Desafio Sherlolly Especial: Quarentena escrita por Mariii


Capítulo 1
Juntos, ainda que separados


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem! :D



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Molly estava cansada. E não só isso, também estava triste, desesperançosa, sem disposição para mais um dia. A pandemia avançava e ela estava na linha de frente. Deixou, temporariamente, de ser uma médica legista para atuar diretamente com os casos de infecção por covid. 

Agora chegava em casa depois de mais um plantão. Não tinha conseguido parar um segundo. As pessoas doentes e perdas que aconteceram nas últimas horas rondavam seus pensamentos, deixando tudo um pouco mais sombrio. 

Tudo o que ela queria era tomar um banho, comer alguma coisa e dormir. Um sono sem sonhos, de preferência. Lembrou que quase não tinha alimentos em sua casa e xingou em voz baixa. Molly não gostava de ir em mercados ou qualquer outro lugar, tinha medo de estar contaminada e acabar transmitindo a doença para outras pessoas. 

Quando finalmente chegou em seu apartamento, começou o ritual cansativo de desinfecção. Passou álcool nas mãos antes de pegar a chave da casa em sua bolsa e se assustou quando percebeu que a porta estava aberta. Será que estava ficando tão dispersa que havia esquecido de trancar a porta? Era possível. Até mesmo provável. 

Molly fechou a porta e continuou com os procedimentos. Tirar os sapatos, tira a roupa, mais álcool... Algo estava errado ali. Era o cheiro de comida. E o barulho de panelas. Alcançou seu robe, que ficava em um cabideiro próximo à porta para que ela pudesse usá-lo quando entrava e tirava toda a roupa, e começou a caminhar até a cozinha, cogitando a possibilidade de estar sonhando. 

O susto teria sido menor se por acaso Moriarty tivesse voltado dos mortos e estivesse em sua cozinha fazendo o jantar. Seria muito mais plausível. 

— O que você está fazendo aqui, Sherlock?!

Ele levantou os olhos dos bifes que estava fritando apenas para observa-la. Usava uma máscara de proteção preta, e ela podia apostar que ele estava rindo do espanto dela.

— Boa noite, Molly Hooper. Estou cozinhando, como acredito que você tenha conseguido deduzir sozinha. Ficará pronto em alguns minutos, acredito que você possa tomar um banho enquanto isso. 

O queixo de Molly cai sem que ela perceba, e achando que tudo isso trata-se apenas de uma miragem produzida pelo seu cérebro cansado e faminto, ela apenas vira-se e anda em direção ao banheiro. 

Tudo bem se o Sherlock sumir, mas por favor deixe os bifes. - É tudo o que passa pelos pensamentos dela. O cheiro era delicioso e sua barriga roncava de fome. 

Quando voltou para a cozinha, com seu melhor pijama e pantufas de coelho, Molly se surpreendeu mais uma vez. Sherlock continuava ali. 

— Sherlock, agora é sério. O que você está fazendo aqui? É perigoso, você está cansado de saber. - E eu estou cansada de tudo, pensou ela.

— Usei meus poderes de dedução para imaginar que você estaria sozinha, cansada e faminta. - Ele dá de ombros de forma displicente e Molly sente seus olhos ficarem marejados. Sherlock estava cuidando dela? Quando tenta esconder isso, já é tarde demais. - Ah não, Molly. Por que você está chorando? Não me diga que você é vegetariana agora?

Ela ri em meio às lágrimas, balançando a cabeça em negativa. Sherlock podia deduzir qualquer coisa, mas ele era péssimo com sentimentos. 

— O que foi, então? Eu tomei todos os cuidados. Tirei os sapatos, troquei de roupas, quase me banhei em álcool, estou sufocando nessa máscara que agora tem cheiro de fritura e não vou me aproximar de você...

Isso a fez rir mais ainda, e chorar também. Sherlock Holmes estava ali, em seu apartamento, simplesmente cuidando dela. No momento mais improvável e delicado. 

Ah, como ela daria tudo para poder abraça-lo agora. Mas não podia se arriscar, sua profissão era perigosa para os dois lados. Podia contaminar Sherlock ou contaminar seus pacientes. Sempre se sentiria culpada se isso acontecesse apenas por um capricho. 

— Eu não esperava por isso. - Sua voz sai em pausas conforme ela tenta não chorar feito uma criança que perdeu o brinquedo, enquanto aponta pra ele e seus bifes.

— Ah... - estaria Sherlock sem jeito? - Não foi nada, Molly. Eu sei que você cuidaria de mim assim também. Já está pronto aqui, então eu vou indo enquanto você come. 

— Não! Espere! Jante comigo... Tem bastante para dois. - Ok, não era a escolha mais responsável, mas ela não queria se despedir dele agora e achava que podia se permitir ao menos isso. 

Durante o jantar Molly finalmente pode conversar tranquilamente com alguém que não fazia parte do hospital e ouvir histórias que não envolvessem doença. Era um alívio, como voltar a respirar depois de um longo período embaixo d'água. 

Na hora de se despedir, enquanto Sherlock pegava suas coisas para partir, Molly sofria. Estaria sozinha novamente. Sentia as lágrimas voltarem mais uma vez, estava tão sensível que qualquer coisa a fazia chorar. A visão das lágrimas vez Sherlock parar sob a soleira da porta, em dúvida se devia ir embora ou arriscar tudo e ficar. 

— Me diga o que fazer, Molly. Por favor. - A voz dele está baixa e há uma preocupação real. Ele gostaria de ficar e cuidar dela pelo tempo que fosse preciso.

— Não posso, Sherlock. O que eu mais queria agora era um abraço e que você pudesse ficar comigo até eu dormir. E também amanhã, quando eu acordasse, visse você aqui. Quando eu voltasse do trabalho, você estivesse aqui mais uma vez. E de novo, de novo e de novo. - Tudo é dito de uma vez, antes que ela tivesse tempo de envergonhar-se de assumir isso. - Mas, eu não posso. Não posso me arriscar assim e não posso arriscar você.

— Você sabe que eu não me importo em ficar.

— Mas eu sim!

Ela não consegue falar para ele ir embora, o que seria o mais sensato a ser feito. E é possível observar nele, parado ali na porta, a batalha que estava sendo travada entre jogar tudo para o alto e ficar, e ser o homem responsável que deveria ser.

Eles se encaram por alguns segundos e Molly dá de ombros, resignada. Não há o que fazer. E é com o coração batendo forte que ela vê a mão de Sherlock alcançar seu rosto e acariciar levemente sua bochecha. Ela fecha os olhos, querendo que o momento dure para sempre, mas, quando os abre, Sherlock não está mais ali.

 

~*~

 

Molly deixa seu corpo cair sobre a cama. A euforia disputando espaço com a tristeza dentro dela. Parecia que nada podia ser apenas fácil na vida dela. Olha com ressentimento para o celular quando ele vibra informando a chegada de uma mensagem. Toda folga era assim, mensagens e mais mensagens sobre algum paciente que teve uma súbita piora ou a necessidade de uma troca de medicamentos. Ao alcançar o celular ela sabe que vai se levada de volta para a realidade da pandemia. 

"Eu ainda posso continuar mandando mensagens." 

Os olhos dela brilham com a surpresa. É uma mensagem de Sherlock.

"Sim, você pode. :)"

Ela tenta não se mostrar empolgada demais e teme ter sido um tanto seca.

"Acho até que posso fazer melhor do que isso."

Antes que ela consiga entender o que ele está querendo dizer, o celular vibra com a solicitação de uma chamada de vídeo. Molly hesita pensando se teria o que falar ou se isso geraria silêncios desconfortáveis, mas aceita a chamada antes que desista por medo. 

Sherlock está ali, em sua tela, e ela sorri envergonhada. 

— Oi. - Ela diz.

Ele sorri como quem não acredita no que está fazendo. Há um frenesi desconhecido tomando conta de seu corpo.

— Quer saber, Molly? Era muito mais fácil ficar longe das pessoas quando isso era uma opção minha, e eu podia aparecer e desaparecer quando bem entendesse. Acho que estou aprendendo uma lição. - Ele suspira como se a próxima frase fosse algo difícil de ser dito. - Você se importaria, Molly, se eu te ligasse mais vezes?

Ela riu. Não via a hora de ouvir a voz de Sherlock todos os dias.

 

~*~

 

Molly não dormiu naquela noite. 

 

Sherlock também não.

 

No dia seguinte, após uma perda, Molly ligou para ele. 

 

Sherlock a consolou como pode.

 

Os silêncios nunca foram desconfortáveis.

 

Durante uma fria noite de inverno, depois de um plantão arrasador, Sherlock respondeu àquele primeiro desabafo de Molly e disse que a abraçaria, se pudesse.

 

Molly chorou e quis largar tudo para correr até ele.

 

Mas, Sherlock não permitiu.

 

E quando Molly ficou febril, ele ficou colérico por não poder estar com ela. Isso fez com que Molly desligasse a chamada após uma discussão. 

 

Mas, não impediu que ele deixasse uma sopa de aspecto estranho em sua porta na mesma noite, acompanhado de um bilhete pedindo desculpas. 

 

Sherlock estava lá quando a pandemia cedeu. Quando Molly deu alta para seu último paciente.

 

"Estou te esperando." - Ele enviou, fazendo-a sorrir feito boba.

 

Chegou em casa e subiu correndo as escadas. Não pensando duas vezes quando o viu ali, parado em sua sala. 

 

Em um ato de liberdade, mais do que de coragem, foi até ele e o beijou. 

 

Sherlock a segurou firme, não a deixaria ficar longe nunca mais. 

 

Era o fim de uma fase difícil e o começo de uma nova, mais leve. 

 

Mas agora eles sabiam... Tudo ficaria bem enquanto eles tivessem um ao outro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

:D