Inspirando pelo nariz Tomura pisca lentamente, todo o seu corpo se sente letárgico, os membros pesados, e sua cabeça parece vazia, a mente está dormente sem realmente registrar o que está a sua volta. É como os primeiros momentos depois de acordar de um sonho que vai ser esquecido em poucos segundos, só que esse não é um sonho e nada daquilo vai desaparecer.

Se sente tão exausto e cansado de tudo, não apenas fisicamente. Essa noite o drenou por completo. Tanta coisa aconteceu, rápido demais para processar, e há tanto ruído branco na sua mente agora que ele quase deseja ter Toga ali para preencher o silêncio, distraí-lo. Mas ela ficou para trás, por Jin, com os olhos vermelhos e inchados e uma expressão determinada enquanto jura fazer diferente a partir de agora. Ela parecia tão quebrada e isso não combina em nada com a garota energética.

A lembrança deixa um gosto amargo na boca, mas ele se força a engolir feito um veneno, muito consciente do movimento do pomo-de-adão e da sensação da saliva grossa descendo pela garganta. Seu pescoço implora pela atenção das suas unhas, mas não encontra força de vontade pra arranhar agora.

O trem faz uma parada lenta, o som dos freios é irritante e ele franze o nariz, incomodado, as portas se abrem e não demoram a fechar novamente, sem ninguém sair ou entrar. Aquele é o primeiro trem do dia, ainda é cedo demais para a maioria das pessoas, apenas Dabi e ele ocupam o vagão, compartilhando um silêncio significativo, necessário, apenas ouvindo a cacofonia de metal e sentindo o movimento.

A próxima estação, pensa reflexivamente apertando os dedos longos entrelaçados com os do moreno, seu toque é quente contra sua pele sempre fria, é familiar e seguro. Tomura sabe bem que vai sentir falta disso, do conforto que Dabi lhe dá, mas tomou sua decisão.

Com algum esforço se arrisca a virar a cabeça para olhá-lo, mas não encontra os olhos azuis, Dabi teimosamente os mantêm fixos na janela do outro lado do corredor, encarando o próprio reflexo com a mandíbula tensa e sobrancelhas franzidas. Em silêncio observa de perto o perfil do namorado, guarda na memória as tatuagens e os vários piercings que decoram o rosto geralmente apático, e até mesmo a raiz dos cabelos se mostrando vermelha apesar de toda a tintura preta. Não quer esquecer de nada, os menores detalhes.

Quando a próxima parada se aproxima sente Dabi apertar sua mão com força, é o suficiente pra ser doloroso, mas não reclama e nem se afasta, Ainda não, sua mente insiste. Se pergunta se devia dizer algo, mas escolhe se manter calado, acha que pode fraquejar no último instante, não seria a primeira vez, mas dessa vez as marcas de agulha no braço tatuado, que espelham as suas próprias marcas, servem como um lembrete de porquê precisa fazer isso.

Tomura não acha que vai encontrar outra pessoa que o entenda tanto quanto o moreno, mas não podem continuar desse jeito, não estão funcionando bem juntos, ambos presos demais aos seus passados. É difícil deixar ir, mas precisam parar antes das coisas saírem do controle.

Com um suspiro desvia os olhos e encara o próprio reflexo na janela, olhos fundos e lábios rachados, sua pele parece fina sobre os ossos proeminentes. A visão o faz se sentir doente.

O som da parada o faz estremecer, Ainda não. Do seu lado Dabi fica tenso e parece pronto para dar voz a essas palavras, mas seus lábios continuam firmemente pressionados numa linha fina.

As portas se abrem e dessa vez Tomura se levanta e relutante deixa seus dedos se soltarem, se sente frio. E é então que, pela primeira vez desde que entraram naquele trem, os olhos azuis encontram os seus vermelhos e Tomura precisa engolir uma sucessão de xingamentos. Isso não é justo.

Inspirando fundo se inclina sobre ele, afasta os cabelos tingidos e pressiona um beijo demorado na testa quente. – Se cuida, Touya. – sussurra antes de se afastar e deixar as portas se fecharem as suas costas.

Dabi fecha os olhos. – Você também, Tenko.