Killing Christimas escrita por Unknown


Capítulo 2
Parte II




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Nico partiu em sua jornada com nada além de um casaco bem pesado e um pacote de Oreo. Seu telefone celular também, claro, mas de nada servia porque no infinito não tem sinal.

Ele já passou da parte de chegar no branco, pois seus pés estavam enterrados na neve fofinha e não havia cor em volta dele. Bom, nunca havia cor em volta dele. Agora era subir para o alto e além.

Embora, de fato, seja uma tarefa complicada. Tinha tantos altos que era difícil de saber qual era o alto certo, aquele que ia para o além. Depois de andar e subir e descer várias vezes, Nico viu uma pedra e decidiu sentar.

Olha em volta e pensa que parece um lugar abandonado por Deus. Era tão frio e vazio. De certa forma, é um pouco reconfortante. Parece com estar dentro de si mesmo.

E, assim como dentro da sua própria cabeça, ele está perdido.

Emburrado, abre o seu pacote de Oreo. Precisava pensar. Como assim, em pleno Polo Norte, não há alguma placa para achar a casa do menino Natal?

Pelo visto, matá-lo seria mais difícil do que parecia. Até porque Nico não tinha nem ideia de como tirar sua vida. Enfiar-lhe uma adaga no coração, talvez? Mas isso parecia cruel demais. E Nico nem adaga tinha!

Mas preocupar-se com isso era inútil, por hora. Como matar alguém que sequer estava lá?

O sabor docinho do biscoito deu vontade de voltar para casa, para a sua irmã. Ele queria trancar o mundo do lado de fora e ficar bem quietinho.

Não, não. Tinha um motivo para estar ali. Um motivo que livraria ele e Bianca de muitos anos de sofrimento.

“Natal” sussurra, meio que para lembrar-se. Depois disse mais duas vezes, porque três é o melhor número de todos.

E ele esquece, no meio disso tudo, que coisas ditas três vezes são mais reais que a realidade.

Um vento forte sopra, levando sua touca e o pacote vazio de biscoito. Nico tenta levantar para recuperar a touca, entretanto, o vento é tão forte e tão frio que o derruba no chão e ele cai de cara na neve. Pelo menos não machuca.

Senta-se na neve e dá um espirro. Parece que o vendaval passou.

Mas outra coisa chegou. Tem algo na sua frente.

“Você está bem?”

Depois de limpar a neve dos olhos, dá pra ver melhor: tem um garoto muito loiro e muito agasalhado o encarando com grandes olhos azuis. Ele tem a mão estendida e um sorriso gentil no rosto.

Nico devolve um olhar desconfiado.

“Estou.”

E aceita a ajuda para levantar. Limpa a neve das calças e do casaco, e então olha em volta. Onde está a touca?

“Aqui”, diz o garoto. “Acho que isso é seu.”

Nico pega a touca bege de suas mãos e agradece baixinho. Um momento de silêncio constrangedor deixa suas bochechas ainda mais avermelhadas que antes, e só depois de cinco segundos inteiros Nico ousa olhar para cima, para os olhos azuis e o cabelo louro.

“Quem é você?”, pergunta.

O menino sorri largo.

“Essa é uma pergunta complexa demais para ser feita assim.”

“Qual o seu nome então?”

“Tenho vários desses, mas pode me chamar de Will. E o seu?”

“Nicolas.”

“Nico, então.”

“É, pode ser.”

Antes que outro silêncio constrangedor tome espaço, Nico indaga agitado:

“Estou procurando o Natal. Sabe onde ele mora?”

Will olha para os lados, como se alguém pudesse escutá-lo se dissesse. O que é ridículo, porque aqui é o branco infinito.

“Eu sei sim. Mas o que você quer com ele?”

“Eu vou matá-lo.”

“Desculpe?”

“Isso mesmo que você ouviu. Eu vou matar o Natal.”

Por um momento, o olhar de Will é surpreso, quase que duvidoso. Mas meio segundo passa e outra coisa surge em seu rosto. Algo muito comum para pessoas que não morrem nunca.

É condescendência.

“Quer que eu te leve até a casa dele?”

“Por que você faria isso?”

“Temos assuntos pendentes. Estou indo para lá mesmo, não é trabalho algum.”

Depois de ponderar, Nico aceita a ajuda como se aceitar fosse um favor.

Eles então começam a caminhar. É engraçadinho como Nico está parecendo uma bola de algodão, enterrando e desenterrando seus pés da neve. Mas com Will é muito diferente. Ele ainda parece alto e esbelto, usando um agasalho relativamente fino para o Polo Norte. Anda com uma elegância impossível: ele simplesmente não afunda.

Nico fica um pouquinho irritado.

Will ri baixo.

“Eu vivo aqui há muito tempo. Sei como andar.”

“É difícil nevar onde eu vivo.”

“Parece triste.”

“É mesmo. Eu gosto de neve.”

E de repente, eles estavam conversando sobre a neve. Ambos nutriam um tipo de idolatria especial por ela. Depois, a conversa foi para ursos polares e peixes. E viajou, viajou, tanto que Nico nem notou quando chegaram numa montanha estranhamente mais inclinada que as demais.

Era divertido conversar com ele.

“Como vamos subir nisso, Will?”

“De elevador, claro.”

“Elevador?! Estamos no Polo Norte!”

Will dá um sorriso sapeca, pega a mão enluvada de Nico e sai arrastando-o por uma lateral muito escondida que entra numa pequena caverna dentro da montanha.

Numa transformação repentina, a pedra vira uma parede lisa enfeitada em veludo. Tem um sofá fofinho do lado de uma mesinha com uma árvore de natal bem pequena. E no fim daquela estranha sala-caverna, tem uma porta metálica, igualzinha à entrada dum elevador.

Mas é engraçado.

Porque, na verdade, Nico não e percebe a estranheza do lugar onde encontra-se.

Ele está ocupado demais tentando entender o que aconteceu com o seu estômago desde que Will segurou na sua mão e não soltou.

“Não é só porque estamos no Polo Norte que não tem elevador.”

Nico assente com a cabeça e Will solta sua mão. É uma pena. Quando chama o elevador, no lugar dos números dos andares, o que aparece em cima da porta é a figura de uma árvore de natal com um pontinho vermelho se deslocando em sua altura. No lugar do botão ao lado da porta, uma barra de açúcar branca e vermelha.

Nico definitivamente odeia decorações de Natal.

O elevador não demora muito para chegar e abrir suas portas. Eles entram e, enquanto sobem, o que toca é uma música natalina irritante. Nico revira os olhos, já cansado de sentir ódio.

"O que foi?" Pergunta William, rindo. "É seu ódio de tudo relacionado ao Natal?"

"Sim. Ele não me trás recordações boas."

Will preferiu ficar em silêncio, porque não sabia lidar muito bem com essas coisas.

Depois de uma espera (quase) infinita, o elevador chegou ao alto e além. Era tão alto que ficava em cima das nuvens, dava para ver pelas enormes janelas.

E depois de notar que o algo e além é, na verdade, muito alto mesmo, Nico começa a notar as pequenas coisas que não queria ver.

O piso vermelho, com pequenos brinquedos espalhados pelos cantos.

A gigante árvore de Natal bem no meio da sala.

As pessoas usando gorro vermelho e organizando o que pareciam ser os resquícios de uma festa.

Ou talvez o começo dela.

"Desculpe por isso, você sabe, temos muito trabalho por aqui nessa época do ano..."

"Temos? Você trabalha pro Natal?"

Will engole em seco e logo desvia sua atenção para alguma coisa do outro lado:

"Ah! Olha só! Você vai adorar isso, tenho certeza."

E sai quase que dançando para longe. Nico o segue.

O que encontra perto da bancada à direita é uma mesinha de centro com umas cartas e bonequinhos espalhados em cima.

Ah não. Nico adora jogos de cartas e miniaturas.

"Se chama Mythomagic. É algo próximo de Dungeons & Dragons só que muito melhor! Tá vendo essas miniaturas? São dos deuses gregos. O jogo todo é baseado na mitologia grega..."

Will continua falando como se contasse da obra-prima de sua vida, o que é bem charmoso, na verdade.

Nico distrai-se um pouco e vê uma carta toda escura com detalhes em prata no centro da mesa.

É a carta de Hades, Deus do mundo inferior. Nico a pega entre os dedos.

"Ah! Essa é uma das minhas preferidas. Se você for ver ali no canto, tem uma pontuação, é o quanto o ataque deve vale."

Nico assente, quieto mas por dentro extremamente empolgado com o jogo.

"E então? Quer conhecer o resto do escritório?"

Nico olha para Will quase que com lágrimas nos olhos.

"... ou você quer jogar uma partida?"

E de repente aquelas íris negras brilhavam como as de uma criança.

"Ok!" Will riu, acomodando-se no chão. "Então vamos lá, semideus."

Eles jogam e jogam e jogam e parece que o tempo não passa. Nico descobre que Atena é muito forte e melhor que Poseidon. Parece que a carta favorita de Will é Apolo por causa do Sol. Hera parece malvada na miniatura, então Nico prefere não pegá-la. E claro, tem Dionísio, cujo ataque é fraco, mas tem os poderes mais fofos do mundo.

Nico está apaixonado pelo jogo. Tão apaixonado que toma um susto quando percebe que está ali para matar alguém.

"Ah meu Deus, Will! Esquecemos completamente nosso objetivo de falar com o Natal!"

Will sorri meio determinado e meio tristonho.

"Acho que está na hora de parar de jogar."

Ele se levanta e estende a mão para Nico, que aceita a ajuda. Caminham em direção à grande árvore, o que não faz sentido até que Will segura num enfeite de natal e abre uma porta muito bem escondida na base dela.

"O Natal fica dentro de uma árvore?"

Will apenas sorri e entra na sala. Nico o segue e a porta logo se fecha atrás dele.

Nico mal tem tempo de reparar que o espaço é muito maior que o raio da circunferência da árvore. Ele sequer vê as centenas de jogos e brinquedos em construção espalhados pelo chão. Nem nota as paredes cobertas de milhões de nomes de crianças numa letra bem miudinha.

Ele só repara numa coisa: William.

Porque de repente aquele garoto louro e alto está sentando numa poltrona vermelha e dourada, muito elegante. E quando faz isso, a sala inteira ganha vida, meio que por mágica. Os brinquedos andam sozinhos e a árvore de Natal brilha até o topo.

É lindo. Lindo mesmo. Mas logo depois de maravilhá-lo, deixa Nico muito triste.

“Você é o Natal, Will?”

“Essa é uma pergunta meio relativa...”

“Will. Por favor.”

Tem uma mágoa muito profunda nos seus olhos. Nico não costuma fazer amigos e, logo quando encontra alguém quase que legal, essa pessoa é a que mais odeia no mundo todo.

“Sim, Nicolas. O Natal mora dentro de mim e eu moro dentro do Natal. Perdão por isso.”

“Acho... Acho que agora eu tenho que te matar.”

Will sorri um pouco e se levanta. Caminha lentamente até Nico.

“Posso ao menos saber o motivo?”

“Coisas horríveis me aconteceram no Natal. Toda vez que dezembro chega, eu e minha irmã sofremos muito.”

Will meneou com a cabeça.

“E você não pensou numa terapia ou algo do tipo?”

Nico encarou-o furioso e ele se sentiu na obrigação de emendar a frase logo.

“Nico, sinto muito por você querer me matar. Às vezes, eu também quero. Mas se as coisas funcionassem assim, eu já estaria morto há muito tempo. Eu simplesmente não morro. E pense só: mesmo que nós arranjemos um jeito impossível, tipo, sei lá, injetando rádio em minhas veias, e aí? O que vem depois? Alguém pode só ficar no meu lugar. Talvez o Coelho da Páscoa precise duplicar suas horas de trabalho até que um novo Natal surja. Talvez o velho Noel apenas construa um brinquedo igual a mim e me substitua.”

“Mas... Mas eu... Nós não vamos aguentar passar pelo Natal tantas vezes. Não dá. É impossível. Dói demais.”

“Eu sei que um Natal estragou sua vida pra sempre. Mas é meio cruel acabar com o Natal de todo mundo, não acha?”

Nico abaixa a cabeça e sente que pode chorar a qualquer instante. É verdade o que ele dizia, mas então o que faria com todo o seu luto?

“Veja” Will interrompeu seu silêncio. “Acho que tenho algo pra fazer por você.”

“Tem mesmo?”

“Por que não me deixa responsável pelo seu próximo Natal? Prometo deixar alguma recordação boa no lugar da sua dor. Não vai desaparecer, mas acho que pode ajudar.”

Nico encarou-o esperançoso.

“Acho que podemos tentar.”

“E traga a sua irmã.”

Assente vigorosamente.

Talvez realmente possa funcionar.

Talvez essa seja a solução. E sem assassinatos.

Nico respira fundo e sorri para Will, encarando-o no fundo dos olhos.

“Vamos jogar Mythomagic quando eu voltar.”

“É uma promessa!”

Nico não quebra promessas, pois é a pessoa mais confiável do mundo.

Então, no ano seguinte, ele voltou.

 

***

 

“Bianca, vamos logo!”

Nico tentou puxá-la pela mão enquanto ela se apoiava numa pedra e suspirava.

“Não tem nada por aqui, Neeks. Desiste.”

Era tudo branco e parecia que estavam andando em círculos, Bianca já não aguentava mais. Tudo bem, Nico sabia que demorava mesmo para chegar lá. Seus pés estavam dormentes e suas mãos também, o rosto ardia de frio.

Ele não ia desistir.

Nico não descumpria promessas.

“Quer me esperar aqui, Bia? Vou olhar depois daquele relevo ali...”

“Você pode se perder, seu tonto.”

“Não vou!” Nico sorriu. E quando Nico sorri ninguém consegue dizer não para ele.

Ela ficou para trás e seu irmão foi andando na frente.

Nico andou e andou e andou e achou que estava começando a reconhecer alguma coisa. Aquele branco interminável parecia familiar, de alguma forma.

Olhou para trás e Bianca não era nada além de uma mancha escura e distante. Pensou que dar mais três passos não teria problema. Era só voltar em linha reta, não?

Deu mais três passos. E mais três. E outros três.

Queria ter um Natal bom depois de todos esses anos. Queria jogar Mythomagic. Mais importante: Nico queria vê-lo mais do que tudo.

Por isso, quando passou pelo próximo monte de neve e não viu um elevador estranhamente natalino, começou a chorar. Sentou no chão e encolheu as pernas, porque estava muito frio e ele estava muito triste.

Onde estava Will?

E se tudo tivesse sido um sonho?

Era insuportável pensar isso, pensar que Will não existia e que o Natal nunca teria jeito.

Por isso, a melancolia foi envolvendo-o. Era uma tristeza confortável, sonolenta, uma realidade inevitável. Envolveu-o até que estivesse dormindo, quase congelando no meio daquela neve.

Mas, antes que tudo estivesse perdido, algo aconteceu: uma mão quentinha tocou o seu rosto.

“Nico! Você veio mesmo!”

Olhou para cima e viu Will sorridente. Ao seu lado, uma Bianca aliviada.

“Achei ele logo depois que você saiu. Will estava nos procurando.”

O menino Natal sorriu e se ajoelhou para abraçar o amigo que não via há um ano. Beijou suas bochechas e sussurrou, quase que rindo:

“Pronto para se apaixonar pelo Natal mais uma vez?”

Nico agarrou-se a ele e, sem conseguir conter um sorriso gigantesco, sussurrou de volta:

“Acho que já me apaixonei por ele.”

 

 


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Notas finais do capítulo

Foi isso!
Espero que tenham gostado ♡
Obrigada yasmon amor da minha vida por ter mantido o toc com as palavras
Obrigada coordenadoras pela paciencia
Obrigada funcan por ser o funcan



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