O Passado do Lobisomem escrita por Heringer II


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem! ^^



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Naquela mesma noite, quando cheguei em casa, vi minha mãe na mesa da cozinha conversando com Dona Eulídia, nossa vizinha, uma velhinha já de 80 e tantos anos, com cabelos branquinhos, uma roupa preta com flores rosas estampadas,  e um sorriso meigo que sempre esbanjava no rosto. Mas, com todo respeito a ela, a última coisa que eu queria ver naquela noite era outro idoso.

— E então, filha? Como foi?

— Desculpa, mãe. Não quero falar sobre isso.

— Não pode ter sido tão ruim assim. Não vai falar com a nossa vizinha?

— Como vai, dona Eulídia? – falei, forçando um sorriso para tentar disfarçar minha exaustão.

— Eu vou bem, minha filha, obrigada. – respondeu ela, com uma voz fraca e terna.

— Para onde você vai? – perguntou minha mãe quando saí da cozinha.

— Como assim? Eu vou para o meu quarto.

— Não vai falar sobre o serviço social?

— Não, mãe. Sinceramente, não estou com a mínima vontade de falar sobre o serviço social. Mas, obrigada pela preocupação.

Subi para o quarto e deixei as duas sozinhas.

— Qual o problema com a sua filha?

— Ah, a Evelyn se envolveu numa manifestação e acabou sendo apreendida. Está prestando serviço social para não ter que cumprir a pena na cadeia.

— Ah, eu sinto muito.

— Está tudo bem. Deve ser bom pra ela, quem sabe ela não toma jeito?

— Ah, mulher, não fale assim da sua própria filha...

— Eu sei que a senhora é pedagoga, dona Eulídia, mas o caso da Evelyn é preocupante...

— Não pode ser tão ruim assim.

— Eulídia, mulher, ela não liga para estudos, não liga para a carreira profissional, não liga pra nada que importe! Mas se um bando de baderneiros decide ir pra rua, então lá está ela no meio deles. Eu não sei mais como proceder! Eu, como mãe, quero que minha filha tenha um futuro decente, mas o que posso fazer se ela se preocupa mais em ir pras ruas do que fazer o dever de casa, por exemplo?

Sentada à porta do quarto, eu escutava cada palavra da minha mãe. Meus olhos lacrimejaram. Peguei o meu MP4 (que era o smartphone da época), coloquei meu fone de ouvido e tentei esquecer aquilo com a música. Aumentei o volume do MP4 até sentir os meus tímpanos balançarem com o som. Não fazia bem para minha saúde auditiva, mas eu não estava ligando.

*

No dia seguinte, na escola, estava eu na minha posição dorminhoca habitual, quando acordei com Denis passando a mão no meu ombro.

— Olha, Evelyn, se os estudos não derem certo para você, quem sabe você possa tentar a vida como testadora de colchões.

— Você não perde a oportunidade, hein, Denis?

— E aí, como é que foi lá no asilo?

— Horrível, o velho que eu tomo conta é um grosseiro, insensível, e passou a noite toda gritando comigo ontem. Tudo que eu falava ou perguntava, ele me respondia como se tivesse um ódio mortal por mim.

— Então por que não pede para cuidar de outro?

— Talvez eu faça isso hoje... – olhei para as pessoas que estavam na sala. – Você viu a Jeanne?

— Ainda não chegou. Provavelmente não vem.

— É... Ela não é de se atrasar.

— Eu queria me desculpar com ela.

— Podemos ir na casa dela hoje à tarde.

— Não dá pra mim. É à tarde que eu faço as atividades da escola.

— Evelyn... Você sempre pega as respostas das atividades das outras pessoas no dia seguinte...

— Eu sei! Mas ontem eu ouvi minha mãe reclamar que eu não ando dando a atenção devida aos estudos, então... Acho melhor pelo menos fazer as atividades.

— Por que você não gosta de estudar, Evelyn?

— Não é que eu não goste, Denis, eu só não tenho interesse.

Denis fez uma pausa de alguns segundos...

— Ou seja... Você não gosta.

— Cala a boca, Denis.

— Tudo bem, tudo bem. Por que você “não se interessa”? – disse fazendo aspas com os dedos.

— Sabe, nenhuma das disciplinas da escola me atraem. Eu poderia ser, sei lá, uma engenheira, mas eu odeio matemática e física. Eu poderia ser da área das ciências naturais, mas eu odeio biologia e química. Eu poderia ser professora, mas não me interesso por história, nem por geografia, nem por filosofia, nem por sociologia, muito menos português! Eu acho que seria mais feliz se eu passasse o resto da minha vida vendendo água de coco na praia do que estudando essas coisas.

— Nem tudo está perdido, no calor da praia o povo procura mesmo por água de coco.

— Cala a boca, Denis!

Ficamos em silêncio por alguns segundos, então, decidi quebrar o gelo, tocando num assunto que nem eu esperava falar...

— Então, alguma notícia nova do lobisomem?

— Por quê? Achei que não acreditasse nessa coisa.

— E realmente não acredito.

— Então...

— Eu só quero quebrar o gelo, Denis! Será que é tão difícil?

Denis me olhou calado por um tempo, e respondeu.

— Na verdade, ontem não tivemos nenhum caso de fazenda atacada. Foi a primeira vez em duas noites que o tal lobisomem não atacou.

— Talvez até a pessoa que esteja montando essa farsa esteja ficando enjoada dela.

— Quem montaria uma farsa dessas, Evelyn?

— Ah, sei lá, algum desocupado por aí...

— Teria que ser muito desocupado, hein? E corajoso também, para atacar tantas fazendas assim. Ei, Evelyn, já pensou em trabalhar escrevendo teorias conspiratórias para a internet?

— Denis, você está assistindo ficções científicas demais, onde já se viu trabalhar pela internet? Depois eu é que monto as teorias malucas...

Virei a cabeça para o outro lado, tentando dormir.

— Bom, em todo caso – disse Denis, você pode trabalhar como cuidadora de idosos, experiência você já tem...

Virei lentamente o rosto para ele novamente.

— Denis, saia...

— O quê?

— Sa-ia, a-go-ra!

Denis viu a raiva no meu semblante e foi em direção à porta imediatamente, até eu chamá-lo de volta.

— Ei!

— O que foi? – perguntou ele.

— Pode me fazer um favor?

— Envolve trocar a frauda de alguém?

— É sério, Denis!

— Tá bem, desculpa. O que é?

— Se você vir a Jeanne, pode falar pra ela que eu quero conversar?

Compreensivo, ele sorriu.

— Tudo bem, eu digo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! ^^