Boa Noite escrita por Raposinha Marota


Capítulo 1
Sentimento de Culpa


Notas iniciais do capítulo

Olá, caros leitores!
Agradeço de antemão pela atenção e espero que possam aproveitar a leitura como desejam.
Desejo-lhes uma boa leitura.



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No silêncio da noite, Kamado Tanjirou usufruía do momento para relaxar sua mente. O corpo dolorido e ferido não latejava da mesma forma que antes, mas, ainda assim, o garoto não tinha livre movimento. Seus olhos, um belo par de írises marsalas, estavam fixas sobre a lua crescente alta no céu. Ele a contemplava, percebendo certos detalhes sobre o satélite. Em poucos dias, sua forma estaria completa, mostrando seu total esplendor e beleza. E apesar de estar distante, mais do que o habitual, sua aparição era perfeita e, acima de tudo, trazia ao jovem a paz que adorava. 

Não demorou muito e logo a brisa fria de outono lhe atingiu o rosto, brincando com os fios medianos de seu cabelo vinho. A leve fragrância de glicínias agradava seu olfato apurado e, da mesma forma que era doce, também lhe trazia segurança. 

Afinal, sabia que aqueles demônios não se aproximariam. 

Com esse fato, Tanjirou permitia-se dar ao luxo de aproveitar a tranquilidade. Aos poucos, sua guarda caía, tornando-o vulnerável. O rapaz imaginou que já era hora e, por um pequeno instante, desejou ter um pedaço da despreocupação dos amigos. Afinal, quando ele se comparava a Agatsuma Zenitsu e Hashibira Inosuke, ele era o único que sempre sustentava uma cautela constante. Era desgastante, porém, Tanjirou temia não o fazer. Mas diferente dos lugares que frequentaram pelos últimos dias, aquela agradável hospedaria nunca os faria mal. Era um refúgio seguro, um ponto de descanso preparado para exterminadores como ele. Era simples, mas, que na visão do rapaz, era totalmente aconchegante. E era isso que eles precisavam no momento. Descanso e proteção. 

A família proprietária daquela hospedaria os recebeu de muito bom grado. Gentilmente, disponibilizaram uma consulta médica e ofereceram abrigo até que estivessem recuperados. A refeição dada naquela noite também os havia conquistado. Principalmente, ao caçador com máscara de javali, que não permitiu sobrar um resto sequer. Tanjirou tinha se divertido com a cena, ao menos, até ver seu amigo covarde a cortejar a jovem moça da família. Após muitos protestos, o jovem conseguiu conter Zenitsu, livrando a garota das propostas de casamento. Sinceramente, o exterminador não conseguia compreender de onde o companheiro retirava tanta força e coragem. Este recebia tantas rejeições que Tanjirou já havia perdido as contas, contudo, mesmo assim, estava sempre preparado para uma nova investida. 

O rapaz respirou fundo e libertou o ar aos poucos. Sentindo o ar frio preenchendo seus pulmões fortes, aquele elemento aumentou sua sensação de paz. Naquele instante, em meio a tranquilidade noturna, havia apenas Tanjirou e ele mesmo... As estrelas brilhantes e a lua quase cheia. Ele não deveria estar pensando nos acontecimentos passados e sim usufruindo daqueles raros momentos em que se encontrava sozinho. Seus companheiros dormiam profundamente no cômodo atrás de si, onde, prestando a devida atenção, podiam ser ouvidos, com facilidade, os roncos dos rapazes. Eles estavam exaustos e Tanjirou sabia bem disso, mas mesmo assim, não conseguiu evitar de sorrir pequeno, imaginando se Kamado Nezuko, sua querida irmã, estava conseguindo dormir com todos aqueles ruídos. Ele esperava que sim. 

E voltando sua atenção para o majestoso céu estrelado, o jovem suspirou calmo e exibindo toda a sua paz interior. 

 

— A noite está tão tranquila... – sorrindo distante, o caçador comentou ao vento. 

— Devo concordar... 

 

Sem aviso ou cerimônia, a voz aguda de uma mulher soou casualmente. Tanjirou, pelo descuido, levantou-se no mesmo instante, sentindo as pedras pontiagudas e gélidas sobre os pés descalços. As írises marsalas percorreram por todo o corredor de madeira, atento a escuridão do percurso. Nada. Não havia sinal algum de um ser vivo. 

 

— Desculpa. Não queria te assustar. – a voz retornou um pouco mais tímida e notoriamente envergonhada, mas ainda parecia bem próxima. Tanjirou buscou ao seu redor mais uma vez, porém, como antes, nada havia de diferente. Visualmente, ele estava sozinho. – Aqui embaixo. 

 

Com a resposta para sua pergunta interna, assim que os olhos do rapaz caíram sobre seus pés, ele deparou-se com sua própria sombra e nada mais. Contudo, diferente do natural, sua penumbra estava muito escura, como ébano. Ela oscilou, movendo-se por conta própria antes de se estender pelas pedras e alcançar a plataforma de madeira. Aos poucos, uma garota jovem, de uma idade estimada de dezessete anos, materializou-se daquela escuridão. Seus longos cabelos negros e lisos ganhavam movimento com a leve brisa que se fez, balançando as pontas das vestes de sacerdotisa que esta usava. 

Então, o temor antes sentido pelo caçador fora transformado em uma felicidade genuína. 

 

— Senhorita Yoru, o que faz aqui? 

 

A dona de írises rubras intensas sorriu simpática ao rapaz, sentando-se sobre o piso de madeira do patamar e indicando o espaço ao lado de si para que Tanjirou fizesse o mesmo. 

 

— Uma longa história, mas que não deixa de ser uma grande coincidência. Sente-se. – o exterminador obedeceu com um doce sorriso, porém, uma fraca risada escapava por entre seus dentes cerrados, tudo devido ao incômodo que a jovem demonstrou por um instante. –  Está muito forte? 

— Um pouco... – Yoru confessou enquanto tampava seu nariz e, aos poucos, forçava-se a se acostumar com a fragrância floral que dominada aquele jardim. – Só preciso de um tempo. 

 

Tanjirou apenas assentiu, sentando-se ao lado da garota e sustentando o inocente sorriso amoroso. Ele não demorou muito e, vendo que os olhos vermelhos estavam presos em seu corpo, o caçador sentiu-se envergonhado com tamanha atenção. 

 

— Eles me parecem melhores do que da última vez. – com o comentário, o exterminador se mostrou confuso no início, porém, logo percebeu que a amiga se referia aos seus ferimentos. Com isso, ele acabou deixando seu sorriso crescer ainda mais. 

— Agradeço a preocupação, senhorita Yoru. 

— Ainda sendo imprudente? 

— Talvez um pouco. 

— Francamente... – dando um suspiro de reprovação, a jovem se levantou, alcançando as pedras pontiagudas. Ela dirigiu-se à frente do garoto, inspecionando, cuidadosamente, ferimento por ferimento e tomando cuidado para não abrir os cortes. Afinal, o cheiro de sangue já estava bem presente e ela não queria que aquela segundo aroma competisse com os das glicínias. – São menos profundos do que eu imaginei. Quanto tempo até que se curem? 

— O médico disse que em poucas semanas. O que levará mais tempo é a fratura na costela. 

— “Fratura”? – Yoru espantou-se com a informação. – Pelos deuses, Tanjirou, você precisa ter mais cuidado. 

— Eu tenho, mas quando Inosuke foi pra cima daquele demônio, não pensei duas vezes antes de agir. 

 

Diante de suas palavras, o rapaz coçou sua nuca com um sorriso bobo no rosto, fechando os olhos em sequência. Ele imaginou que ouviria uma nova advertência, até mesmo um suspiro de derrota e irritado. Mas, para sua surpresa, o silêncio aterrorizante se alastrou entre eles, deixando que o canto noturno fosse o único som presente. Impressionado, Tanjirou abriu seus olhos lentamente, buscando entender o que havia acontecido. Seu coração parou por um instante, encantado e surpreso com a visão que obtinha. E incapaz de se pronunciar, o exterminador permaneceu no lugar, inerte. 

O brilho pálido da lua se escondia por trás da figura da jovem. Com a densa penumbra, apenas o brilho ameaçador dos olhos rubis era visto com tanta clareza e capturavam a atenção do rapaz. Em meio as írises vivas, as pupilas verticais estavam contraídas, finas e cheias de incerteza. A garota levou sua mão esquerda para perto do rosto do garoto, porém, em um momento de hesitação, os dedos finos não alcançaram seu destino, parando a poucos centímetros das bochechas levemente rubras. Mas mesmo sem tocá-lo diretamente, as unhas afiadas fizeram questão de alcançá-lo, deslizando gentilmente sobre a pele macia para logo se afastarem. Yoru contraiu seu lábio inferior com certa força, exibindo uma expressão clara de dor. 

 

— Senhorita Yoru? 

 

Com o chamado fraco, a jovem assustou-se com suas atitudes e recuou poucos passos, tentando se recompor. 

 

— Me desculpe. Não queria assustá-lo. 

— Está tudo bem? – perguntou o rapaz preocupado. – Aconteceu alguma coisa? Eu fiz alguma coisa? 

— Não foi nada, Tanjirou. Eu apenas me perdi por alguns instantes. – Yoru forçou seu melhor sorriso, na esperança de conseguir enganar o caçador. 

 

Mas o cheiro que esta exalava era sincero... E Tanjirou conseguia sentir facilmente o aroma de medo, repulsa e, principalmente, tristeza. 

 

— Ficarão por muito tempo? – perguntou a jovem de forma a contornar a situação, querendo encerrar aquele assunto mal iniciado. 

 

A garganta do rapaz coçava, desejando dizer e argumentar tudo o que pensava no momento. Queria saber o que afligia Yoru e se poderia ajudá-la de alguma forma, mas o cheiro do receio era tanto que se tornava uma verdadeira barreira. Por isso, fora duro engolir tantas perguntas e atender ao desejo silencioso. Por mais que o desagradasse, o jovem caçador não ousou em ir contra a vontade da garota. 

 

— Não muito. Talvez mais três dias, até nos passarem novas missões. E com você, senhorita Yoru? 

— Acho que partiremos amanhã de manhã. Kirara já buscou todas as informações que precisávamos na vila, então, não há motivos para permanecer mais. Só fico feliz que tivemos respostas positivas. 

— Por acaso, a missão não seria a mesma que a nossa, não é? – Yoru pareceu um pouco surpresa com a pergunta, porém, rapidamente, negou com expressões mais tranquilas. 

— Não. Nosso alvo fugiu antes da nossa chegada. Desde então, estamos o caçando há três vilas. Ao menos, conseguimos descobrir que ele foi rumo ao norte. Provavelmente, buscando proteção das montanhas e da densa floresta daquela região. 

— E como soube que estávamos aqui? 

— Exterminadores mais experientes conhecem as pousadas que abrigam caçadores. Então, quando disseram que um grupo de jovens surgiu na cidade, não foi difícil imaginar que eram vocês. 

— Não vão passar a noite aqui? 

— Kirara não achou uma boa ideia. Ela deu uma desculpa sobre essa pousada ser pequena e que não queria trazer problemas, mas... 

— Ela ainda está irritada com o Inosuke, não está? – Tanjirou concluindo, vendo o desconforto nas expressões da amiga. 

— Não mais, mas para evitar novos conflitos, ela optou por não se aproximar por um tempo. Por isso, estamos em uma pousada na cidade. 

 

Apesar de cabisbaixo com a resposta, Tanjirou não considerou a atitude da outra exterminadora como uma má ideia. 

Devido a personalidade bruta e provocativa de Inosuke, o caçador da máscara de javali sempre buscava por lutas sem fundamento, apenas para provar sua força aos demais e para si. Por serem chamados constantes, alguns exterminadores mais experientes acabaram se acostumando com as exigências e provocações intermináveis. Porém, haviam aqueles que não tinham a mesma tolerância ou paciência. Onda Kirara era um deles. A jovem hashira do pilar luz sempre usava toda a sua força de vontade para não cair nas provocações do garoto e entregar o que ele tanto desejava. 

Contudo, o último encontro dos dois caçadores, o resultado não poderia ter sido mais desastroso. Kirara estava irritada com o fim de sua última caçada, onde a pequena pista que tinha sobre Muzan, o líder dos demônios, desapareceu por completo. Dessa forma, a possível cura para fazer os demônios voltarem a ser humanos retornou a escuridão. E a exterminadora não podia estar mais do que no direito de estar frustrada. Ela havia passado por mais de duas semanas vivendo um verdadeiro inferno, para, no fim, não conseguir absolutamente nada. Seu péssimo humor era tanto que nem mesmo Tomioka Giyu, aquele que mais se entendia com a jovem, conseguiu acalmá-la como de costume. Talvez, fosse o esperado, já que Yoru não tinha obtido sucesso. 

Por isso, na primeira graça feita por Inosuke, a exterminadora não ligou para sua posição e terminou com a fome por uma batalha em um simples golpe. Tanjirou ainda se lembrava muito bem disso. Yoru e Giyu impediram da caçadora se aproximar, enquanto Kocho Shinobu e Zenitsu se aproximavam do exterminador desacordado. No fim, Kirara se retirou com um gosto ainda mais amargo em sua boca, decepcionada consigo. 

Afinal, ela sabia que descontar suas frustrações nos outros não a faria sair do lugar. 

 

— No fim das contas, a culpa naquela hora foi minha. – Tanjirou, rapidamente, olhou no fundo dos olhos de Yoru, confuso com uma afirmação daquele porte. A garota percebeu isso e, com um longo suspiro, deu as costas para o rapaz e voltou-se para o céu estrelado, tentando apreciar a lua distante. – Na verdade, a cada missão, mais a esperança cresce em nós e isso se torna um fardo gigantesco nas costas da Kirara. E eu sei que é por minha causa... Desde que unimos forças e ela descobriu que ela é minha descendente, sua sede de vingança contra Muzan cresceu demais. Ela quer me fazer humana de novo, quer justiça pelo que houve com seu pai e por nosso clã... Ela quer salvar todos aos seu alcance, mas não é assim que funciona. Ela está se sobrecarregando e não adianta o que eu diga... Ela não parece me ouvir. 

 

Tanjirou ameaçou se pronunciar, mas parou ao perder suas palavras, não sabendo o que poderia ser dito. 

O exterminador compreendia ambas as partes. Sabia como Kirara se sentia, como era a dor da sensação de impotência. E assim como a caçadora, o rapaz também queria vingança. Porém, principalmente, conseguir curar sua irmã. Ele sabia o peso daquela responsabilidade, aquela que o sufocava cada dia mais. Por isso, não conseguia culpar Kirara quando esta demonstrava as mesmas frustrações e revoltas que cresciam dentro dele. De certa forma, ele considerava a honestidade da hashira uma razão para admirá-la ainda mais. Fazia-o se sentir mais humano. Afinal, era difícil para ele se cobrar menos ou caminhar mais lentamente por aquele caminho obscuro. Se ele pudesse dizer, ele diria que ambos se encontravam no mesmo lugar. 

Cada segundo parecia ser precioso. 

Porém, ele entendia o lado dos amaldiçoados. Ele via como Nezuko sofria e não tinha sua liberdade. E com Yoru... Desde que se conheceram pela primeira vez, ele sentia o amoma do medo e desespero impregnado em seu corpo. As duas garotas sofriam por não serem humanas. Sofriam por terem se tornado monstros.  

Mas, certamente, elas sofriam ainda mais por verem os sacrifícios daqueles que amavam 

 

— Ah... Desculpa. Esqueça o que eu disse. Você também deve estar cansado disso tudo. – surpreso, o rapaz abaixou sua cabeça, cerrando seus punhos com força. 

— Senhorita Yoru... 

— Como está a Nezuko? – usando uma falsa expressão de simpatia, a jovem tentou parecer mais tranquila e feliz. 

— Senhorita Yoru. 

— Espero que na próxima vez que nos encontrarmos, nós possamos conversar e... 

— Senhorita Yoru! 

 

Após o grito repentino, a garota sentiu sua voz desapareceu, trazendo uma horrível sensação em sua garganta. Sem fala, Yoru apenas rangeu seus dentes e abraçou seu próprio corpo tenso com seus finos braços. Ela não teve coragem de se voltar ao amigo e, no fundo, não queria. Afinal, ela sabia... Ela sabia que tinha sido egoísta de dizer tudo o que se passava em sua cabeça e nem ter pensado no outro. Ela sabia que Tanjirou se importava com o bem-estar de todos e se sentia de forma semelhante a Kirara. Por isso, culpou-se por aquela atmosfera incômoda e pela fúria do exterminador. Em seu silêncio, Yoru respirou fundo e, mais uma vez, perguntou-se se tivesse tido mais força no passado, poderia ter evitado tantas desgraças. 

Mas longe do que a jovem imaginou, Tanjirou não estava apenas irritado. O jovem conhecido por sua bondade e de sorriso angelical trazia em seu rosto feições dolorosas. Ele parecia sofrer, como se seu coração estivesse prestes a se partir. As írises marsalas estavam repletas de angustia que, por sua vez, não deixaram de perceber o menor dos movimentos de Yoru. 

E em seu peito, um terrível e perigoso sentimento crescia. 

 

— Hm? Tanjirou? É você aí fora? – apesar de abafado, a voz sonolenta e arrastada de Zenitsu podia ser ouvida. 

— Sim. Sou eu, Zenitsu. – respondeu o garoto, fingindo seu bom humor diário. – Te acordei? 

— Não... Acho que não. Apenas estranhei o seu futon vazio. Não demore muito. 

— Tudo bem. 

 

Para ter certeza de que o amigo voltara a dormir, Tanjirou respeitou os momentos seguintes com apenas os sons noturnos. Assim que o cheiro vindo do quarto era apenas de tranquilidade e sono, o exterminador suspirou cansado, aliviando a tensão de seu corpo aos poucos. 

Yoru observou silenciosamente cada sucessão de eventos, inerte em seu lugar. Depois, seus olhos pousaram sobre a espada presa em sua cintura. Encarar o objeto lhe trouxe novas lembranças ruins, sensações que tanto odiava. Ao pensar dessa forma, a jovem não conseguiu não se odiar ainda mais. Essa fraqueza lhe custou muito, sua desistência de se tornar uma exterminadora na sua época poderia ter contribuído com o ataque de Muzan ao seu clã, Shirogami. Por mais que fosse uma grande guerreira e por mais que fosse uma excelente tutora... Muito talvez, sua grande compaixão e falta de experiência de campo tinham ajudado no resultado em que vivia naquele momento. Logo, seus dedos contornaram o equipamento com força, tentando conter aquelas emoções. Lembrou-se de Kirara e imaginou que esta deveria estar lhe esperando. Já fazia um bom tempo que estava fora e, certamente, a amiga lhe daria um bom sermão por sua demora. Por isso, Yoru obrigou-se a se recompor e se manter focada, já que iria vigiar e zelar pelo sono de sua descendente. 

Com medo de dizer mais alguma palavra que desagradasse à Tanjirou, a jovem apenas escolheu se retirar o quanto antes. Porém, assim que seu corpo começou a desaparecer nas sombras, ela hesitou, sentindo uma áurea furiosa atrás de si. 

 

— Onde você pensa que vai? 

 

Lentamente, Yoru voltou parte de seu corpo para atrás. Assim que as írises escarlates fixaram sobre as marsalas, a garota não acreditou que aqueles olhos tão gentis poderiam demonstrar tanto ressentimento. Não era natural... Toda a ira no fundo daquelas írises era assustadora e totalmente contra a natureza daquele rapaz. 

 

— Eu gastei muito do seu tempo e Kirara está me esperando para que ela possa dormir em paz. 

— Vai fugir? 

— Não é fugir. Ela, realmente, está esperando por mim e não quero dar mais motivos para ela brigar comigo. 

— Então, uma desculpa? 

 

Yoru, visivelmente irritada com a acusação, estalou sua língua contra o céu da boca e abriu sua boca para protestar. Contudo, as palavras morreram e desceram garganta abaixo antes que pudesse dizê-las. Ela não queria admitir, mas seria mentira se refutasse aquele fato. Yoru, realmente, estava querendo fugir. 

Calada e aceitando sua culpa pelo transtorno que causou ao rapaz, a jovem permaneceu imóvel. 

 

— Nossa conversa não acabou. – afirmou o caçador, seriamente. 

— Não há nada a ser conversado. – a garota desviou seu rosto, mantendo-o baixo. 

— Não é o que eu vejo. 

— Tanjirou, eu... – assim que Yoru tentou iniciar seu ponto, novamente, não conseguiu encontrar as palavras certas para se expressar. Segurando firmemente a espada em sua cintura, um grunhido de reprovação saiu por entre seus lábios cerrados com força e, rapidamente, seu olhar voltou a fugir da face do rapaz. – Desculpa. Não estou me sentindo muito bem. 

 

Quando Yoru virou-se para se afastar e desaparecer por entre as sombras, uma mão severamente calejada e forte segurou um de seus pulsos. Levemente surpresa e sem conseguir dar um passo sequer, tudo o que a jovem pôde fazer foi dirigir seu olhar para trás. Bem perto de si, Tanjirou a observava de forma tão intensa que o ar, simplesmente, desapareceu. Seu espanto, pela visão tão sofrida, aumentou e incapaz de desviar seus olhos dos do exterminador, a dor incumbida naquelas belas írises a fez imóvel. 

 

— Não vá... – fora tudo o que o rapaz conseguir pedir, com seu olhar fixo nos olhos escarlates. 

— Tanjirou... 

— Eu entendo... Eu entendo a sua dor. Entendo seu medo e eu te prometo que vou cuidar da senhorita Kirara. Não vou deixar que nada aconteça com ela. 

 

Após aquelas palavras, o silêncio por parte de Yoru inquietou o rapaz. O rosto da jovem apresentou toda a sua tristeza, seus olhos vermelhos ganharam vida, porém, o brilho era proveniente das lágrimas que lutavam para serem libertas. Ousando a rir em escárnio e de forma falha, Yoru desviou sua face. Um sorriso falso tentava a todo custo vencer as feições de raiva e, no fim, a garota cerrou seus dentes com força. 

 

— Você não entendeu nada... – com a voz fraca e baixa, a jovem parecia não ter coragem de dar mais força à sua palavra. Ela não se atreveu a enfrentar o olhar perdido do caçador, confuso com sua afirmação e tentando compreender seu ponto. – Não importa quem estiver na linha de frente, não quero que vocês se machuquem. Não quero mais ver vocês se ferindo dessa forma... – cuidadosamente, a jovem tocou o ferimento enfaixado localizado no peito do outro. As extremidades de seus dedos tremiam, tendo medo do que fazia. – Você não sabe quanto isso doí. 

— Senhorita Yoru, nós escolhemos esse caminho. – gentilmente, Tanjirou segurou a mão fria sobre seu peito e se permitiu sorrir frágil, tentando trazer conforto à amiga. – Nós lutamos por acreditar que é o certo a ser feito. Lutamos para proteger aqueles que amamos. 

— Eu sei disso... Eu sei que é egoísmo meu pensar dessa forma, mas, simplesmente, não consigo... Eu... 

— Por isso, você não tem que se sentir culpada. – o rapaz reforçou ao apertar a mão da garota, querendo transmitir toda a sua segurança. 

— É impossível... – Yoru contrariou, sem vida. 

— Eu só estou dizendo a verdade. Você não tem culpa pelas nossas batalhas. 

— Tenho medo de perdê-los. – comentando a jovem após um pequeno silêncio. 

— Você não vai perder Kirara. Eu te... 

— Tenho medo de te perder... 

 

Interrompendo o outro de forma dura, a confissão clara surpreendeu à Tanjirou. Inerte, o rapaz não sabia dizer o que sentia exatamente ou o que poderia fazer à jovem para que esta se sentisse melhor. E aproveitando-se de sua guarda baixa, a garota avançou contra seu corpo e lhe tomou em seus finos braços. O contato fora incômodo para ambas as partes. Para Yoru, o cheiro irresistível do sangue estava a entorpecendo, consumindo sua razão lentamente. Quanto à Tanjirou, a proximidade fazia sua cabeça girar, tentando encontrar uma resposta inexistente. Além de tudo, por mais que o exterminador fosse muito sensato e sempre demonstrasse uma maturidade invejável, era impossível para ele negar o fato de que ainda era um adolescente em meio a sua puberdade. Mesmo que não expressasse, ele tinha desejos como qualquer ser humano. Dessa forma, inconscientemente, o caçador correspondeu ao ato quando este estava prestes a se quebrar. 

Não se importando com a atual relação que tinham, Tanjirou mantinha aquele contato como se garantisse que Yoru não sairia daquele abraço... Como se ali, ele pudesse protegê-la. De início, o rapaz pensou que fosse de si, para que ele não encarasse aquelas belas írises rubras tristes novamente. Contudo, ao notar seu lado egoísta transparecendo, ele quis negar que sua consciência não estava em pleno controle. 

Afinal, era assustador a ideia de desejos imprudentes estarem se revelando sem seu consentimento. 

 

— Tanjirou... – tentando recuar, a garota viu-se verdadeiramente presa. E quanto mais se desesperava, mais sua fome parecia crescer. 

 

Aos poucos, ela sentia que estava perdendo sua cabeça. 

 

— Você nunca vai me perder, senhorita Yoru... – trazendo uma paz sobre-humana em seu tom de voz, o exterminador permitiu-se dar um pequeno sorriso. 

 

Aos poucos, o abraço foi se afrouxando. Com o espaço conquistado, Tanjirou afastou seu rosto de forma precária, o rapaz fez de tudo para não enfrentar o olhar da garota. Com cuidado e cheio de sua ternura, os lábios do jovem foram até a testa de Yoru, depositando um carinhoso beijo com diversos significados. Lentamente, o exterminador foi recuando, não trazendo qualquer tipo de arrependimento em suas feições. Pelo contrário, a paz que exibia revelada como estava seu estado de espírito. 

Porém, bastou apenas os olhos marsalas caírem sobre a face da mulher para que toda aquela tranquilidade fosse extinguida. E preso àquela visão que nunca imaginou que presenciaria, Tanjirou sentiu sua consciência cobrar pelo preço de sua atitude irracional. 

Com um forte rubro tingindo as maçãs de seu rosto, Yoru tinha dificuldades de respirar. Seus olhos estavam desfocados, em um intenso brilho vívido e cheio de desejo. Assim que seu olhar se encontrou com o do rapaz, a garota comprimiu seus lábios, fugindo de sua vista o quanto antes. Faltava muito pouco para, certamente, perder sua razão. Mas diferente do que imaginava, não era apenas por sangue que esta tinha sede... 

No fundo, ela desejava as mesmas coisas que o jovem exterminador. 

 

— S-Senhorita Yoru, eu... 

— Boa noite, Tanjirou... – não se importando com sua covardia, a garota afastou-se o quanto antes. O rapaz tentou impedi-la, dando alguns passos à frente, porém, a jovem desapareceu em meio às sombras, deixando-o completamento só. 

 

Espantado com os últimos acontecimentos e, principalmente, com sua postura, o rapaz permaneceu inerte. Sua mão destra dirigiu-se a boca, tampando-a com certo desgosto e vergonha. Ele não aceitava sua atitude e não conseguia condenar Yoru por ter agido tão rápido. Aos seu ver, a ação fora até que sábia, já que o exterminador não tinha ideia de que passos tomaria caso ela não tivesse partido. 

Rapidamente, seu rosto queimou como brasas. Certamente, ele sabia que estava corando. E além daquele fato, em frustração e contentamento, um sorriso bobo lutava para conquistar seu lugar na face de Tanjirou. A luta logo teve seu vencedor e, ao se dar por vencido, o exterminador dirigiu seu olhar perdido para a lua distante, desejando que aquele sentimento em seu peito alcançasse a garota mais uma vez. 

 

— Boa noite.


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Notas finais do capítulo

Caros leitores de todas as idades. Gostaria que, humildemente, deixassem uma palavra a esta escritora que aqui vos escreve. Não é pedir muito um simplório comentário para dar a luz que um escritor necessita.



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