Jantar a seis escrita por Meizo


Capítulo 3
As 6 provas (de paciência) de Roronoa Zoro – Parte 2




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Quando Zoro saiu do banho com a toalha enrolada na cintura, não viu nem sombra de suas roupas anteriores. Lembrou-se então que como estavam encharcadas, Sora informou que iria colocá-las na máquina de lavar e mais tarde, na hora de ir embora, elas estariam secas. Sobre a cama do quarto estavam roupas provisórias emprestadas por Yonji e uma cueca novinha que foi comprada num estabelecimento nas proximidades.

Sem pensar muito Zoro vestiu a cueca, a camiseta preta de textura estranha e a calça de estampa feia. Somente parou para analisar o problema em seu visual quando deu uma olhada em seu reflexo no espelho do banheiro. A camisa estava extremamente justa no corpo e possuía textura estranha por sua frente ser inteira de tela preta, o que acabava por torná-la transparente. Zoro conseguia ver seus próprios mamilos com facilidade, era quase como se não estivesse usando camiseta. Já a calça de tecido tinha estampa de zebra, sendo que nas partes que deveriam ter a cor branca, na verdade exibia um curioso tom lilás. E ainda era calça boca de sino.

Zoro estava se sentindo como um cafetão fajuto de filme B. Um cafetão muito mal vestido, por sinal. Ou talvez um dançarino de boate, do tipo que tirava peça por peça até ficar apenas com um tapa-sexo. Ou quem sabe um bartender que usa roupas justas para as pessoas que vierem ao balcão do bar terem algo de bom para apreciar visualmente.

A porta do quarto de abriu e Yonji o cumprimentou num desinteresse tão falso que combinava muito bem com as vestimentas novas de Zoro.

— Vejo que já está vestido. — disse sem se demorar ao olhá-lo dos pés à cabeça. — Tem alguma reclamação a fazer?

Naquele momento Zoro teve certeza que aquele era o irmão Vinsmoke mais infantil.

— Não. — respondeu Zoro, sendo tão cara de pau quanto o outro. — Estava com um pouco de calor com a outra roupa, agora não estou mais.

Yonji abriu a boca como se fosse responder, mas as palavras lhe fugiram. Zoro não esperou que ele se recuperasse, passando pelo corpo chocado de Yonji e indo em direção as escadas já estando mais psicologicamente preparado para enfrentar o próximo teste de paciência. Tinha duvidado por um momento da existência dos testes sem noção, mas a queda no laguinho lhe fez adotar uma posição mais competitiva. Se eles queriam jogar, não seria Zoro a recusar o convite.

Estava confiante, sim, de que aguentaria qualquer provação que viesse pela frente, mas não podia negar que ficou um tanto constrangido quando, ao adentrar a cozinha, recebeu a atenção total das pessoas no cômodo. Niji e Reiju estavam sentados lado a lado na parte mais longa da mesa de seis cadeiras, enquanto Sora sentava numa das pontas. Ichiji não estava presente.

Sanji era o mais perto da porta e novamente estava disfarçando muito mal a risada que tentava segurar. Zoro bufou e decidiu que o melhor a fazer era ignorá-lo.

— De que fundo do baú tiraram essa roupa? — Reiju questionou perplexa, batendo com a mão aberta sobre a mesa. A sua expressão estava bastante consternada, como se a simples visão das vestimentas de Zoro lhe ofendessem. — Vai me dizer que só tinha essa disponível?!

Yonji passou por Zoro e entrou na cozinha, dando de ombros. Nada em seu semblante transmitia um pingo de arrependimento de seus atos.

— É que houve um terrível problema com traças uns meses atrás. Restou pouca roupa minha aqui, o resto está no meu flat.

Reiju não pareceu acreditar muito em suas palavras e nem disfarçou o revirar de olhos que deu. Ao lado dela Niji olhava fixamente para o tecido transparente do peito do Roronoa, concentradíssimo em sua análise. Na ponta da mesa Sora parecia dividida entre controlar a risadinha que escapava de seus lábios e olhar repreensivamente para o filho mentiroso. Mas a reação que mais irritava Zoro era a de seu próprio noivo que tinha se aproximado para comentar risonho:

— Essa roupa, uh, valoriza seus atributos... Especialmente essa calça boca de sino. Acho que vou tirar uma foto para usar como fundo de tela do celular, que acha?

Fingindo acercar seu rosto do rosto de Sanji para lhe dar um selinho, Zoro aproveitou para falar em voz baixa:

— Se divertindo? Aproveite, pois quando chegarmos em casa será a minha vez de me divertir.

Sanji engoliu em seco, sentindo um arrepio percorrer seus braços graças ao tom baixo próximo a si. Era incrível que, mesmo com aquela roupa do século passado, Zoro conseguia ser muito atrativo.

— Nada mais justo. — disse, deslizando o dedo despreocupadamente sobre as linhas do peitoral do outro. — Mas seja criativo, Zoro, pois a noite é longa e faz tempo que não ficamos a sós.

Alguém pigarreou desconfortável. Quando ambos olharam para a mesa, viram Sora apontado para uma travessa de vidro repleta com bolinhos madeleine frescos e dourados. O cheiro amanteigado fisgou Zoro assim que chegou mais perto da mesa.

— Tomei a liberdade de servir um pouco de café para você, Zoro. Mas se preferir, temos chá também. E suco. — Sora pôs uma xícara branca na frente dele e indicou que sentasse na cadeira.

— Fico com o café.

Sanji acomodou-se na cadeira ao seu lado, abocanhando um dos bolinhos antes mesmo que Zoro tivesse chance de esticar a mão para pegar um. Permaneceram sentados à mesa enquanto desfrutavam de uma conversa leve e dos bolinhos macios em formato de concha.

Zoro surpreendeu-se com a falta de comentários mais sarcásticos por parte dos irmãos de Sanji. Ao invés disso, ele só precisou segurar a vontade de sorrir sempre que Sora estapeava a mão de Yonji quando este queria pegar mais bolinhos do que deveria, e aguentar o olhar insistente que Niji lançava vez ou outra para seu peito. Em certo momento quase cobriu seus mamilos inconscientemente de tão tenaz que era o olhar. Refreou-se no último instante, porque era de certa forma ridículo sentir-se tímido assim.

Quando o momento do lanche acabou, todos foram para a sala onde afastaram o sofá maior para se ter mais espaço no chão e Niji foi buscar jogos de tabuleiro e baralhos que estavam guardados em algum lugar do quarto antigo que Sanji dividia com Yonji. Tinha sido ideia de Sora, pois, segundo ela, esses jogos não eletrônicos ajudavam a estreitar laços. Zoro não compartilhava dessa opinião, principalmente por sempre acontecer brigas quando resolvia jogar com os amigos, mas assentiu quieto. Não iria contrariar a aniversariante.

— Então, que truque você usou? — perguntou Yonji quando Sanji subiu pra ajudar na procura, já que Niji estava demorando demais.

Ele estava de pé, encostado na lateral da porta de vidro totalmente aberta. Assistia com um desgosto bem claro o cão-lobo, chamado carinhosamente de Demônio, se deitar às costas de Zoro, que por sua vez estava sentado no chão com as pernas entrecruzadas. O cão abanava o rabo sempre que Zoro olhava pra ele.

— Truque?

Deitada no sofá, Reiju revirou os olhos enquanto dedilhava no celular.

— Ele está achando que você, em segredo, é alguma espécie de encantador de cães. Você anda assistindo muito canal duvidoso no Youtube, Yonji.

A suposição era tão ridícula que Zoro não soube nem o que responder. Yonji achava que ele tinha hipnotizado Demônio? Isso sim era fantasiar.

— Eu não fiz coisa alguma com o seu cachorro.

Yonji não se convenceu.

— E como explica que ele esteja virando a barriga para que você coce? Ele nunca fez isso pra ninguém mais além de Ichiji e nossa mãe! Você fez alguma coisa sim! Deu drogas a ele?

A última pergunta fez Zoro piscar em incredulidade. Será que ele ainda lembrava que Zoro era policial? Ou será que ninguém tinha informado sobre sua profissão ao clone número 3 de Sanji? Usando até a última gota de sua paciência, Zoro fez questão de ignorar a questão final.

— Animais sentem o medo. Talvez ele sinta o medo que você tem dele e por isso não te respeita. — Yonji não pareceu gostar nem um pouco dessa resposta, ou talvez não tivesse gostado do sorriso petulante do Roronoa.

Felizmente, Sanji voltou nesse momento, trazendo uma caixa antiga de Banco Imobiliário debaixo do braço, e evitou que a conversa se prolongasse mais. Atrás dele vinha Niji trazendo uma pilha de outros jogos e também alguns baralhos sortidos. Todos, inclusive Sora e Ichiji, começaram a se acomodar no chão, de modo a formar algo que lembrava um círculo, mas Zoro logo viu um problema. O jogo permitia que seis pessoas jogassem, mas ali havia sete.

— Quem irá ficar de fora?

Os membros da família Vinsmoke o encararam como se ele fosse maluco.

— Ninguém ficará de fora. — disse Niji.

A expressão de Zoro devia estar transmitindo suas dúvidas, pois Sanji acrescentou depois:

— Ah, certo. Você não sabe. Não jogamos o Banco Imobiliário normal... — para explicar melhor do que falava, Sanji abriu a caixa do jogo e estendeu o tabuleiro no meio do círculo. — Essa é uma versão editada por nós e dá para até 12 pessoas jogarem.

Ao invés do clássico tabuleiro que era apenas um quadrado com apenas uma rota possível, este tabuleiro se desdobrava em várias extensões onde Zoro percebeu ter muitos lotes extras e diversas rotas. Havia museus, portos, parque arqueológico, uma rota inteiramente negra que Zoro não entendeu do que se tratava e várias coisas mais. Na parte do dinheiro além das clássicas notas, tinha também cartas de barras de ouro e de venda de órgãos.

— Vocês adicionaram coisas bem diferentes aqui...

Sanji sorriu orgulhoso, provavelmente achando que era um elogio.

— E fizemos tudo isso quando tínhamos 13 anos!

Junto com tudo isso vinha um caderninho consideravelmente grosso onde estavam anotadas todas as novas regras adicionadas a essa versão do jogo.

— Não se preocupe com as regras, explicaremos à medida que formos jogando. — continuou ele, enquanto pegava para si um dos peões estilizados com a aparência de astros de Hollywood. Havia alguns com aparência de mafiosos, mas Zoro nem se deu o trabalho de perguntar. Depois Sanji acrescentou num sussurro — E só uma coisa, preste atenção nas jogadas da minha mãe. Ela não tem pena de quem está começando.

Zoro bufou e escolheu um peão aleatório. Era o de uma mulher de lábios cheios e quando olhou debaixo da base reta do peão, leu o nome “Angelina” escrito numa bela letra cursiva. Não fazia ideia de quem era a tal, mas não se importou. Posicionou o peão na casa do início e esperou Niji e Yonji pararem de brigar sobre quem ficava com o peão de “Keanu Reeves”. Esse Zoro já tinha ouvido falar. Não era ele que tinha uma banda country?

De qualquer modo, a expectativa de tempo que Zoro tinha para essa partida de Banco Imobiliário era de no mínimo duas horas, já que havia tanto acréscimo. Mas, para sua surpresa, a partida acabou em meros 35 minutos. Ele olhou embasbacado para a mão de Sora cheia de dinheiro e os cartões de propriedades presos debaixo da perna dela. Como tinham perdido tão rápido para uma única pessoa? E o pior, todo mundo da roda ficou sem algum de seus órgãos, pois os vendeu no mercado clandestino tentando conseguir dinheiro para tentar retomar seu lugar no jogo.

— Eu te avisei. — relembrou Sanji que ria de sua expressão consternada. — Ela sabe as regras de cor e foi quem deu a ideia do mercado clandestino.

Zoro olhou novamente para a mulher de rosto angelical. Como as aparências enganavam! Eles ainda jogaram mais uma rodada antes dela e Sanji precisarem ir para a cozinha iniciar os preparativos para o jantar. Obviamente ela venceu de novo, sem demonstrar piedade ao fazer todos falirem outra vez. Quando ela saiu, os irmãos de Sanji rearranjaram seus lugares ao redor do tabuleiro modificado.

— Agora sim começa a verdadeira disputa! — Yonji comentou entusiasmado e com um sorriso feroz nos lábios. Aparentemente a saída de cena da mãe tinha aumentado suas chances de vencer.

Ichiji foi o próximo a se levantar e ir se acomodar na poltrona ali perto, puxando um livro qualquer da rack. Não indicou sinal de que voltaria para o jogo, então Niji começou a dividir o dinheiro e os itens iniciais para cada jogador que tinha permanecido no chão. Demônio cochilava com a cabeça apoiada numa das coxas de Zoro e Yonji lançava um olhar desconfiado para essa demonstração de carinho.

A partida começou como as outras duas, lenta e com muitas possibilidades de escolhas. Um pouco mais acostumado com as regras, apesar de não saber todas, Zoro estava conseguindo se manter mais tempo com dinheiro e seus órgãos intactos. Porém, apesar de seu empenho e do esforço óbvio de Yonji, quem ganhou a terceira partida foi Reiju.

— Você está roubando! — Yonji acusou com as sobrancelhas unidas.

A irmã deu de ombros e se abanou com as muitas notas de dinheiro do jogo que tinha conseguido durante a rodada, não deixando de sorrir zombeteira por um minuto.

— A essa altura da vida e você ainda não aprendeu a perder, Yonji. Você só não reclama na frente da mamãe porque tem medo dela.

Yonji grunhiu irritado.

— Isso não é verdade!

Zoro assistia as provocações deles, enquanto fazia um carinho ocasional na cabeça do cachorro em seu colo. Niji organizava o todos os acessórios do Banco Imobiliário e devolvia tudo a seu respectivo lugar quando parou o que fazia para tirar os óculos de nadador e pingar nos olhos um colírio que resgatou do bolso.

Nesse breve instante Zoro pôde perceber que o tom de azul dos olhos dele era ligeiramente diferente dos irmãos. Os de Niji eram de um incomum tom de azul acinzentado que, embora não fosse intenso como o azul cerúleo do restante, tinha seu próprio charme.

— Você é cegueta?

Niji piscou surpreso pela falta de tato da pergunta, mas em seguida estreitou os olhos para Zoro.

— Minha visão é perfeita, ouviu? Per-fei-ta! Nunca precisei usar lente com grau algum.

— Então por que usa essa coisa o tempo todo? — indagou apontando para os óculos de nadador que estavam na testa dele nesse momento.

Niji fez uma careta.

— Isso é para proteger meus olhos. Eu sou um artista e os meus olhos são fundamentais para isso. Sem eles eu não conseguiriam tirar exímias fotos ou fazer belos quadros.

Zoro não fazia ideia do que significava exímio, mas pelo tom convencido do outro julgou ser algo bem incrível.

— Hm, é um desperdício. São olhos bonitos.

Niji abriu a boca pronto para retrucar, mas quando compreendeu as palavras acabou fechando-a sem falar coisa alguma. Um ligeiro tom rosado coloriu suas bochechas depois que ele pigarreou e voltou a arrumar o Banco Imobiliário na caixa. Ele não respondeu o elogio, nem sequer sabia se o outro estava realmente esperando por uma resposta, mas não voltou a colocar os óculos de nadador. Em vez disso, guardou-os no bolso de sua bermuda.

Depois do jogo ser guardado, eles jogaram algumas pequenas partidas de Uno vapt-vupt — que consistia em jogadas de 2 segundos e quem errasse algo ou não fosse rápido o suficiente precisava falar algo vergonhoso de sua vida — e quando cansaram se dividiram em duplas para jogar truco, que era outro jogo rápido. As duplas formadas eram Reiju e Yonji contra Zoro e Niji.

Dessa vez Ichiji se aproximou para fazer o papel de embaralhador e distribuidor de cartas, para não ter risco de alguém roubar nas jogadas. Nas partidas anteriores de Uno ele tinha ficado observando ao longe as curiosas confidências vergonhosas dadas pelo quarteto. Apesar de não expressar, tinha achado divertido o modo como o noivo de Sanji estava tão entrosado com os seus irmãos.

— Que merda! Vou ter que repetir quantas vezes? A carta que você jogou é mais fraca do que a que eles jogaram! Desse jeito a gente vai perder! — Niji rangeu os dentes quando Zoro não pareceu muito afetado por suas reclamações. — Está me ouvindo?!

Zoro estalou com a língua, olhando confuso para as três cartas que estavam em sua mão. Aquele jogo era tão difícil!

— Essas malditas cartas são todas parecidas.

— Elas têm símbolos e números diferentes! Você tem neurônios a menos seu idiota musculoso? — ele reclamou agarrando a gola da camisa de Zoro e o forçando a virar em sua direção. — Já te expliquei CINCO vezes como é a sequência de valores. Por acaso você está fazendo isso de propósito?

A briga era tão similar com as que Zoro tinha diariamente com Sanji que, antes que se desse conta estava inclinando a cabeça para calá-lo com um beijo. Felizmente, antes da desgraça se concretizar Sanji reapareceu da cozinha assobiando e trazendo uma toalhinha no ombro. Toalha essa que foi jogada de imediato na cara de Zoro quando seu cérebro interpretou a cena que via.

Zoro e Niji ficaram congelados na posição em que estavam, o primeiro sem acreditar no que estava prestes a fazer e o segundo ruborizado até a raiz dos cabelos. Sanji se aproximou em passadas fortes e sentou-se entre eles, forçando-os a se afastar de um jeito ou de outro. Uma expressão nada amigável no rosto quando perguntou:

— Vamos trocar de duplas? Vocês parecem estar se divertindo bastante, quero jogar também.

Conhecendo bem seu noivo Zoro nem tentou se explicar, pois sabia que Sanji não gostava de ter discussões de relacionamento na frente dos outros, muito menos se fosse a própria família. Então ele apenas ficou parado sentindo a mão que apertava sua coxa de forma possessiva, sem reclamar. Zoro não se preocupou com o bem-estar de sua coxa, ela já tinha aguentado maiores intensidades vindas de Sanji antes, mas a calça com estampa de zebra não parecia igualmente resistente.

— Mas você não estava ajudando na cozinha? — Yonji quis saber, levantando uma sobrancelha.

Mas ele nem precisou responder, pois Reiju ergueu a mão, ficando de pé em seguida.

— Irei ajudá-la por enquanto para você poder se divertir também. Niji você fica com esse troglodita aqui. — disse apontando para Yonji. — Cuidado, ele ainda fica terrivelmente magoado quando perde.

Yonji estirou o dedo médio para ela. Agora sentando ao lado dele, Niji riu abertamente parecendo recuperado do constrangimento de minutos atrás.

— Cara, você precisa trabalhar esse seu lado infantil...

— Cala a boca, Niji. Você é o único que não pode me falar isso.

Sanji revirou os olhos. — Vocês dois são infantis, agora vamos começar logo com esse jogo.

Embaralhando habilmente e depois distribuindo as cartas para cada um, Ichiji assistiu com olhos atentos os movimentos das duplas. Dessa vez, Zoro não ficou perdendo pontos de graça, pois Sanji jogava pelos dois. Pouco tempo depois Sanji e Zoro saíram vitoriosos e Yonji jogou as cartas no chão, revoltado.

— Eles estão roubando! Sanji está jogando por ele! — tentou apelar para o juiz, mas Ichiji deu de ombros.

— Eles são uma dupla.

— Quando foi comigo você me denunciou!

Ichiji o repreendeu com o olhar.

— Você estava com uma carta escondida dentro da roupa. É completamente diferente.

— E todo mundo sabe que você só estava ganhando antes por causa de Reiju, então não vem reclamar agora. — Sanji franziu o cenho quando viu de soslaio Zoro coçar o peito pela terceira vez desde que tinha chegado ali. — Qual o problema? Tá se coçando como um cachorro com sarna.

— É essa camisa idiota, coça pra caramba.

— Então tire.

Aparentemente era só o que Zoro estava precisando ouvir para tirar aquela camiseta justa e com a frente de tela, pois em um único movimento a tirou do corpo. A atitude atraiu a atenção dos outros e, como se tivesse sido desafiado, Yonji também tirou a regata, mostrando que também possuía um corpo com os músculos bem definidos. Zoro deu um sorriso zombeteiro para o irmão Vinsmoke que era evidentemente o mais competitivo.

— Chega desses jogos de criança! Vamos competir como homens agora.

Sanji bufou. — E o que você pretende agora?

— Não se meta, Sanji. Isso é entre mim e Zoro. — disse Yonji levantando-se. — Te desafio a uma luta de judô. Ou vai se acovardar?

Zoro também se colocou de pé com um sorriso feroz no rosto. Ele não tinha se esquecido da promessa de não causar problemas na casa de Sora, mas se era Yonji quem estava convidando não teria problema, não é? Então ele respondeu depois de estalar o pescoço:

— Só falar onde.

Para surpresa de Zoro ninguém se manifestou contra aquele embate físico. Ao invés de Sanji encher seus ouvidos de reclamações ou de Sora ter aparecido para censurar o filho, ambos foram guiados para a parte da casa onde era uma mistura de estúdio de arte com academia improvisada. Foram entregues judogi para cada um vestir, ajudaram a reorganizar os maiores objetos para os cantos da sala e colocaram um tatame próprio de judô — grande, quadrado e recheado com compensado de espuma para não machucar na queda — no chão.

Se fosse alguém mais atento poderia ter chegado à conclusão de que tudo aquilo tinha sido planejado com bastante antecedência, mas ele só tinha em mente a luta que estava por vir. Voltou para a sala onde ocorreria a luta depois de se trocar no banheiro — ele poderia ter se trocado ali mesmo, mas o olhar insistente de Niji e a carranca de Sanji lhe indicaram que era melhor não fazer isso — e percebeu que lhe tinha sido entregue um obi de cor branca, enquanto que a de Yonji era da cor preta.

Novamente, Ichiji tomou a posição de juiz e ficou fora da área do quadrado para indicar quando alguém fizesse ponto. O restante se reuniu aos arredores para assistir. Até Sora e Reiju pararam o que estavam fazendo na cozinha para assistir também.

Zoro e Yonji se posicionaram um diante do outro e começaram a circular com as mãos prontas para atacar na primeira abertura que um deles desse. Embora estivesse preparado e convencido da vitória, Yonji nem entendeu quando o ataque aconteceu. Veloz como um guepardo Zoro segurou firme no tecido no ombro dele e o desestabilizou com um movimento de pés, fazendo o outro cair de costas no tatame.

— Ippon — informou Ichiji para consternação de Yonji.

— Não valeu! De novo.

Eles se reposicionaram como antes, mas pouco depois Zoro agarrou a frente da roupa de Yonji, ergueu-o no ar e o jogou de costas no chão num baque surdo. Gritos de incentivo diziam para Zoro continuar fazendo bonito, mas ele nem olhou. Estava ocupado demais assistindo a surpresa de Yonji ao se ver caindo tão rápido.

— Ippon.

Yonji se levantou vermelho de raiva e bufando com um touro enfurecido.

— Melhor de três!

Zoro riu soprado. O Vinsmoke não sabia mesmo ser um bom perdedor. Preparou-se para a nova luta e quando o derrubou com agilidade e força, Ichiji anunciou o terceiro Ippon. A luta tinha terminado e Zoro era o ganhador.

Os outros se aproximaram dele para parabenizá-lo e Sora aproveitou para chamar a atenção de todos:

— Espero que depois de se divertiram o bastante, estejam prontos para jantar.

Podia não parecer, mas aquela era uma ordem. O grupo tinha começado a se dirigir para fora do estúdio quando Yonji se manifestou de novo.

— Espera. — ele se aproximou de Zoro e estendeu a mão num, talvez, primeiro gesto amigável. — Preciso admitir que perdi essa disputa de homens e você... Lutou muito bem. Estamos quites.

Zoro apertou a mão dele sem enrolação. Não era do tipo que complicava demais as coisas, então se o outro estava finalizando o problema entre eles, tudo bem. Mas ele não lembrava de ter ficado devendo coisa alguma a Yonji. Depois foi ordenado a ambos que trocassem de roupa e como a de Zoro finalmente tinha ficado seca, ele vestiu-se apropriadamente para o jantar, planejando nunca rever a calça listrada e aquela camiseta que fazia seu peito coçar.

Quando saiu do quarto, viu que Sanji estava a sua espera, batendo um pé de modo ritmado no chão. Os olhos azuis dele encararam os seus, mas o noivo apenas se aproximou e o beijou na boca antes de se virar para sair. Voltaram a se dirigir para a cozinha e surpreendentemente Zoro não se sentia mais um intruso indesejado naquela casa. Ele até sorriu para Sanji, que ia ao seu lado tranquilamente, e inclinou a cabeça para lhe dizer:

— Ouvi você torcendo por mim.

Entretanto, Sanji apenas lhe deu um olhar aborrecido.

— Não era eu. Foi Niji.

Sem saber o que responder ele ficou calado até chegar na cozinha. Sora, toda sorrisos, indicou o lugar de cada um a mesa, onde havia sido acrescentada uma cadeira extra, e serviu o prato de Zoro e de Sanji antes de permitir que os outros pudessem encher os próprios pratos com o caldo encorpado do Bouillabaisse. Dentro do caldo havia quantidades generosas de porções de peixe e de camarões, pois chegara aos ouvidos da senhora Vinsmoke que Zoro gostava de frutos do mar.

O jantar transcorreu mais tranquilo do que Zoro esperava. Ao que parecia a grande tempestade já havia passado e os nervos não estavam mais tão inflamados como quando chegara a residência Vinsmoke. Conseguiu atrair até alguns sorrisos, embora a maioria fosse de Niji. Inclusive, toda vez que ele lhe sorria ou fazia um comentário divertido sobre seu desempenho impecável na luta de judô, Zoro recebia um beslicão na coxa dos dedos rápidos de Sanji.

Até mesmo Yonji parecia ter deixado toda a hostilidade para trás e serviu várias taças de um vinho bom e caro para Zoro. No entanto, quando esvaziou a segunda garrafa de vinho, Sora deu um olhar estreito para o filho e ele parou de encher compulsivamente a taça do convidado. Para Zoro, que possuía uma forte tolerância a bebida alcoólicas, a tentativa de embebedá-lo acabou passando despercebido.

O jantar finalizou pouco depois disso e eles foram para a sala conversar mais um tanto enquanto a digestão fazia seu trabalho. Porém, não se tardaram muito mais ali, pois Sanji usou a desculpa de que sairia para trabalhar cedo no dia seguinte. Não era de todo mentira, mas Zoro sabia que ainda era consideravelmente cedo. Sanji não dormia as 21 horas.

A família Vinsmoke se reuniu a porta para se despedir e Zoro assistiu Sanji dando um terno abraço na mãe antes de se virar para irem embora. Até o cachorro tinha vindo se despedir, mas Ichiji segurava sua coleira com uma mão firme para Demônio não tentar ir embora com Zoro.

— Tem certeza que não quer que eu os leve a estação? — perguntou Reiju pela segunda vez, pois era a única que tinha levado o carro.

Sanji declinou a oferta com um meneio da cabeça.

— Está uma noite agradável, iremos caminhar um pouco. — explicou-se ele.

A irmã deu ombros.

— Se é o que querem...

— Apareça nos próximos encontros familiares, Zoro. Nossa tia vai gostar de conhecê-lo. — comentou Niji como quem não quer nada, deixando a ideia flutuar entre eles.

Zoro ficou surpreso pelo convite, mas deu um meio sorriso satisfeito. A família de Sanji não era tão terrível quanto ele tinha dado a impressão de ser.

— E vocês podem levar quantos parentes quiserem para nosso casamento também.

Ele fez a sugestão imaginando que não deveria ser difícil incluir algumas pessoas a mais na lista de convidados, já que nem havia tanta gente para ser chamada assim. Apenas alguns amigos e colegas do trabalho, além do núcleo principal da família de Zoro. No entanto, o espanto nas feições de Yonji e Niji o fez repensar se tinha sido uma boa sugestão.

— Espera aí. Vocês estão noivos? — Yonji perguntou parecendo bastante sobressaltado. Zoro não entendeu sua surpresa. Sanji não os tinha informado disso?

Ichiji suspirou, escorando-se no cercado de madeira.

— Quão desatentos vocês são? Eles estão usando alianças.

Sora e Reiju apenas sorriram em cumplicidade, provavelmente tendo percebido tudo desde a chegada de Sanji no almoço. Yonji e Niji, por outro lado, tinham sido pegos totalmente desprevenidos e expressavam isso de modo bem claro. Boquiaberto, Niji encarou as alianças brilhantes. A surpresa bastante evidente em seus olhos desprovidos da proteção dos óculos de nadador.

— Bem, agora que todos estão cientes do meu casamento, espero que deixem a última semana do próximo mês livre para poderem comparecer a cerimônia. — Sanji acenou e arrastou Zoro pela rua até virarem na esquina, sem dar tempo de seus irmãos protagonizarem cenas vergonhosas de superproteção.

*

Caminhavam lado a lado sem pressa, aproveitando o silêncio das ruas desertas daquela bonita noite de domingo. Zoro não era dado a muita demonstração de afeto quando estavam fora, mas aceitou a mão pálida que se aproximou da sua e entrelaçou os dedos.

— Não vai me perguntar o porquê deles me tratarem com tanta proteção?

Zoro suspirou olhando para o céu. Havia mais nuvens pesadas de chuva do que ele considerava ideal. Talvez fosse melhor eles se apressarem para chegarem a tempo de escapar do temporal que estava por vir, mas não queria quebrar aquele bom clima entre eles.

— Quando quiser contar, irei ouvir.

Sanji sorriu, apertando a mão em contato com a sua. Os dedos calejados do policial que iria ser seu marido lhe davam tanto conforto que nem conseguiria expressar isso em palavras.

— Fiz muitas coisas reprováveis em minha adolescência, sabe. Mas a pior foi ter me envolvido com uma professora da escola. Foi no ano em que fiz questão de estudar numa escola diferente dos meus irmãos. Eu devia ter imaginado que seria ruim já dela querer se relacionar com um aluno menor de idade, mas eu estava encantado por ela e não pensei duas vezes. — uma brisa suave agitou seus cabelos. — Mergulhei em um relacionamento tóxico que durou muitos meses. Foi uma das fases mais terríveis da minha vida e minha família não sabia o que fazer, pois não faziam ideia do que estava acontecendo comigo.

Zoro não o interrompeu, mas largou sua mão para envolver os ombros estreitos com seu braço de um modo reconfortante. Sabia que tudo aquilo tinha se passado a muito tempo, mas não pôde refrear seus impulsos. Sanji continuou seu pequeno relato depois de algum tempo em silêncio.

— Resumindo: Yonji descobriu depois de me seguir em uma das vezes que fui me encontrar com essa professora, fotografou e contou tudo pra mamãe. A professora foi demitida e fui acompanhado por um psicólogo. Não foi fácil, principalmente depois de meses dela me fazendo me sentir um merda, mas consegui superar.

— E então eles ficaram superprotetores?

— Exatamente. Toda vez que eu arranjava alguém, eles faziam questão de investigá-los e fazer testes loucos para tentar ver o verdadeiro temperamento deles. Muitos terminaram comigo no mesmo dia que conheceram minha família.

Bem, agora Zoro entendia porque o loiro tinha feito tanto mistério a cerca da família.

— Hm. Você não contou a eles que treinei judô desde que era pequeno, não é?

Sanji nem precisou responder, seu sorriso dizia o suficiente.

— Imaginei. — Zoro deu um meio sorriso.

— E eu iria dar vantagem? Eles teriam escolhido algo que fosse longe de sua área de conforto, apenas para gerar indisposição sua. O último namorado antes de você saiu com um olho roxo e nunca mais olhou na minha cara.

Não teria feito diferença para Zoro. Ele teria concordado mesmo se Yonji tivesse pedido para lutar sumô.

— Mas você pelo menos poderia ter me informado que seu pai tinha morrido. — ele ainda se lembrava do desconforto que foi tocar no tema com Reiju.

Sanji focou seus olhos azuis na figura do noivo, expressando bastante surpresa.

— Mas ele está vivo. Em algum lugar fora do país com sua nova esposa, mas ainda assim vivo. Quem lhe disse que ele tinha morrido?

Zoro franziu o cenho.

— Sua irmã...

— E ela usou a palavra “morto”? — perguntou com incredulidade.

— Bem, não exatamente.

Uma risada alta partiu de Sanji, cortando o silêncio daquelas ruas quase vazias. Zoro o encarou confuso. Tinha entendido algo errado?

— Mamãe o expulsou de casa quando ele agiu violentamente contra ela e ameaçou denunciá-lo a polícia. Meu tio estava lá na hora e ajudou a dar uma ênfase maior a ameaça. Depois se divorciaram e eles nunca mais se viram. Ele não era exatamente um pai presente, então não sentimos muita falta. Mas foi um período duro pra minha mãe. Cuidar de cinco filhos sendo mãe solteira não é fácil.

Talvez Zoro tivesse lido errado a expressão de Reiju e em vez de ser melancolia, talvez fosse... Raiva? Ele achava que tinha desvendado os irmãos de Sanji, mas pelo visto ainda faltava muito para entendê-los.

A chuva começou a cair quando ainda faltava uma distância considerável para chegarem à estação, e precisaram correr até a fachada coberta de uma mercearia fechada para se protegerem da chuva. Eles pensavam de esperar um pouco até a chuva amainar, mas como ela ficava cada vez mais forte, ficaram sem muita opção.

— Podemos correr até a estação. É só água, afinal.

Sanji nem lhe deu atenção. Mexia no celular em busca do contato de alguém que pudesse levá-los para casa. Mandou algumas mensagens rápida e guardou o celular no bolso.

— Um amigo motorista de Uber está pelas redondezas e vai passar aqui para pegar a gente.

Zoro não se importou com isso. Somente parou para se perguntar quem seria esse amigo quando o carro escuro, e estranhamente familiar, parou diante deles abaixando o vidro. Dentro do automóvel um sorridente Luffy fez um sinal de positivo erguendo o polegar, enquanto se ouvia uma música de letra duvidosa soar do rádio.

De novo não!

 


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