Missing Stars escrita por Arcchan


Capítulo 1
Single Chapter — Stop Crying Your Heart Out


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem! Amo KageHina ❤



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Missing Stars

By: Archie-sama

Single Chapter — Stop crying your heart out

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Capítulo Único — Faça seu coração parar de chorar

 

Porque todas as estrelas
Estão desaparecendo
Apenas tente não se preocupar
Você as verá algum dia
Pegue o que você precisa
E siga seu caminho
E faça seu coração parar de chorar

Stop Crying Your Heart Out – Oasis

 

Kageyama Yukio

December 21, 1970 — September 15, 2018

Rest in Peace

Kageyama perdeu uma das pessoas mais importantes de sua vida numa manhã ensolarada de setembro. Mas ele só recebeu a notícia mais tarde naquele dia, enquanto deixava de lado sua refeição e encarava a mãe sem realmente enxergar.

Ele sofreu em silêncio.

O funeral aconteceu no dia seguinte, e, quando caiu a noite, havia chegado a hora de enterrar alguém querido. Estava chovendo, o que serviu para disfarçar os olhos secos de Tobio, que não fez questão de abrir um guarda-chuva.

As pessoas que compareceram ao sepultamento começaram a se retirar vagarosamente depois de um tempo, porém o garoto permaneceu ali. Ninguém o incomodou sobre ir embora e superar aquilo. Estava grato, pois o que mais queria era estar a sós com seus pensamentos.

A solidão o rasgava de dentro para fora.

Não havia estrelas visíveis naquela noite, mas Tobio amava as estrelas. Tinha aprendido a se fortalecer através delas, no entanto não havia nem mesmo uma cor reconfortante que pudesse buscar na extensão do céu. Era tudo puramente cinza. As nuvens carregadas, a lápide à sua frente e a melancolia profunda que se instalou em seu coração. Cinza escuro.

As estrelas desapareceram, ele pensou, desiludido. Enfiou as mãos nos bolsos do terno preto encharcado e continuou a olhar para cima, sem se importar com as gotas de chuva que lhe castigavam a pele. Eu acho que elas me odeiam, tio. Soltou um riso sem humor, virando-se e caminhando através do cemitério com passadas lentas e dolorosas. A cada metro que se afastava dali, mais parecia que a escuridão iria sufocá-lo. Mas ele precisava ir embora.

A mãe dele o esperava no carro do lado de fora, e ela não disse absolutamente nada quando o viu, somente lhe estendeu uma toalha seca. Não adiantou muito.

O banco do carona ficou molhado, e aquela foi a viagem mais silenciosa de sua vida.

* * *

— Então... Ele não vem hoje de novo? — Hinata perguntou a si mesmo, num sussurro. Sentia-se incomodado com a ausência do setter de camisa 9 do seu time. Preocupação, essa era a palavra que melhor definia sua inquietude.

— É estranho sem ele aqui, não é? — questionou Sugawara, chegando por trás dele e dando-lhe um leve susto. Provavelmente havia escutado sua lamúria, que não parecia ter sido baixa o suficiente. Ou ele simplesmente leu com maestria a expressão do ruivo... Que o denunciava sempre que pensava em Kageyama. Hinata sempre fora um livro aberto, afinal de contas.

— Suga-senpai... — Shouyou o cumprimentou, olhando para a bola de vôlei azul e laranja que segurava. — Como eu posso dizer... — Girou a bola nas mãos, distraído. Em sua mente, revivia alguns dos momentos em que Kageyama havia levantado para ele. — É como se faltasse uma parte de mim? — sua observação soou mais como uma dúvida, e ele fitou o vice-capitão com incerteza, dando de ombros porque não entendia muito bem seus próprios sentimentos.

Apenas sabia que se sentia incompleto. Estava na quadra, jogando e treinando, entretanto Tobio não estava por perto. E, sem ele, tudo parecia fora do lugar...

Com a fala de Hinata, Koushi piscou algumas vezes, surpreso. Mas logo soltou uma risada discreta, desviando o olhar para o treino de duplas que acontecia mais à frente.

— Essa é uma bela declaração, Hinata. — E então sorriu-lhe, complacente.

— O... O quê?! — O garoto arregalou os olhos, atônito. Porém, a compreensão o acometeu em seguida, fazendo com que suas bochechas se avermelhassem. — Não é o que está pensando, senpai!

Não havia sido sua intenção soar daquela forma... Contudo, ao mesmo tempo em que pensava nisso, entendia também que, apesar de ser uma maneira inusitada de pensar sobre o melhor amigo, aquilo era realmente o que sentia. E ele não tinha que se retratar sobre isso.

Depois de tanto tempo de convivência, os laços de Kageyama e Hinata se estreitaram naturalmente. Claro, no início havia sido algo forçado, tudo pelo bem do vôlei... Os dois queriam estar em quadra e precisavam um do outro para isso. No entanto, eles se entendiam tão bem que, agora, estarem separados parecia algo impossível de acontecer, de suportar. Haviam se tornado melhores amigos com o desenrolar dos dias e, sem que percebessem, até algo mais...

Hinata balançou a cabeça, tentando espantar os pensamentos e sentimentos confusos que surgiam dentro de si. Não era possível que visse Kageyama de outra forma... Era?

— Por que não vai visitá-lo? — o senpai sugeriu casualmente, lançando-lhe um sorriso sutil de quem sabia das coisas, mas fingia que não. — Já faz uma semana.

— Eu pensei nisso — o garoto balançou a cabeça em afirmação —, mas não queria parecer intrometido, então não fui. — Baixou o olhar para o chão, envergonhado.

Ele não fazia ideia, mas agia de maneira extremamente fofa às vezes. Além disso, vê-lo confuso sobre algo tão óbvio divertia um pouco Sugawara e os outros do time. Ele não notava, mas... Desde quando tinha medo de se intrometer nos problemas dos outros? Nem parecia ele mesmo! Tudo isso porque estava com medo de ir até a casa de Kageyama — presumia-se que eles teriam de ficar a sós lá — e encarar seus sentimentos por ele. Isso era o que julgava Koushi, com sua ótima intuição e perspicácia.

— Você não é de pensar muito, Hinata. Deixe isso para o Kageyama —  Suga brincou, dando leves tapinhas no ombro do amigo e recebendo um olhar emburrado pelo insulto disfarçado. — Ele só está doente, não é como se fosse o fim do mundo. — O vice-capitão deu de ombros. — Todos esperamos que ele fique bem. Daichi queria visitá-lo, mas sabe como é o Kageyama... Ele é muito reservado.

Hinata concordou.

— Justamente por isso eu não fui. Para falar a verdade... Eu nunca fui à casa do Kageyama antes — segredou, sentindo-se um tanto decepcionado. Mesmo que se negasse a enxergar, saber tão pouco sobre a vida pessoal de Kageyama o deixava chateado. Afinal, que tipo de amizade era essa, em que uma das partes se esforçava para manter a outra fora da vida dela?

Sugawara até poderia fingir que aquilo o surpreendia, todavia preferiu não alterar sua expressão. Todos sabiam como Tobio agia em relação ao resto do mundo... Ele era um completo antissocial.

— Faça um teste — aconselhou o camisa 2 — Tenho certeza de que será muito bem-vindo lá... Afinal, não existe ninguém nesse mundo que possa te detestar, Hinata — foi sincero, sorrindo novamente. — Nem mesmo Kageyama. — Ele lançou uma piscadinha para o outro, rindo em seguida e se dirigindo ao meio da quadra, já que era sua vez de jogar.

Os olhos do spiker ruivo brilharam, e ele encarou o mais velho com sua típica admiração exagerada. De fato, não havia nada de mais no que Koushi dissera... Mas aquelas palavras foram o incentivo de que precisava.

— Você é o máximo, Suga-senpai!! — exclamou, fazendo com que todos os presentes na quadra o olhassem  e rissem. Hinata era um kouhai babão.

— Hinata, para o meio! — Daichi mandou, gesticulando para ele. Era sua vez de treinar com Tanaka.

— Yosh'! — Ele ergueu os braços em sinal de vitória. Depois de conversar com Sugawara, com certeza estava animado.

* * *

Kageyama não conseguia dormir direito, embora tivesse passado a semana toda trancafiado no quarto. Só saía para ir ao banheiro ou tentar beliscar alguma coisa na cozinha, entretanto não fazia muito proveito. Seu estômago rejeitava tudo que comia, de modo que deixou de comer completamente depois do quinto dia.

O peso de sua lamentação parecia envergar-lhe os ombros.

Nos primeiros dias da semana, toda maldita vez em que conseguia pregar os olhos, seu sono era agitado como o inferno. Lembranças do tio o atormentavam constantemente, e ele sempre acordava ensopado de suor, ciente de que seus olhos deviam estar fundos de tantas olheiras que vinha adquirindo. Aquela noite não estava sendo muito diferente. Sentia o fardo da culpa corroendo seu estômago, e era simplesmente pavoroso ter de lidar com as consequências de suas escolhas. Onde quer que estivesse... O que o tio estaria pensando dele agora?

Provavelmente o ressentia. Não gostava nem de imaginar.

Havia sido tão idiota, e agora sentia tanta falta dele... Sua própria consciência o castigava como se ele fosse o ser humano mais vil do mundo, que não possuía nenhuma compaixão, empatia ou qualquer sentimento de  enternecimento... E ele não discordava, se sentia pior que um lixo.

A cabeça de Tobio doía como se tivesse passado mil horas debaixo do sol quente; mesmo que tomasse várias aspirinas, a dor não passava e ele não conseguia descansar. Por mais que o corpo estivesse quente, ele sentia frio e nem as cobertas em sua cama pareciam ajudá-lo. A febre devia estar alta, contudo a mente dele não parava um segundo de atormentá-lo. Talvez merecesse isso.

Estava recebendo de volta um castigo por não ter zelado pelas pessoas que amava.

Se eu pudesse voltar no tempo... Tinha certeza de que faria tudo diferente. Ignoraria seus piores medos e faria a coisa certa, agiria como o garoto centrado que era e seria forte para suportar as adversidades. Apoiaria seu tio no momento em que ele mais precisava.

Mas era tarde demais. Ele não havia agido como deveria... E perdera uma das pessoas mais preciosas sem ao menos confortá-la. Sem ao menos se despedir dela. Agora, tudo que lhe restava era sentir remorso dia após dia por conta de sua péssima escolha.

Kageyama havia deixado que seu egoísmo falasse mais alto novamente. Ele nunca se pôs no lugar dos outros, nunca pensou em ninguém além de si mesmo... Ele se importava, mas não o suficiente para omitir seus sentimentos e agir conforme mandava a realidade.

Mesmo depois de tanto tempo, ele ainda era o rei egoísta.

— Vamos brincar, Tobio-chaaan!~ — o tio o chamou. Estava com um sorriso no rosto e  de braços abertos, num convite entusiasmado. O garotinho, sentado na varanda de casa com um olhar perdido, somente o ignorou. Tinha apenas seis anos de idade. — Não seja assim, Tobio. Vai ser divertido — ele insistiu, abaixando os braços e fitando o sobrinho com preocupação.

O menino negou com a cabeça, ainda sem olhá-lo. Parecia triste e sério demais para uma criança tão nova, e isso às vezes contagiava as pessoas que ficavam por perto. Afinal, o que dizer para um garotinho que perdeu o pai para uma doença?

Kageyama Yukio, então, suspirou, jogando o cabelo negro para trás e se aproximando do sobrinho. Sentou-se ao lado dele. Assim como o garoto, deixou que seu olhar vagasse pelo gramado escuro e pelo céu cinzelado de estrelas, perdendo-se em lembranças. Vários minutos depois, rodeou os ombros da criança com um braço e sussurrou:

— Ele faz falta, não é? — mas era uma retórica. Porque, afinal de contas, Yukio sabia bem qual era a resposta. Também havia sofrido um baque enorme por conta daquela perda.

A pergunta surpreendeu o menino, que, retraído, abaixou a cabeça e concordou silenciosamente. O pai dele fazia muita falta. Kageyama Norio havia falecido há algum tempo, devido a uma doença. Era o irmão mais velho de Yukio e pai do pequeno Tobio, que se encontrava desamparado.

— Eu também sinto saudade todos os dias — confessou Yukio, compartilhando a seriedade do menino. Só assim ele ganhou a atenção dos pequenos olhos azuis, os quais o fitaram com certa curiosidade. — Mas sabe, Tobio-chan... Eu olho para as estrelas e busco conforto nelas. — Apontou para o céu com a outra mão, fazendo desenhos aleatórios com o dedo. — Não são bonitas? — indagou, sorrindo amavelmente.

Tobio anuiu, tentando ligar as estrelas umas às outras e formar alguns desenhos como o tio. Naquela noite, as estrelas brilhavam de uma maneira que ele jamais havia visto.

— Quando você se sentir triste e pra baixo, é só olhar para o céu — aconselhou o mais velho. — O seu pai é uma daquelas estrelas. Ele está em um lugar muito melhor agora, você não acha?

E, contemplando um céu tão cintilante, Tobio assentiu, decidindo confiar no tio. Seu coração inocente precisava de algo a que se apegar. As estrelas eram sua mais nova esperança e fonte de força. Todavia, uma pequena dúvida surgiu em sua mente infantil.

— Mas, tio, e quando as estrelas desaparecerem? — perguntou, intrigado, e mirou Yukio com uma expressão levemente retorcida. Não gostava da ideia de não poder ver as estrelas.

O tio pensou por um segundo e sorriu outra vez, abraçando-o de lado.

— Bem... Nesse caso, sempre temos o Sol.

E as íris da criança, antes opacas, reluziram de compreensão. O Sol... Não havia pensado nisso. Mas, aos seus olhos, era uma ideia tão boa quanto. O Sol era grande, caloroso, radiante...

— Quer brincar agora, Tobio-chan? — Yukio sacudiu o ombro dele um pouco, contudo ele ainda não demonstrava interesse. — Não? — Fingiu estar magoado. — Puxa, eu comprei uma bola de vôlei tão bonita pra você-

Tobio levantou de supetão e começou a arrastar o tio pela mão.

Persuadi-lo com vôlei era sempre um sucesso.

Kageyama despertou completamente ofegante e suado mais uma vez. A cabeça ainda doía e o coração parecia que ia sair do peito, onde ele apertou com força sobre o tecido da camisa. Depois que seu pai falecera, foi o tio quem se encarregou de continuar a incentivá-lo no vôlei, que era sua paixão desde novinho. Sonhar com Yukio o deixava cada dia pior, mas aquela lembrança em especial... Fazia com que se odiasse.

O Sol... Ele não queria vê-lo.

* * *

Um tanto nervoso, Shouyou tocou a campainha da casa de Kageyama e aguardou que alguém viesse atendê-lo. Não demorou muito para que uma mulher alta e de feições amigáveis abrisse a porta, fazendo com que engolisse em seco. Ela tinha longos cabelos negros e olhos escuros, assim como os de Kageyama.

— Pois não? — Ela o olhou, curiosa.

— B-Boa tarde! — ele gaguejou, sem jeito, e sua saudação saiu mais alta do que esperava. Pigarreou, tentando se recompor. – Eu sou Hinata Shouyou, um colega de time do Kageyama. — Curvou-se numa reverência, apertando os braços ao lado do corpo e os lábios numa linha fina. — Queria...  — ergueu-se lentamente — ...saber como ele está. Faz uma semana que ele não vai ao colégio, fiquei sabendo que está doente.

— Oh — ela soltou, surpresa.

Hinata suava de nervosismo. Era a primeira vez que ia até a casa de Kageyama. Embora fossem muito amigos, o moreno nunca o havia chamado para ir até lá. Apesar disso, perdera as contas de quantas vezes ele havia ido até a sua casa. Apertou as mãos nos bolsos do short, balançando na ponta dos pés.

— Então é você o garoto de quem meu filho vive falando! — afirmou a Sra. Kageyama, em tom brincalhão, e pôs uma mão na cintura.

Hinata imediatamente endireitou a postura, o rosto enrubescendo.

— E-Ele fala de mim...? — indagou antes que pudesse pensar, ficando embaraçado.

— Mas é claro! — A mulher deu uma risada. — Eu sei tudo sobre o Hinata boke.  — À essa altura já saía fumaça pelas orelhas de Shouyou. No entanto, a expressão alegre da mulher se desfez um instante depois, dando lugar a um olhar triste, o qual ela desviou para o chão. — Me desculpe, querido, mas Tobio não quer receber visitas — ela afirmou em baixo tom, sentindo-se mal ao perceber o desconforto que tomou conta do rosto do garoto.

— Ah... Não tem problema, Kageyama-san! — Ele ergueu as mãos e apertou os olhos, sorrindo de um jeito forçado. — Eu posso vê-lo no colégio. Me desculpe por aparecer assim e-

— Gostaria de comer uns biscoitos? — ela perguntou de repente, deixando-o totalmente confuso. — Ele não quer visitas, mas a casa ainda é minha, sabe — segredou, colocando uma mão ao lado da boca como se confabulasse. E, pela primeira vez em vários dias, o sorriso que surgiu no rosto dela era genuíno.

— Hai! — Shouyou aceitou de imediato, eufórico, e foi convidado a adentrar a residência sofisticada dos Kageyama.

* * *

— Ele está tão ruim assim? — questionou Hinata, referindo-se à suposta gripe que o amigo havia pegado. Já estava se sentindo mais à vontade com a presença da mãe de Tobio, que se chamava Ririko.

Os dois estavam sentados de frente um para o outro no chão de tatami, separados apenas pela mesa baixa localizada no meio do recinto. Shouyou já havia devorado os biscoitos caseiros da Sra. Kageyama e tomava leite enquanto conversavam. A mulher era tão alegre e espontânea — totalmente o oposto de Tobio — que parecia que Hinata a conhecia há anos.

— Na verdade, já está bem melhor — ela decidiu falar a verdade. O baixinho a olhou, em dúvida.

— Por que ele não apareceu no colégio, então? — retorquiu, verdadeiramente confuso. — Kageyama nunca falta a nenhum dos treinos — sem querer, sua fala pareceu mais uma acusação. Ele conhecia Tobio, afinal. Por mais que o moreno não fosse lá muito chegado nos estudos, ele jamais perderia a oportunidade de ir ao colégio, onde podia continuar treinando para os campeonatos de vôlei.

— Eu pedi que os professores mantivessem em segredo, mas... — a Sra. Ririko deu um suspiro — O tio de Tobio faleceu.

O camisa 10 de Karasuno escancarou os olhos, ficando sem palavras. Algo do tipo nem sequer havia passado por sua cabeça. A perda de um ente querido sempre era algo doloroso... Kageyama devia estar sofrendo e ele não fazia ideia.

— Eu sinto muito... — ele murmurou, baixando os olhos e sentindo um pesar no coração.

— Está tudo bem, querido. — O canto dos lábios dela repuxou-se num sorriso triste.

— Eu não imaginava... Kageyama deve estar arrasado. — O garoto encarou o copo de leite, sem coragem de olhar para a Sra. Ririko e encarar a evidente tristeza no semblante dela.

— Yukio não era um tio qualquer, sabe, Hinata-kun — a mãe de Tobio começou a desabafar, enquanto o menino a ouvia atentamente. — Ele era como um pai para Tobio... Desde que meu esposo faleceu há muitos anos, foi ele quem nos deu o maior apoio. Apesar de trabalhar muito, ele sempre dava um jeito de estar por perto. Cuidou de nós dois. Então, quando ele foi diagnosticado com a mesma doença que o irmão dele tinha... Foi um baque para nós. Tentamos deixar em segredo de Tobio, mas ele descobriu na primeira crise que o tio teve na frente dele.

— Eu não sei nem o que dizer...

— Você não precisa dizer nada, querido. — Ela negou com a cabeça. — São coisas da vida, e temos que aprender a lidar com elas. Eu só não imaginava que Tobio fosse ficar assim tão devastado...

— É compreensível. — Shouyou sabia bem como era perder alguém importante; falar da dor nem sequer chegava aos pés do quanto doía realmente.

— Sim...  — ela concordou. — Mas algo me preocupa muito.

— O quê? — Ele engoliu em seco, angustiado.

— Ele não derramou uma lágrima — e essa sentença foi como um choque para Hinata, que mirou a mulher, perplexo.

Ele ainda se lembrava de como a mãe dele, Hinata Harumi, não chorou nem um momento sequer durante o sepultamento do marido. Enquanto confortava ele e Natsu, abraçando-os ao passo que choravam desesperadamente, ela somente sussurrava palavras de alento e os afagava nas costas. Mas, nos dias que se seguiram, Shouyou ouvia o choro baixinho dela quando estava sozinha no quarto. Ele se recordava do quanto ela parecia forte por fora... No entanto, por dentro, era a pessoa que estava mais quebrada. Ela só não queria se mostrar tão frágil perante os filhos, afinal, era a única que podia dar forças a eles.

— Bem... — Ele ainda pensava em sua mãe. — As pessoas lidam com a dor de maneiras diferentes, Kageyama-san.

— É verdade que ele nunca foi um garoto emotivo... Mas dessa vez sinto que ele está suportando tudo sozinho — confessou a mais velha, lutando contra as lágrimas e esfregando as têmporas por conta da dor de cabeça. — E eu não sei como conversar com ele. Eu nunca soube como consolar o meu menino  — continuou, a voz embargando e algumas lágrimas escapando pelos cantos dos olhos.

Shouyou se alarmou, pensando no que poderia fazer para ajudar.

— Não se sinta assim, Kageyama-san... O seu filho, ele... Ele odeia preocupar os outros — pontuou, abrindo sua mochila e tirando de dentro dela uma toalhinha de rosto limpa. Estendeu-a em direção à mulher, que prontamente aceitou e o agradeceu. Céus, como sou tola... Ela pensava. Chorando na frente de um garotinho que nada tem a ver com essa história.

— Como eu posso não me preocupar quando ele não come nada e dificilmente sai do quarto? — ela indagou, parecendo realmente exausta, enquanto enxugava as lágrimas fujonas. — A propósito, a última vez que consegui que ele abrisse a porta para mim, estava tudo no completo escuro.

Hinata ficou com uma gota na cabeça. Bakageyama... O que você é, um vampiro?!

— Eu sei que ele está profundamente triste, mas ele não se abre comigo. — A Sra. Ririko, agora que já havia até chorado, pensou que não tinha nada a perder, então continuou falando. — Quando Yukio foi internado num péssimo estado, Tobio se negou de todas as maneiras a ir vê-lo. Eu não entendi o porquê no início, mas depois a ficha caiu. Ele estava com medo.

“Medo de que aquela imagem, do tio debilitado, fosse ser a única de que ele iria se lembrar depois. Ele nunca me disse, mas eu o conheço. Eu sinto isso. Ele não foi ao hospital nem uma vez sequer. Eu tentei convencê-lo a ir, mas não funcionou. Eu deveria ter tentado mais, deveria ter insistido... Agora... Agora eu tenho certeza de que ele está arrependido...”

Após o relato, Shouyou ficou em silêncio, digerindo com calma as palavras e as analisando. A Sra. Ririko continuava enxugando as próprias lágrimas.  

Kageyama precisava mesmo chorar... Ou iria morrer sufocado por aquele sentimento, pelas sombras que ele mesmo projetou na situação. Hinata definitivamente não queria isso.

— Kageyama-san  — chamou-a, ganhando sua atenção. — Vai ficar tudo bem — assegurou, com um sorriso largo e confiante.

Aquilo surpreendeu a mulher por um instante, porém logo a expressão dela se suavizou. Lembrou-se das palavras que seu filho utilizava para se referir a Hinata. Hinata? Ele é um idiota alegre. O significado nunca era ruim. Mesmo quando tentava criticá-lo, Tobio terminava falando bem dele. Ele era como o Sol na vida de seu filho, vívido e resplandecente... Também era o primeiro amigo com quem ele se abrira de verdade.

— Sei que ele não quer ver ninguém, mas... Eu poderia tentar? — Shouyou perguntou com uma grande expectativa no olhar.

Ririko apenas balançou a cabeça em concordância.

* * *

— Este é o quarto dele. — A Sra. Ririko apontou para a porta escura no meio do corredor. Estavam parados em frente a ela, apreensivos. — Não sei se ele vai abrir, mas… não custa tentar. — Ela sorriu para Hinata fracamente, muito gentil. — Eu vou te dar privacidade, Hinata-kun. Se precisarem de mim, estarei na cozinha.

— Obrigado... Err... Ririko-san? — agradeceu ele, sorrindo de volta, mas incerto se deveria chamá-la pelo primeiro nome. A questão era que chamar mãe e filho de “Kageyama” era meio estranho. Entretanto a mulher apenas acenou com a cabeça, ainda sorrindo, o que ele presumiu ser uma resposta positiva.

Ela se retirou, então. E, logo que se foi, o sorriso de Hinata sumiu e deu lugar ao nervosismo.

Ele não fazia ideia do que falar para Kageyama... Isso se ele ao menos abrisse a porta. Sabia que estava trancada, contudo, só para conseguir uma dose mínima de coragem e anunciar sua presença, envolveu a maçaneta numa das mãos e girou devagar.

Para sua completa incredulidade, estava aberta.

— Kageyama...? — sussurrou, inseguro. Começou a empurrar a porta lentamente e adentrou o cômodo, que, por sinal, estava tomado por um breu total.

Lá dentro, Shouyou parou e estreitou os olhos, esperando até que sua visão se acostumasse com o escuro.

— Kageyama? — repetiu, deslizando os olhos pelo local e mirando a cama de solteiro no canto da parede. Não havia ninguém lá.

— O que está fazendo aqui? — Hinata ouviu a voz dele de repente, em seu típico mau humor, e pulou de susto, quase tendo um ataque cardíaco. Seu coração, que já batia forte, entrou em um ritmo ainda mais acelerado contra suas costelas.

— Quer me matar do coração, Bakageyama?!?! — gritou, exasperado, virando-se para o moreno com a mão no peito.

— Haaaah?! — Kageyama chiou, num claro protesto. — Foi você que invadiu meu quarto, Hinata boke!! — retrucou, bravo, esquecendo-se por um momento de que estava triste, ferrado e sem comer direito há dois dias.  

Hinata não podia ver a expressão dele com exatidão, mas sabia que ele estava fazendo uma carranca de insatisfação. O ruivo abafou uma risada e, curioso, questionou:

— Onde você estava?

— Banheiro — ele respondeu num tom monótono, dando de ombros.

Manter uma conversa com Kageyama ainda mataria alguém de tédio um dia... O baixinho apenas respondeu com um “aaah...”, já que era um lugar provável de ele estar.

— Mas você não me respondeu, Hinata. O que está fazendo aqui? — repetiu a pergunta, a  melancolia se abatendo sobre ele mais uma vez e o rosto ganhando mais alguns traços de cansaço. Arrastou-se de volta para a cama, sem se importar com o amigo parado no meio do quarto, e deitou de costas.

Já estava claro o suficiente para Shouyou. Tobio estava deprimido pra caralho.

— Você sumiu e... — eu fiquei preocupado, ele pensou, mas não disse em voz alta. Em sua concepção, tornaria a situação estranha e desconfortável — ...é difícil treinar sem você. Todos sentiram a sua falta... Então eu vim, em nome do time, ver como você está. — Era uma desculpa para não verbalizar seus reais sentimentos, mas não chegava a ser mentira.

— Agora que viu, já pode ir embora. — Kageyama foi ríspido, cobrindo o rosto com um dos braços.

Hinata revirou os olhos. Eu não posso estar apaixonado por isso, ridicularizou-se, constatando que estava com sérios problemas.

— Sim, eu vi... E você está péssimo — refutou, ignorando a grosseria de Tobio e ouvindo o muxoxo baixinho que ele soltou.

— Morra, Hinata — ele resmungou.

— Não seja malvado, Kageyama-kun! — Shouyou ralhou com ele, indignado. Todavia sua expressão se tornou séria um segundo depois, enquanto fitava Kageyama esparramado sobre a cama. — Sua mãe me contou o que houve — foi direto, vendo o amigo sobressaltar-se.

— Você veio aqui para se meter nos meus problemas?! — Tobio, agora já sentado, o encarou zangado.

— Eu estava preocupado! — a voz dele se elevou alguns tons. Ainda não conseguia ver direito, mas o setter o mirou completamente espantado, virando o rosto logo em seguida. Ele ficou envergonhado, porém não estava a fim de dar o braço a torcer. — Mas, pelo visto, você não merece minha preocupação. — Hinata cruzou os braços e o silêncio reinou por alguns segundos.

— Eu só quero ficar sozinho, Hinata — murmurou Tobio, sentindo-se cansado.

Shouyou suspirou.

— Isso não vai resolver nada. — Balançou a cabeça negativamente. — Você nunca vai mudar o que aconteceu, Kageyama — suas palavras soaram como facas, atingindo Tobio direto no coração. Infelizmente, era apenas a verdade nua e crua. — Sofrer sozinho não te deixa sufocado?

— O que você sabe sobre a minha dor?! — Tobio disparou de repente, raivoso. Havia um vinco entre suas sobrancelhas e os olhos escuros chamuscavam de fúria.

Shouyou ficou chocado e arregalou os olhos. Passou-se algum tempo até sua expressão se tornar compreensiva. Às vezes, Kageyama agia de forma expansiva com seus sentimentos, demonstrando-os com um certo tom de agressividade. Já estava acostumado. Sabia que era o jeito dele de se expressar... Ficava chateado com ele na maioria das vezes, mas agora estava aliviado por ele se permitir ter alguma reação às circunstâncias.

— Eu perdi o meu pai, Kageyama — respondeu com calma. Entendia que não era uma situação na qual podia devolver na mesma moeda, e sua fala fez o camisa 9 engolir os palavrões que queria dizer. — Você não é o único que perdeu alguém importante — disse o óbvio.

— Eu sei disso! — Tobio retrucou, ainda zangado. — Eu sei... — Abaixou a cabeça, o semblante contorcido e os punhos cerrados sobre a cama. — Eu só... — sua voz morreu aí. A dor que sentia no peito era grande demais para que conseguisse expressar em palavras.

Vendo o sofrimento dele, Hinata se aproximou lentamente e se sentou na cama.

— Kageyama... — sussurrou, erguendo a mão lentamente para tocar o rapaz. Ainda estava meio receoso, afinal, do jeito que ele estava sensível, provavelmente repeliria o contato. Entretanto, tudo que ele fez, no momento em que seus dedos tocaram o ombro esquerdo de leve, foi contrair-se. A tensão sobre ele era perceptível. Apertou-o com mais veemência, então, e o viu relutantemente relaxar. — Não seja estúpido. Por que prefere sofrer sozinho quando tem um monte de gente querendo te apoiar?

— Eu não sou como você, Hinata — ele rebateu, levantando os olhos para mirar Shouyou. E não era um insulto.

O coração do spiker palpitou enquanto o encarava de volta e prosseguia:

— Não estou dizendo para ignorar o que sente. Mas você não pode ficar trancado assim — apontou-lhe o quarto —, como se fosse morrer de tristeza. A sua vida está lá fora.

— Eu não consigo... — Tobio começou. — Não consigo parar de pensar no meu tio. Não consigo ignorar meus erros. Eu... Você sabe o que é isso, Hinata? Sentir esse peso todo?  — indagou, desolado, levando a mão ao peito e apertando. — Eu nunca mais vou vê-lo. Não vou poder pedir desculpas pelo que fiz. Não vou poder abraçá-lo, treinar com ele, dizer que ele era importante pra mim... — Shouyou não se lembrava da última vez em que Kageyama havia falado tanto assim, mas não ousou interrompê-lo. A dor que ele sentia parecia insuportável. — Ele morreu, Hinata! — O moreno quase gritou, respirando pesado.

O coração de Hinata se apertou. Ele realmente odiava ver Kageyama daquela forma. Tão aflito, tão vulnerável... Então, por impulso, ele espalmou a mão por trás do pescoço do amigo e o trouxe para perto. Não usou muita força, apenas o fez deitar a cabeça na curva entre seu pescoço e ombro.

Mesmo surpreso, Tobio não fez menção em se afastar. Ao contrário, agarrou a camisa do ruivo com desespero, abraçando-o com força. Suas mãos tremiam; as dele já suavam há algum tempo. Shouyou nunca havia imaginado que ficar dessa forma com Kageyama o deixaria tão nervoso. Seu coração não queria dar-lhe uma trégua...

— Kageyama...

— Ele morreu e eu nem pude me despedir... — Tobio o interrompeu, a voz rouca quase falhando.

— O seu tio amava você — sussurrou Shouyou, abraçando-o de volta com a mesma intensidade. Suas palavras, ditas com convicção, fizeram com que Kageyama arregalasse os olhos. — Não é por causa de um erro que ele iria te odiar. Um erro não apaga todos os momentos bons que vocês tiveram. — Apertou-o mais contra si. — Você... precisa seguir em frente.

Mais uma vez o silêncio pairou sobre o quarto. E, de todas as coisas que Shouyou pensou que pudessem acontecer, aquela foi a mais inesperada e gratificante:

As lágrimas de Tobio molharam seu pescoço. Os soluços preencheram o local pouco depois, e os tremores no corpo dele foram o suficiente para que soubesse que, naquele momento, ele estava colocando tudo para fora.

Doía vê-lo assim. Preferia quando ele sorria, mesmo que fosse um sorriso assustador. Preferia vê-lo corar de animação por causa de mais um ponto no vôlei. Preferia implicar com ele e receber provocações de volta. Preferia o Kageyama chato e mandão. Mas ele precisava disso. Precisava se livrar, através das lágrimas, de tanto peso e angústia.

Shouyou também percebeu que estava sendo útil ao ir visitar Kageyama. Útil para a Sra. Ririko, ao fazer com que o filho dela desabafasse. Para seus colegas de time, ao ir vê-lo e saber como estava. E também para seu melhor amigo, ao se intrometer no que não foi chamado.

— Eu estou aqui, Kageyama... — Afagou as costas dele, ao passo que ele chorava sem restrições.  E, mesmo que não estivesse abraçando Kageyama pelos motivos que gostaria, não queria se separar dele.

Sim, estava apaixonado por ele. O setter de camisa 9 rabugento.

Não faziam ideia de quanto tempo ficaram assim. Mesmo após parar de chorar e se acalmar, Kageyama não se desvencilhou do contato. Continuaram abraçados, ouvindo as respirações um do outro e sentindo a pulsação desenfreada dos corações.

— Hinata... — Kageyama chamou, afastando-se dele devagar e o fitando. Seus olhos estavam vermelhos e inchados, mas a dor em seu coração havia se tornado mais leve, mais suportável. — Obrigado — murmurou, vendo os olhos de Hinata brilharem mesmo no escuro. Suas bochechas esquentaram, mas continuou mirando o ruivo com intensidade.

— De nada, bakageyama-kun. — E o sorriso que surgiu nos lábios de Shouyou foi o mais largo que ele deu naquele dia. Representava sua alegria contagiante.

Tobio prestou muita atenção naquele sorriso. E, vendo-o, lembrou-se involuntariamente do que seu tio havia dito. “Bem... Nesse caso, sempre temos o Sol.”

Aquele era o sorriso do Sol.

E ele se permitiu sorrir de volta. Era um sorriso desajeitado, mas ainda assim um sorriso. Também sentiu sua barriga roncar de fome, ficando vermelho de vergonha e rindo disso junto com Hinata, que caçoava dele. O spiker o fez  sair do quarto e ir até a mãe na cozinha; ele precisava comer alguma coisa, afinal. A Sra. Ririko, vendo que a situação estava aparentemente resolvida, abraçou o filho com força, chorando e sorrindo ao mesmo tempo. Ela com certeza devia muito a Hinata. 

A dor não havia ido embora, isso era notório. Mas, pelo menos, tudo estava no lugar.

Todas as estrelas haviam desaparecido da vida de Kageyama, porque ele era apenas sombras — seus erros, seus medos, suas fraquezas... Todavia, o rapaz constatou que não precisava de luzes tão ínfimas para espantar sua escuridão e fazê-lo seguir adiante. Afinal, ele tinha o Sol inteiro só para ele.


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