O Tempo escrita por Juliet Byron


Capítulo 1
O Tempo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/791287/chapter/1

Em uma típica tarde de outono, na paisagem cinza alaranjada do Hampstead Heath, Ella observava, sentada em um banco de madeira desgastada pelos anos, o efeito que o vento cortante daquela estação tinha sobre a lagoa, assim como a traição tem sobre o coração. Há poucos meses, na primavera, ela e Millie corriam de mãos dadas por aquele lindo parque londrino- que é uma caixinha de surpresas, a cada estação, cenários mais deslumbrantes-, mas isso eram lembranças, bonitas, felizes e ao mesmo tempo amargas lembranças. Devemos deixar o passado no passado, para não estraga-lo com nossas mudanças, pois a vida é apenas um jogo, a cada partida nos deparamos com novos desafios que nos atormentam, mas a cada vitória e cada nível, ganhamos experiências que só o tempo compreende.

Após algum tempo no parque, Ella já estava tremendo de frio, então decidiu comprar um Mocha Frappuccinno no Starbucks- seu sabor preferido, que segundo ela, era indescritível. Infelizmente, isso lhe trouxe mais uma lembrança, no inverno elas costumavam patinar no gelo até tarde e, quando estavam congelando iam em um antigo Pub, que sempre tocava Beatles. Lugar, inclusive, onde se conheceram. Numa gélida noite, no dia 17 de janeiro de 2004, Ella havia saído da faculdade e se dirigido ao The Rosemary Branch, um espaço muito aconchegante e com lareiras. Naquela noite, que deveria ser apenas mais uma comum, Ella estava bebendo uma Pimm’s, sozinha,
quieta, até que viu Millie, uma moça extrovertida, de cabelos negros e pele clara que veio conversar- claro, Ella era muito tímida para tanto.

Sentada na mesma poltrona, cerca de 7 anos após o romance, Ella lembrava de tudo. Lembrava das primeiras conversas. Lembrava do  sorriso meigo e da pele macia de Millie. Lembrava dos toques e das carícias. Lembrava das noites que passaram conversando. E Millie ainda tinha o
mesmo efeito sobre ela. Algo indescritível. E Ella queria respostas. Respostas, apenas para poder entender o passado. Entender porque Millie a abandonara.

Acidentalmente, numa das noites mais frias e brandas do inverno, quando Ella estava deita, num macio travesseiro de plumas e com cobertas de lã, iluminada por um pequeno abajur que se localizava sobre uma mesinha branca, com detalhes rústicos, ao lado de sua cama, observando um antigo diário, escutou uma conversa de seus pais. Seu pai começara a perguntar sobre as carta. Quais cartas, pensou Ella. Logo, Tereza, sua mãe fechou a porta do quarto, mas Ella ainda podia entender. Eles conversavam sobre Millie. Sobre as cartas que Millie havia mandado para a filha, quando fora embora. Ella precisava encontrar as cartas. Precisava desvendar e entender o próprio destino. Embaixo de lágrimas, com os pés congelados, como de costume e encolhida na posição fetal, Ella começou a pensar que talvez não fora Millie quem a traiu, mas sua mãe.

Ella esperou a viagem que os pais fariam para Paris, colocou sua música preferida do The
Who, "Behind Blue Eyes" para tocar e começou uma busca que parecia interminável. Ao entardecer estava exausta, sem chão, não conseguia acreditar que Tereza fora capaz de fazer isso. Ella encontrou os papeis em um pequeno baú antigo, no sombrio e sórdido porão da casa, que cheirava a
gim. Ella repugnava aquele local. Decidiu primeiramente se banhar e então colocou algumas lascas de madeira na lareira da aconchegante sala e acendeu o fogo. Em poucos minutos o ambientes já estava aquecido. Com muito medo, abriu o pequeno baú novamente e retirou as cartas. Ella perdera a irrefutável coragem que tinha quando começara a procurar. Às vezes a verdade é tão chocante e
violenta que preferimos desprezá-la. Mas isso não era uma simples brincadeira, eram sentimentos verdadeiros e vidas que foram impedidas de se cruzarem, ela não podia ser tão fraca agora, precisava ir em frente.

Após uma hora e meia encarando as folhas Ella começou a lê-las e a cada palavra, um pedaço de seu coração era destroçado. A cada palavra Ella percebia como as letras machucam e como a mentira é um tiro certeiro. Ella queria encontrar Millie novamente, o mais rápido possível. Ella observou as datas, mas a mais recente era do ano de 2009 e de um endereço em Enfield, um bairro no oeste londrino. Sem pensar duas vezes Ella se dirigiu ao endereço, mas era evidente que Mi já havia se mudado. Após conversar com os novos residentes, ela descobriu outro endereço. Após cerca de duas horas em busca do endereço, Ella encontrou. Uma pequena e graciosa casa em tijolos à vista. As luzes já estavam apagadas, Ella olhou no relógio, que marcava 2:17AM. Mesmo assim decidiu tocar a campainha. E Mi, boquiaberta, atendeu. Após horas conversando Ella descobriu que a avó de Millie estava com problemas de saúde e, por isso, precisou se mudar para a Itália por alguns meses. Então, sorrateiramente sua mãe criou desculpas e escondeu as cartas para impedir o relacionamento. Mas, agora as duas estavam juntas novamente e ninguém a poderia impedir de ser feliz.

Ella decidiu passar a noite com Mi. Como nos velhos tempos, Ella deitou no colo de Millie e elas começaram e relembrar os maravilhosos momentos que passaram juntas. Após algumas taças do Brunello di Montalcino ao som da fascinante canção "für Elise", de Beethoven, adormeceram. Na manhã seguinte, com uma enorme dor e decepção, Ella marcou o papel com suas lágrimas escrevendo uma carta para Tereza. Como seus pais estavam viajando, a moça aproveitou o momento para se
mudar para a casa da namorada. E, inesperadamente, decidiram ir para Dartford, um pequeno condado no sudeste da Inglaterra, não muito distante do centro de Londres, gozar do reencontro.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Tempo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.