Sanidade escrita por Jay L


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Hey guys!! Espero que gostem :D



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Katniss era uma garota inteligente, era o que todos diziam. Desde criança, a incompatível perspicácia da menina com a idade que carregava espantava a qualquer um, até a seus pais, inclusive a seus pais.

— Katniss é superdotada – certa vez, o psicólogo explicou – Ela tem inteligência acima da média. Uma criança especial que fará grandes coisas com seu potencial.

Os pais de Katniss, típicos interioranos fazendeiros de mente pequena e visão quadrada, no entanto, não estavam preparados para o diagnóstico.

— Têm cura? - indagou a Mãe, apertando a filha de seis anos no colo, a pergunta soando pesarosa, como se a garota estivesse com peste negra e fosse o século XIV.

O Pai, impassível e ignorante, olhava a rua movimentada pela janela retangular e embaçada do consultório. Considerava palhaçada gastar meses de dinheiro da colheita numa consulta para escutar que a filha era um pequeno gênio em formação. Ele gruniu.

— Sra. Everdeen, - começou o psicólogo - a condição de Katniss não é patológica. Muito pelo contrário. Encare como um dom atribuído a poucos. Grandes mentes abrigam grandes ideias. Pessoas com o intelecto semelhante ao dela são uma benção.

— O que teremos que fazer? - o Pai falou, a atenção voltada para o psicólogo - Colocá-la na escola da cidade, aquela com a fachada grandona e grama verdinha que custa o valor da nossa casa e dos nossos rins juntos?

A Katniss de seis anos piscou.

— A escola perto de casa é uma droga. Sei mais coisas que meus colegas burros e deixo a professora louca da vida. - Manifestou ela.

— Está vendo? - agitou-se a Mãe - Uma pequena diaba malcriada. Sempre respondendo, achando-se melhor que os outros - balançou a cabeça e encarou Dr. Carmellio - Nos diga o que fazer. Não posso lidar com isso.

Com isso ela queria dizer Katniss, não sua condição. A menina achava a palavra inapropriada por razões desconhecidas. Decidiu que refletiria na questão mais tarde, em casa, no quarto, enquanto Primrose, sua irmã retardada, brincaria de boneca.

No caminho para o consultório do Dr. Carmellio, Katniss pensou que a Mãe lidava com situações desagradáveis o suficiente. Duas filhas estranhas que ocupavam extremos opostos do intelecto: Primrose, a retardada mais velha, e Katniss, a caçula inteligente demais. Era muito para a Mãe administrar, a mulher passiva e controladora. Por isso, Katniss odiava o comum, tão simplório e superestimado. Achava ser esse o motivo de não conseguir gostar dos Pais o suficiente.

 O Pai, a menina percebia, não ligava para nada, a natureza imperturbável dele o fazia ignorar os problemas que zanzavam na família como as moscas varejeiras do celeiro. E havia a total falta de empatia de Katniss pela irmã, a garota de dez anos que parecia ter três. A mais nova odiava quando a Mãe a fazia brincar com Primrose, a burra e ridícula Primrose.

— Dê atenção à sua irmã, Katniss. - A Mãe dizia.

— Não gosto dela, Primrose é esquisita e parece ter gelatina no lugar do cérebro.

— Isso foi cruel, filha. Não diga mais isso. - Repreendia a Mãe.

Mas Katniss continuava dizendo, para Primrose.

— Conversem com Katniss, Sr. e Sra. Everdeen – aconselhou o calmo Dr. Carmellio - Busquem entendê-la, estimulem-na a não ter vergonha de ser quem é, uma pessoa com intelecto extravagante. Mas nunca esqueçam de que, apesar de Katniss ser muito inteligente, ainda reflete comportamentos correspondentes à idade dela. Ela gosta de brincar, correr, pular corda como qualquer criança de seis anos, e gostará de fazer atividades de crianças de dez anos quando tiver dez anos, de quinze aos quinze anos e sucessivamente. O que a diferencia dos demais é a forma como Katniss capta ideias e absorve conhecimento. Ela fará perguntas, montes delas, algumas que vocês não serão capazes de responder, mas jamais freem a vontade da sua filha de saber.

Katniss tirou os braços da Mãe que rodeavam seu tronco e se inclinou para frente, estendeu a mão e pegou a caneta chumbada de cima da mesa. Virou o objeto entre os dedos, analisando-o.

— Prim não sabe falar "esferográfica". Outro dia, a desafiei num duelo de verbalização. Das cinco palavras que escolhi, conseguiu pronunciar apenas uma e com dificuldade, querelante— pronunciou devagar - As demais foram perda de tempo e um verdadeiro suplício cacofônico aos ouvidos - a palavra cacofônico foi dita com alguma cautela - Cacofônico— testou - Está correto? Aprendi essa palavra no livro da professora Montag semana passada.

— Está correto, sim, Katniss - falou o psicólogo, sempre surpreso com a eloquência da menina.

Curioso quanto às palavras escolhidas por Katniss no duelo com a irmã, perguntou quais foram.

— Caleidoscópio, permanentemente, querelante, esferográfica, patológico - respondeu Katniss, entortando a cabeça para o lado.

Dr. Carmellio franziu a testa e anotou algo num bloquinho amarelo que tinha na mesa. Katniss pôs a caneta no lugar e reposicionou os braços da Mãe em seu tronco.

— Dr. Caramellio— entoou a criança a ninguém em especial.

O homem ergueu os olhos do bloquinho e a fitou.

— Não o chamei, estava testando seu nome. Me lembra caramelo. Dr. Caramellio. - Ela explicou.

O psicólogo pigarreou e arrancou a folha que escrevia do bloco, leu rapidamente e estendeu à Mãe, que pegou o papel e passou os olhos sobre ele, depois entregou ao Pai, que fez o mesmo, dobrou e guardou no bolso.

— Minhas sugestões para auxiliar no bom desenvolvimento de Katniss. Se seguidas, podem ajudá-la a manter o crescimento social saudável e espontâneo. A esta altura, devemos nos preocupar com as relações interpessoais de Katniss. - Finalizou Dr. Carmellio.

Os Pais não apreciaram tanto, mas aceitaram e, quando saíram do consultório, Katniss foi levada pelo Pai até o carro, enquanto a Mãe fazia uma última pergunta ao psicólogo, a que a menina escutou.

— Dr. Carmellio, devemos nos preocupar com o fato de Katelyn gostar de assistir aos sacrifícios dos porcos na fazenda?

Katniss jamais esqueceu, pois o tom levemente amedrontado da Mãe chamou sua atenção. Por algum motivo, saber que a mulher tinha um pouco de medo dela a satisfazia.

A pequena Katniss crescia em intelecto e quase nada fisicamente. Ao contrário de Primrose, cujo o corpo voluptuoso era espantoso de olhar, a menina inteligente tornou-se franzina e sem curvas. Quando analisava a situação, Katniss punha-se a rir com escárnio, a dualidade quase cômica das irmãs Everdeen, o corpo belo e a mente brilhante separados, como se apenas um indivíduo não fosse capaz de suportar o peso de duas características chamativas.

Numa coisa Dr. Carmellio errara durante a consulta, Katniss não teve um grande futuro. Dizia ser uma alma fadada à infelicidade campestre; a fazenda, o câncer no meio do caminho. Ficara em casa, juntando estrume, tirando leite, limpando o celeiro, matando porcos e galinhas. Em certo momento da vida, Katniss permitiu que a boemia do campo injetasse o veneno do ócio nas veias e ela nunca foi longe o suficiente para se livrar dele.

No fim das contas, estudou no colégio local, com seus colegas comuns e atrasados, com os professores insuficientes em conhecimento, eles nunca sabiam responder às perguntas dela. Cursava enfermagem na faculdade local, porque a colheita ia de mal a pior e os Pais precisavam da sua ajuda para segurar as pontas. Ela segurava todas as pontas.

Primrose a perturbava menos do que no passado, mas para Katniss ainda era difícil gostar da irmã de vez em quando. A medida que crescia, Primrose deixou de ser abertamente esquisita, a retração auto imposta fora um favor que fizera a todos e a si própria. Numa ocasião, Katniss pegou a irmã escondida no meio do feno no celeiro segurando um esquilo morto nas mãos. O animal tinha sido aberto do esterno à pélvis e mantinha os olhos virados para dentro da cabeça. Katniss sabia que a morte era fruto de obra humana, mas não disse nada, fingiu não ver e saiu de mansinho. Mais tarde, no mesmo dia, evitou olhar para Primrose, a visão do esquilo estripado sempre substituía as feições da outra.

Eventualmente, Katniss casou com um cara da faculdade chamado Peeta Mellark, rapaz bem afeiçoado e de compleição robusta, estudante de veterinária. A garota não o amava, nem ele a ela, mas a junção mostrava-se satisfatória e certa. Não houve pedido romântico ou cerimônia, o arranjo no cartório estava de bom tamanho e, após uma discussão comprida e acalorada com os Pais sobre sair de casa, Katniss foi embora do buraco familiar para enfiar-se em outro.

Peeta e ela iam e voltavam juntos do trabalho no centro, ele na clínica de bichos, ela no hospital. A preferida dos médicos e pacientes, aquela na qual confiavam às mãos os mais doentes porque ela dava conta. Todos a tinham em grande estima, a enfermeira sabichona, “quase uma médica”, eles diziam. O quase a fazia querer gritar de raiva.

Katniss e Peeta eram pais de uma criança interessante e de outra comum. Justin era igual à Primrose. Infeliz, Katniss buscava formas de fazê-lo normal. Consultas em especialistas, atividades de exercício mental, surras ocasionais em caso de comportamentos esquisitos.

— Pegue leve com o garoto. – Falava o complacente Peeta.

— Não tive um filho para que ele seja mongol. Justin nasceu para a grandeza. – Respondia ela.  

Em uma manhã, Justin foi achado morto no parque perto de casa, olhos vidrados e abdômen aberto. Rasgadura com faca de cozinha, segundo o legista. A descrição da morte remeteu Katniss à visão de anos atrás, Primrose e o esquilo, Primrose segurando o cadáver de um esquilo estripado. Justin fora cruelmente posto em situação semelhante, aberto de debaixo do esterno à pélvis. A mulher perguntou-se se o ciclista que o encontrou sentiu repulsa como a que ela sentiu com o esquilo.

Justin brincava de caçar minhocas, as unhas estavam pretas e os dedos sujos de húmus. Peeta chorou, Dalila, a filha caçula de quatro anos, não parava de perguntar pelo irmão, e a inteligente Katniss não podia estar mais feliz por ter matado o menino, o burro e retardado Justin, a perfeita imitação da ridícula Primrose, o insulto a tudo o que Katniss era.


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Notas finais do capítulo

XoXo



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