Quando a caca vira cacador escrita por Padalecki


Capítulo 2
Pedro


Notas iniciais do capítulo

"Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então."

Alice no País das maravilhas, Lewis Carroll



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Não é como se eu quisesse ir ao aniversário de Jéssica Cultro.

Quer dizer, nós tínhamos sido amigos desde que nascemos praticamente, até eu ficar nerd e excluído demais para o seu novo grupinho na escola.

Mas ela havia me convidado para seu aniversário de dezessete anos, será que isso queria dizer que ele topava ser minha amiga novamente?

Não é como se eu quisesse ir no aniversário dela, não queria ver toda a galera da escola me excluindo também aos fins de semana, quer dizer, já não bastava o bullying sofrido de segunda a sexta?

Mas aquele convite poderia significar uma bandeira branca, um novo início para nós dois.

Eu sentia tanta falta dela...

— Pedro? – Era a voz de meu pai. – Você está encarando esse convite há quase vinte minutos.

Senti minhas bochechas quentes e guardei o convite que meu pai me dera no bolso do jeans.

Meu pai era um sujeito engraçado. Era extremamente atlético para a idade, tinha olhos azuis gentis num rosto quadrado e grisalho, mas outrora tivera os cabelos encaracoladas e a barba totalmente ruiva, agora estava cada dia mais branca, como se ele envelhecesse 5 anos por dia.

— Não sei. – Resmunguei. Olhei em seus olhos. – Não acha estranho esse convite depois de todos os outros aniversários onde ela fingia que eu nem existia?

Meu pai sorriu, mostrando sua única covinha na bochecha esquerda.

— As pessoas mudam. – Ele deu de ombros. – Às vezes é hora de uma reconciliação. – Algo no modo que ele me olhou quando disse aquilo me fez pensar que talvez ele quisesse muito que eu fosse nessa festa, mais do que eu próprio queria.

Entenda, se fosse uma festa intimista eu iria sem problemas, mas conhecia as festas de Jéssica e não tinham nada de intimistas.

Olhei para meu pai e franzi o cenho.

— Pai, o senhor não acha absurdamente esquisito esse convite? Quer dizer, faz, no mínimo, três anos que não sou convidado. – Eu começava a pensar que aquilo era uma espécie de delírio coletivo de Jéssica e sua mãe.

— Dê uma chance! – Exclamou meu pai, sorrindo. Seus dentes tinham um espaço engraçadinho na frente. Ele deu dois tapinhas amorosos nos meus ombros e foi para a cozinha, cantarolando alguma canção de seu cantor preferido: Frank Sinatra.

Coloquei a mochila nos ombros, fiz um cafuné em Martha, a husky siberiano de meu pai, e sai de casa.

A casa de Jéssica ficava de frente com a minha, e sua mãe, Maria, era a dona do jardim mais bonito de todo o bairro. Cercado por flores coloridas e uma pequena amoreira. Todos os dias na parte da manhã a senhora Maria cuidava de suas plantas enquanto Jéssica esperava o namorado para ir à escola.

Você acha que ela sequer lembrava de mim?

Não.

E por três anos.

Eu era o nerd esquisito e magrelo que ia andando para a escola todos os dias. Meu pai é músico e trabalha de casa, compondo canções para comerciais infantis. Nós tínhamos um fusca azul escuro, mas o carro estava parado há muito tempo, e eu provavelmente só iria dirigi-lo daqui um ano, quando fizesse 18.

Acho que fiquei olhando por muito tempo para Jéssica, porque reparei que seus olhos me fitavam e ela tinha as sobrancelhas erguidas como se dissesse: Você perdeu algo aqui?

Desviei o olhar rapidamente e comecei o caminho para a escola.

Nós estudávamos na Escola de Ensino Médio Sunt Venandi que, numa tradução livre do latim, significava algo como “O caçador”. Sempre achei o nome dessa escola engraçado, mas aparentemente só tinha esse nome porque seu fundador se chamava Horácio Sunt Venandi, então tudo bem.

Nossa escola não era muito grande, o que fazia sentido já que São Santo era uma cidade com um número bem pequeno de habitantes, no interior de São Paulo. Entretanto, não ache estranho o fato de nunca ter tido conhecimento da nossa cidade, afinal, ela nem aparece nos mapas. E quero dizer qualquer mapa, nem o Google Maps consegue nos achar, como se alguém simplesmente tivesse nos riscado, excluído.

Tudo isso deveria ser um mistério para a população, que talvez se empenhasse em descobrir os motivos de nossa exclusão, certo?

Não.

Quando eramos amigos, lá pelos 13 anos, eu e Jéssica nos sentíamos incomodados com essa situação. Como assim ninguém sabia sobre nossa cidade? Era uma pergunta bem óbvia, mas ninguém, absolutamente ninguém naquela cidade parecia se importar o bastante.

Todos pareciam muito felizes seguindo suas vidas pacatas. E, realmente, era como se São Santo funcionasse bem isolada do mundo. Nós nunca recebíamos turistas, nunca saíamos da cidade e todo mundo parecia estar de acordo com isso.

Veja bem, São Santo era uma cidade completa. Não é como essas cidades do interior que não possuem cinemas e McDonalds. São Santo possuía um shopping, dois cinemas, três McDonalds, Starbucks, dezenas de lojas de conveniência, lojas de roupas, de artigos para festa, duas faculdades... Era uma cidade relativamente boa.

O que mais me incomodava era o fato de ninguém sentir a mínima vontade de sair daqui e ter outras experiências, conhecer outras pessoas, outros universos.

A Sunt Venandi parecia uma escola retirada dos Estados Unidos. Nós escolhíamos as nossas aulas, tínhamos armários, uma piscina, várias quadras, treinávamos corrida e cheerleading da mesma forma que gastronomia e música.

— E ai, cara! – Exclamou Rafa, Rafael, meu único amigo naquele lugar. Rafael tinha cabelos crespos, olhos mel e nariz de batata. Era uma cabeça e meia mais alto do que eu. Ele esperou ao lado de meu armário enquanto eu pegava os livros para a aula de Matemática. – Qual a boa?

Bufei, coloquei os cadernos necessários na mochila e lhe entreguei o convite de Jéssica.

Rafael sorriu quando abriu o convite. Seus dentes eram realmente muito brancos.

— Ora, ora – Disse ele, com sarcasmo – parece que você está pensando em ir direto para uma armadilha. – Ele me entregou o convite e começamos a caminhar em direção a sala de matemática. – Quer dizer, cara! – Ele balançou a cabeça em negação. – Tú nunca viu o filme Carrie, a Estranha? Começou assim, com um convite. No final ela estava lá toda cheia de sangue de porco. – Rafael tremeu. – Nojento, mano...

Rafael continuou me relembrando de diversos outros filmes em que você era convidado para uma festa e acabava morrendo ou matando alguém ou qualquer outra coisa horrível que pudesse acontecer, mas eu havia parado de ouvir no exato momento em que avistei Jéssica. 

Acho que preciso tentar descrever como era Jéssica.

Os cabelos eram castanhos e iam até a cintura em ondas bem suaves. Os olhos eram castanhos claro, quase verde musgo e ela sempre usava seu top de líder de torcida, o que deixava bem avantajado os seus, hã, seios.

Não que eu ficasse olhando – muito – é claro.

Não me entenda mal, eu havia praticamente crescido com Jéssica, e sempre a vi somente como uma irmã. Mas isso foi antes de ela crescer longe de mim, me ignorando. Por algum motivo, agora meu coração sempre errava as batidas quando ela estava por perto.

E depois daquele convite? Agora eu parecia uma garota de 12 anos apaixonada por um cantor pop de outro pais.

Eu queria morrer ali mesmo.

Se eu soubesse o que aconteceria no dia seguinte, não teria desejado isso. Talvez o universo tenha me levado muito ao pé da letra.


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Notas finais do capítulo

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