Soluço esticou a mão morena, tocando um floco de neve que despencava do alto do céu azul para cair na alegre vila de Berk, que existia há centenas de anos, mas todas as casas eram novinhas em folha. Sentiu o frio tocar sua pele e sorriu respirando o ar gelado.

Poucos minutos antes, o povo reclamava do calor e suava dentro de suas roupas de peles e agora todas as construções estavam cobertas pelo manto branco. Sabia o que era aquilo, pois nenhum verão ou inverno ia embora com aquela velocidade – e, no dia que o fizesse, o fim do mundo estaria chegando.

Sentou no topo da colina para a qual correra assim que vira que a temperatura começava a mudar e aguardou. Antes do esperado acontecer, um filhote miúdo de Zíperarrepiante se aproximou grasnando e movendo as duas cabeças que acabavam se batendo vez ou outra de maneira desengonçada.

— Oi, amiguinha – Soluço cumprimentou o ser. Passou os dedos pelas escamas queratinizadas, coçando seus dois pescoços com as unhas curtas e recebendo piscadas de confiança e um som que se assemelhava ao ronco de um motor.

Enquanto acariciava o bichinho, viu um vulto saindo do meio da nevasca, voando em sua direção para então tocar os pés nus na neve no chão macio.

— Estava te esperando – Soluço falou com um sorriso, levantando e batendo o frio das roupas, deixando um pequeno dragão muito decepcionado por cessar o carinho.

— Desculpe, demorei por conta de uma guerra de bolas de neve – Deu de ombros – Sabe como o trabalho é.

Rindo da brincadeira, o herdeiro do trono de Berk lançou seu corpo em um abraço, agarrando o tronco de Jack Frost e respirando fundo seus ares antes de soltá-lo.

— Senti sua falta – Jack confidenciou. Seus ombros estavam cobertos por um manto azul esfarrapado e suas roupas também não eram muito diferentes.

— O que andou fazendo no reino dos homens? – Soluço tocou o rosto pálido do outro com a ponta de seus dedos, deslizando-os pelas bochechas rosadas.

— Levei o inverno para eles. Levei a neve e o gelo – Contou, os olhos azuis absorvendo o rosto do garoto com saudade – Fiz guerras de bola de neve, fiz bonecos de neve, sabe... O de sempre. E você, o que fez por aqui?

— Treinei dragões. E acariciei suas barrigas gordinhas de peixe – Apontou para o filhote que repousava com uma cabeça deitada sobre a outra.

— Parece um trabalho e tanto – Suspirou sentando perto do animal.

— E é. Principalmente com os adultos que tentaram engolir meu pé restante – Brincou apontando para os pés: um vestia uma bota de couro com lã de ovelha e o outro estava dentro da barriga de um dragão centenário e seu espaço era preenchido por um metal que o ajudava a andar.

— Um perigo – Concordou quando Soluço sentou ao seu lado.

O Zíperarrepiante abriu seus dois pares de olhos e, vendo que as duas pessoas estavam ali, levantou seu corpinho, deitando colado com as pernas dos homens, se enroscando no calor que emanavam.

— Eles não gostam do seu inverno – Soluço passou a mão pelas costas do dragão.

— Eu sinto muito – Sussurrou para o adormecido e apontou para o garoto – Mas é a única forme de eu ver ele. Você entende, certo? Parece o tipo de cara que entende dessas coisas.

— É uma fêmea – Corrigiu apoiando sua cabeleira castanha no ombro de Jack.

— E como você sabe disso?

— As cores. Os machos não são tão coloridos – Indicou as placas laranjas que seguiam pelas costas do animal até a ponta de seu rabo pontiagudo.

— E qual a característica você acha mais marcante neles?

— São essencialmente burros. E fazem muitas coisas idiotas.

— Como por exemplo? – Frost riu.

— Cruzar o mundo apenas para ver uma pessoa.

— Você não é qualquer pessoa – Se defendeu deitando a cabeça sobre a de Soluço.

— Quem sou eu, Jack Frost? – Levantou o rosto, olhando dentro dos olhos azuis do garoto imortal, esperando.

Entretanto, a sua resposta não veio em forma de palavras, mas sim com uma mão delicada em seu pescoço, que puxou seu rosto para perto e uniu seus lábios macios, o pálido de Jack se misturando com o moreno de Soluço.

Suas línguas se moveram no ritmo próprio daqueles amantes, e suas carícias percorriam toda a extensão de seus corpos. Completamente imersos em seu próprio universo, não notaram quando o Zíperarrepiante acordou.

— Jack, está me machucando – Avisou.

— O que estou fazendo? – Indagou interrompendo o beijo confuso.

Soluço baixou os olhos para então ver que não era seu amante, mas sim o dragão que mordia seus dedos, machucando sua pele gelada.

— Ei – Reclamou com o animal enquanto Frost desatava a rir – Menina má, menina má! Não morde.

— Acho que ela está com fome – Sugeriu limpando as lágrimas dos cantos dos olhos.

— Pode ser. Vamos descer? O banguela deve estar surtando lá embaixo querendo te ver – Revirou os olhos, pois sabia como seu dragão era dramático.

— Como ele está?

— Enorme. E preto – Levantou estendendo a mão para ajudar o outro.

— Então está do jeito como estava da última vez que vi vocês.

— Acho que sim.

Começaram a caminhar na direção da cidade de mãos dadas, os dedos entrelaçados compartilhando amor.

— E meu pai até arrumou um “horário no meio das tarefas” para jantarmos todos juntos.

— Sério? – Abriu um sorriso tímido – Devia ter me avisado antes, eu teria me arrumado melhor.

— Você está sempre perfeito – Beijou sua bochecha.