Inefável escrita por ferneinsel


Capítulo 1
Inércia


Notas iniciais do capítulo

Se passa antes de "un geste de vous", mas não tem conexão significativa.

no beta we die like gold saints



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Os longos dedos seguravam com elegância a taça de cristal, levando-a aos lábios para sorver o vinho tinto. A luz do abajur era suficiente para exaltar a sensualidade que emanava de si. Tão andrógino, tão fascinante, muitos invejavam sua beleza. Muitos outros invejavam aquele que era agraciado por sua companhia.

Saga vestiu, por último, a camisa branca, abotoando-a parcialmente; impedindo Afrodite em apreciar as marcas que deixara em suas costas mais cedo – a língua que passou pelos lábios não fora apenas para limpar o vinho.

O grego havia esquecido de seu compromisso com a família, Kanon havia ligado, para perguntar se demoraria a chegar, ainda quando estava ofegante na cama. Pensou ser a primeira vez que os papéis se invertiam, mas, na verdade, Kanon também estava longe de chegar no restaurante em que os pais aguardavam e precisava de ajuda a fim de não deixá-los (ainda mais) nervosos.

“Afrodite, você tem alguma gravata para me emprestar?”, olhou inconformado para a própria gravata rasgada. Haviam utilizado mais cedo para prender as mãos e, no calor do ato, em algum momento destruído-a.

“Que pergunta ridícula, Saga, é claro que tenho.”, lembrou-se das únicas vezes que utilizara a peça, algumas entrevistas de estágio em empresas tradicionais. “Mas eu precisaria de horas, devo ter colocado em uma caixa no closet.”.

Ignorou a impaciência do geminiano, colocando calmamente a taça na mesa de centro, antes de acender a luz da sala em que estavam e pegar o lenço azul escuro na poltrona, que havia utilizado mais cedo. Diferente do professor, que podia usar roupas mais discretas no trabalho quando queria, Afrodite gostava (e precisava) vestir-se bem sempre, era um arquiteto bem visto e tinha uma reputação a manter – a de ser impecável. Ajeitou-a no grego de modo a parecer uma gravata ascot, ficando orgulhoso do trabalho ao observá-lo ao terminar.

“Você deixou um blaser em casa, se lembro bem. Espere um pouco e eu busco pra você, mas…”, beijou-o. “precisa voltar na madrugada porque está sexy com esse aroma pós sexo e meu lenço.”.

Fechou os olhos, cansado da situação que teria de lidar, enquanto esperava o amante buscar a peça de roupa. Seu irmão com certeza iria reparar no lenço, quanto mais no perfume que estaria exalando; porque tudo, que fica no closet de Afrodite, fica com o perfume característico dele. E, como quem pudesse ler o que pensava, o sueco retornou.

“Eu sei que não quer comentários de Kanon, mas é melhor do que chegar parecendo um professor arruinado. Seus pais não precisam saber que nas horas vagas se agarra comigo.” ofereceu o blaser, um brilho predador nos olhos.

“Eles ainda não superaram meu ex.”

“Nem você.”, desviou os olhos brevemente, um riso fraco e sem vida a preencher o vazio que sua resposta causou. “desculpe, foi necessário.”

Não dizia aquilo porque gostaria que Saga superasse Aiolos, por desejar ele próprio viver um relacionamento com o mais velho. Dizia porque sabia que o amigo (sim, antes de tudo amigo) ainda pensava no passado, martirizando-se pelo término. Que fora culpa dele, sim, mas Afrodite não aguentava mais lamentos; estava há dois anos vendo-o daquele jeito.

“Dite, eu…”

“Nada de Dite. Você está atrasado e eu também preciso me arrumar. O que é essa cara? Você acha mesmo que eu ficarei em casa enquanto sai? Minha beleza não pode ficar em casa fadada ao tédio em uma noite de sábado.”

“Você não pode dirigir, acabou de beber sua segunda taça de vinho.”, às vezes Saga se comportava como cidadão exemplar, notou o sueco; em outras não parecia ter noção de moral.

“Não sei você, Saga, mas eu conheço algo chamado táxi.”, gracejou, acompanhando-o até a porta. “Me avise quando sair de lá, eu aceito carona para voltar.”, beijou o pouco que havia à mostra do pescoço do grego, abaixando o tom de voz em seguida, “nós ainda não acabamos.”

Saga o puxou para um beijo mais profundo, segurando firme nos cabelos azuis piscina, como sabia que o mais novo gostava, antes de caminhar até o elevador. Breve e delirante.

Amigos com benefícios não era seu termo favorito, preferia pensar que eram amantes sem amor, mais poético. Tinham suas necessidades físicas e eram solteiros, nada os impedia. Além de disso, conversavam sobre tudo enquanto apreciavam a companhia um do outro, não apenas o ato sexual – encaixavam-se tão bem que não sabia como não haviam se apaixonado.

Houve um tempo em que pensou gostar de Saga, quando era novo, antes mesmo do ensino médio. Uma paixonite boba de ambos que gerou o primeiro beijo, as descobertas da idade. Porém, como rápido e intenso fora, brevemente durou. Depois daquela paixão de verão, somente lhes restara amizade e, depois de adultos, as aventuras sexuais.

Sorriu, por fim escolhendo as novas roupas que usaria, após sair do banho. Um dia tudo aquilo terminaria, não poderiam manter a relação como estava para sempre. Até lá, porém, ele faria questão de fazer valer à pena cada dia a aventura que vivia.

Confirmara com um amigo se teria companhia para beber num bar com ambiente calmo, naquela noite. Havia deixado o convite em aberto, naquela manhã, suspeitando que teria visita; com a mudança de planos, optoupor socializar-se.

E, é claro, já estava sendo aguardado quando chegou no bar – um cocktail era colocado pelo barman no balcão, na frente do assento vazio. Incrível como parecia saber a hora exata em que chegaria.

“E se eu quisesse uma cerveja?”, passou a mão direita pelas costas do amigo, divertido com o susto que dera, provocando alguns xingamentos.

“Sair da sua casa para beber cerveja em um bar num sábado?”, Máscara parecia dizer o óbvio sem olhar o recém chegado, que se acomodava.

“Eu sei que você me convidou, mas o que aconteceu? Não deveria estar com Helena?”, perfeito, a bebida estava como gostava.

Ouviu um grunhido como resposta e supôs que o casal tivesse discutido. Estava cercado de fracassados no amor.

“E você, o que aconteceu com sua visita?”

‘Ah, rebater com outra pergunta. Justo.’, pensou antes de explicar que urgências ocorriam mesmo quando tudo parecia certo; iniciando, sem perceber, a conversar sobre diversos temas.

Gostava de estar junto ao italiano, de alguma forma compreendiam-se com facilidade, tornando qualquer assunto fluído e natural; diferente de estar com Saga, não saberia explicar a razão, porém. Era… sutil.

Máscara estava há cerca de três anos com a moça, havia a conhecido em uma floricultura. Nunca soube o que o italiano fazia em um lugar daqueles, ou próximo o suficiente para prestar atenção em quem estava lá. Era tentador questionar sobre, mas, ao mesmo tempo, lhe soava íntimo demais. Não por querer saber sobre o relacionamento, mas porque Máscara costumava manter uma imagem diferente da qual estava a ser implicada, e talvez não quisesse ser exposto e ter de explicar detalhes.

Por isso, preferiu por seguir assuntos triviais que surgiam; trabalho, cansaço, hobbies que sentiam falta, recordar acontecimentos do passado, e até fofocar um pouco sobre amigos e conhecidos. Precisavam manter-se em dia com a vida dos outros para que não perdessem a tradição em provocar cada um quando os encontrassem.

O relógio marcava meia noite quando recebera uma mensagem de Saga, avisando-o que não conseguiria buscá-lo tão cedo, pedindo desculpas por isso. Aparentemente, a mãe dos gêmeos exigira compensação pelos quarenta minutos que havia sido deixada esperando e desejou por passar mais tempo com os filhos. Era engraçado, ver os dois em uma situação em que só podiam concordar; normalmente Kanon fazia o que bem entendia, conhecendo as leis tão bem, sabia o quanto podia abusar. Saga, apesar de correto, tinha uma certa tendência a não aceitar bem figuras de autoridade – aparentemente estava sendo discutido isso em terapia, bem como suas ocasionais crises de raiva.

Máscara aproveitou o momento para conferir o próprio celular, guardando-o rapidamente com mais uma expressão ranzinza.

“O que é isso? Está convivendo com Shaka?”, provocou-o, mordendo o canudo do copo, brincando com o gelo que restava. “Sua cara,”, explicou ao não ser entendido, “parecia a Rapunzel quando sai de casa e percebe que precisa lidar com mais gente além do Mu.”, riu sozinho, ao lembrar do advogado.

Não que fosse próximo de Shaka, o conhecia através de Mu – como provavelmente a maioria o conhecia, com exceção de Saga –, ainda assim, o pouco que conhecia do indo-britânico era o suficiente para ter consciência de que se o mau humor fosse uma pessoa, seria Shaka.

“Não me compare àquele negócio.”, a indignação provocara mais risadas por parte do sueco. “Uma vez Shion me contratou para fotografar o aniversário de um outro sobrinho, um pirralho com fogo na bunda, porque só assim para correr tanto. Enfim, fui lá na tal festa, era coisa de família e amigos próximos, mas você conhece Shion, pois bem, fui lá fotografar, ou tentar – porque, sério, a criança era terrível. Shaka estava lá, e eu nunca havia conhecido um velho tão rabugento como ele.”

Afrodite, com uma mão na boca, ria imaginando o italiano ter de passar horas com Kiki e Shaka no mesmo recinto. Lembrava-se de estar na festa em questão por um curto período, fato que Máscara precisou de mais alguns minutos para recordar-se, tamanha a irritação com o dia citado. No fim, contudo, os dois riram, pensando nas próprias infâncias e em como, também, não eram tão comportados.

“De qualquer forma, eu preciso ir. Helena me perguntou se irei demorar, problemas em morar juntos…” esticou o pescoço, massageando-o, já retirando a carteira e procurando pelo cartão. “Você estacionou por perto?”

“Na verdade, eu vim de táxi. Já tinha bebido antes de sair.” explicou-se, imitando o amigo, não demorando para efetuar o pagamento.

Poderia passar mais tempo em bares, procurar por conhecidos era uma tarefa simples. Quisesse ele, poderia também ir até os gêmeos, tinha convicção de que Kanon era capaz de simular uma situação em que precisasse socorrê-lo e deixar os pais – iria agradecê-lo, se bem o conhecia.

“Então, eu te levo até sua casa.”, olhou o canceriano com surpresa, disposto a negar a oferta, visto a hora, somada ao fato do amigo já ter se desentendido com a namorada. “Não vou morrer por causa de quinze minutos, Afrodite. Anda logo. Só não comece a reclamar por causa dos enfeites.”

“Você continua com aquelas coisas de adolescente edgy, Mask? Nós já passamos dos vinte.”, provocou-o, lembrando em como o amigo era extra.

Máscaras imitando rostos humanos por toda a parede do quarto, abajur com luz azul que lembrava almas penadas do leste asiático; mini máscaras japonesas de Noh penduradas no retrovisor do carro – junto com o caranguejo que Shura havia dado como presente em uma brincadeira –, entre outros acessórios que não fazia questão de atentar-se.

“Teu cu, Afrodite.”, a risada de Máscara contrastava com suas palavras.

Tudo ocorrera como esperado até o prédio em que morava; as conversas, brincadeiras, a escolha de músicas que costumavam ouvir na faculdade – quando Máscara resolvera trancar o curso de arquitetura e migrar para fotografia, a melhor escolha, se podia dizer, era um excelente profissional – , tudo como deveria ser até ali.

Somente o silêncio que se apossara do veículo, quando as risadas gradualmente se extinguiram, o jeito com que Afrodite fora observado, lhe trazia a sensação de que falta algo antes de sair – e estava longe de ser palavras de despedida.

Máscara elevou a mão esquerda até o rosto do amigo, com delicadeza incomum, aproximando-se minimamente, devido ao ato. Seus olhos fixos no sueco, beiravam o fascínio.

“Pronto. Seu cabelo estava…”, como se a consciência lhe tivesse retornado, tossiu, disfarçando os últimos segundos. “Estava desarrumado, não combina com você.”

“Oh.”, não saberia explicar o que havia presenciado, embora tivesse gostado. Porém precisava deixá-lo ir e, por algum motivo, não sentia desejo deixá-lo sem graça. “Obrigado. Por arrumar e por me trazer em casa. Boa noite, Mask. Boa sorte com Helena.”, mandou um beijo no ar, piscando apenas um dos olhos, antes de sair e ir rumo à entrada do prédio.

Não fez questão de saber se o italiano tinha algo a responder; também, não se atentou ao fato de que o carro não saíra até a porta de entrada do edifício fechar-se, assegurando sua segurança.


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Notas finais do capítulo

Um agradecimento à Kiri por ter nomeado a fic.



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