Sabe quando você tem uma vida perfeita?

 Provavelmente não, nunca reconhecemos o que é uma vida perfeita.

 Acredite em mim: ter uma família que se importa com você, isso é uma vida perfeita.

Até o dia 24 de maio eu tinha uma vida assim, e então o carro dos meus pais bateu contra um caminhão, e agora eu sou uma órfã.

Minha terapeuta me obrigou a dizer um milhão de vezes essa frase: eu sou uma órfã. Como se eu precisasse acreditar nessas palavras. Que grande besteira.

Não é fácil perder sua única estabilidade, mas eu estava lá. Arrastei-me pra fora daquele carro e gritei por ajuda, eu estava lá quando os médicos tentaram ressuscitá-los, eu implorei á Deus para não os levar, ele não me ouviu.

 Eu definitivamente sei que sou uma maldita órfã.

Estou parada diante uma casa pequena, com receio de bater na porta e ela desmoronar, é a casa mais velha que já vi.

— Vai ficar parada aí, garota? – a porta abriu de repente, e aquele homem velho me encarava curioso.

— Boa tarde, meu nome é Amber  – soltei quase em um sussurro, esforçando-me para parecer digna de ser recebida em uma nova família.

Meus pais sempre disseram que eu era adorável, mas com eles mortos percebo que isso era uma mentira.

No dia da morte deles, lembro-me da assistente social bater em minha porta, ela pareceu decepcionada ao saber que eu não tinha família nenhuma além dos dois, apenas um tio distante que nunca aceitaria cuidar de mim, ela não ficou decepcionada por se compadecer com minha dor, apenas decepcionada por ter mais trabalho.

Fiquei na casa da minha melhor amiga, Stella, por dois meses até decidirem o que fariam comigo e isso foi bom, não ser tirada de vez da minha vida habitual, entretanto agora havia acabado.

 A assistente social havia finalmente decidido o que fazer comigo, ficarei em um lar adotivo até completar meus dezoito anos.

— Eu sei quem você é, não adoto crianças sem saber quem são  – o homem grisalho disse, olhando-me com desdém  – eu vou pro bar, é bom que essa casa esteja limpa quando eu voltar, não ofereço moradia gratuita  – finalizou, saindo e deixando a porta aberta.

Meu coração está batendo acelerado, eu não esperava ser recebida com um tapete vermelho, mas definitivamente, não esperava ser tratada como um lixo por um velho que parece o bicho papão. Não é possível que esse é o novo pai que a vida me deu, realmente vou de mal a pior.

— acho que você já recebeu as boas-vindas – disse uma voz rouca, fitei dentro da casa e observei um garoto que parecia ter a minha idade, parado no meio da escada – entre – ele continua, descendo de vez ás escadas.

— Qual seu nome? – pergunto, fitando-o. Seus cabelos são louros, ele usa uma blusa grande do seriado "friends" e uma jaqueta de couro por cima, o que é um combinação bizarra.

— Não precisamos conversar, Amber – diz tranquilamente, sem me encarar.

— Como você sabe o meu nome? – franzo o cenho, realmente curiosa.

— Vem comigo, vou te levar pro seu quarto – continua a dizer, ignorando-me.

— Como você sabe o meu nome? – voltei a indagar, sem sair do lugar.

— Você fala muito – ele revira os olhos, finalmente fitando-me com aqueles olhos azuis – somos da mesma escola há sei lá quanto tempo.

— Eu nunca vi você – digo.

— Eu sou da ralé, você é do grupinho cheio de grana e insuportável – responde como se fosse óbvio.

— Era. Agora sou tão da ralé quanto você. – Corrijo-o, fazendo-o gargalhar e, puta que pariu, que sorriso lindo.  

— Você ainda precisa descer muito o nível pra se comparar comigo – diz, subindo ás escadas em seguida, vou atrás dele.

Não posso ter um crush no meu novo irmão, ele é o único que parece ser mais ou menos decente aqui.

— Por que o velho é daquele jeito? – pergunto.

— Não o chame assim perto dele – avisou-me sério, abrindo a porta – é seu quarto novo – olho ao redor.

— Está caindo aos pedaços, como o resto dessa casa – reclamo, observando as trincas enormes nas paredes, o colchão era tão fino que seria mais confortável dormir no chão, a tintura era marrom, mas metade dela já estava descascada, e eu tenho quase certeza que vi uma barata correndo atrás do guarda-roupa. 

— Vai precisar se acostumar – o sem nome dá de ombros – eu vou lá pra baixo.

— Não vá – peço, e ele me encara como se esperasse o resto da frase, então improviso – eu não sei o que fazer aqui.

— Tenho mais o que fazer do que ser sua babá – fala.

— Uau – finjo ter sido atingida por algo – você é um estúpido.

— É, eu sou. – concorda, indo em direção a porta.

— Ei – chamo outra vez, fazendo-o respirar fundo, provavelmente ele já me odeia – como você sabe meu nome?

— Eu já disse. — responde, encarando-me como se eu fosse idiota.

— Ser da mesma escola não explica nada — constato — por que teve interesse em descobrir meu nome? – pergunto, mordendo o lábio inferior.

— Ué, eu ouvi alguém falando, sei lá – de repente ele parece desconfortável.

— Você tem um crush em mim – solto cruzando os braços, e ele retorce o rosto  como se eu fosse louca, mas seu olhar confuso o entrega – é, você realmente tem um crush em mim – gargalho, fazendo-o revirar os olhos, enquanto sorri disfarçadamente também. 

— Você se acha pra caralho – diz, abrindo a porta outra vez — espero que as baratas e os ratos comam você a noite — completa, fazendo-me estremecer só de imaginar. 

— Nem tente mudar de assunto! Sabe, azar o seu que somos irmãos agora, campeão – debocho – há não ser que você curta essas coisas de incesto – continuo provocando, segurando o riso, então ele aponta o dedo do meio pra mim, saindo do quarto em seguida.

Parece ser isso, essa será minha nova vida: um irmão gostoso que, com certeza, já deve me odiar, um pai que parece ter problemas pra se relacionar e uma casa caindo aos pedaços. 

Me deseje boa sorte, vou precisar.