Confiar escrita por Arcchan


Capítulo 2
Capítulo 2 — Meu Paraíso Imperfeito




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Confiar

Por: Archie-sama

Capítulo 2 — Meu Paraíso Imperfeito

 

Então me olhe nos olhos
Diga-me o que você vê
Paraíso perfeito caindo aos pedaços
Eu queria poder escapar
Eu não quero fingir
Eu queria poder apagar
Fazer seu coração acreditar
 Mas eu sou um péssimo mentiroso
Bad Liar — Imagine Dragons

 

Esse alguém era Sakura, minha primeira shinki pura de mente e coração. 

Nós nos conhecemos debaixo de uma cerejeira, e ela pediu que eu a fizesse minha serva. Ali, naquele mesmo lugar, ela eventualmente confundiu a leitura do meu nome de "Yaboku" para "Yato". E, mesmo que eu tivesse tentado corrigi-la, acabei desistindo. Ela havia me chamado de “Yato—sama”, o que me deixou extremamente feliz. Nem mesmo Hiiro me chamava assim. O tom de respeito em sua voz me deixou rendido, de forma que apenas deixei as coisas como estavam.

Não demorou muito para que desse a ela um nome. Sakura. Porque, apesar de também ter se tornado uma espada, ela era alegre e delicada como as flores de cerejeira que balançavam levemente na brisa, pintando a primavera com suas cores. Ela, então, sorriu para mim e me agradeceue aquela foi a primeira vez que eu senti algo tão caloroso invadir meu peito. Foi uma sensação incrível. Eu senti que era um deus de verdade. 

Com Sakura eu aprendi o verdadeiro significado de afeto, diversão, sentimento... Era simplesmente fácil estar com ela, gostar de sua companhia.

— Oh, veja, Yato-sama! — Uma vez ela apontou para um canteiro de flores, me mostrando como os humanos tinham cuidado em preservá-las. Os olhos dela brilhavam e ela sorria tanto que eu era incapaz de desviar o olhar, porque vê-la tão feliz me trazia satisfação. 

— Aquela parece com você, Sakura… — Indiquei uma flor rósea que despontava no meio das outras. 

Ela riu graciosamente. 

 — Gentileza a sua, mestre. — E eu sorri ao ver que ela havia se empolgado com o elogio. — Vem, eu vou te ensinar a fazer uma coroa com elas! — ela disse animada, me puxando pela mão. 

Passei a tarde sentado com Sakura em meio ao gramado, aprendendo a manusear as flores com esmero, fazendo o possível para não machucá-las pois sabia que ela detestaria isso. Ela amava a natureza. Flores, pequenos sapos, vagalumes… 

— Terminei! — Ergui com entusiasmo a minha coroa de flores meio torta. Ela era toda cor-de-rosa. 

— Eu também. — Sakura abriu um lindo sorriso, apresentando sua obra de arte colorida e muito melhor que a minha. 

Admirei-a por alguns segundos, ficando subitamente envergonhado.

—  Essa é pra você… — revelei, abaixando o olhar. Não faria sentido passar meu tempo fazendo aquilo se não fosse para, além de estar com ela, presenteá-la.

— Yato-sama… — Ouvi seu murmúrio emocionado e voltei a fitá-la, impressionado com a forma que seus olhos pareciam ainda mais gentis. — Muito obrigada… É uma honra para mim — disse, e eu realmente pude sentir a gratidão transbordando da alma dela. Isso fez com que um sentimento terno de aceitação inundasse meu interior. 

As bochechas de Sakura se avermelharam, mas ela se curvou e deixou que eu colocasse a coroa sobre sua cabeça. 

— Como eu estou? — indagou sorridente, e eu não consegui evitar de sorrir junto.

— Bonita como uma flor — falei o que realmente achava, fazendo-a rir da minha resposta infantil. Mas sabia que ela me entendia. A única parte dela que eu não gostava eram suas lágrimas de tristeza, como quando eu a abandonei por três dias depois de vislumbrar a sua morte na vida passada. Havia ficado muito assustado, pois tinha sido minha primeira vez a ter esse tipo de visão. 

Ela, no entanto, foi capaz de me perdoar como sempre fazia quando eu a magoava. Sakura era a pessoa mais gentil que eu já havia conhecido na minha, até então, pequena existência. 

 — Agora é a sua vez. — Ela estendeu sua própria coroa de flores, me surpreendendo. — Também fiz para você, Yato-sama. — Deu uma piscadinha. 

Naquele momento, eu sabia que meus olhos estavam brilhando. 

— Por quê? — questionei, realmente sem entender por que ela me tratava tão bem. 

— Porque, depois que Michizane-sama me dispensou, você trouxe todas essas cores para a minha vida novamente… Mesmo que eu esteja morta. Obrigada.

E, naquela hora, eu percebi que Sakura era importante para mim. Alguém que eu queria proteger, e isso trazia um propósito totalmente novo para minha vida. Era eu quem estava mais agradecido. 

Mas, infelizmente, ainda estava atado aos ensinamentos do meu pai. Quando não estava com Sakura, era com ele que eu estava. Com ele e com minha arma, Hiiro. Porque percebi que ela era apenas isso. Ela não estava emocionalmente do meu lado e não se importava também. E, por não estar mais na companhia deles com tanta frequência, decidi que era a hora de mostrar a Sakura como eu brincava.

Eu a usei para matar.  

Quando a lâmina de sua espada atravessou a carne de um humano e manchou a terra de sangue, ela ficou transtornada. Sakura gritou e chorou, e seu pranto era tão sofrido que, para mim, vê-la daquela forma era como se eu estivesse cravando nela a espada. Era doloroso. Por considerar que matar era errado, ela sentiu uma culpa tão contundente que pecou contra mim, que era seu mestre, e me manchou. Mas não sem antes me impedir de cometer o segundo assassinato e, mesmo naquelas circunstâncias, eu ainda não entendia o porquê de ela ter se sentido dessa forma. 

Ela fugiu em seguida, me abandonando à mercê da escuridão repleta de ayakashis. E eu fiquei sozinho novamente. Ainda que meu pai tivesse me resgatado, o medo e o vazio retornaram para seu lugar habitual em minha vida. Achei que merecia aquilo por tê-la feito chorar, e nunca mudei de ideia sobre isso. Eu havia sido o único a colocar um fim em seu sorriso, algo que me era tão precioso. 

Mesmo maculado e com dor — porque os sentimentos dela continuavam a me ferir —, eu estava extremamente arrependido. Sentia muita falta dela e odiava lembrar-me de suas lágrimas. Não demorei para sair a sua procura, embora estivesse contrariando meu pai. Sakura estava no templo de seu antigo mestre, mas eu não me intimidei. Levei flores para ela, como eu fazia toda vez que desejava pedir desculpas. E ela não hesitou em se desculpar também, me abraçando tão apertado que eu não poderia me importar menos com a minha própria situação. 

Sakura estava de volta à minha vida. 

A partir daí, ela começou a me ensinar a diferença entre certo e errado, e todos os dias eram divertidos porque ela os preenchia com sua presença calorosa. Quando entendi que matar era abominável mesmo para um deus como eu, tornei-me disposto, por Sakura, a parar com isso. Eu era só uma criança e, como tal, tudo que eu queria era ter um lugar onde pudesse me encaixar, um aconchego. 

No entanto, a minha ideia do que era felicidade não durou por muito tempo. Em consequência das vezes que eu evitava matar por ele, meu pai acabou descobrindo o que eu andava fazendo. E aquilo não o agradava nem um pouco. Para ele, Sakura estava me desviando do meu real propósito: sacrificar a humanidade. Punir os deuses. Então, através de Hiiro, ele sugeriu que eu dissesse à Sakura seu verdadeiro nome. O nome que ela possuía em vida. 

Aquele era o maior segredo de um deus, e embora todo o meu ser tivesse relutado em contar a ela — porque mesmo sendo praticamente um deus recém-nascido, meus instintos sempre me alertavam sobre tudo —, foi exatamente o que eu fiz. Eu não gostava de negar nada a Sakura e achei que nenhum mal aconteceria se eu revelasse essa informação. 

Ledo engano. 

"O seu nome era… Tamanone." Essa foi a frase que assinalou aquela tragédia.  

As lembranças de sua vida passada puseram Sakura num estado de choque que a arrancou de mim. Os sentimentos negativos que a tomaram foram tão fortes que a transformaram num enorme e rancoroso ayakashi. Ela chorava tanto... De um jeito que eu jamais achei que pudesse fazê-la chorar. 

A culpa era toda minha. 

E, enquanto eu chorava junto, sentindo meu coração ser dilacerado em pedaços, fui obrigado a dar um fim em seu sofrimento com o fio da minha espada. Eu matei a pessoa que mais me importava no mundo, e aquilo me marcou para sempre. Foi como carvão em brasa em contato com a pele. 

Mas, na época, eu era muito novo para compreender. Então me deixei ser influenciado por meu pai novamente. Porque ele me protegeu, me pegou no colo, enxugou minhas lágrimas... E disse que estava tudo bem. Na minha mente — ainda muito distorcida —, acreditei que, se eu tivesse escutado o que ele dizia, se eu tivesse obedecido suas ordens... Nada daquilo teria acontecido. 

Então, prosseguindo com aquilo que havia sido escolhido para mim, tranquei a sete chaves os sentimentos que Sakura havia me apresentado, e abandonei no fundo da minha mente as memórias que havíamos construído.  

Eu era apenas um deus de Calamidade.


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