A Maldição do Instinto escrita por Kusumary


Capítulo 4
Hebi




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/790935/chapter/4

Depois que finalmente terminamos o almoço e limpamos os três copos e os quatros pratos que ele quebrou sem querer, começamos a almoçar. Ele se senta ao meu lado como se não pudesse se desgrudar de mim.

— Isso está muito bom! – Ele fala de boca cheia.

— Não fale de boca cheia, e você que fez o macarrão, ele ficou bom de primeira!

— Mas esse molho de carne que você fez está magnifico!

— Ai meu pai, coma logo. – Sorrio.

— Seu sorriso é lindo. – Ele fala, encostando sua mão sobre o queixo.

— Como você aprendeu a falar português? – Pergunto, evitando o comentário e ignorando que estava corando.

— O neto dos velhinhos me ensinou. – Ele fala simplesmente.

— O que mais ele te ensinou?

— Várias coisas, sobre a cultura brasileira, as coisas que eu posso fazer e o que não posso, algumas coisas sobre vocês humanos. - Ele falava entre colheradas.

— Wow, ele realmente foi um bom amigo. - Como mais uma colher de macarrão. Espera... Ele morreu, os velhinhos também morreram, o templo em que ele vivia provavelmente já foi destruído... Deve ser horrível ver as coisas que você gosta ir embora... Isso de viver por muito tempo parece mais como uma... Maldição... – Me diga, o que mais você viu nesta casa? O casal que mora aqui briga muito? – Pergunto mudando de assunto, sorrindo.

— Não sei se posso dizer que brigam muito, mas já vi várias vezes eles discutindo. – Pelo visto ele não entendeu meu humor negro. Ele é só uma criança... – Você mora aqui? Te vi poucas vezes.

Viro uma estátua por um momento.

— Você... Espera um pouco. – Me levanto da mesa rapidamente, indo em direção à sala, onde meu celular estava carregando. Pego ele e volto para a cozinha, onde o mr. Cãozinho abandonado já estava em pé, prestes a me seguir. – Calma. – Me sento na cadeira. Pego o celular e começo a pesquisar se cobras podiam enxergar de noite. Apareceu um monte de coisas aleatórias, que logo desisti de tentar entender e pergunto a ele diretamente. – Você pode enxergar de noite?

— Eu sou mais diurno, por quê? – Ele novamente fala com a boca cheia.

— Não fale com a boca cheia. Por nada. – Como mais um pouco e mastigo adequadamente, me usando como exemplo para ele. – Eu só venho passar as férias aqui. Como você nos via?

— Pelas vigas de madeira. –Ele faz pouco caso do meu exemplo e fala de boca cheia. Ele aponta para cima, onde o telhado sem forro e vigas de madeira poderia ser visto.

— Você não me via no meu quarto, certo? – Pergunto meio hesitante.

— Via. – Ele falou, simples e curto, mas só isso já fez meu coração quase parar e meu cérebro parar de responder. Será que ele me viu... Masturbando-me...?

............................................

Já estava saindo para prender os bezerros, quando o jiboinha me abraçou por trás pela vigésima vez naquele dia.

— Onde está indo? – Ele me pergunta com a voz um pouco falha.

— Prender os bezerros. Não se preocupe, volto daqui a pouco.

Ele me ignorou e se transformou numa cobra branca. Era a primeira vez que via com meus próprios olhos, quase me fazendo acreditar que tudo aquilo era realmente verdade.

Demorou um pouco, então pude ver detalhadamente tudo acontecendo. Seu cabelo foi sendo voltado para a raiz, a xuxinha logo caiu. Seu nariz foi se transformando em apenas dois furinhos, sua pele se tornando cada vez mais branca e diminuindo de tamanho, até se transformar numa cobra em meu ombro. Ele rodou sobre meu pescoço como se fosse me enforcar, mas no final ele delicadamente se aconchegou. Chuto a roupa que havia caído para dentro de casa e tranco a porta.

— Ok né, partiu. – Vou em direção à cerca, que dava para onde o gado estava pastando.

.........................................

— Estou morrendo... – Talvez meu desejo estivesse se realizando, mas eu com certeza não queria que fosse daquele jeito.

Quando as vacas me viam, por algum motivo corriam, só que dessa vez foi pior. Elas mal me viram e correram pra casa do caralho/para o fundo do sitio. Por causa disso tive que dar a volta por todo o alqueire - do outro lado da cerca, que era do vizinho - e fazer com que elas fugissem de mim, mas que pelo menos corresse para o curral. Deu certo, mas na metade do caminho acabei desistindo de chegar à casa do meu pai e me deitei numa graminha que havia ali.

O senhor-não-sei-de-nada me olhava com seus olhinhos vermelhos, me trazendo um bom sentimento.

— Vamos lá. – Me levantei. O snakezinha estava firmemente enrolado no meu pescoço, por isso não importava se eu estava deitado ou em pé.

...............................................

— Consegui porra! – Comemoro quando prendo o último bezerro. Estava soando, mesmo estando frio. O senhor-criança parecia estar gostando da minha temperatura alta. – Hey. – Cutuco levemente seu corpo. Ele levantou sua cabeça  e olhou para mim. – Precisamos tomar um banho, você cheira a pasto, sabia? – Ele me encarou por alguns segundos, mas percebo que ele estava voltando à forma humana. Corro rapidamente para dentro da casa, e sua transformação estava mais ou menos pela metade. O tiro do meu pescoço com um pouco de dificuldade e o coloco no sofá. Pouco tempo depois ele estava na forma humana, completamente nu.

— O que houve? – Ele se levantou e veio para o meu lado com os braços abertos. Afasto-me dele.

— Primeiramente: Não se transforme lá fora. É perigoso alguém ver. – Ele acena, concordando. – Segundamente: Não abrace alguém estando nu. – Ele inclina levemente a cabeça para o lado, como se fosse um cachorrinho que não havia entendido. – Não abrace pessoas estando sem roupas.

— Por quê? – Ele inclina a cabeça para o outro lado.

— As pessoas não estão acostumadas. – Digo simplesmente.

—... Ok. – Ele começou a ir em direção á sua roupa jogada no chão.

— Espera, tome um banho antes. – Ele para no lugar, mas rapidamente se vira para mim.

— Mas a água é fria! – Ele fala como se fosse uma criança mimada.

— Venha cá. – O puxo pelo pulso em direção ao banheiro. O solto quando chegamos, liguei o chuveiro e coloquei minha mão embaixo da água caindo. – Coloque sua mão. – Ele olhou para mim como se fosse um gatinho triste, mas obedeceu. Ele arregala os olhos quando percebe que a água era quente. – Está vendo? Pode tomar seu banho de boa. – Sorrio para ele.

— Incrível! Pensei que só tinha água quente no Japão. – Ele coloca as duas mãos embaixo do chuveiro.

— Lá é natural. Isso se chama chuveiro elétrico, depois te explico como funciona. – Sorrio para ele, me afastando.

— Onde está indo? – Quantas vezes ele me falou isso hoje?

— Para a sala, tome seu banho.

—... Não sei como fazer isso. – Ele fez uma carinha triste com um biquinho de brinde.

— Mas você não os via tomand- Antes que pudesse terminar meu questionamento, ele aponta para cima. Olho para onde seu dedo apontava, e solto um pequeno murmúrio. O banheiro era o único lugar da casa que era forrado. – Ok. – Me preparo para a desgraça e tensão sexual que estava prestes a acontecer e o empurro para debaixo da água.

..................................................

Eu sou a pessoa mais feliz do mundo.

Estava deitado na cama junto ao cachorrinho-que-caiu-da-mudança, que estava me aninhando cada vez mais contra si.

Aquele banho talvez tenha sido a coisa mais infantil e inocente que eu tenha feito na adolescência. Ficamos fazendo espuma de sabão e gastei alegremente metade do xampu da minha madrasta lavando o cabelo dele. No final, tomei banho junto a ele, rindo enquanto ele fazia orelhas de gato em minha cabeça. Brincamos por pelo menos meia hora, até a água acabar.

Enxugamo-nos, batalhando até o cabelo dele secar pelo menos um pouco. Nos deitamos silenciosamente na cama, eu meio triste pelo fato de provavelmente acordar e perceber que era apenas um sonho, e ele simplesmente preguiçoso.

— Hein, qual o seu nome? – Pergunto, desistindo de tentar afastá-lo do meu espaço pessoal.

— Os velhinhos me chamavam de Hebi. – Ele fala fracamente com os olhos fechados. Assisti animes o suficiente para saber que aqueles velhos não tinham criatividade alguma.

— Um nome simples.

— Se quiser pode me dar outro. – Ele diz como se não se importasse.

— Hm... – Me afasto um pouco dele o suficiente para conseguir mexer no meu celular. Depois de muito pesquisar nomes e significados, decidi um nome para ele. – Shinki... – Olho para ele, mas esse já estava no oitavo sono.

Fiquei acariciando seu cabelo, tentando gravar o máximo de suas feições. Nunca havia sido tão feliz, ainda mais com um homem. Apenas em sonhos. Não acredito que os pelos pubianos dele realmente são brancos. Tento segurar a risada.Esse pensamento me acalmou e acabei pegando no sono.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Maldição do Instinto" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.