Blackout escrita por Saturn


Capítulo 1
Apagão


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Como eu já mencionei, eu reescrevi essa fanfic na quarentena, gostei bastante dela no novo formato e espero que gostem também!

Enjoy it!



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Quando o relógio bateu três da tarde, magicamente o escritório todo começou a se mobilizar. Cadeiras eram empurradas com estrondo pelo chão de madeira polida, tão brilhante quanto um espelho, balões eram enchidos e pessoas se posicionavam ao redor da grande mesa branca, onde fora improvisado um lanche bem generoso para todos os funcionários. 

Era aniversário do chefe e ele tinha trazido comida para compartilhar com todos e nós, em contrapartida, tínhamos juntado algum dinheiro e comprado um presente. Também, sem deixar de fazer as típicas brincadeiras de aniversários, tínhamos enchido o bolo com velinhas multicoloridas e palitinhos que faiscavam, indicando que ele era bem mais velho do que na realidade. Alguns balões também tinham sido feitos especialmente para aquela ocasião, e vários deles mostravam o rosto do chefe, com a escrita “Já fez aquele relatório?”, abaixo da fotografia. 

Era uma brincadeira arriscada, mas por sorte, ele tinha mais senso de humor do que todos nós juntos. No aniversário de Anne, ele tinha forrado toda sua mesa, cadeira e computador com três camadas de papel alumínio, o que levara a manhã toda para retirar, mas pelo menos ela tivera uma desculpa por atrasar na entrega dos seus prazos. 

Sentamos ao redor da grande mesa repleta de comida cheirosa e ficamos comendo e jogando conversa fora até o final do expediente. Ninguém parecia estar com muita vontade de trabalhar, tampouco o chefe, que tirava fotos e mais fotos dele perto dos balões que tinham seu rosto impresso. 

Eu me sentei um pouco afastada, concentrada no prato de salgadinhos e no copo de refrigerante, trocando algumas  palavras ocasionais com alguns colegas de trabalho. Infelizmente, com quem eu mais queria conversar, não estava. O dono dos olhos castanho-esverdeados tinha tirado folga naquela tarde e só lembrara de me avisar meia hora depois que eu começara a trabalhar, pedindo se eu conseguiria cobrir alguns prazos que venceriam naquele dia. 

Após todos terem batido o ponto, eu ajudei Fred, o guarda, a fechar algumas janelas e colocar as mesas de volta em seus devidos lugares. Não fazia parte da minha função e eu não fazia aquilo para paparicar o chefe, eu só odiava ver as coisas fora de seus devidos lugares. 

Assim que termino, abraço a montanha de pastas que iria levar para casa, me despeço de Fred e rumo até a saída, tomando cuidado para não tropeçar nos degraus com o salto alto que eu usava. Chegando na rua, paro na calçada, saco o celular do bolso e o uso para mandar uma mensagem para a minha carona, Lene. Ela era minha vizinha de prédio e trabalhava em uma grande corretora de imóveis ao lado do escritório. Desde que nos conhecemos, vimos várias vantagens em fazer um revezamento de carros para economizar gasolina e cada semana, uma de nós vinha com o seu carro, trazendo a outra para trabalhar. 

Quando o carro esportivo para na minha frente, tocando uma música animada no rádio e com todos os vidros abaixados, eu entro no veículo, tomando cuidado para não derrubar minha bolsa ou as pastas com trabalho. Cumprimento Lene, que está com um notável bom humor, aparentemente, ela tinha conseguido vender um apartamento de luxo na beira do mar para um rico esnobe, e isso significava que ela teria uma comissão bem grande para receber junto com o seu salário. 

Com a promessa de comprar um champagne quando recebesse a comissão para nós duas comemorarmos, ela me deixa na frente do prédio azul claro onde eu morava e ruma o carro para o estacionamento do prédio do lado, buzinando uma última vez para mim. 

Equilibro as pastas com uma só mão para abrir o portão do edifício, entro e cumprimento o Sr.Arthur, o porteiro. Ele sorri amigavelmente e me entrega algumas correspondências que foram entregues para o meu apartamento. Vou até o elevador e aperto o botão, aguardando impacientemente as portas de metal pesado se abrirem, e quando finalmente se abrem, eu pulo para dentro e aperto o botão do meu andar. 

Chegando no meu apartamento, chuto dos meus pés aqueles saltos altos e pretos que machucavam e ando descalça pelo apartamento, largando minhas coisas nos seus devidos lugares. A bolsa no gancho atrás da porta, o casaco no encosto de uma das cadeiras, para que não amassasse e criasse vincos e os papéis em cima da escrivaninha. 

Tomo um longo banho, coloco uma roupa confortável e começo a trabalhar nos meus relatórios. Em pouco tempo, e com a companhia de uma xícara colorida cheia de café forte, eu terminei. Procurei algo para beliscar enquanto pensava no que seria meu jantar daquela noite. E então resolvi sair um pouquinho para a sacada. 

Era noite, estrelada, bela, misteriosa, e eu não tinha absolutamente nada para fazer, dei uma volta pela casa, cantarolando e procurando algo que me distraísse daquele tédio.

O apartamento estava limpo, todas as superfícies brilhando e sem um resquício sequer de poeira, minhas prateleiras repletas de livros de ficção, fantasia e romance, estavam perfeitamente organizadas. A mesa do jantar já tinha sido tirada, com a louça já lavada e guardada. O trabalho que eu tinha trazido do escritório para casa, já tinha sido feito e estava perfeitamente empilhado em uma mesa vazia, pronto para ser levado para o trabalho na segunda-feira. 

Entrando para a cozinha e suspirando, concluí que eu não tinha nada urgente para fazer, então decidi assistir a um filme. Coloquei meu pijama, minhas pantufas de lobinho e fiz um brigadeiro, e enquanto ele esfriava, estourei uma bacia de pipoca. Assim que estava tudo pronto, levei para a mesinha de centro de madeira da sala, me atirei no confortável sofá, liguei a TV e comecei a procurar algum filme para assistir nos canais de streaming. Romance? não, obrigada. Drama? menos ainda. Vai ser ficção mesmo. 

Eu nem sabia porque procurava filmes, eu sempre parava sempre no mesmo. Já o tinha visto cerca de vinte vezes, mas ele jamais perdia a magia. Dou play no filme enquanto me aconchegava melhor no cobertor felpudo e cor-de-rosa que estava sempre no encosto do sofá. No exato momento em que começou tocar a icônica música de abertura do filme, eu cantava empolgada, até que acabou a luz, fazendo a TV se desligar na primeira fala do personagem principal. Suspiro frustrada. Agora sim eu não teria nada para fazer. 

Guardei o prato com brigadeiro na geladeira e comi as pipocas, que estavam salgadas demais e me obrigaram a tomar vários copos de água até que eu pudesse sentir novamente meus lábios. Puxei um livro qualquer da estante ao lado da TV, tentando me entreter com qualquer coisa que fosse, porém, por mais que a lanterna do celular iluminasse bem as páginas, meus olhos ardiam e ficava difícil de ler, quando se precisava forçar a visão. Soltei mais um suspiro frustrado e coloquei cuidadosamente o livro de volta na estante desfalcada. 

Fiquei olhando para o teto por alguns minutos, esperando que surgisse magicamente algo que pudesse me entreter. Levanto do sofá, enrolada no cobertor e vou até a sacada, onde me sento em uma cadeira confortável, coloco uma música calma no celular e fico admirando as estrelas, bem visíveis no céu escuro. 

Não sei por quanto tempo eu tinha ficado olhando para o céu, se foram apenas alguns minutos ou foram várias horas, mas quando comecei a sentir frio, apesar do cobertor, eu me levantei da cadeira e entrei no apartamento, ligeiramente mais quente. Acendo algumas velas que encontro no fundo de uma gaveta na cozinha para deixar o ambiente um pouco mais iluminado. Volto para o sofá, pensando em coisas aleatórias, até que uma firme batida na porta me arranca dos meus devaneios. Eu franzo as sobrancelhas, quem poderia ser uma hora dessas? E no meio de uma queda de energia, ainda por cima?

Sabendo que não vou descobrir quem é ou o porquê está aqui se continuar sentada no sofá, me levanto e vou me arrastando em direção a porta, e quando a abro, fico surpresa ao dar de cara com um par de olhos castanho-esverdeados maravilhosos. Meu coração todo se derrete com aquela cena. James era meu melhor amigo, nos conhecíamos desde pequenos, estudamos na mesma escola, trabalhávamos juntos e pelo menos uma vez por semana, nós fazíamos uma noite do pijama, onde ficávamos vendo filmes e comendo porcarias até tarde da noite e ele era o grande culpado por eu ter trazido trabalho para casa naquela noite, devido a bendita folga dele, tive que cobrir seus prazos quase vencidos e deixar os meus, perfeitamente organizados, para fazer em casa. 

Ele está parado na soleira da porta de madeira branca, com um sorriso torto no rosto e o seu notebook debaixo do braço e uma sacola de papel com vários doces. Eu sorrio também, contagiada pelo deslumbrante sorriso do homem parado na minha porta e por ter uma agradável companhia para passar todo esse tédio, dou um passo para o lado e o convido para entrar. 

Depois que ele atravessa a soleira da porta e deixa seus sapatos empoeirados ao lado da porta, no tapete escuro, eu fecho a porta branca de madeira, me viro, olho para ele e lhe pergunto:

— O que está fazendo aqui?

Ele se finge de magoado, colocando a mão no peito dramaticamente e entreabrindo os lábios, mas o canto esquerdo de sua boca treme e levanta levemente, então sei que ele está achando graça em tudo isso, e responde a minha pergunta:

— Vim te ver. Sabia que você não tinha nada para fazer hoje. e então resolvi vir aqui para animar sua noite.

Eu reviro os olhos para cima, coloco as duas mãos na cintura  e digo a ele:

— Pois saiba que eu estava tendo uma noite muito divertida. Só que aí teve a queda de luz.

Ele solta uma gargalhada, eu dou língua para ele e ele continua rindo enquanto começa a mexer nos meus sapatos, bagunçando a gaveta perfeitamente arrumada, procurando algum calçado que não ficasse pequeno demais em seus pés gigantes, ele encontra uma pantufa de panda que serve razoavelmente bem, as calça e senta-se no sofá, jogando meu cobertor para o lado e dando tapinhas na almofada ao seu lado, convidando-me para juntar-me a ele.

Sento-me no local indicado por ele e pego o celular na mão, ligo para um dos contatos mais frequentes da minha lista telefônica, a pizzaria da rua da frente do meu prédio. Quando atendem, eu faço o meu pedido e informo o método de pagamento. Meia hora depois, a campainha está tocando incessantemente enquanto eu reviro minha bolsa procurando o cartão. James abre a porta, para um entregador bem ranzinza pela demora. Ele enfia as duas caixas de pizza nos braços de James enquanto eu pego o meu cartão e corro para fazer o pagamento, tropeçando no cobertor que tinha caído do sofá para o chão. Assim que o entregador vai embora, bufando alto, nós fechamos a porta, nos entreolhamos e começamos a rir do que tinha acabado de acontecer. 

Pego alguns pratos e os deixo em cima da mesinha, colocamos as pizzas ao lado deles e nos sentamos no chão, em cima do tapete fofinho e com as costas apoiadas no sofá. Comemos todas as fatias e chegamos a disputar pelo último pedaço da pizza doce. Eu ganhei. Depois, James leva os pratos e as caixas vazias para a pia, enquanto eu volto a me sentar no sofá, no mesmo lugar que estava antes. 

Ficamos conversando amenidades um bom tempo, até que algumas das velas que estavam espalhadas pelo apartamento começam a apagar. O moreno me ajuda a procurar mais algumas para substituir as apagadas e as espalha pelos suportes que eu espalhara pela casa. Enquanto ele xinga baixinho tentando acender uma vela com um fósforo quase apagando, eu pego um baralho da primeira gaveta da minha escrivaninha e olho sugestivamente para ele, embaralhando as cartas, ao passo que James me olha, com um sorriso iluminando seu rosto. 

Jogamos por horas, e para alguém que exibia tanto suas habilidades em jogos de cartas, ele era muito ruim. Na sétima vez seguida que eu ganho o jogo, ele joga suas cartas para o alto e cruza os braços, fazendo um beicinho dramático. Eu empilho as cartas da mesa e dou uma gostosa risada admirando sua expressão melodramática, digna de um teatro grego. Guardo as cartas e ele levanta o seu notebook, lembrando-se do filme que ele trouxera para vermos. 

Eu corro para pegar o brigadeiro, que ainda estava esperando para ser comido na geladeira, e enquanto eu estouro mais uma bacia de pipoca para nós dois, ele para na frente do mini bar e escolhe uma garrafa de vinho branco para acompanhar o filme. Eu não tinha mais taças no meu apartamento, desde a última vez que ele viera jantar e resolvera que era uma boa ideia tentar fazer malabarismos com elas. 

Levo a bacia de pipoca, o brigadeiro e dois copos com desenhos bregas de melancias para a mesa de centro, enquanto James sofre para abrir a garrafa de vinho. Eu me sento no sofá macio e fico rindo da cena que se desenrolava na minha frente, sentindo um calor no peito. Quando ele me vê, para de tentar abrir a garrafa, me olha acusadoramente e fala:

Uma ajuda ia bem, Lily. 

Eu me levanto do conforto do meu sofá, reclamando com ele e vou até a pia, onde abro a primeira gaveta e puxo um saca-rolhas, jogando para ele em seguida. Um minuto depois, ouvi o som satisfatório do vinho sendo aberto e um aroma alcoólico e frutado preencheu o apartamento. Ele me passa a garrafa, enquanto fica brincando com a rolha e eu sirvo o líquido claro e cheiroso nos copos. Esperar o tempo necessário de decantação era uma tortura, com aquele cheiro gostoso e aparência convidativa que o vinho tinha. 

James e eu sempre gostamos muito de vinho, era uma de nossas paixões, nossos presentes de aniversário, páscoa e natal, sempre eram livros ou vinhos. E tínhamos a tradição de comprar uma garrafa para o outro toda vez que algum de nós viajávamos. Isso explicava a maioria do espaço do meu mini bar ser todo preenchido por garrafas de vinho, de diferentes cores e lugares. Aquele vinho em especial, ele tinha trazido de uma viagem que fizera para uma cidadezinha pequena que produzia um vinho maravilhoso, mas que eu nunca me lembrava do nome. Ele fora em uma degustação e gostara tanto, que trouxera além do vinho que trazíamos tradicionalmente, mais duas caixas dele. E eu concordava com ele, a bebida era uma das melhores que eu já tinha provado. 

Sentamos no sofá, e nos encolhemos debaixo do edredom, e ele coloca o computador na mesinha a nossa frente. Ele tinha colocado o  mesmo filme que eu tinha começado a ver quando caiu a energia elétrica. Novamente, canto a abertura animada e ele revira os olhos, rindo da minha empolgação para ver um filme que era obrigatório em todas as nossas reuniões semanais. O filme era sobre um garoto, cujos pais tinham falecido e ele fora criado pelos tios, até que um notícia surpreendente mudara toda a sua vida. Eu sabia todas as falas e as repetia junto com os personagens, com James fazendo todos os sons do fundo com a boca, me fazendo rir toda vez que ele errava, mesmo tendo visto o filme tantas vezes quanto eu. 

Quando o filme acaba, ele dá um sorriso travesso e se inclina para o computador novamente, colocando outro filme, sem me deixar ver o título. Nas primeiras cenas eu já sabia que ele tinha escolhido um filme de terror, justamente porque sabia que eu não gostava. Eu morria de medo desses filmes, e obviamente, essa foi a razão pela qual James resolveu colocar aquele filme.

Logo no início, eu já tinha levado alguns sustos, derrubado o copo de vinho em cima de James e deixara cair a bacia de pipocas em cima do sofá, enquanto ele ria e mexia em uma mecha do meu cabelo ruivo, com o rosto em uma expressão relaxada de quem estava gostando muito. Alguns momentos depois, comecei a ficar com medo para valer, e me encolhi junto a ele, largando o copo e a bacia, e imediatamente ele passou os braços ao meu redor, abraçando-me forte, sem parar de brincar com uma mecha do meu cabelo.

Depois de mais uns sustos, possíveis ameaças de infarto. resmungões e tapas no peito de James por ter escolhido aquele filme, eu decidi simplesmente parar de assistir. Deitei no peito dele e escondi o meu rosto, e James começou a fazer carinho no meu cabelo, espantando-o todo. Quando estava quase pegando no sono, ele levanta meu queixo com a ponta dos dedos, fita meus olhos por alguns breves instantes e me beija com vontade. Fiquei surpresa nos primeiros milésimos de segundo, mas logo enlacei meus braços ao redor do pescoço dele e o puxei para mais perto, retribuindo  o beijo e ignorando totalmente os gritos abafados da personagem sendo perseguida por algum maníaco no filme, ou algo parecido com isso, eu não saberia dizer, já que não tinha visto mais do que vinte minutos do filme todo.

Nos beijamos por muito tempo e depois simplesmente nos abraçamos no sofá, nos aconchegando um no outro, como fizemos tantas vezes, mas desta vez, o abraço tinha algo a mais, algo que eu não saberia explicar, mas era algo que parecia certo, era algo que eu tinha esperado a vida toda para sentir. .

O filme acabou e nós tínhamos voltado a nos beijar, sem nem perceber que o filme já rodava os créditos finais, que o notebook apitava por estar terminando a bateria e também não percebemos que a luz voltada, nós apenas continuamos nos beijando apaixonadamente, nossas bocas se encaixavam perfeitamente uma com a outra, pareciam duas peças de quebra-cabeça, que foram feitas especialmente para juntar-se e não deveria mudar absolutamente nada.

Dormimos no sofá. Abraçados. Juntos. E que que era para ser só mais uma noite sem graça, foi apenas o início de uma linda história.





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Notas finais do capítulo

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Até a próxima!



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