Impossível escrita por kjuzera


Capítulo 16
"Não importa o cavalo, Bakugou."




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Já tinha anoitecido quando Bakugou viu a cabeleira verde de Deku surgir na entrada da caverna. Uraraka vinha logo atrás dele, o escudeiro a ajudando na precária entrada. Kaminari e Jirou se levantaram e foram prontamente recebê-los. 

Kirishima teria ido correndo também se Katsuki não o tivesse mandado sossegar, se o dragão se movesse demais ia acabar batendo nas paredes e teto. O bárbaro observou de longe os dois sendo recebidos com alegria pelo casal tagarela, que os enchiam de mais perguntas do que eles eram capazes de responder naquele momento. 

Uraraka estava… abatida, no mínimo. As roupas nobres dela com certeza já tinham visto tempos melhores, e vários pequenos machucados se espalhavam por seu rosto, braços e pernas. Seus olhos estavam fundos e a expressão cansada. O escudeiro não parecia melhor, seu desânimo era notável. 

Com a cara fechada, Bakugou apenas cruzou os braços quando Deku veio cumprimentá-lo. Respondeu provocando eles sobre a demora e o escudeiro abatido simplesmente não deu ouvidos, se recolhendo. Ochako veio caminhando na direção deles em seguida. Foi direto em Kirishima, abraçando o focinho do dragão. 

— Aaaah que bom ver que vocês estão bem!! - ela disse aliviada.

Kirishima grunhiu e a lambeu, arrancando algumas risadas da garota.

— Ele tá dizendo que sentiu sua falta. - Bakugou traduziu, tentando parecer indiferente. 

— E você, não sentiu? - Ela quis saber divertida. 

— Porque eu sentiria? Você só dá problema. - ele falou virando a cara. 

Uraraka sorriu carinhosamente antes de abraçá-lo.

— Que merda é essa?! - ele gritou constrangido, tentando afastá-la. 

— Eu achei que você tava morto, seu desgraçado!! - ela gritou sem soltá-lo.

— Corta essa, cara redonda! Quem é que ia conseguir me matar?

Ochako finalmente se afastou enxugando uma lágrima discreta. 

— Obrigada por tentarem me tirar de lá… Mesmo que tenha dado errado. - ela disse voltando a tocar o nariz do Kirishima, claramente sensibilizada - Não sei o que eu faria se algo de ruim tivesse acontecido com vocês por minha causa. 

O dragão fez um grunhido baixinho, em clara felicidade pelo carinho.

— A idéia foi desse cabeça dura, agradeça a ele. - Bakugou rebateu imediatamente, virando o rosto e cruzando os braços novamente.

Com carinho Uraraka disse obrigada e deu um beijo na ponta do focinho do dragão, para depois se afastar e ir sentar com Izuku e os outros em volta da fogueira. 

Bakugou olhou para o dragão que estampava a expressão mais ordinária possível para um réptil. 

—  Eu vou quebrar essa sua cara em duas se continuar me olhando assim. 

Kirishima riu e, tão delicadamente quanto era possível para um dragão, empurrou Bakugou com o nariz na direção da rodinha que se formava em volta do fogo. 

 

*~*~*~*~*~*~*



Além da tradicional sopa quente, naquela noite também comeram carne, pois Bakugou já estava cansado de não comer "comida de verdade", então ele foi lá e resolveu o problema com as próprias mãos. Sentados em volta da fogueira, Kaminari e Jirou contaram sobre a resistência, seus objetivos e sobre o real parentesco do líder Dabi com o Rei Todoroki. Uraraka e Deku também contaram para eles os últimos acontecimentos do castelo, Kaminari sempre fazendo seus comentários nada pertinentes. O clima era tranquilo e amigável. 

Uraraka ficou horrorizada quando Izuku contou que viu que Hawks tinha perdido uma mão na explosão, apesar de que ela já deveria ter imaginado isso ou algo muito pior, considerando o fato de que foi ela mesma quem acionou uma granada para explodir na mão do homem. Bakugou precisou dar o braço a torcer e reconhecer que ela tinha sido muito corajosa. Apesar de se sentir um pouco culpada, a garota não conseguia deixar de pensar que Hawks mereceu. 

Dabi, diferente dos demais, não parecia contente com aquela nova informação.

— Eu achei que vocês sairiam do castelo escondidos, sem ninguém saber. Sem Hawks saber. - Dabi falou em tom irritado. 

— Seria o ideal, mas Hawks estava mantendo Uraraka sob vigia o tempo todo. Precisávamos fazer alguma coisa pra atrasar a pesquisa do feitiço.  - Izuku explicou, e Uraraka concordou, um pouco receosa com a reação irritada do chefe da resistência. - Shouto deu a idéia da bomba que serviria tanto como distração para fugirmos, como para destruir os livros e o trabalho do Hawks. Realmente não estávamos imaginando ferir ninguém, apenas destruir um pouco a sala dele a biblioteca.

Dabi ainda questionou mais sobre o quanto Hawks havia sido ferido, deixando Uraraka e Izuku um tanto intimidados pelo súbito interesse. 

— Acredito que agora nossa prioridade seja usar esse tempo que ganhamos para conseguir abrir esse caminho para seu mundo, não é? - Jirou interrompeu o assunto que estava ficando pesado.

Ochako sentiu-se aliviada pela mudança no rumo da conversa e sorriu para a morena. Por mais estranhas que fossem aquelas pessoas, talvez finalmente tivesse encontrado um bom grupo, quase como o primeiro dia em uma nova escola. Pessoas boas, dispostas a ajudá-la, preocupadas com o bem geral e não só consigo mesmas. 

— Sim, Izuku disse que vocês têm uma feiticeira poderosa, é verdade? - Uraraka perguntou curiosa.

Antes que Kaminari pudesse dizer que ela era a "Feiticeira Suprema da Resistência Obsidiana", Dabi voltou a falar. 

— É verdade sim, e tenho certeza que ela resolverá esse seu feitiço em pouco tempo. - ele falou convencido e sério - E aí, uma vez que você volte para o seu mundo, seu povo vai fornecer pra gente as armas que você tinha prometido pro rei. 

— E aí nós poderemos formar o grande Exército da Resistência Obsidiana! - Kaminari completou o plano feliz.

— E aí nós vamos ter alguma chance contra o exército do rei, você quer dizer né. - Jirou disse no mesmo tom divertido. - Se o príncipe Shouto nos ajudar, tenho certeza que conseguimos pensar em uma maneira inclusive de colocar Dabi no trono.

— Eu não me preocuparia mais com isso, Jirou. Com Midoriya aqui com a gente tenho certeza que meu irmãozinho não vai ter outra escolha a não ser cooperar. - Dabi completou com um sorriso um tanto perverso para o escudeiro. 

Apesar do tom amigável e espontâneo de Kaminari e Jirou, Uraraka percebeu o tom sério e ameaçador implícito nas palavras de Dabi. Ela não estava sendo ajudada de bom grado, pelo bem maior. Ela era prisioneira de novo, só tinha mudado de lado. E pior, tinha trazido Izuku junto. 

Olhou apavorada para o escudeiro que também tinha entendido tudo. Se Shouto não colaborasse com o plano deles de derrubada do rei para Dabi assumir o trono, usariam a vida dele como barganha. Quando a resistência disse que ia ajudá-los, eles aceitaram prontamente, sem pensar no preço ou nas consequências. 

Ochako se culpou por ter sido tão ingênua. Da mesma maneira que ela via naquelas pessoas a esperança de voltar pra casa, eles viam nela a esperança de mudar a situação em que viviam. Era uma troca. E eles tinham feito questão de assegurar que ela não teria outras opções a não ser aceitar a ajuda deles.

Hawks já não era mais uma opção, se ela queria voltar pra casa, teria que ser com eles. Izuku também não podia mais voltar para o castelo, se não os ajudasse faria o quê da vida? A ameaça toda era quase uma garantia, pois era esperado que ela e Izuku colaborassem de bom grado. Não haveria prisões ou calabouços, mas seriam prisioneiros de todo jeito. Todos tinham seus objetivos para estarem ali, e estavam dispostos a correr os riscos necessários por seus próprios motivos. A não ser…

Uraraka olhou para o lado e viu Bakugou comendo e apenas observando o grupo comentar animadamente sobre como destruiriam o exército inimigo e qual seria o nome da nova tropa. Qual era a motivação do bárbaro? Porque diabos ele estava ali? Ele não tinha motivo algum. 

Ele estava livre, Kirishima estava com ele, poderia sair voando para qualquer lugar e continuar a vida dele. Que interesse ele tinha? Algo na história não fechava.

Katsuki percebeu o olhar da garota incisivo sobre ele e devolveu um franzir de sobrancelhas questionador. Uraraka fez uma cara de dúvida e recebeu de volta uma cara mais confusa ainda. Logo o bárbaro começou a gesticular que não estava entendendo nada e acabaram chamando a atenção de todos. 

— Eu… eu… eu esqueci uma coisa no cavalo! - Uraraka inventou - Você pode vir comigo até ali em cima? Eu tenho medo de cair. - era uma desculpa horrível. Ela sabia que Izuku perceberia prontamente que era mentira mas ia servir se os demais acreditassem. 

Bakugou quase disse pra ela se virar sozinha, mas foi impedido por Kirishima que deu uma bufada no bárbaro o fazendo derrubar a comida que segurava.

— Tá, tá, tá, já entendi, desgraça! - ele disse se levantando e jogando o resto da carne agora cheia de terra na boca do dragão que engoliu sem reclamar - Vamos ali logo que eu já aproveito e tiro uma água do joelho. 

Uraraka fingiu que não viu o olhar desconfiado de Dabi e agradeceu Kaminari que pediu para ela tomar cuidado com as cobras. Bakugou veio logo em seguida e a ajudou a subir pela precária encosta, ainda mais assustadora no breu da noite. Chegando lá em cima Uraraka se enrolou na capa com capuz que usava, sentindo o forte vento vindo do mar gelar seus ossos. 

— E onde está esse cavalo dos infernos? - o bárbaro imediatamente questionou ao reparar que ali na encosta, além da estrada e da floresta mais a frente, não havia mais nada. 

— Não importa o cavalo, Bakugou. - ela disse revirando os olhos. - Eu inventei aquilo pra gente ter uma desculpa. 

— Bom, eu realmente preciso mijar então já volto. - ele disse não dando importância e atravessando a estrada vazia e passando alguns arbustos que mais à frente viravam uma floresta fechada.

Enquanto fazia suas necessidades, ele notou que realmente tinha ao menos três cavalos amarrados por ali, escondidos de quem passasse pela estrada. Pensou que poderia ter amarrado o dele também, se o não tivesse ignorado totalmente e largado de qualquer jeito. Se o bicho fosse esperto já estaria longe. 

Aliviado, ele voltou pra perto da garota que parecia tremer de frio, mas ao mesmo tempo demonstrava mais determinação do nunca.

— Bakugou, eu preciso entender porque você está aqui. Eu já entendi que todo mundo tem interesses próprios nessa história toda, alguns por opção, outros por não ter alternativas. - ela disse séria - Mas e você? Está aqui por quê?

— Aaahn?! - foi tudo que Bakugou conseguiu articular. - E por que diabos eu teria que me explicar pra você? O da cara derretida disse que eu podia ficar, então eu fiquei. 

— Mas por quê? - ela disse tentando ficar calma, não queria iniciar uma nova briga. - O que você ganha ficando aqui? Qual seu interesse? 

— Eu não ganho nada, oras. Vocês que deviam me agradecer!

Uraraka suspirou derrotada. O bárbaro era a pior pessoa pra ela ter uma conversa minimamente sensata. Diferente de todo mundo, ele não tinha apreço por nada além do seu dragão, não se importava com política, justiça ou qualquer outra coisa do mundo civilizado. 

Mas ao mesmo tempo, por ser daquele jeito grosso, ele poderia ser a única pessoa disposta a ajudá-la de verdade, sem querer algo em troca. 

— Bakugou, eu realmente preciso que você me escute. - ela disse como se falasse com uma criança da pré-escola - Mas assim, escute mesmo. Pode ser que você seja minha última esperança, então, por favor, consegue parar um pouco e prestar atenção no que eu vou dizer?

Ochako viu o bárbaro se preparando para já responder qualquer coisa gritando de novo, mas ele parou, respirou fundo, cruzou os braços e fechou a cara. 

— Manda lá, cara de bolacha. 

Ela suspirou esperançosa e começou.

— Então… O Rei Todoroki e o Hawks estavam me ajudando pois eu prometi que, em troca da minha devolução ao meu mundo, meu povo iria recompensá-los com tecnologia e armas poderosas. - ela recapitulou e seguiu quando o loiro concordou com a cabeça. - Meu plano original era descobrir sozinha como voltar pra casa e ir embora, sem a ajuda deles, sem ter que dar nada para eles em troca. 

— E aí eu tentei te salvar e você não quis ir embora. - ele disse ressentido. 

— Exatamente. Óbvio que eu não iria, meu plano estava dando certo. 

— Estava é? - ele debochou.

Uraraka revirou os olhos e continuou.

— É, eles descobriram e eu não teria mais como voltar pra casa sem dar as armas para eles. Então surgiram essas pessoas aqui que pareceram super dispostas a me ajudar a voltar pra casa. Mas, na verdade, eles também querem as armas. Não só as armas, eles querem derrubar o rei e tomar o poder. 

— Que é uma bela de uma idéia, devo te dizer. Eu mesmo o derrubaria se pudesse. 

— De qualquer maneira, eu não consigo ir embora sem dar essas malditas armas para eles fazerem guerra e se matarem! 

— E por que você se importa? Dá logo essas merdas pra eles e deixa eles fazerem a revolução que tanto querem. Já não aguento mais aquele loiro dos infernos falando em "Retomada da Era Obsidiana" o dia todo. Você vai estar bem longe quando a guerra estourar. 

— Esse é o problema, Bakugou. - E antes de seguir, ela fez uma pausa, em dúvida se deveria contar a verdade ou não. 

— Eu não vejo problema nenhum, lua cheia. Com esse reforço das armas, eu até me animo pela causa e luto do lado deles com o Kirishima. Vai sobrar nada daquele rei de merda, a gente acaba com um exército todo fácil. Não to fazendo nada mesmo, pode ser uma boa.

— As armas são uma mentira. - ela cuspiu a verdade, finalmente. - Eu não tenho como dar arma nenhuma, para ninguém. Eu inventei para que as pessoas tivessem interesse em me ajudar a voltar pra casa. 

— VOCÊ O QUÊ?! 

Agora sim o bárbaro parecia entender a gravidade da situação em que a garota se encontrava. 

— Puta que pariu... Então… Mesmo que abram uma estrada pro seu mundo, não tem arma nenhuma? Nadinha? Nem uma espadinha? Seu povo não tem nada do tipo? 

— Esse é o problema, Bakugou… Não há um povo! Eu não sou ninguém. - ela disse com pesar - Eu sou só uma adolescente que ainda nem saiu da escola, todo mundo já deve ter achado que eu morri. Meus pais mal têm dinheiro pra pagar as contas! O país que eu vivo nem permite que os civis tenham armas, só as tropas oficiais do governo têm acesso a elas! E a Yakuza, mas isso não importa. Eu não sou ninguém, não tenho ninguém pra recorrer quando chegar lá, não tenho poder, nem dinheiro, nem conexões com ninguém importante. Por deus, o que eu faço?! - ela confessou tudo completamente desesperada. E o pior era que provavelmente o bárbaro não tinha entendido nem metade do que ela tinha falado. Civis? Yakuza? Ráh, a vida dela era mesmo uma grande piada. 

— Porra, lua cheia, por que você quer tanto voltar pra lá se sua vida é tão bosta? 

— Ai, vai à merda, sabe? Eu desisto. 

Uraraka se virou irritada e saiu pisando forte em direção ao penhasco pra voltar para a caverna. Foi o momento de Bakugou se arrepender. Ele definitivamente não tinha trato com as palavras e tinha metido os pés pelas mãos. De novo.

— Ochako, espera! - ele disse indo atrás dela e a segurando pelo braço.

Irritada, ela puxou o braço da mão dele. 

— Esperar o quê?! Que magicamente, do mesmo jeito que eu apareci aqui, eu volte?!

Ela estava cansada. Queria sua família, seus amigos, queria poder confiar em alguém de novo. Queria voltar pra sua vida, se preocupar com as notas das provas, acompanhar as fofocas, ver as notificações no Instagram, comer chocolate. Queria sua vida normal de volta. Não aguentava mais lidar com os riscos, as ameaças, a desconfiança, a iminência de uma guerra. Não suportava mais o peso da mentira que protegia sua vida, mas ao mesmo tempo a puxava mais para dentro do olho do furacão.  

— Eu não sei! - Bakugou admitiu. - Mas eu vou te ajudar.

Uraraka não sabia se ria ou se chorava.

— Eu sei que eu não fiz nada de bom pra você desde que te encontrei, mas... - e ele virou o rosto pro lado disfarçando a timidez - Mas o Kirishima gosta de você, então eu vou te ajudar. 

Ela não conseguiu mais conter o turbilhão de emoções dentro dela, começou a  chorar e rir, tudo ao mesmo tempo. 

— Você vai me ajudar… porque o Kirishima gosta de mim? - era ridículo, como metade das coisas que o bárbaro falava.

— Isso. - ele disse tentando parecer confiante da resposta. - Você não queria um motivo para eu estar aqui ainda? Então é isso. Esse é o meu motivo.

Ela não sabia exatamente o que fazer com aquela mentira deslavada, a não ser rir e chorar mais um pouco. Nada estava certo, nada estava resolvido, nem um plano tinham. Mas ela já não estava mais sozinha. Era a pontinha do seu iceberg emergindo da superfície do mar de problemas. 

Bakugou se surpreendeu quando ela o abraçou ainda chorando, mas definitivamente não a afastou.


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