cada vez mais distante, somente restando a ele analisar a paisagem.

A construção tinha uma arquitetura antiga mas era bonita do seu jeito, brilhando em cores claras. Haviam cercas de madeira e um celeiro vermelho. E era como a ilustração de um livro infantil que ele leu há muito tempo, clássica e agradável. “É bem bonito né?”, a voz feminina o tirou dos seus pensamentos abruptamente.

Com uma das mãos sob o peito ele olhou pro lado, encontrando uma mulher com o cabelo em um tom de rosa desbotado, uma jardineira jeans dois números maiores, no mínimo, e botas de chuva. Amarelas vibrante. Era, talvez, vinte centímetros mais baixa que Remus e, provavelmente, uns dez anos mais jovem. Ele diria em outra ocasião que ela parecia uma peculiar e adorável bagunça, mas naquele momento a única coisa que ele conseguiu vocalizar era: “Santo Deus, de onde você saiu?”

“Bem, de onde todos os outros saíram pra começo da conversa. De uma vagina, a da minha mãe, mais precisamente.” Ela respondeu com o máximo de tranquilidade que alguém poderia expressar, olhando pra ele com a cabeça levemente tombada para a direita e um pequeno sorriso desenhado em seu rosto.

Remus deve ter a encarado por tempo o bastante para que ela percebesse e arqueasse a sobrancelha em um questionamento silencioso. Patético, ele pensou quando sentiu seu rosto arder em constrangimento, o que fez com que o sorriso dela aumentasse. “Hm, então você é tímido?”. E, novamente, não ganhou uma resposta. “Silencioso também, pelo jeito”. Suspirou. “Tudo bem, só acelere os passos Lucy Hill, temos que chegar logo porque eu esqueci o bolo no forno.”

“Lucy Hill?”

“Recém Chegada, com a Renée Zellweger, sabe?” ele balançou a cabeça, negando. “Jura? É um clássico. Garota da cidade pequena vai pro campo tentar modernizar as coisas e blá blá blá, um pouco de problemas, uma pitada de romance, tudo termina bem e ela fica com o rapaz de cidade pequena.” A mulher de cabelo rosado falava animadamente, enquanto dava passos rápidos morro acima.

“Como você soube que eu não sou daqui?” Remus tentava acompanhar ela, mas ao que parecia ele não tinha tamanha disposição física para isso.

“Primeiro que a cidade não é muito grande.” Ela se virou para trás, andando de costas enquanto observava a dificuldade do homem. O sorriso ainda não havia saído de seus lábios. “E também, ninguém de Hogwarts usaria esses sapatos.” Completou, voltando à posição normal para logo começar a correr.

Os próximos 10 minutos da vida de Remus envolveram tentar alcançar a mulher que ofendeu seus sapatos ao mesmo tempo que tentava impedir sua mochila de cair no chão. Quando ele finalmente chegou na porta da grande casa encontrou a desconhecida encostada no batente, suas as botas amarelas estavam no canto e em seus pés haviam meias com pinguins desenhados. “Se quiser entrar vai ter que tirar seus sapatos de menino da cidade”. Ela informou antes de ir para o interior da casa. 

“Qual o problema dessa mulher com meus sapatos?” Remus resmungava enquanto descalçava os mesmos e os posicionava ao do lado dos dela, notando a grande diferença de tamanho e estilo entre eles.Suas meias, ao contrário das delas, eram apenas cinzas.  

Os primeiros passos para além da entrada foram hesitantes, ele seguiu pelo longo corredor de madeira a frente, decorado com quadros de fotos e pinturas nas paredes, até chegar na cozinha. A mulher de cabelo cor de rosa punha mesa antes de puxar da bancada uma travessa com bolo. “Espero que você goste de chocolate, Lucy Hill” Ela disse antes de cortar uma fatia grande e servir em um prato de louça. Era amarelo, como as suas botas. 

“Remus” 

“Hm?” Ela olhou pra ele por meio segundo antes de enfiar um garfo no meio da fatia.

“Meu nome é Remus Lupin.” Explicou sentando-se na cadeira de frente a ela. 

“Oh, certo. Espero que você goste de chocolate, Remus.” Destacou o seu nome ao falar, como uma provocação amigável. “Se faz tanta questão de nomes é melhor saber que o meu é Tonks, é bom te conhecer, a propósito.” 

“O prazer é meu” Remus respondeu educadamente, observando ela colocar café em uma caneca com o desenho de um polvo e entregar para ele, que apesar de preferir chá e ter uma certa aversão que beirava o ódio por café, aceitou. Talvez fosse culpa da caneca fofa, da sua boa educação ou da própria anfitriã. 

“O prazer só vem mais tarde, cara da cidade” Tonks respondeu rápido, alcançando uma segunda caneca, dessa vez com a ilustração de um porco cor de rosa.  

“Você está flertando comigo?” Perguntou, incerto de como encarar aquele comentário. 

“Não sei. Eu estou?” Ela o questionou de volta, piscando em sua direção com um sorriso atrevido dançando por seus lábios. “Quer leite?” 

Remus precisava se recompor, o resto vermelho e a postura constrangida o denunciavam. Ele estava perdendo o foco do que tinha que fazer: Encontrar a prima de Sirius o mais rápido possível, de preferência naquele momento. “Você sabe onde encontrar a proprietária? Andrômeda Black?” 

Por um momento pode jurar que o olhar de Tonks se perdeu em algum ponto atrás dele, mesmo que por um milésimo de segundo, antes dela lhe dar uma resposta. “Saiu de férias e volta em… bem, há qualquer momento. Enquanto isso eu cuido de tudo e todos por aqui.” Ela mexeu uma das mãos sinalizando o ambiente ao mesmo tempo em que dava mais um gole no que quer que estivesse em sua caneca. 

O silêncio que se instalou entre os dois parecia ter destruído qualquer sinal de barulho naquele lugar. Não se sabe se a culpa é de Remus, que insistia em se perder na sua própria mente, imaginando as mais diversas coisas. Como estão James, Lily e o bebê? Que número o personagem do meu livro deve calçar? Quanto tempo exatamente é “há qualquer momento”? Com quantas maçãs se faz uma torta? Ou quem sabe de Tonks, uma pessoa naturalmente tagarela, que parecia mais interessada em tentar adivinhar que imagem a borra de café formava no fundo do copo.

Somente o som ruidoso do cacarejo distante, mas suficientemente perto para ser escutado com clareza, de um galo quebrou a indiferença momentânea dos dois. Independente de a quem pertencesse a maior, ou total, parcela da culpa pela situação desconcertante que se encontravam, foi Tonks a primeira a falar. “Esse foi o Rogério avisando que a vida não parou.” Ela se levantou recolhendo a louça suja e colocando na pia. “O que me lembra que devemos fazer seu registro.” 

“Meu registro?”

“É, somos uma pousada. Uma fazenda pousada, eu diria. Não viu a placa lá na frente?” Remus olhou para a janela afora, automaticamente, tentando inutilmente enxergar algo que ele sabia não estar ali. 

“Na verdade, eu acho que não tinha uma placa.” Ele respondeu fazendo com que a expressão da mulher se transformasse em um misto de raiva e frustração. 

“Vou fazer picadinho daquele idiota.” Ela disse antes de sair da cozinha apressadamente. A única opção de Remus foi segui-la. Ele viu ela entrar na sala e puxar de debaixo do sofá uma caixa metalizada. “Onde foi que eu enfiei essa droga? Sabe, o Alvo Roberto insiste em tirar a placa do lugar, não importa quantas vezes eu coloque lá, sempre encontro ela jogada no chão. Cansei disso.” Resmungava sem parar até finalmente encontrar o que estava procurando. Um martelo. Com desenhos de flores por todo o cabo. “Vou enfiar tanto prego dessa vez que vai ser mais fácil tirar leite de boi do que ela sair de lá.” 

“Quem é Alvo Roberto?” O homem parecia curioso e definitivamente confuso ao fazer a pergunta.

“Vou apresentá-los qualquer hora, não se preocupe. Agora vem cá.” Ele olhou pra ela, parada no meio da sala com um martelo potencialmente perigoso na mão. É provável que sua expressão tenha o denunciado, pois Tonks riu e completou: “Ora, não seja bobo. Porquê eu iria querer te registrar na pousada se pretendo te matar? Seriam muitas pontas soltas para resolver, alô.” 

Remus tinha que admitir que achou fofo a forma que ela puxou o “o” no final da frase, tornando tudo um pouco menos assustador. “Faz sentido.” Concordou, vendo-a puxá-lo até um cômodo ao lado da porta da frente, um que ele não tinha reparado ao entrar e que supôs ser a recepção. Era iluminada, com móveis de madeira escura e uma alta bancada em um canto da parede, essa que, assim como a do corredor, também estava coberta por desenhos infantis e fotos de diferentes pessoas. Sempre sorridentes e, no que parecia, sempre em algum cômodo casa. “Por que tudo isso?” 

“Assina aqui, aqui e aqui, preencha essa folha com seus dados e me entrega até amanhã cedo pra eu poder jogar no sistema.” Ela apontou para uns papéis e entregou outros pra ele. “Aqui a chave do seu quarto, oferecemos gratuitamente café da manhã, almoço e jantar mas como não estamos em época de férias e isso aqui tá bem parado se sentir fome fora desses horários é só pegar algo na cozinha. Entendeu tudo?”  Remus só teve tempo de concordar com a cabeça antes dela voltar a falar. “Ótimo, agora vamos. Preciso de ajuda com a placa.” 

Desceram por toda a colina até o portão que indicava o fim da propriedade. Foi uma caminhada silenciosa, se não considerasse o som dos seus passos batendo contra a terra fofa. Quando chegaram ao destino ele pode ver Tonks entrar no meio de alguns arbustos e puxar deles com dificuldade uma grande placa colorida. Soube então o motivo dela precisar de ajuda. 

Poucos segundos depois ele estava segurando a placa contra o portão enquanto ela tirava do seu cinto o martelo decorado e do grande bolso da jardineira vário pregos. Ela falou sério quando disse que tornaria aquela placa impossível de ser arrancada pois ficaram cerca de vinte minutos naquela posição, tempo mais que o suficiente para que ele pudesse ler o que estava escrito no letreiro. Bem vindos à fazenda e pousada Hufflepuff. Lar de todos os corações. 

“Pronto. Aqui, segure isso por um minuto.” Tonks lhe estendeu o martelo enquanto se afastava alguns metros, apreciando seu trabalho. Quando desviou seu olhar dela para a ferramenta em sua mãos pode perceber que as flores não foram as únicas coisas entalhadas no cabo. “O que significam essas letras?” Questionou ao notar ela se aproximando. 

“Minhas iniciais. N.T., o T é de Tonks.”

“E o N.?” Ela apenas tomou o martelo de suas mãos e começou a andar de volta.“Qual seu primeiro nome?”

“Para um cara que acabou de chegar você pode ser bem curioso, Remus.” A mulher se virou de costas, causando um ligeiro déjà vu nele. “Não gosto do meu nome, então não o uso. Prefiro que me chamem pelo meu sobrenome, sou assim desde que era criança então ninguém conhece o outro.”  

“Ninguém?”

“Okay, eu não deveria ter dito ninguém. É mais como só as pessoas que eu amo conhecem.” Ela continuava andando, encarando-o sem se preocupar com o caminho que seus pés seguiam. Como se conhecesse ele melhor do que conhecia a si mesma. “Eu tenho que checar as cercas ao norte agora, obrigada pelo papo e pela ajuda.” 

Tonks desviou o olhar para conferir as horas no relógio em seu pulso, parando de caminhar. “Chego a tempo de te servir o almoço, não se preocupe. Vá pra casa e fique atento, você pode se esbarrar com o Alvo Roberto e ele é bem temperamental. Se  acomode no seu quarto e caso precisar de algo meu número tá grudado na geladeira, é só ligar. Okay?”

“Okay” Ele repassou todas as informações mentalmente enquanto concordava, ultrapassando-a e seguindo seu caminho em direção a pousada. Remus se virou para trás quando a escutou o chamando. 

“Você até que parece legal… pra um cara da cidade.” Não sabia se ria da frase dela, da pausa dramática que ela fez entre a primeira e a segunda frase ou da própria, sorrindo com uma mão na cintura e com a outra estendida, formando o sinal de joia. Optou por somente sorrir de volta, foi um sorriso mais aberto do que era seu normal apesar de não ter percebido, e responder amigavelmente antes de voltar a andar. 

“Você também parece legal, Tonks, para uma caipira.”  Ele passou todo o dia com a risada dela ecoando na sua cabeça. Não era um som ruim, concluiu mais tarde ao se deitar para dormir. 

IV

Uma coisa sobre Remus é que sempre que ele acorda não consegue mais voltar a dormir, não importa o horário. Então, quando o dia amanheceu e ele despertou do sono por causa da cantoria de não apenas de um, mas de dois galos, tudo o que pode fazer foi se arrastar até a cozinha em busca do bom e velho café da manhã. 

Não lembrando que isso era responsabilidade da anfitriã e se surpreendendo ao encontrar ela perto da pia. Suja de farinha, secando as mãos em um pano, de jardineira e meias com bananas como estampa.  

“Ei Lucy Hill, espero que goste de bolinhos porque eu fiz um monte deles.” Tonks inclinou a cabeça em direção a mesa, mostrando os bolinhos empilhados. “Tem um prato pra você aí em cima, leite na geladeira, café fresco a esquerda e chá bem ali no canto. Eu te serviria, mas estou muito atrasada.” 

Ela andava rapidamente de um lado pro outro, guardando algumas coisas e pegando seu cinto de ferramentas, uma pochete e o molho de chaves postos perto da porta antes de sair. Remus mal tinha se sentado quando a metade do corpo de Tonks apareceu na porta. 

“Você tem alguma alergia alimentar que eu deva saber antes de sabe, te alimentar?" Ele encarou os bolinhos na sua frente, escuros com pequenas lascas marrons por cima, antes de voltar sua atenção a mulher. 

“Nozes. Também não gosto de pimenta e meu sabor favorito é chocolate, caso seja do seu interesse.” Tonks balançava a cabeça pra cima e pra baixo enquanto o escutava, mas parou quando escutou a última parte. 

“Você não precisa dizer isso só porque eu fiz três dúzias de bolinhos de chocolate. Não vou me importar caso você odeie chocolate e ame, sei lá, baunilha. Pelo contrário, vou ficar muito revoltada se souber que você está comendo forçado.” Concluiu séria, o fazendo sorrir. “Não me olhe assim, Lucy Hill, isso é um assunto importante.” 

O pedido não surtiu o efeito esperado pois dessa vez Remus respondeu em meio a uma leve risada. “Certo, certo. Chocolate realmente é meu sabor predileto, eu juro de coração.” Terminou desenhando no peito um “X” com o dedo.

A expressão fechada de Tonks se dissipou em um segundo abrindo espaço para o seu costumeiro sorriso de sempre. “Prometa que vai ser sincero comigo sobre seus gostos.”

“Eu acabei de fazer um juramento e agora você também quer uma promessa. Deus, essa mulher é insaciável.” O homem que disse essa frase não parecia o mesmo que tinha chegado na fazenda no dia anterior, mas o conhecimento de uma nova faceta dele não impediu Tonks de gargalhar animadamente. 

“Você não é o primeiro a dizer isso.” ela disse e depois mexeu as sobrancelhas, levantando as repetidas vezes. “Agora vai, me prometa logo ou vou me atrasar mais e  acabar tendo que enfrentar porcos furiosos.”

“Tonks…”  Remus a chamou lentamente, um pouco confuso mas nada surpreso, e ela sorriu pra ele, tombando a cabeça pro lado. Não foi preciso muito mais, ele fez sua promessa em um suspiro de rendição, podendo ver Tonks sair correndo, para fazer seja lá quais fossem suas responsabilidade, enquanto gritava “obrigada”.

Quando ela voltou para casa para preparar o almoço soube que ele realmente ia cumprir sua promessa. E seja lá qual fosse a parte do homem que tinha feito isso, ela gostava, pensou ao puxar o post-it amarelo grudado na cafeteira dizendo “eu odeio café”. Em letras maiúsculas, sublinhado e com seis pontos de exclamação. 

Depois de deixar o bilhete, Remus andou por toda a casa e percebeu que ela era bem maior do que parecia. Encontrou uma sala, no terceiro e último andar, que contrastava com a decoração do resto da pousada. Havia uma parede com todo o mapa múndi como papel de parede, pequenos barcos em garrafas espalhadas por todo o lugar, fotos de peixes e de um homem, que parecia importante. 

Sentando-se na poltrona de couro perto da lareira desligada, pegou seu telefone discando um número que já sabia de cor. 

“Ei, Moony. Se divertindo muito por aí?” A voz na outra linha respondeu no segundo toque. 

“Muito engraçado, Sirius.” 

“Alguém tem que ser, não é?” 

“Tanto faz. Notícias ruins primeiro, boas depois.”

“Certo”

“Sua prima não está aqui, saiu de férias. A boa notícia é que ela pode voltar a qualquer momento.”

“Tio Cygnus não deve aguentar muito mais, a cada dia que passa ele fica pior. James e Lily terminaram de decorar o quarto do Harry.”

A linha ficou muda por um tempo antes de se escutar um suspiro vindo dos dois lados. 

“Droga.” 

“Pensei a mesma coisa. Mas e aí, se a Andy não tá na fazenda onde você tá ficando?”

“Fazendo como planejado.” Remus sabia que Sirius não ficaria satisfeito com tão pouca informação, então completou. “Aqui é uma pousada, tem uma garota que cuida de tudo e me registrou como hóspede.”

“Uma garota?”

“Uma mulher mais jovem.”

“Hm, e o que você sabe sobre ela?” Ele pensou antes de responder, reunindo as informações mais importantes que tinha.

“Ela tem cabelo rosa, meias estranhas e cozinha bem.”

“Você seria um péssimo detetive.” Não era, de fato, uma mentira, e Remus não podia se defender disso. “Ei, Moony, sabia que a melhor forma de se conquistar alguém é pelo estômago?”

 “Você é um idiota, Padfoot.”

“Provavelmente, mas um idiota que não recebeu férias adiantadas como você. Tenho que ir antes que meu chefe me mate, cuidado com quem você vai se apaixonar.” E ele desligou antes que Remus pudesse ofender de outra maneira, afinal, Sirius era seu próprio chefe.  

V

No decorrer dos dias que se passaram, eles se falaram mais algumas vezes. Tão poucas quanto os momentos que pode ver ou falar com Tonks. A última, pelo que ele podia se lembrar, envolveu ela o mostrando o telefone fixo da casa após sua ligação com James cair. Apesar de antiquado, ela se justificou, nunca dava a problemas com o sinal. 

Horas seguidas de mais horas esperando pelo dia de Andrômeda retornar, e de caminhar por toda a casa, repetidas vezes, por falta de algo melhor para se fazer, ele acabou aprendendo a agenda de Tonks. Era uma rotina pesada por natureza, mas nos últimos dois dias a mulher parecia ainda mais ocupada e com pressa. 

Puxou o recado preso a geladeira, uma resposta ao que ele tinha colocado antes. Essa era a forma que eles vinham conversando ultimamente, considerando que seus horários não estavam se batendo. Tonks acordava muito cedo, deixava tudo arrumado e saia antes dele acordar. Mais tarde, enquanto ele estava tentando escrever, ela chegava fazia o almoço e saia, só retornando na hora do jantar, onde eles se encontravam, mas ela sempre parecia tão cansada que ele tentava não incomodar. 

A coisa dos bilhetes começou justamente por isso. Ao invés de falar com ela, Remus decidiu deixar um recado preso a geladeira, um lugar que ela veria toda vez que voltasse para casa. Na primeira vez ele escreveu perguntando se deveria informar ela sobre seus gostos apenas de questões sobre comida. Ela respondeu alguns pontos de interrogação, horas depois, ainda no mesmo post-it. 

“É que as cortinas da sala na entrada…” Ele escreveu, e em seguida encontrou uma folha A4 branca presa a um imã de melância com as palavras “Não ouse terminar essa frase” anotadas. Havia um recado com “Elas são pavorosas. Posso tirá-las de lá pra você qualquer dia.” e um bloco de notas autoadesivas do lado, como resposta para Tonks. 

Ela entendeu o que eles quis dizer com aquela atitude e agradeceu deixando um pequeno presente. Na travessa que Remus encontrou no dia seguinte tinha mousse de chocolate e uma nota grudada no canto. “Se encostar nas cortinas vou passar por cima de você com um trator.”

Certo, ela podia ser bem doce quando queria. Ironizou pra si mesmo e perguntou se ela realmente tinha um trator. De noite, durante a janta, ele viu uma foto presa ao imã na geladeira. Era Tonks, de cabelo azul, usando um vestido e as mesma botas amarelas de antes, na frente de um trator vermelho.

“Você fica bem de azul.” Ele disse de repente, cortando o silêncio, meio comum ultimamente, entre os dois. A mulher somente balançou a cabeça em agradecimento, mas entre uma garfada e outra, Remus pode ver o sorriso que ela tentou esconder. 

Agora, dias depois, ele havia recebido mais algo como um comunicado o mandando se preparar, pois ela tinha decido mostrar toda a fazenda para ele, que deveria a encontrar em quinze minutos na frente da pousada. Chegando lá viu ela, do mesmo jeito de sempre, talvez parecendo menos cansada, com uma cesta de piquenique numa mão ao mesmo tempo que a outra segurava uma bicicleta. “Ali no canto tem outra dessa, pega ela. Você vai precisar.” 

Tonks o apresentou toda a propriedade e os bichos nela. Conheceu Rogério e Sebastião, os galos responsáveis por acordar ele todos os dias e Ana Cláudia e Cenourinha, os porcos favoritos dela. Remus viu o grande gado de perto, algo que nunca esperaria fazer quando estava na cidade. 

Eles foram por todos os cantos, até chegar na parte mais baixa do terreno. Com grandes árvores e uma longa cerca os separando do mar. Encostaram as bicicletas em uma árvore e enquanto a rosada organizava as coisas o homem caminhou até as cercas, encarando a calmaria e imensidão do mar a frente. 

Ao voltar, ele viu Tonks sentada no chão, na sombra, abraçando os próprios joelhos e o estudando. O rosto dela avermelhou-se quando ela percebeu que ele também a olhava. “São cento e quarenta e sete passos até lá.” Disse quando ele chegou mais perto.

“Eu não entendo, como uma fazenda a beira mar se mantém?” Remus foi direto ao perguntar, fazendo ela rir levemente. Gostava disso nele.

“É da nossa fazenda que sai toda a carne, mel e leite que alimenta a cidade. Aqui é muito grande e você não costuma sair da pousada, se não viria todas as pessoas que vêm e vão comprando um pouco de tudo. Também geramos mais empregos assim, o pessoal ou trabalha aqui, nos pequenos comércios, na cidade vizinha ou na água.” Ela apontou pra frente, mostrando o barco que estava longe. “Hufflepuff não se manteria sem Hogwarts e virce versa. Mas agora a fazenda começou a expandir as coisas da apicultura, então estamos fazendo negócios com a cidade vizinha.Tentando, pra ser mais exata.”

“Por isso você anda tão ocupada?” Ele perguntou vendo ela assentir em resposta.“Posso te ajudar em alguma coisa?”

Tonks soltou seus joelhos e apoiou o queixo nas palmas da mão, batendo os dedos contra a maçã do rosto. “Hm…” Olhou pra cima e depois moveu os lábios para a esquerda, essa era uma careta que ela sempre fazia durante o jantar, Remus reconheceu, entendendo que era sinal de que ela estava pensando em alguma coisa. “Vou ficar bem melhor se souber que você começou a aproveitar sua estadia aqui. Seria de uma ajuda bem grande, não acha?”

“Mas eu já aproveito!” Exclamou o mais velho.

“Você chegou tem duas semanas e a únicas coisas que fez foi andar pela casa e reclamar das cortinas, Lucy Hill.” 

“Só falei das cortinas uma vez e você sabe que elas são feias.” Disse arrancando uma risada dela.

“São mesmo.” Tonks o encarou mais uma vez antes de terminar sua frase. “Tudo bem, vou dar um jeito nisso.”

“Nas cortinas?” Outra risada causada pelo tom meio esperançoso e meio surpreso de Remus.

“Em você.” Ele arqueou uma sobrancelha em resposta. “Não nesse sentido, meu Deus do céu.” A mulher cobriu o rosto com as mãos, de forma que seus dedos estivessem tampando os olhos, por pouco tempo antes de movê-los um pouco, os deixando entreabertos, suficiente para que Remus conseguisse ver seus olhos claramente, e dizer: “A não ser que você queira, nesse caso sabe onde me encontrar.” 

Não se sabe se foi o comentário impertinente de Tonks ou a piscada que ela lhe lançou ao final que deixou Remus corado. Mas isso não importava para a mulher, que começou a rir da situação outra vez. “Você é engraçado, Lucy Hill.”, ela falou. Algum tempo depois Remus voltou pra casa, Tonks o acompanhou pela maior parte do caminho até ter que se desviar para ir trabalhar. 

Correu pro seu quarto assim que pôs os pés dentro da pousada. Havia uma janela grande em uma das paredes, por ela ele podia ver muito da extensão da fazenda e da sua entrada. O sol ainda brilhava quando ele se sentou na frente dela com um grande bloco de folhas e uma caneta, começando a escrever e só parando ao sentir o brilho da lua tocando seu rosto. 

Na manhã seguinte ele levantou cedo para o café e encontrou na geladeira vários bilhetes. Alguns novos, outros velhos. O mais recente era de Tonks dizendo que tinha deixado algo para ele na varanda, algo que ele deveria usar para sair mais vezes da casa. Remus caminhou até a entrada, mal conseguindo abrir a porta. Uma bicicleta, a mesma do dia anterior, atrapalhava toda a passagem. Rindo ao entender o que a última parte do recado queria dizer, ele montou a sua nova rotina. 

“Vitamina D é realmente importante, Tonks.” Concordou com ela mentalmente enquanto pedalava pela fazenda, o bloco de folhas em uma mochila em suas costas. 

VI

Foi assim por vários dias. Algumas manhãs e tardes, Tonks pode ver o jovem Lupin em alguns canto da propriedade, escrevendo. As noites, quando ela chegava em casa, podia ver ele pela janela, ainda escrevendo. Quando jantavam juntos a mulher podia ver no rosto dele todo o cansaço que ele sentia, mas havia algo a mais. Uma empolgação e satisfação. Era confuso para ela. 

Por seu lado, Remus estava cada vez mais determinado. Finalmente tinha tido inspiração para começar um livro novo e sua editora parecia feliz por isso. Ele tinha se comprometido a escrever sem distrações enquanto esperava a prima de Sirius voltar de sua viagem, não levando em consideração que a maior distração que sua mente poderia ter ser justamente pelo regresso de alguém que não fazia parte da família do amigo.

Todas as vezes que o horário de Tonks chegar em casa se aproximava, ele ficava inquieto, sem poder produzir. Remus jurou que isso era o efeito de uma pessoa ansiosa e que passaria com os dias. Ainda sim, quando ela finalmente chegava, não conseguia deixar de sentir uma quentura estranha no peito. 

Ele ainda pensava nisso quando amanheceu, se levantando dessa vez não com os sons dos galos mas sim com os das batidas na porta do seu quarto. Era a rosada, de jardineira, meias de tigres e sorriso no rosto, o convidando para um passeio de barco naquela tarde. E apesar de não ser uma programação atraente aos seus olhos, percebeu que se houvesse uma molécula do corpo dele capaz de negar algo a essa mulher, ele a desconhecia. 

Quando viu, já estavam no meio do mar, sentados cada um em uma ponta do barco. 

“Me diga uma coisa que eu ainda não sei sobre você.” Ela pediu curiosa. 

“Tirei “férias” para poder escrever meu novo livro, ia passar muito tempo em casa mas acabei aqui.” 

“E deu certo?” Sua mão passava pela água, em uma carícia estranha, quando ela perguntou. “Começou a escrever seu livro?”

“Hm, sim. Minha editora acha que vai ser um grande sucesso.” Ele mordeu os lábios ao responder, desconcertado. Não tinha se acostumado com a própria carreira.  “Sua vez.”

“O que você quer saber?” Parecia animada com a ideia de compartilhar informações. 

“Como você veio parar aqui?”

“Eu nasci na fazenda. Meus pais rodaram todo o mundo juntos até pararem aqui. A dona da fazenda simpatizou com eles, deu abrigo e trabalho, então eles ficaram. Se casaram numa igrejinha no centro da cidade, me tiveram uns anos depois e aqui estou eu.”

“Você nunca saiu de Hogwarts?”

“Oh, não, eu saí. Minha mãe sempre me deu liberdade para escolher meu caminho, eu até tentei fazer faculdade lá fora mas acabei voltando pra cá. É e sempre vai ser onde meu coração está, desisti de tentar mudar isso.”

“E seu pai?” 

“Morreu quando eu era muito nova. Ele passava todas os sábados no barco, navegando, pescando, essas coisas. Um dia os sábados viraram uma vida inteira.”

“Eu sinto muito, Tonks.”

“Tudo bem, é sério. Meu pai sempre dizia que nós éramos o coração dele, mas o mar era sua alma. Isso me conforta um pouco sabe, me faz acreditar que ele foi em paz.”

“Como sua mãe ficou?” Ela só deu de ombros e ele soube que aquele não era um assunto do qual ela queria falar. 

O silêncio reinou entre os dois, era calmo e aconchegante, mas algo deixava Remus inquieto. “Tonks?” ele chamou ela, que estava de olhos fechados, o rosto levantado em direção ao sol e uma das mãos para fora do barco, na água. “Não é estranho pra você? Estar aqui?”

Ela voltou a sua cabeça para a posição normal e o olhou com um sorriso no rosto, um diferente de todos os outros que ele já havia recebido dela. “No começo era, eu sentava na costa e esperava a água me levar como levou ele. Mas hoje…” ela suspirou, como se aquilo fosse um peso que ela nunca tinha deixado de segurar. “Meu pai morreu quando eu tinha seis anos. Seis anos não é tempo o bastante, sabe, para se juntar lembranças. Minha memória é tanto minha melhor amiga quanto minha pior inimiga. É assustador.” 

“Só que hoje, eu sento aqui e respiro fundo, o cheiro que sinto é o mesmo de quando ele voltava pra casa. O sol, mar e areia impregnados nele como uma segunda pele. É como um abraço e cada onda é como se fosse uma batida do seu coração. Então um dia, quando eu não souber mais em quem confiar porque minha mente preencheu as lacunas com momentos que eu não sei se são reais ou só frutos da minha imaginação, quando o rosto dele não estiver mais tão claro, eu ainda vou ter isso tudo. Porque nada pode apagar essa sensação, Remus. Nada.” 

O homem não soube o que falar, a emoção dominando seu corpo, e quando Tonks tocou sua mão, o consolando com um sorriso no rosto, ele quis chorar. Não era justo ela estar fazendo isso, estar nessa situação de aliviar o sofrimento de alguém quando era ela deveria ser consolada. 

Ficaram assim por longos minutos, até perceberem o horário e decidirem voltar para a terra. Eles remaram e conversaram sem parar, até que chegaram à margem da ilha. 

Remus acabou se desequilibrando e caindo de volta na água quando Tonks, acidentalmente, bateu o remo nas pernas dele. Ela ficou agitada quando viu o homem todo encharcado e começou a pedir desculpas, desesperadamente. Para a surpresa de qualquer pessoa viva, o rosto dele foi se abrindo em um sorriso que logo se transformou em uma gargalhada. Tão forte que ele não conseguia respirar e a extensão do seu pescoço ficou vermelha pelo esforço. 

“Você não está irritado?” Ela perguntou delicada, baixo e meio hesitante. 

A risada ainda estava presa nos lábios de Remus quando ele respondeu que não, já mais calmo. “Acho que é melhor voltarmos pra casa.” A rosada expôs em seguida. Mas ele não tinha se dado por satisfeito, e se aproximando lentamente de Tonks disse: 

“Acho que primeiro você devia me dar um abraço.” 

Tonks olhou pro corpo dele, que ainda pingava água, e fez o que qualquer outra pessoa teria feito. Ela correu. 

Não foi preciso mais que três voltas para que ele alcançasse ela. Malditas pernas longas, resmungou presa nos braços do homem, sentindo toda sua roupa molhar. E apesar dos protestos e da umidade, um sorriso se formava em seu rosto enquanto se aconchegava no abraço do mesmo.

Eles chegaram na pousada quando o céu já estava meio alaranjado pelo pôr do sol. Se sentaram em silêncio na varanda, enrolados em toalhas felpudas, e juntos admiraram o momento. A noite tinha caído completamente quando Tonks entrou para dentro, desejando boa noite entre um bocejo e outro, mas Remus continuou parado ali por muito tempo. 

Contemplando a imensidão do céu escuro e suas estrelas, entendeu o porquê do coração da jovem estar ali. Mais que isso, percebeu, havia, também, uma parte dele que sentia o mesmo. 

VII

Os dias correram rápido depois dessa noite, para ambos. Remus parecia ainda mais focado em escrever seu livro e Tonks dividiu sua atenção entre trabalhar e observar Remus. Ela gostava de fazer muitas coisas, cuidar da fazenda, cozinhar, montar quebra cabeças, mas olhar o homem acabou se tornando a sua favorita. 

Ela tentava não parecer assustadora quando tentava, no meio do jantar, gravar cada pequeno traço dele, desde as linhas em seu rosto, algumas de expressão e outras cicatriciais, essas que eram finas e grossas e cobriam a maior parte do seu lado direito, até os calos em sua mãos, que ela apostava ser do contínuo uso de uma caneta ou lápis.

O olhar dele desviou até o dela, apanhando-a. Contudo, o flagra não a deixou envergonhada e ela continuou o encarando. 

"Para com isso." Ele sussurrou.

"Não sei do que você está falando." Respondeu, em um meio suspiro atrevido. A cabeça tombou para a esquerda e ela torceu os lábios, então ele soube que ela pensava em algo antes de poder falar. “Vamos sair sexta a noite.”

O homem arqueou a sobrancelha enquanto a questionava: “Isso foi uma pergunta?”

Tonks balançou a cabeça rapidamente para um lado e para o outro. “É mais como um comunicado, eu diria.”. Ela mordeu os lábios antes de sorrir largamente, se levantou da sua cadeira e foi até a pia, começando a lavar as louças.  

Pouco depois, quando Remus fez o mesmo caminho, colocando seu prato dentro da cuba, ela se virou em sua direção. Seus corpos se encostaram e a diferença de altura entre os dois pereceu ainda maior, a fazendo erguer a cabeça para poder olhar o rosto dele.Tonks poderia assegurar que seu coração falhou bem mais que uma batida, se, é claro, a intensidade com que ele a encarava a tivesse deixado pensar razoavelmente. 

Ele se curvou, e por alguns poucos quatro centímetros seus narizes não se tocaram. Tonks pode sentir sua respiração batendo contra a pele dela, aquecendo-a, assim como podia sentir a mão dele tão próxima do seu rosto quanto ele mesmo. Toque-me, ela desejou poder dizer.

“É um encontro?.” Remus falou, em um cochicho rouco.

E no mesmo tom ela perguntou de volta: “Não sei. Você quer que seja?” 

O homem não respondeu, apenas sorriu e se afastou. Tonks, que ainda estava na mesma posição, ligeiramente abalada, pode escutar ele desejando boa noite, já passando pela porta da cozinha e subindo para o quarto.

“Onde foi que eu fui amarrar meu bode?” Suspirou resignada, voltando a lavar as louças do jantar. 

Era cedo quando Remus decidiu escrever ao ar livre e foi surpreendido, ao passar pela entrada, por cinco pontos ruivos. Seis, se considerar o pequeno embrulho nos braços da única mulher do grupo. “Molly!” A voz de Tonks ecoou em um grito animado.  “Ai meu deus! Você está tão bonita e os meninos estão enormes! A idade chega pra todos, ai ai sinto minha vida passando pelos meus olhos.”

O homem mais velho explodiu em uma risada. “Você é só alguns anos mais velha que eles, menina.”  

“Vou fingir que não escutei isso, Senhor Weasley. Agora Molly, deixa eu segurar o bebê e explodir de amor olhando esse rostinho lindo.” A mulher que ele supôs ser a Senhora Weasley entregou a criança para Tonks, que saiu andando para dentro da casa. “Ele é gigante para um recém nascido, o que vocês dão pra esses garotos? Fermento? Não me olhe assim Percy, eu fiz seus bolinhos favoritos.”

Ao invés de seguir seu próprio caminho, Remus foi atrás da grande família que interagia com a rosada. “Então Molly, ainda vai tentar conseguir uma menina?”, ele escutou Tonks falando. 

“Sim, mas vai ser a última vez.” 

“A senhora diz isso todas as vezes e já somos seis.” Um dos garotos gêmeos comentou. 

“Deixa de ser chato, George.” A rosada falou, ainda observando o bebê em seus braços. 

“Eu sou o Fred.” O garoto respondeu, fazendo com que Tonks desviasse o olhar para ele, que estava lado a lado do irmão.

“Não, não é. Agora coma seu bolinho.” Ela mexeu a cabeça, apontando para a mão dele a qual segurava o doce. Seus olhos cruzaram com os do Remus, encostado no batente da porta, e ela sorriu. Ele precisou de muito autocontrole para resistir a tirar uma foto dessa cena ou imaginá-la em outro contexto. 

A rosada logo entregou o bebê para a Senhora Weasley chamando todos para a sala para ela poder registrá-los. Eles passaram por Remus em ordem, os gêmeos adolescentes, Fred e George, o jovem homem que por eliminação ele descobriu se chamar Percy, a Senhora Weasley com o filho mais novo e o Senhor Weasley. Por fim, Tonks, que ao chegar perto dele sussurrou: “Os bolinhos em cima da mesa tem nozes, os seus eu deixei dentro do forno. Mas cuidado, aqueles garotos devoram tudo que veem pela frente.” 

Mais tarde ele a encontrou olhando para uma parede da sala, outra com fotos espalhadas por toda sua extensão. “Aqui a gente tem a tradição de fotografar todos os hóspedes antes deles irem embora, emoldurar e pendurar pela casa, para que a gente não esqueça, sabe, que fizemos parte da história de cada pessoa e eles fizeram da nossa.” A mulher começou a dizer assim que ele se aproximou. “Os Weasley chegam na fazenda um ou dois meses depois do nascimento de um filho, é assim desde o primeiro.” Ela mostrou uma foto antiga, com o casal e algumas crianças. “O bebê é o Percy, esse menorzinho é o Charlie, do lado o Bill e essa menina sou eu.” Riu um pouco antes de completar: “Mamãe dizia que eu amava uma câmera. Talvez por isso você pode me encontrar na metade das fotos que temos expostas.” 

“Você era uma criança fofa… e morena.” Disse Remus analisando a foto, arrancando dela outra risada.

“Fui morena até os quatorze anos. Pensa no trabalho que deu pra pintar a primeira vez. Deus, minha mãe quis me matar quando viu o que eu tinha feito, mas já era tarde demais.” Contou nostálgica enquanto se distanciava. “Tenho que checar as abelhas, quer vir?”

VIII

Com um macacão branco, chapéu com véu e luvas grossas de borracha Remus concluiu que as vezes seguir a rosada não era sempre o melhor negócio. Ela andava na frente, com o mesmo uniforme que ele e um fumigador pendurado em seu ombro. O passando por uma caixa de madeira, a abrindo, checando alguma coisa e logo fechando. A mulher fez isso por algum tempo antes de o chamar para voltar. 

“Você sempre faz isso?” 

“Na verdade não, foi só dessa vez. Umas rainhas acabaram morrendo e tivemos que substituir, só quis ver se as novas estavam bem.” Ele confirmou com a cabeça em resposta antes de começar a despir as roupas de apicultor.

Depois disso os dois caminharam de volta para a pousada em silêncio, mas quanto mais se aproximavam da casa mais nítido era a voz alta dos Weasley’s. Fred e George saíram correndo para fora, enquanto a mãe gritava seus nomes, ele riam indo de um lado para o outro quando ela apareceu na porta, com as mãos na cintura e uma expressão raivosa. “Vocês estão de castigo!” Gritou novamente. 

“Eles gostam de implicar com a Molly porque ela nunca acerta quem é quem.” Tonks explicou calmamente. 

“Mas você sabe.”  Remus parecia confuso com isso.

“Só porque eu passei muito tempo com eles, acabei aprendendo os detalhes.” Justificou.

“Eles gostavam de ficar com você quando mais novos?”

“Hm, tá mais pra: eles gostavam de ficar com o William, e depois com o Charles, e eu não era diferente.” Disse divertida.

“Como assim?”

“Digamos que eu tentei entrar pra essa família. Duas vezes.” A fala da mulher fez com que os olhos do outro saltassem. 

“Espera.” Ele parou de andar, sendo deixado para trás por ela. “Você quer dizer que…” 

Remus não conseguiu terminar a frase pois foi interrompido pela gargalhada de Tonks. “Te vejo sexta feira.” Ela disse alto antes de sumir para dentro de algum cômodo. 

Em um par de décadas, quando perguntassem, os dois poderiam dizer que depois de um dia cansativo, por causa dos negócios da fazenda com a cidade vizinha, a rosada tinha voltado para casa a tempo de se arrumar para sair, colocado sua roupa mais bonita, um vestido florido que a mãe tinha dado de presente, mas não tirado as costumeiras botas amarelas dos pés. 

Não falariam sobre como ela implicou com os novos sapatos dele dizendo: “Olha só isso, Lucy Hill parecendo um verdadeiro cara de Hogwarts.” Ou como descer a colina, em direção a um restaurante no centro, de bicicleta não tinha sido a ideia mais genial de nenhum deles. E tampouco que a primeira coisa que Remus perguntou quando chegaram no restaurante foi perguntar sobre o relacionamento dela com os dois Weasley. 

“Você não esqueceu isso, não é mesmo?” Ela fez aquilo de torcer os lábios antes de responder, e ele achou fofo, como todas as outras vezes. “Primeiro foi o Charlie, a gente basicamente cresceu junto e namorar parecia a opção certa. Não era. Quer dizer, a gente se gostava como amigos e não como algo a mais. E também, ele não fazia exatamente meu tipo.”

“Mas o irmão dele fazia?” Perguntou com um murmúrio rabugento.

“Também não precisa falar assim, Lucy Hill, nem Charlie e nem os outros Weasley’s se importaram.” Ela o repreendeu. “Mas sim, Bill era mais velho, tinha o cabelo longo, tatuagens e usava um brinco. Ele totalmente fazia o tipo da Tonks adolescente. Afinal, que garota não gosta de um cara com ar rebelde mas que na verdade é um bom moço?”

“E agora?” Lupin prolongou o assunto, curioso, tendo que reformular sua pergunta ao se deparar com o rosto confuso de Tonks, que se distraiu ao focar na comida posta na frente dela. “Você deu a entender que seu gosto mudou com o tempo.” Ela concordou enquanto ele continuava a falar. “Então, qual seu tipo agora?”

“Bem…” Iniciou, dessa vez olhando para o garfo cheio. “Eu ainda prefiro caras mais velhos.” Sua atenção voltou a ele, apenas tempo o bastante para que ela lhe lançasse uma piscadela, e logo voltou ao seu prato, começando a comer. 

O rosto corado de Remus durou todas as duas horas que eles ficaram lá e um pouco do tempo que gastaram refazendo o caminho até a grande casa. Já era tarde, a noite escura sendo iluminada por milhares de estrelas o lembrou do dia em que passearam de barco. 

Esses pensamentos o fizeram puxar Tonks pela mão até uma parte gramada, frente a casa, onde os dois se deitaram em silêncio, apenas admirando o céu e aproveitando a companhia um do outro. 

“Por que você sempre usa essas botas?”

“Quando eu era criança meu pai me deu um par. Eu odiei. Deixei no canto do quarto e me recusei a usar.” Ela ergueu uma mão, como se tentasse tocar uma estrela. “Ele morreu uns dias depois e eu sentia que aquelas botas zombavam de mim. Até que teve um tempestade. Minha mãe escutou Alvo Roberto chorar e saiu na chuva pra buscar ele, mas ela escorregava e não conseguia pegar ele.” 

“Eu fiquei desesperada, vesti as malditas botas e fui até lá. Sai a puxando para a varanda e o Alvo Roberto veio atrás. Sentamos no chão e quando ela viu meus pés começou a chorar. Acho que nunca tinha visto ela fazer isso antes desse dia. Uns dez anos depois ela acabou me contando que chorou porque pensou no quanto meu pai ficaria feliz de me ver usando elas. No dia seguinte eu comprei um par novo e nunca mais tirei.” Sua mão ainda estava estendida quando ela completou. “Eu ouvi dizer que se você faz um desejo verdadeiro de coração pra uma estrela, ele se realiza. Algumas noites eu peço pra que, seja lá onde meu pai esteja, ele saiba que eu estou usando as botas dele.” 

Tonks virou, se deitando de lado, percebendo que Remus tinha feito o mesmo e a olhava sério. “E você, o que desejaria?”

Ele levou uma mão até ela, se aproximando um pouco e afastando uma mecha de cabelo que tampava o seu rosto. Seus olhos estavam focados na boca dela quando ele respondeu em um tom mais baixo que o normal. “Te beijar.”

“Você só precisa pedir.” Disse, como se contasse um segredo valioso, observando ele se aproximar lentamente e trocando olhares intensos.

O momento foi interrompido pela voz de Molly Weasley, que gritava para que os filhos fossem tomar banho. A situação foi, por um segundo, constrangedora, antes dos dois começarem a rir. Quando voltou a olhar para Remus, o riso de Tonks ainda ecoava, cada vez mais baixo, se dissipando com a forma que ele a encarava. 

Não teve aproximação lenta dessa vez, foi tão rápido quanto um ataque cardíaco. Entretanto, o beijo em si, ela descreveria como algum tipo de câncer. Consumindo todo seu corpo e alma, a devorando lenta e intensamente. Naquela noite Tonks morreu nos braços de Remus, clamando pelo seu próprio assassino repetidas vezes.  

IX

Quando, na manhã seguinte, ela acordou na cama vazia de Remus, nua e atrasada, precisou de cinco minutos para entender o que aconteceu e o que tinha que fazer. Passado o tempo e ainda sem respostas, mesmo com o bilhete deixado pelo homem sob o travesseiro pedindo desculpas sobre sua urgente necessidade de tomar café da manhã e não querer a acordar para isso, ela levantou e vestiu suas roupas, uma vez que recolheu elas do chão do quarto. 

Pensou, descendo as escadas em direção a cozinha, se aquilo poderia ser chamado de caminhada da vergonha se ela estava na própria casa. Chegando lá, ela pode ver Remus e Molly conversando, essa que aparentemente tinha assumido o controle da sua cozinha. Eles não notaram ela entrando e muito menos que ela servia do suco na mesa, entretidos na própria conversa.

“E coitadinha da Tonks que tem que cuidar desse mundaréu de coisa sozinha desde que a Andy ficou doida e fugiu. Essa menina é muito corajo…”  A fala de Molly foi interrompida pelo som do caneca que Tonks segurava caindo no chão e se partindo. “Oh querida, deixa eu te ajudar.”

A mulher mais velha estava prestes a se abaixar para catar os cacos quando foi parada pela voz de Remus. 

“É melhor nos deixar sozinhos, Senhora Weasley.” Ele não parecia disposto a dar outra escolha a ela, que sem opções saiu da cozinha. 

Tonks ainda olhava para a caneca, os pedaços dela, especificamente, catatônica. Por alguns minutos eles permaneceram nessas posições, até que ela levantou o rosto, molhado de lágrimas, e sorriu. “Bom dia.”

“Você mentiu para mim.” Falou com seriedade.

“Não! Tudo o que te contei era verdade, eu só não falei que ela era minha mãe.” 

“Você disse que ela podia voltar a qualquer momento, Tonks.” 

“E ela pode! Quer dizer, ela vai e volta quando bem decide e nunca avisa nada.” Justificou, movendo as mãos enquanto falava. 

“Você podia ter me dito isso!” Remus começou a se afastar dela. 

“Você não parecia se importar com a demora dela! Como eu poderia adivinhar que era tão importante para você ficar assim?!”

“Não é sobre eu estar esperando ela voltar, mas sobre você não ter me falado depois de todo esse tempo.” Ele resmungou

“Eu não ia conseguir lidar com mais uma pessoa achando que eu sou uma coitada abandonada pela mãe.” A rosada tentou se aproximar, mas no meio do caminho parou, recuando de volta, seus olhos se enchendo de lágrimas novamente. “Me desculpa.” Disse parecendo prestes a quebrar. 

“Vem cá.” Remus a puxou para seus braços, não sabendo como lidar com a situação que se encontrava e tão pouco querendo que ela se sentisse mal por causa dele. “Tá tudo bem, não se preocupa, não é sua culpa.” Apoiando sua cabeça sobre a dela ele continuou: “Sinto muito, eu não tinha o menor direito de fazer essa cena.” Sentiu ela apertando o abraço e suspirou. “Quer me dizer o que aconteceu?”

“Ela comprou a fazenda quando a antiga dona decidiu se aposentar. Criou a Huplepuff em homenagem a ela. Mamãe decidiu que aceitaria todos de braços abertos como a Dona Helga fez com eles. Só que aconteceu o acidente do meu pai. Se o coração dele estava mesmo no mar, então o dela estava nele, mesmo assim ela não pode sofrer a perda do seu grande amor porque precisava cuidar de mim. E ela cuidou, e ninguém teria feito melhor. Mas ano passado a cidade tava numa crise feia, as produções da fazenda caíram e todo mundo queria que vendêssemos. Ela não aguentou toda essa pressão.” Tonks não afastou o rosto do peito dele e por isso sua voz saiu emaranhada, fazendo com que Remus se esforçasse para entender com clareza.

“Acho que por mais que ela se esforçasse, a fazenda era o meu lar mas não era o dela. Então comprei uma passagem de avião, para o mais longe daqui e dei de presente. Eu disse para ela ir encontrar de novo a parte dela que se perdeu com ele, meu pai. Ela falou que voltaria em algumas semanas. Mas as semanas viraram meses e os meses se transformaram em um ano. E tudo bem, a cidade se recuperou, tanto a fazenda quando a pousada estão indo bem e eu estou orgulhosa dela tá finalmente vivendo o luto que era seu por direito. Só que todo mundo acha que ela ficou louca e fugiu e isso é pior que toda a saudade que sinto dela.”

Remus tinha a sensação de que aquele abraço poderia durar horas que ele ainda não teria coragem o bastante para dizer a Tonks o motivo da raiva dele. E ciente disso ele só pode a puxar para mais perto, falando em seu ouvido que ele a entendia. 

Os seis primeiros dias depois disso foram estranhos para os dois, regados por um clima tenso e constrangedor, apesar de terem entrado em acordo sobre estar tudo bem entre eles. Remus não conseguia olhar para Tonks, com vergonha e remorso do próprio comportamento, e ela, sem saber o que fazer diante o afastamento do homem, aproveitou da boa vontade e enorme amor pela cozinha de Molly e começou a voltar para casa apenas para dormir. 

Todavia, no sétimo dia, eles se esbarraram nos fundos da casa. A mais nova se apoiava na parede, olhando para frente com um sorriso nos lábios. Ao acompanhar o olhar dela, a cena de Percy correndo de um bode branco entrou no seu campo de visão. 

“O que está acontecendo ali?” Encostou-se ao lado dela, as mãos nos bolsos da calça.

“Os dois não se bicam desde sempre. Percy é todo temperamental e o Alvo Roberto não fica atrás disso.” Respondeu despreocupadamente, deixando Remus espantado.

“Aquele é o Alvo Roberto? Um bode?!” 

“Hm, sim? O que você achou que fosse?” 

“Uma pessoa?” Apontou o óbvio, gesticulando com as mãos.

“Bem, ele costuma se comportar como uma.” Disse, como se aquilo explicasse tudo, e finalmente olhou para Remus. “Desculpe não ter te contado antes.”

“Desculpe ter reagido como um idiota.” Ela riu um pouco, concordando, quando a frase terminou de sair dos seus lábios. 

“Realmente, não foi um dos seus melhores momentos, na verdade nem chegou perto do Top 3.” Respondeu, notando que o clima entre os dois parecia com o que era antes.

“Uh, quer dizer que eu tenho um Top 3?” Tonks assentiu enquanto resmungava em concordância. “Quais são meus melhores momentos então?”

“Não obrigada.” 

“Você não vai me falar?! Então também não vou dizer o seu Top 3.”

“E quando foi que você montou um pódio das minhas ações?” 

“Agora.” Ela revirou os olhos com sua fala.

“Fale mais sobre isso.” Remus ergueu uma sobrancelha, sinalizando que não seria tão fácil. “Tá bom, fazemos assim, você me conta e ai depois é minha vez.”

“Três: o dia que fomos arrumar arrumar a placa da entrada. Você estava tão concentrada martelando ela e tudo que eu conseguia pensar era “se essa mulher me bater tudo que vou ser capaz de fazer é agradecer e perguntar se segunda é um bom dia para repetirmos isso”. Dois: todos as vezes em que me deixou te conhecer de verdade.” Remus moveu seu corpo rapidamente, prensando-a contra a parede, suas mãos lado a lado do rosto dela.  “Gosto do seu rosto corado.”

“Mas ele não está.” A voz de Tonks soou, visivelmente afetada por toda a situação que se encontrava. “Você não disse qual o número um.”

“Ainda não me decidi. Sua vez.” Ela negou com a cabeça fazendo com que ele se aproximasse mais. “Você me enganou.” 

“Que culpa eu tenho se você confia muito facilmente nas pessoas.” Arfou. “Para de me olhar assim.”

“Assim como?”

“Como se você fosse me devorar.” 

“Talvez eu faça mesmo.” A rosada riu, sendo acompanhada por ele.

“Esse diálogo foi péssimo.” Disse brincalhona, notando que o  rosto de Remus estava ainda mais próximo do seu. Ele sussurrou um breve “com certeza” em resposta antes de levar sua boca em direção a dela. 

Seu plano, entretanto, foi frustrado pela voz de Molly, que apareceu na porta avisando que o telefone da casa estava tocando. Tonks sorriu, avisando que voltaria em um instante, antes de desenlaçar-se dos braços de Remus e correr para dentro. 

X

O mais velho encostou novamente suas costas na parede, percebendo a coincidência de ser a Senhora Weasley a interromper eles, uma segunda vez. Foi pensando nisso que ele não percebeu quando a rosada voltou, cerca de cinco ou seis minutos depois, com uma expressão séria presa em seu rosto.  “Ligação pra você, parece importante.”

Apesar de estranhar seu comportamento, ele não perdeu tempo e seguiu pelo conhecido caminho até a pequena e improvisada recepção. O telefone vermelho pendurado fora do gancho o esperava. “Alô?”

“Droga Moony, você sabe que um celular serve mais do que para mostrar as horas?! Quer saber, isso não importa. Você precisa voltar pra casa. Agora!”

“Sirius? O que aconteceu?”

“Lily deu entrada no hospital, Prongs tá desesperado porque o Harry decidiu dar as caras bem mais cedo que o esperado. Eles precisam da gente.”

“Mas a sua prima...” 

“Sejamos sinceros, trazer ela de volta não iria mudar em nada meu relacionamento com eles. Não importa mais.” Sirius soltou um suspiro pesado. “Apenas venha.”

“Estou indo.” Despediu-se desligando a chamada e começando a correr até seu quarto.

Quando retornou ao primeiro andar, com a mochila nos ombros e olhar determinado, Tonks o esperava na entrada. Havia uma pequena caixa cor de rosa em suas mãos. “Aqui, pra não sentir fome durante a viagem.” Estendeu-a. 

“Tonks…” Ele tentou dizer mas foi interrompido. 

“Seu amigo fala muito, acho que é de família.” Deu de ombros, ainda esperando ele pegar a caixa. 

“Me desculpa, eu devia ter te contado tudo a muito tempo… eu…” Vendo a dificuldade dele de se expressar ela concluiu no seu lugar.

“Tudo bem, você não precisa se desculpar. Pelo menos agora eu entendo porque você estava tão estranho na última semana.”

Ele se aproximou, pegando a embalagem. Não puxou pra si e ela, tampouco a soltou, fazendo com que os dois ficassem parados esperando alguém tomar uma atitude. Tonks não durou muito tempo, sendo a primeira a soltar. “Não vamos fazer isso, Remus.”

“Eu não quero que as coisas entre nós terminem assim.”

“Acho que nunca começamos algo pra poder terminarmos.” Ela levou a mão até o rosto dele, em uma carícia singela. “Mas eu gostaria que tivéssemos, gostaria muito, seria mais fácil que lidar com um e se”. Seus pés se ergueram, o bastante para que ela pudesse alcançar a bochecha dele, plantando lá um beijo. “Pegue a bicicleta, ela é velha mas vai te ajudar a chegar a tempo para o barco das dez.”

E foi assim que a mais nova se despediu, abrindo a porta para que ele passasse. Remus precisou tomar uma decisão, ele podia se atrasar e tomá-la em um último beijo ou simplesmente ir. 

XI

“Vou dar uma olhada nas abelhas, você vem?”  A jovem fazendeira questionou para o homem ao lado. 

“Não dessa vez, querida.” Disse o mais alto, se desculpando. “Ei Tonks” Chamou sua atenção. “Você tá bem?”

“Há essas horas ele já deve ter cruzado o cais.” Comentou.

“Você não me respondeu.” Avisou ela, que já partia em direção a área de apicultura. 

“Bem, sempre fomos eu e o Alvo Roberto contra o mundo. Por que agora seria diferente?” Questionou de volta, notando o seu, já nem tão jovem, amigo bode andando ao seu lado.

XII

Ao finalmente voltar a Londres, tudo o que o jovem Lupin pensava era em Tonks. Quando Harry nasceu, no tempo certo, depois de dias no hospital tentando evitar o contrário, ela tinha se tornado uma boa e saudosa lembrança que voltava a sua mente sempre que via Sirius torcendo os lábios enquanto estava concentrado, uma das muitas coisas que eles tinham em comum além da personalidade tagarela. 

Duas semanas depois, quando se sentou para revisar seu livro, já terminado, compreendeu muito mais do que gostaria sobre si mesmo e seus, até então ignorados, sentimentos. Foi, somente após tomar consciência disso que entendeu que queria um novo final. Para o livro e para ele. 

Passado um mês, que foi regado de dúvidas e cartas assinadas por um primo distante, Tonks se encontrava pisando com suas botas amarelas em puro mármore negro. Ao seu lado uma empregada a guiava até o quarto principal da casa, desejando-a boa sorte e paciência no seu mais baixo tom, soando quase imperceptível. Entrando nele pode ver um homem, que ao imaginá-lo longe das máquinas e um pouco mais novo foi capaz de reconhecer traços tão parecidos com os de uma pessoa que ela amava: sua mãe.

“Minha Andy, é você?” A voz fraca do homem parecia não se sustentar mais.

“Não.” Sentou-se ao lado da cama, ainda observando o rosto doente. “Sou a filha dela.”

“Filha… de quem?” Cygnus não parecia com nada do que descreveram ou do que um dia deve ter sido.

“Da Andrômeda.” 

“Minha Andy, como eu sinto falta da minha Andy.” As mãos dele tocaram as dela, a pele enrugada contrastando com a da mais jovem. “Eu também sinto” ela respondeu, puxando o olhar dele para ela. O rosto marcado pelo tempo adquiriu uma expressão de seriedade e firmeza e por um segundo Tonks jurou que conheceria aquele de que tantos falavam, mas isso se desfez rapidamente quando ele abriu um sorriso feliz. 

“Minha Andy, é você?” Ele repetiu, esperançoso como uma criança, trazendo a tona os efeitos da doença que tomou pouco a pouco tudo que ele tinha, até roubar sua memória. 

“Sim, papai, sou eu.” Disse, com a voz embargada por um choro que ela nunca pensou choraria e palavras que jamais acreditou que repetiria. 

O sorriso dele ficou mais largo com a confirmação. “Por onde você esteve? Eu senti tanta a sua falta, filha.” Animado, perguntou, sem a mínima noção do que estava de fato acontecendo, sendo assim por mais meia hora de uma conversa inocente porém confusa entre os dois.

Ultrapassando as grandes portas da casa, ainda dolorida pelos momentos anteriores, Tonks deu de cara com um homem, com os mesmos traços de seu avô. Cabelos rebeldes, couro e botas. A lembrava Bill, talvez ele também ficasse assim quando ficasse mais velho, sua mente se perdeu em pensamentos. 

“Você não se parece com ela.” Ele analisou e ela soube de quem se tratava, sua voz era inconfundível.

“Mas você se parece com ele.”

“Touché.” Estendeu a mão na sua direção em comprimento. “Sirius. Sem sobrenome.” encerrou arrancando dela um sorriso. 

“Tonks. Sem primeiro nome.” Apertaram as mãos, balançando-as sutilmente. “Tenho a impressão de que você está aqui para mais do que me conhecer pessoalmente, Sirius.”

“Moon… Remus é um dos meus melhores amigos. Ele já entrou em muitas situações malucas pra me salvar, mas nunca uma que ele se envolvesse tão profundamente.” Começou, dando alguns passos em direção a sua moto. 

“Profundamente?” 

“Você leu o que eu te mandei?” Não esperou uma confirmação dela antes de continuar, sabendo que se a jovem estava ali era porque tinha lido. “Então você sabe que sim.”

“Ele não foi o único”. Caminhou ao seu lado. “Por isso não preciso de você me dizendo sobre o pobre e partido coração dele, quando tenho o meu próprio pra me preocupar.”

Sirius moveu a cabeça como se considerasse todas as informações que tinha. “Justo.” Disse estendendo não a mão mas sim um capacete.” Espero que não tenha problemas com motos, Tonks.”

“O que você está fazendo?” Ela questionou confusa. 

“Consertando essa bagunça.”

XIII

Remus estava assinando e fazendo dedicatórias há mais tempo do que planejava quando concordou em fazer uma pré venda para uma sessão de autógrafos. O cansaço tomou conta do seus ombros quando viu mais um par de mãos estendo seu livro para ele. “Nome?”

“Ninfadora Tonks.” Respondeu a voz feminina que ele tanto conhecia. Olhou para cima, vendo unicamente ela em pé na sua frente, atônito. “Você podia ter ligado e dito ao invés de, sabe, escrever todo um livro pra isso.”

“Como você soube?” Tentando se recuperar ele voltou a assinar a página aberta mesa. 

“Tenho um primo legal, ao que parece.” Explicou indiferente, pegando de volta seu exemplar. “Para Ninfadora, que você aceite tomar um café comigo. Atenciosamente, Remus Lupin. Pensei que você odiasse café.”

“Eles vendem chá.” Ela riu levemente, concordando, enquanto ele se levantava e a puxava para a saída. 

“Remus?” Chamou, ganhando uma resposta monossilábica. “A dedicatória do livro, você fez as estrelas. Por que?”

“Tinha esperanças de que assim elas realizassem meu pedido.”

“E qual foi?” Tonks indagou, notando ele sorrir antes de responder.

“Ter tempo o bastante para um começo.”   

XIV

Três dias depois Cygnus morreu e toda a sua herança realmente acabou indo para as instituições de caridades da escolha do seu advogado pessoal, enfurecendo a maior parte dos Black’s. Sirius, por outro lado, seguiu os passos de Andrômeda, cortando de vez o contato com essa parte da família. 

Essa, até então desaparecida, mandou um cartão postal de Amsterdam no aniversário da filha, dando algumas notícias e dizendo que a visitaria em breve. Promessa que finalmente foi comprida, de modo que, ao menos duas vezes durante o ano ela passava algumas semanas ao lado de Tonks.

Remus teve seu desejo atendido e, após uma tentativa de relacionamento a distância, se mudou para Hufflepuff. Agora finalmente conhecendo o primeiro nome de Tonks, ele só a chamou assim por dias. Desistiu quando percebeu a mulher colocava, propositalmente, pimenta em todas as refeições dele, um aviso que ele decidiu não ignorar e assim criar uma forma diferente de chamá-la. Dora. 

Ela conseguiu conciliar todas as responsabilidades na fazenda com a ajuda de Remus, que durante o período de lotação da pousada cuidou da cozinha enquanto Tonks gerenciava tudo com maestria. Eventualmente ela ia até Londres visitar o primo e os avós, quase sempre encontrando, em suas lápides, lírios brancos. As flores favoritas de Andrômeda. 

Alvo Roberto arranjou uma namorada, uma cabra manchada conhecida como Eva, e nunca mais atacou Percy Weasley, para a infelicidade dos gêmeos. 

Remus escreveu um segundo volume do seu livro, E se tivéssemos tempo, um ano depois, com o título de O que diremos as estrelas?. Dessa vez a dedicatória era um pedido de casamento para Tonks. Na primeira sessão de autógrafos em seguida do lançamento ela anunciou que estava grávida. 

Nasceu um menino e eles o chamaram de Ted. Agora há uma foto dos três pendurada na parede da recepção, pois, apesar de não terem deixado a pousada, fizeram história na vida de cada um que passou por lá. 


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Notas finais do capítulo

Obrigada a qualquer um que tenha chegado até aqui, eu torço para que minhas palavras tenham te alcançado.



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