A Quinta Exceção escrita por Penedo


Capítulo 7
Rótulos




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/790804/chapter/7

A relação de Alvo com sua individualidade e a forma como ela se destaca dos outros melhorara muito nos últimos anos. A despeito das diversas situações constrangedoras e momentos em que pareceu alheio à família, a melhora da relação com o irmão e o apoio continuado dos pais o manteve, no geral, tranquilo.

Contudo, existem diferenças mais divisivas do que não ser muito sociável ou pertencer à Sonserina.

Há alguns anos Alvo já começava a perceber certos padrões de comportamento que não faziam muito sentido para ele. E aos poucos foi dando-se conta dos motivos para isso. Gradualmente entendendo as razões de franzir a testa, quase que de forma involuntária, quando tio Rony fez alarde pela nova namorada de James. Ou quando outro parente dos Weasley os visitou e falou que apesar da calma, ele daria mais trabalho para os pais com as garotas do que o irmão mais velho. Ou quando teve sua futura (e não questionada) paternidade insinuada. Ou quando se deu conta de que gostava de garotos. 

Alvo não teve relação com muitas crianças, bruxas ou trouxas, durante sua breve vida. Para além dos irmãos e primos, não havia outros jovens da mesma faixa etária em Godric’s Hollow, e a tradição bruxa (britânica, pelo menos) não costuma contar com creches ou outras formas de ensino fundamental antes do ingresso em Hogwarts. O contato quase integral com pessoas mais velhas nunca o incomodou ativamente, o que não quer dizer que não tenha sido crucial para sua lenta assimilação do que significa ter sentimentos e se sentir atraído por alguém.

Mais do que se sentir atraído por alguém. Se sentir atraído por alguém do mesmo gênero. 

As estruturas sociais que regem o mundo trouxa, como perceberia Alvo já na adolescência, não são estranhas ao mundo bruxo. Quando começou a não suportar tantas questões internas, resolveu buscar informações (já vagamente ciente de que não poderia simplesmente perguntar a alguém), mas teve grande dificuldade de saber sequer por onde procurar. A Floreios e Borrões do Beco Diagonal contava, praticamente, só com livros didáticos e alguns outros com temas pouco úteis. As outras livrarias do lugar não tinham nada interessante ou ficavam em ruelas pouco confiáveis. Os arquivos do Ministério da Magia com certeza seriam mais completos, mas nunca conseguiria ir desacompanhado ou não atrair atenções. A Biblioteca de Hogwarts, apesar de ser uma opção um pouco mais promissora, ainda teria o obstáculo da exposição (sem contar que não estava em seus planos ter que se dirigir à rude bibliotecária "Madame Pince, poderia me ajudar a encontrar algum livro que me ajude a entender o que sinto por outros meninos?”).

Ele precisava ir atrás de outras fontes, e foi o que ele fez. 

No segundo e último dia de estadia no Caldeirão Furado, semanas antes, Alvo já havia adquirido tudo que precisava para o 3º ano, e no meio da tarde perguntou ao pai se não poderia andar um pouco em Londres enquanto os outros terminavam as compras (eles ainda iriam dormir ali).

— Tudo bem, só volte antes de anoitecer... — respondeu Harry, tranquilo. — E leve isso — completou, tirando algumas libras de um dos bolsos das vestes e entregando ao filho.

— Ok, até logo — Alvo falou já se virando para a saída do pub.

— Alvo…?

Ele se virou, curioso.

— Não acha que está um pouco chamativo? — comentou Harry, cômico, gesticulando para a capa do mais novo, que riu e a despiu, saindo do bar vestindo roupa social com um colete. Ainda muito formal para um menino de 13 anos, porém passável como trouxa.

O Caldeirão Furado ficava no centro de Londres, na Charing Cross Road, a menos de 1 quilômetro de distância do Rio Tâmisa (consequentemente uma via movimentada e sempre abastada de turistas). Alvo já tinha andado por Londres algumas vezes com os pais, e até sozinho, mas nunca numa área tão cheia. Andou alguns metros para se distanciar do bar, mas logo se recostou ao lado da entrada de uma loja para admirar a multidão. 

De certa forma sentia-se mais confortável ali do que em lugares muito mais calmos com poucos humanos mágicos. Os olhares que atraía parado na calçada, por conta de suas roupas pouco casuais, eram bem menos desconcertantes que os dos bruxos observando o filho do herói de seu mundo. Estar no meio de milhares de trouxas era uma gostosa dose de anonimato.

Logo Alvo começou a caminhar a passos lentos em direção à Trafalgar Square, prestando atenção nas rápidas conversas de pedestres e na cacofonia urbana. Os ônibus, carros e motocicletas, conhecidos mas também não exatamente presentes na vida da maior parte das pessoas de seu mundo. Os semáforos, as vitrines e painéis brilhantes. As pessoas apressadas com os olhares desfocados para as telas dos celulares (que Alvo só compreenderia melhor depois, nas aulas de Estudo dos Trouxas com a Profª Ogden). Tudo num ritmo de metrópole mas ao mesmo tempo combinando com a introspecção de um jovem atrás de respostas.

Antes de se aproximar da praça, Alvo virou em uma das transversais à Charing Cross, numa esquina com uma bonita hamburgueria que dava em uma passagem fechada para veículos com várias lojas, bancos e luminárias ainda apagadas. Não apenas várias lojas, várias livrarias. À direita, uma fachada comprida da Watkins Books, com muitas obras de ficção e fantasia na fachada. Entre ela a Goldsboro Books e a Travis & Emery. Pela esquerda, a Marchpane, a Tenderbooks e, mais ao final da ruela, a Tindley & Everett, para onde Alvo se dirigiu sem muito critério.

Como todas as outras, era uma livraria de estampa elegante, a porta bem alta numa reentrância da calçada e um grande painel de vidro impecável dando visualização para as poucas estantes da loja. O interior com poucos clientes comparado aos demais.

Alvo entrou com um som singelo de sino, agora se dando conta de que não pensou em como prosseguir.

— Posso ajudá-lo? — perguntou uma atendente jovem de rabo de cavalo com um avental verde musgo gravado com o nome da livraria.

— Na verdade eu acho que entrei sem nada definido. — ele respondeu sem querer olhar para o rosto dela, fingindo prestar muita atenção no chão.

— Se precisar de alguma coisa é só chamar.

Ele acenou com a cabeça e se aproximou da maior estante. Algumas divisórias separavam os livros por temas como “história”, “gastronomia”, “psicologia” e até “criminologia”. Um acervo pequeno porém eclético. Alvo começou a pegar alguns de forma indiscriminada, lendo as breves sinopses nas orelhas dobradas e continuando a busca (não deixando de reparar as fotos estáticas impressas nas páginas). Colocou um guia sobre serial killers de volta ao lugar e estava prestes a ir para o próximo estabelecimento quando faiscou os olhos em uma seção que não tinha reparado. Não tinha nada escrito, apenas um pequeno retângulo com 7 listras das cores do arco-íris. 

Ele chegou mais perto e foi lendo os títulos um do lado outro, “Stonewall Inn”, “Antropologia e Sexualidade”, “O Retrato de Dorian Gray”, sem conseguir estabelecer muito bem a conexão entre todos eles para estarem ali. Parou em um exemplar não muito grosso, de capa vinho, com os dizeres “Amor e Identidade no século XXI”. Folheou algumas páginas e passou por palavras como “homossexualidade” e “comunidade queer”. Suficientemente curioso, Alvo levou o livro ao caixa e o entregou à atendente junto das três cédulas que seu pai lhe dera mais cedo. A mulher pareceu achar graça, devolvendo duas e dando-lhe algumas outras para um garoto que, ela não sabia, desconhecia dinheiro trouxa. 

Com a compra numa sacola reciclável da Tindley & Everett, Alvo saiu e começou a perambular atrás de algum lugar que pudesse se sentar e ler. Parou na frente do Notes Coffee Roasters & Bar e entrou, se encontrando numa aconchegante cafeteria com vários lugares vagos. Sentou-se numa mesa mais distante do balcão, pediu um latte e abriu o livro.

Naquele fim de tarde, Alvo aprendeu sobre como os trouxas nomeavam diversas coisas que passavam pela cabeça dele, embora não visse ninguém discutindo. Descobriu que chamam homens que se atraem por outros homens de gays (dentre outros rótulos), e que existe uma “comunidade” abarcando todas as pessoas com características sexuais, e até mais profundas, distintas da maior parte da população (à qual logo associou seus pais, tios, conhecidos e irmãos). Leu sobre estatísticas de marginalidade, sobre homicídios, sobre discriminação, e leu também sobre resistência, sobre passeatas, sobre política e esperança. 

Sabendo que não teria como levá-lo consigo, Alvo deixou o livro sobre a mesa, pagou por seu café e foi embora para um mundo bruxo que percebia ser cada vez mais semelhante, em essência, àquele sem varinhas.

Desde então, mais conhecedor do destino de diversos jovens, meninos e meninas, parecidos com ele, Alvo vivia numa constante batalha dentro de si, sem paralelos bruxos e sem ninguém para falar sobre aquelas coisas. Por um lado achava pouco provável sofrer alguns tipos de perigo, afinal tinha a magia como recurso e tinha certas proteções (até excessivas às vezes) como filho de um auror. Mas se não via a violência externa como uma possibilidade, não fazia ideia do que esperar dentro de casa se soubessem sobre ele. Que decisão seus pais tomariam? O quê James diria? O quê Escórpio pensaria?

O medo da solidão sempre esteve presente. Não que ele não se sentisse bem estando só, na maioria das vezes era até mais fácil, mas o cenário mudava bastante com a perspectiva de viver uma solidão imposta. Definitiva e irreversível. Especialmente se a única justificativa para a sina fosse ser quem ele é. Quem ele lembra de sempre ter sido. O amadurecimento em um lar no qual não recebia certas orientações o fez ter questionamentos. Não sobre como ele via o mundo em si, mas sim sobre como os outros viam e quais partes dessas visões eram diferentes. “Essas diferenças bastam para que eu não valha mais para nada?” ele se perguntava, respaldado ao saber que bastavam para diversos pais e mães trouxas que expulsavam seus filhos de casa. “Eles vão me expulsar também?” 

Quando esse possível desfecho o assombrou, começou a pensar em soluções práticas. A primeira foi pensar em como sobreviveria caso fosse deserdado. Não teria como acessar a conta no Gringotes, então, na melhor das hipóteses, teria uma mala com suas roupas e sua varinha. Não sendo procurado pelo Ministério (e supondo que o Rastreador de magia praticada por menores fosse desativado), tentaria viver entre os trouxas. Não deveria ser tão difícil subsistir, e se isso acontecesse no final da estadia em Hogwarts ou logo após, provavelmente seria versado em magia de forma razoável, capaz de se manter ileso e conseguir suprimentos. Mas subsistir é ligeiramente distinto de viver. Alvo gostaria de viver.

Ele poderia simplesmente nunca se “assumir” (termo que também aprendeu em sua breve leitura num Café londrino), crescer e envelhecer como os outros, ocultando seu lado controverso e fazendo o possível para emular os projetos de vida dos outros. Poderia achar alguma mulher e constituir família, ter filhos, sustentar a linhagem Potter (ainda que tivesse quase certeza de que James também o faria). Com fé de que nunca fosse analisado por bruxos legilimentes ou submetido à Veritaserum, não era muito improvável conseguir esse caminho. Seria uma forma de viver. Sob extrema e dolorosa infelicidade, sua e eventualmente de uma esposa cada vez mais perceptiva da apatia de seu marido. De filhos que nunca conseguiriam entender a anedonia de seu pai. Um pouco melhor do que apenas existir, mas viver uma vida que não é a sua é a mesma coisa que viver?

Sempre que começava a refletir, terminava no meio termo. Nunca revelar a verdade em seu coração nem ostentar mentiras. Optar pelo silêncio e pela fuga de conflitos, o quanto pudesse e quantas vezes fosse preciso. Não enveredar pelo caminho do banimento nem pelo da fraude. Requereria um pouco, talvez um bocado, de determinação e autocontrole, mas com sorte seria capaz de não envolver ninguém no seu dilema, não machucaria nem decepcionaria gravemente qualquer pessoa.  Um mero personagem. Presente, porém fadado a ser somente coadjuvante das vidas que o cruzassem. Não ser protagonista nem da própria. 

Essas projeções de futuro vinham agitando os pensamentos de Alvo com cada vez mais frequência, e já tinham bons detalhes com sua imaginação fértil, mas nada comparado às ilustrações vívidas impregnadas nos olhos dele após a transformação do Bicho-Papão. Foi obrigado a ver, ao vivo e a cores, seus pesadelos mais íntimos (e vê-los compartilhados a todos na sala). Não tinha parado pra pensar em como seu maior medo era uma confusão de temores abstratos. Não, não de temores, de consequências (para ele, certas) da sua impossibilidade de viver com o resto. Castigos para sua teimosia em não ser “normal”. Também não tinha parado pra pensar em como a criatura conseguiria reproduzir esse tipo de horror. Agora tinha.

Alvo se perguntava o quanto os outros terceiranistas iam deduzir com aquelas imagens. Não pareciam muito autoexplicativas. Se não fosse muito azarado talvez entendessem aquilo como medo da tristeza, ou medo da velhice. O problema era a junção de todos os cenários, que tornava tudo um pouco mais misterioso do que deveria. Não ligaria para especulações equivocadas por algum tempo até que novos assuntos substituíssem “o bicho-papão de Alvo Potter”. Já tinha sido o alvo (com o perdão do trocadilho) de fofocas antes, com grandes chances de ser muitas outras vezes, e isso não o incomodava pois não tinha que conversar ou lidar com essas pessoas diretamente. Mas ele conversava e lidava diretamente com Escórpio. E Escórpio também estava na sala.

Assim que saiu correndo da sala de Defesa Contra As Artes das Trevas, Alvo soube que não daria para ir ao Salão Comunal por enquanto. Também não sentia fome alguma para jantar, e não podia se isolar em nenhum dos terrenos externos do castelo, ainda atingidos pela chuva. Desse modo, Alvo estava sentado nas estufas de Herbologia, em meio a diversas espécies de plantas mágicas e híbridas, ouvindo o som da água fustigando os vidros entre um trovão e outro e meditando sobre o que estaria passando pela cabeça do melhor amigo.

Escórpio era uma pessoa inteligente, e por mais que Alvo nunca tenha chegado nem perto de se abrir sobre sua orientação sexual e suas tribulações com ele, o garoto ainda era, talvez, a pessoa que mais o conhecia (junto de sua mãe) e sem dúvidas a pessoa de maior convívio. Era inevitável o assunto vir à tona quando o visse (o que poderia acontecer em poucas horas, visto que dormem a centímetros um do outro), e Alvo não gostava da ideia de mentir para ele. Nunca havia mentido para ele.

— Veio me fazer companhia? — perguntou uma voz dócil.

Alvo se virou e viu o Prof. Longbottom no meio da passagem para a estufa seguinte, com um macacão amarelo desbotado, botas grossas e o cabelo nada penteado como no primeiro dia em que pisou no castelo. Seu uniforme de serviço.

— Boa noite professor… — Alvo tratou de responder, esfregando a manga sobre o rosto inchado e rezando para sua expressão não estar representando nem um pouco do que sentia por dentro.

— Você sabe que fora da aula pode me chamar de tio. — Neville interrompeu, não deixando de reparar o rosto melancólico do afilhado — E por mais que eu queira te ver mais, acho que você não está aqui exatamente por mim, está?

Alvo abaixou um pouco a cabeça e ficou quieto.

— Não precisa falar nada se não quiser, mas pode contar comigo se precisar… — enunciou o padrinho, calçando luvas e iniciando a manipulação de uma espécie móvel.

Alvo olhou para o mais velho enquanto trabalhava.

— Como você lidava quando era mais novo e… diferente?

Neville ergueu os olhos e fitou Alvo.

— Quer dizer quando eu era esquisito? — conferiu em tom de piada.

— Você não devia ser esquisito…

— Mas até que eu era. — disse Neville rindo e fazendo cócegas no caule da planta que parecia dançar num ritmo constante — As coisas mudaram com o fim da escola, o mundo mudou na verdade… — ele pareceu se perder em lembranças por alguns segundos — E eu precisei mudar junto, mas nunca fui exatamente popular em Hogwarts na fase em que você está agora.

— E isso te preocupava?

— Na verdade eu estava bem satisfeito com os poucos que me acolhiam. — Neville respondeu, olhando para Alvo de novo — Eu era ansioso, mas tinha amigos. Seus pais, inclusive. — acrescentou.

Alvo já tinha ouvido falar sobre como o padrinho foi crucial na resistência dos alunos de Hogwarts após a tomada do Ministério da Magia por Você-Sabe-Quem, com a disciplina de DCAT assumida por comensais da morte. Mas sempre que ouvia isso, ouvia também alguém comentando sobre o quanto Neville se transformara em outra pessoa. Chegou a ver tio Rony dizendo que nunca entendeu como alguém que não conseguia nem encarar os professores virou guerrilheiro. 

Ele mudou, se adaptou ao contexto. Alvo não via chances disso se aplicar a ele. Não tinha apenas uma personalidade ou um jeito de ser singular. 

— Obrigado tio. Vou jantar. — Alvo acenou com a cabeça e saiu das estufas, indo não para o Salão Principal, mas para as Masmorras.

Repetiu a senha e passou o mais rápido possível pelo Salão Comunal, não querendo ver se algum dos poucos rostos ali eram conhecidos. Entrou no dormitório, ainda vazio, e tratou logo de colocar os pijamas. Ficou deitado na cama olhando para o topo do dossel e levitando alguns objetos do quarto para se distrair. Pensou em adiantar algum trabalho mas precisaria conjurar mais luz ali, e não estava disposto a descer. Pensou em escrever uma carta, mas teria que ir ao corujal. Também não saberia o quê escrever, nem para quem. Não sabia como expressar nada daquilo em palavras e, se soubesse, não o poderia. Aquela não era uma solidão com a qual se sentia bem. 

— Você está bem?

Alvo não tinha percebido que alguém entrou no dormitório. Olhou para o lado e viu Escórpio, ainda com as vestes, segurando um pacote de tecido e olhando para ele. Não dava para ter certeza por conta da escuridão, mas parecia estar com as sobrancelhas curvadas. Preocupado.

— Você não apareceu no Salão, então eu trouxe um pouco de comida. — ele deixou o embrulho na mesa de cabeceira entre a sua cama e a do colega.

Alvo agradeceu com a cabeça e começou a comer, sem fome, apenas para se ocupar. Nem processava direito o que estava mastigando, mas processava a forma cautelosa de Escórpio de falar com ele nesse momento. Fugindo ao modo tradicional de lidar com seus momentos ruins.

— Você quer, e eu não vou fazer qualquer objeção se não quiser, falar sobre o que aconteceu?

Alvo revirou a comida na boca algumas vezes mais do que o necessário antes de engolir.

— Honestamente, não. — ele respondeu tentando manter a voz estável — Mas você foi ótimo. Ninguém esperava o feitiço da iluminação. Genial.

Alvo esperou que ele soltasse um muxoxo de presunção, aproveitasse os louros um pouquinho e mudasse de assunto. Ele não fez. Nem pareceu absorver direito o que ele disse, mantendo o mesmo vinco entre os olhos. 

— Eu não vou insistir, não quero te pressionar nem nada… — ele começou — E eu nem me importo em não entender o que houve, de verdade, mas eu me importo com você e queria que você soubesse disso. 

Silêncio.

— Ninguém deveria ter vergonha de ter medo de nada, e acho que aquele exercício foi meio invasivo. — Escórpio ponderou — Se você quiser apagar todos os archotes daqui antes de dormir pra me irritar eu nem reclamo!

Alvo, surpreendentemente, começou a rir. Escórpio esperou um pouco pra confirmar se não tinha sido insensível e riu um pouco também. 

— Como foi depois que eu saí? — Alvo perguntou olhando para os próprios joelhos, sem saber se queria mesmo a resposta.

— O bicho-papão se transformou em um conjunto de balões coloridos flutuando, na frente da Leah da Corvinal. Ela começou a chorar e não conseguiu se defender, então o Prof. Daugherty resolveu encerrar a prática um pouco mais cedo.

Alvo ficou encarando Escórpio.

— O quê? — o louro questionou.

— Ela tem medo… de balões?

Escórpio considerou por um instante, e de repente começou a curvar os lábios para dentro. Alvo caiu na gargalhada.

— Eu não consigo… — Alvo disse entre risos — ...entender por que alguém teria medo de balões.

— Acontece… — disse Escórpio com simplicidade, também risonho. 

O sonserino mais alto ficou observando, checando se o momento de leveza ia perdurar. O outro suspirou.

— Não estou sendo muito empático né. — concluiu Alvo com certo amargor — Meio hipócrita até.

— Acho que dá pra dizer que são duas situações bem diferentes.

— Alguém comentou alguma coisa?

— Não para mim. Não que eu tenha visto. — disse Escórpio, firme.

— O que não é uma garantia né… — completou Alvo, ressonando com os pensamentos não ditos do amigo.

— De um jeito ou de outro, o assunto morrerá em breve. — assegurou Malfoy.

Alvo esfregou as têmporas, os olhos fechados para não ter que fitar as duas safiras do garoto tão próximo.

 — Por hora é o que resta, né? — Alvo falou, por fim.

— Talvez seja. — Escórpio concordou, com sinceridade — Mas você não está tão desacostumado assim a atrair um olhar ou dois, está?

— É assim que você quer me consolar? — Alvo atacou num tom falsamente magoado, sabendo que o outro o conhecia a ponto de interpretar bem.

— E se for? — Escórpio devolveu rude, entrando na brincadeira.

Alvo ficou olhando pra ele com um meio sorriso no qual tentou transmitir gratidão. Naquele momento, por mais curto que fosse, podia se dar ao luxo de não pensar nas cenas expostas pelo bicho-papão. Podia pensar apenas que estava sentindo-se bem, e não precisava falar mais nada ao outro. 

— Está ficando tarde, eu preciso dormir… — começou Alvo enquanto puxava as cortinas.

— Eu ainda nem me troquei. — percebeu Escórpio, começando a tirar a túnica.

Alvo estava ajeitando o travesseiro quando sentiu uma mão em seu ombro.

— Alvo… — chamou o louro, retraindo a mão e em seguida colocando-a sobre a mão do amigo — Se você precisar, ou se você quiser, que eu fique um pouco mais de tempo contigo nos próximos dias, para, sei lá, ninguém tentar falar contigo sobre a aula… — ele se perdeu nas palavras — Não que eu ache que isso vai acontecer, não sei, só queria perguntar se você quer que eu esteja mais, bem, por perto. Sabe?

Alvo compreendeu vagamente a ideia e o fato de Escórpio ter gaguejado. A maior parte de seu foco residindo sobre a sensação de ter a mão do outro sobre a sua. Pensou em como aquilo era bom, olhou para ele e não segurou o impulso.

— Quero.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Sim, eu fiquei muito tempo sem publicar nada (peço desculpas), mas voltei. Não quero prometer regularidade, mas quero continuar.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Quinta Exceção" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.