Luar Puro escrita por Zena Faith


Capítulo 20
Apaixonada


Notas iniciais do capítulo

Bom, é isso, finalmente o capitulo 20, acabei de postar e já sinto a tensão... eu sempre sonhei terminar essa fic com 30 capítulos, e saber que agora só faltam dez, nem dá pra acreditar.
Infelizmente eu fui pega por minha mania de perfeccionismo, esse capitulo era para ter sido postado sexta feira (21), no entanto, eu tenho trabalhado a noite, e cheguei tarde em casa, assim que abri o arquivo e li por cima percebi que eu queria mais desse capitulo.
Por isso decidi postar hoje, e não me arrependo, este capitulo possui uma das minhas cenas favoritas, foi apaixonante escrever ela, me arrepiei com o resultado.
Espero não ter desapontado vocês mais que o usual, acho que a essa altura do campeonato vocês me amam na mesma intensidade que me odeiam, e eu não os culpo.
Obrigado pela paciência e apoio, vocês são meu céu e lua.
Amo vocês, se divirtam.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/790466/chapter/20

Eu não finjo que não aconteceu, e por isso é mais fácil recomeçar, não existe qualquer impedimento que me arraste de volta ao poço, há apenas essa sensação elétrica de antecipação, como quando você sai ao ar livre e o contato da sua pele com a atmosfera faz seus pelos se arrepiarem. Me deixo mergulhar nessa sensação, deixando as coisas acontecerem, processando cada coisa ao seu tempo, e o principal de tudo, permitindo que ele também se torne a minha vida.

Seth.

Eu apenas consigo rolar uma sequência curta do que aconteceu depois que finalmente acordei, tentando evitar pensar demais sobre tudo, para não estragar quão especial foi, há coisas na vida que precisam apenas ser sentidas, não analisadas e destrinchadas em pequenos pedaços. Então eu só me deixo pensar brevemente na sensação de ter este grande grupo de pessoas ao meu redor, se importando e cuidando de mim.

Minha família toda reunida, junto aos nossos amigos, todos unidos por um propósito: mostrar quão importante eu me tornei para eles, que me tornei parte essencial disso, desse novo mundo que eu nunca me permiti pensar que existia. Apesar disso, dessa cautela toda em processar os últimos acontecimentos, não consigo deixar de pensar em algumas partes, partes essas que foram mais importantes que algumas outras, como conhecer a mulher que deu a vida a pessoa que se tornará o centro da minha existência.

A mãe de Seth além de linda era uma pessoa meiga e muito forte, conhecer ela foi um misto de nervosismo e êxtase, a situação dramática não impediu que o momento em si fosse descontraído e calmo, e ela tentou o seu máximo para me fazer sentir confortável com sua presença. Diferente de Leah, a mãe se importava com meus sentimentos, era claro o seu interesse em me conhecer, sem medir esforços ela se apresentou. Seu carinho transbordava, sem cautela ou cuidado ela simplesmente me abraçou como se abraçasse um filho e não se afastou ao sentir meu corpo tenso, apenas me abraçou por um tempo, até que eu pudesse relaxar em seus braços.

Ver a mesa cheia de pessoas, conversando e rindo, apagou totalmente o episódio dramático, existia apenas união, e foi bom ter algo simples e mundano, é claro que isso não impediu Sam de ser metódico, no meio da refeição ele apenas começou a discutir com Seth sobre como deveríamos proceder agora que eu tinha finalmente me recuperado, planejando um milhão de encontros e táticas para evitar que eu me fechasse novamente. Seus planos começam a ser despejados, e agora uma lista de afazeres tinha sido distribuída, todos eles tinham um objetivo principal, construir uma ligação maior entre a tribo e eu, endurecendo meu imprinting com Seth gradualmente, sem pressa, um passo de cada vez. Era chegada a hora de eu me aproximar mais da alcateia, para conhecer melhor sobre sua história, e criar laços com os meus semelhantes, unindo meus dois mundos.

É Seth quem se expressa melhor durante a conversa, ele deixa claro que quer acima de tudo que eu conheça sua vida e família, pois insiste em dizer que está é minha vida, e que todos precisam entender isso, precisam me conhecer. Eu apenas assenti em concordância, apesar de no fundo entender que ele está pedindo mais, ele está pedindo que eu dê espaço para que eu o conheça melhor e vice-versa, e eu sei por quê.

É difícil para ele assistir como começo a construir minha vida ao redor dos humanos com mais facilidade do que com os Quileutes.

Sua presença é essencial, seja na forma humana ou na de lobo, às vezes me sinto tão submersa no sentimento dele que não consigo impor limites, e posso estar perdida na contagem de vezes em que eu não soube a hora de dizer “até logo”, sendo obrigada a ver um dos meus familiares dizendo que é hora de ir.

Eu não me sinto relutante com sua presença, não como antes, na verdade este tem se tornado um pequeno problema, apesar dos limites óbvios, eu não consigo deixar de querer ele por perto, e não vejo um normal sem ele na nossa casa o tempo todo. Seth tem uma vida que já existia muito antes de nos conhecermos, e eu me sinto egoísta monopolizando todo seu tempo apenas para me agradar, é errado eu sei, mas ele mesmo parece não saber separar seu tempo, como se não pudesse lidar com gerenciamento agora que eu tinha aberto essa gigante brecha na minha vida apenas para ele. Fora isso, a sua paciência infinita e alegria constante tem sido uma grande fonte de incentivo para minha melhora, sem isso, eu estaria perdida.

Ainda existem limites, tanto para regular nosso tempo quanto para limitar o avanço da nossa relação. Eu ainda sou uma criança presa no corpo de uma adolescente, existem fases a quais eu preciso passar, psicologicamente, e o que Seth é para mim... bem, essa parece ser a grande incógnita, pois eu não sei dizer de fato, a única coisa que eu tenho certeza, é de que não posso viver sem ele. Não consigo.

Edward aconselha que eu vá a um psicólogo, mas no nosso mundo é quase impossível ter algo assim, por isso ele sugere que ele mesmo trabalhe comigo, aos poucos, até conseguirmos destravar todas as minhas barreiras.

Junto a sua sugestão de tratamento psicológico, Edward e o restante da família Cullen sugerem que existam encontros entre Seth e eu, encontros monitorados, para que as coisas sejam construídas de forma mais simples e devagar, evitando qualquer tipo de avanço fora de hora. No começo não entendo o contexto, mas não é a coisa que mais persiste nos meus pensamentos, estou mais centrada na presença de Seth.

Minha recuperação na primeira semana foi essencial, e mesmo que tenha consistido em um sono constante e breves refeições, Seth sempre estava lá, em sua forma de lobo na maior parte do tempo. Eu podia escutar ele roncando de forma cômica deitado na ponta da cama, ou ao meu lado na mesa de jantar, sentado como um labrador obediente, seus grandes olhos implorando por pedaços de comida, os lambendo da minha mãe e me fazendo sorrir por dentro. Edward e Jasper também se esforçaram para me manter acordada por tempo suficiente para uma sessão ou outra de psicologia, me fazendo lembrar das coisas aos poucos, sem grandes momentos de estresse, apenas o suficiente do passado para que eu refletisse e colocasse pra fora o pior que se mantinha.

Meu corpo estava repondo toda a energia perdida, e talvez por isso me senti tão drenada no final de cada sessão, não tendo forças sequer para subir as escadas antes de colapsar em um sono restaurador. Às vezes eu podia sentir seus braços ao meu redor, me carregando para a cama, presa entre o sono e a consciência, eu sabia que a maciez e o calor só podiam pertencer a Seth, e uma vez ou outro eu resisti a sua distância, sempre puxando ele para o meu lado, mantendo a segurança de sua presença ao meu redor como uma redoma.

Na segunda semana eu me sinto forte o suficiente para ser teimosa e faço com que Jasper e Sam voltem a treinar comigo, sempre na presença de Seth, e desta forma nós podemos desenvolver melhor nossa comunicação. A minha rotina se constrói novamente, treino, sessão e então tempo com Seth, nós fazemos uma lista de programação para passarmos tempo juntos e nos conhecermos melhor.

E talvez seja por toda essa distração, que eu simplesmente ignoro todos os sinais de alerta que piscam na minha cabeça, que me lembram de que não posso ignorar a escola para sempre, muito menos os meus amigos. Já faz um mês e meio que não vou à escola, que não vejo os meus amigos, um mês perdido da minha vida.

— Coloque seus dedos assim, relaxe eles.

Estou sentada ao piano, Edward sentado ao meu lado conduz meus dedos nas teclas com familiaridade, e deixo que sua confiança me guie enquanto arrasto meus pés descalços no piso frio da sala. Uma manhã agradável, sem treino ou drama, eu tinha acordado e ficado na cama me espreguiçando, pensando em quão boa as últimas semanas tinham sido, e assim que escutei o som de Esme mexendo nos armários da cozinha, decidi me levantar.

Tomo um banho quente que relaxa todos os meus músculos, e decido lavar meu cabelo que mais uma vez está passando do meio das minhas costas novamente. Pego uma calça jeans larga que fica suspensa em meus quadris e visto uma regata preta de alças finas e decote quadrado.

Sem me importar descalça eu desço as escadas, a voz de Rosalie me chamando para me sentar, uma tesoura presa entre seus dedos, um sorriso desponta no canto dos meus lábios e ela revira os olhos.

— Não seja boba, alguém tinha que resolver isso.

Pressiono meus lábios para esconder meu sorriso, mas não posso impedir que ele chegasse aos olhos, e isso provoca uma careta nela, sei que está tentando não sorrir junto.

— Eu agradeço.

Bufando ela conduz meus ombros para que eu me sente.

— Sente-se.

Eu obedeço sem vacilar, enquanto como o delicioso café da manhã que Esme preparou. Rosalie corta meu cabelo, deixando seu comprimento logo abaixo dos meus ombros, quando termina seus dedos deslizam pelos fios lisos como se fossem água corrente, e eu apenas me deixo sentir o carinho velado dela.

Depois que termino caminho para a sala com uma xícara de café na mão, observando a paisagem através das janelas, o que basicamente consiste nas paredes da casa, sendo ela feita toda de vidro, é impossível não enxergar o exterior por todos os lados.

O vento tem ficado cada vez mais frio, causando um balanço constante na vegetação ao redor da casa, eu observo silenciosamente, o sussurro do vento assoviando, uma pequena canção para o frio. Uma nota isolada soa e eu viro para encontrar Edward sentado ao piano me encarando com um sorriso enigmático.

— Bom dia.

— Sim, um bom dia para eu te ensinar a tocar.

Essa é uma das coisas que discutimos incansavelmente durante nossas sessões.

Minha mãe era uma pianista deslumbrante, no pouco que eu me lembrava pelo menos, e apesar de não ser uma das coisas que me assombrava, foi num momento em que ela tocava que o pior de tudo aconteceu.

O momento de sua morte.

Eu apreciava a música, no entanto, existia essa parte que dizia que talvez eu não devesse tentar descobrir se eu tinha o dom da minha mãe, uma parte que talvez ficasse muito decepcionada em descobrir que não tínhamos isso em comum.

De acordo com Edward, não existia muito que um imortal não conseguisse dominar com o tempo, e eu sendo tão imortal quanto possível não precisava temer inabilidade, não quando eu tinha o “para sempre” para aprender.

Meu rosto deveria estar demonstrando meu temor, pois só o seu sorriso reconfortante foi capaz de fazer o sentimento desvanecer o suficiente para que eu deixasse a xícara sobre um dos descansos de mesa e me sentasse cautelosa ao seu lado.

— Alguma coisa em particular que você queira aprender?

Eu penso na melodia que escutei uma vez no rádio quando voltava para casa, escutando até o fim só para descobrir a quem pertencia, a maravilha do rádio era saber que os locutores sempre anunciavam o nome da música e de seu compositor no começo e no final.

— Eu escutei esta melodia, é chamada de September Song, e pertence a Agnes Obel.

— Não estou familiarizado com a canção em particular, mas conheço a musicista, um domínio de voz impressionante.

— Sim, eu escutei alguns de seus álbuns em um aplicativo do celular, ela é... profunda.

— Acha que consegue me mostrar?

Eu conhecia o piano em tese, sabia o som de todas as teclas de cor, e podia identificar cada nota apenas de escutar, mas foi com timidez que eu tentei reproduzir o que tinha ouvido antes, até que completasse a melodia oficial do refrão. Edward escutou atentamente, e quando parei ele surgiu com seu celular a tela invertida mostrando partituras perfeitas da música em questão.

Sem olhar duas vezes, ele começou a tocar perfeitamente, os olhos entreabertos, os dedos hábeis e ligeiros sobre as teclas, mal às tocando, apenas sentindo a música, meus pés deslizam no chão, os dedos dos meus pés se curvando em prazer. Eu acompanho o momento em que ele retira uma das mãos, abrindo espaço para que eu tente, prendo minha respiração e tento reproduzir a parte que ele deixa livre, a mais fácil.

Estou tão absorta na música que sequer percebo quando ele retira sua mão direita e eu assumo inconscientemente, tocando como se conhecesse a música desde sempre, como se esta não fosse a primeira vez que eu toco piano.

Meus pés se firmam no chão, minha postura ereta, os ombros relaxados, os dedos deslizando pelas teclas, um toque de pluma que reproduz som mágico através dos dedos, a sensação de estar conectada com a terra e com o ar, sendo levada pelo sentimento de certeza e pertencer, é assim que eu finalizo a breve melodia, soltando um suspiro emocionado.

O aplauso é espalhafatoso, se anunciando por si só, e eu me viro imediatamente, bebendo de sua felicidade, que é praticamente uma presença física.

Mais aplausos se seguem, e eu sei que minha família me parabeniza a seu próprio modo, mas não procuro por eles, estou absolutamente e irrevogavelmente enfeitiçada pela presença de Seth.

Seu rosto é tomado por um sorriso sem fim, os olhos entreabertos brilham, e eu fico sem fôlego com a força com que o seu sorriso faz meu coração bater mais rápido. Eu tento absorver tudo, desde seu cabelo amarrado em um rabo de cavalo baixo, a camisa branca escondida por uma jaqueta jeans, até os seus jeans gastos e coturnos com cadarços frouxos.

Ele é tão leve e despojado.

Eu olho para o meu próprio corpo e começo a corar ao pensar em quão desleixado estou, não tinha pensado no que vestir, apenas agi por conveniência, mas agora com ele aqui, me sinto envergonhada por estar tão desleixada, meus pés descalços se contraindo no chão.

— Você não precisa temer, seu talento é natural, sua mãe te deu um dom.

Olho para Edward ao meu lado e sorrio de forma singela, ele tem esse olhar divertido que não entendo, seja o que for, tem haver com Seth, pois ele não para de olhar em sua direção.

— Estou feliz por poder compartilhar algo com ela.

Olho para minhas mãos se contorcendo no colo e sinto minhas bochechas forçarem ao deixar um sorriso mais aberto escapar, comprimo meus lábios imediatamente e olho para ele.

— É muito lindo Ayira.

Seu elogio sincero faz algo leve acalmar meu rosto que se contorce em emoção.

Há tanto que eu queria poder saber dos meus pais, que eu pudesse fazer e ver refletido neles, mas é tarde demais para isso, então eu me agarro ao pouco que sobrou, para que um dia eu possa falar deles para as pessoas sem sentir a dor da ausência e da perda.

— Eu não teria descoberto sem você, obrigado.

— Não por isso.

Então eu me levanto calmamente e vou em direção a Seth, a cada passo eu analiso o que estou sentindo por estar chegando tão perto de sua forma humana, tentando descobrir se ainda existe alguma parte que me faça querer retroceder. E percebo que não sinto mais a tensão de antes, na verdade, o que eu sinto é essa força invisível que parece me puxar em sua direção, como um ímã, é claro que eu refreio isso, e paro há alguns passos, mantendo uma distância respeitosa entre nós.

— Olá.

— Oi.

— Você está aqui.

Não consigo evitar a surpresa na minha voz, as vezes só não consigo acreditar que ele é real, que irradia tanta luz e pureza, que está aqui por mim. E Seth demonstra o que sente sobre isso, seu sorriso contagiante se abrindo, me cegando, me deixando sem ar.

— Sim, estou.

Ele dá um passo à frente, que parece mais como se o ar tivesse o empurrado, seu cenho se franzindo com o movimento involuntário, os lábios se contorcendo num sorriso sem graça. Eu não vacilo, continuo parada, absorvendo sua timidez, tentando memorizar cada expressão, cada sentimento que seu corpo e rosto expressam.

— Ela toca muito bem, você não acha Seth?

Esme veio para o meu lado e abraçou meus ombros amavelmente, me aproveito de sua presença calmante, me encostando no seu abraço.

— É muito impressionante.

Meus ouvidos são inundados com suas palavras, a candura e franqueza com que ele admite um elogio que trás sua voz sem fôlego para um abraçar meus pensamentos.

Eu quero dizer tantas coisas a ele, quero contar cada descoberta, compartilhar elas com ele.

— Eu nunca tinha tocado antes, essa é a primeira vez. Minha mãe tocava para que eu dormisse quando ainda era um bebê.

— Você é boa, ela te deu um dom lindo.

Ele não consegue reprimir o sorriso, um sorriso cheio de orgulho.

— Você gostou?

— Sim, eu gostei bastante.

E então seu estômago faz um barulho ridiculamente alto, e seu rosto todo parece estar em chamas, um rubor descontrolado pintando seu belo rosto num tom profundo e quente. É ridiculamente bonito, ele fica encantador e ruborizado, apenas esse pensamento faz eu mesma ruborizar de volta, uma risada nervosa escapando por meus lábios.

— Vocês não são alimentados três vezes ao dia, regularmente?

Eu não estou surpresa pelo comentário de Emmett, mas com a minha indignação borbulhando no estômago sim. Eu devia ter me preparado para isso, não é nenhuma novidade que Emmett e até mesmo Rosalie tenham uma predisposição indecorosa a fazer piadas de cachorro sobre os lobos.

— Apenas o ignore.

Minha mãe se ergue imediatamente para tampar minha boca, mas já é tarde demais, minha crítica está no ar e choca ainda mais meus familiares, bem, ao menos Emmett pareceu chocado, enquanto Edward esconde um sorriso e se vira de volta ao piano, tocando uma rápida sequência cômica.

.

— Ayira tem razão, não dê munição às brincadeiras de Emmett.

Eu não sei como reagir a tudo isso, eu não sou uma pessoa insolente, apesar de que desde minha recuperação comentários súbitos tem escapado cada vez mais, ainda mais quando me sentia atacada.

— Eu estou apenas brincando.

Seu tom zombeteiro trai sua réplica, e vejo a reprimenda de Esme a caminho.

— Emmett!

Todos nós apenas ignoramos o grandalhão e decidimos que é hora de começar o almoço, Esme abre um grande sorriso e Seth o corresponde a altura, como se contagiado pela anfitriã.

— Você está com fome, Seth?

— Faminto.

Eu continuo parada ao lado de Esme, meus olhos tentando memorizar cada nuance de castanho que se ilumina nas íris dos olhos de Seth, meu rosto corando forte quando ele me olha de volta, seu sorriso se rompendo, revelando uma covinha maliciosa na bochecha. A vontade de sorrir belisca minhas bochechas, ao invés de deixar rolar eu apenas desviei os olhos e me concentro na minha vergonha por ser pega encarando.

— Pode deixar, vou preparar sua tigela.

É Rosalie quem diz isso, aparecendo do nada em toda sua gloriosa elegância, vestida em um lindo vestido de cetim azul, o contraste com as ondas loiras perfeitas de seu cabelo, a frase faz seu parceiro cair da gargalhada.

— O que isso quer dizer?

Eu não percebo que se trata de uma piada interna até Seth começar a rir, o divertimento do lobo faz Rosalie olhar de forma grave para o parceiro, que se cala imediatamente, isso não impede Seth de continuar.

— Rosalie cometeu o erro de zombar de Jacob uma vez, ela fez exatamente isso, uma refeição posta em uma tigela, com o nome de Jacob colado a ela, ele apenas comeu o que estava lá e arremessou a tigela no cabelo dela. Foi interessante.

Edward toca uma breve melodia cômica antes de explicar sobre o que se trata a piada interna.

— Não para mim.

O nariz perfeito e arrebitado de Rosalie se torce em desdenho.

— Você o provocou.

Um sorriso de canto de boca faz todo o rosto de Edward se iluminar quando ele aponta a culpa de Rosalie, e ela apenas bufa e vai em direção a cozinha, como se esse fosse o sinal, Esme me tem em um braço e logo em seguida Seth está no outro, somos conduzidos para a cozinha numa nuvem de confusão e risadas.

Depois que Seth se acomoda eu ajudo Esme a preparar o almoço, temos feito isso juntas com alguma frequência, e antes de Seth chegar, Esme tinha contado que ele era um perfeito cavalheiro, e que certa vez aceitara cada refeição feita por ela, ignorando a forma que seu cheiro parecia, diferente da irmã Leah que fizera questão de rejeitar cada prato. Sei que ela não me contou isso com a intenção de manchar a imagem da irmã de Seth, é apenas um fato do passado, e apesar de eu ter minhas próprias conclusões sobre Leah, tento compreender, pois sendo uma híbrida eu não fui tão afetada pela distinção de odores de ambas as espécies que me faziam ser o que sou.

Quando Esme sugere que eu seja a cozinheira, eu sei que ela está pedindo que eu impeça Seth de ser cordial, e assim ele possa desfrutar verdadeiramente uma refeição, transformando o evento em um simples almoço onde ele possa desfrutar de comida com sabor. Eu não nego o pedido, na verdade me sinto animada em poder mostrar a ele que andei aprendendo mais sobre culinária, e que eu posso fazer isso, sendo uma coisa em que sou boa, eu estou feliz em poder agradá-lo, me deixa satisfeita.

O almoço transcorreu melhor do que eu imaginava, e quando ele finalmente diz que precisa ir para casa eu escondo o sentimento de decepção, me lembrando de que nós dois temos uma vida longe um do outro, e que às vezes é necessária à distância.

Acompanho ele até a sua moto, meus pés descalços são silenciosos sobre o cascalho, ao contrário de suas grandes botas de combate que fazem um estardalhaço a cada passo.

— Desculpe por estar indo embora tão cedo...

— Está tudo bem.

— Queria poder ficar mais um pouco, mas...

— Tudo bem Seth, eu entendo.

— É a faculdade.

É difícil esconder minha reação a sua resposta, meu corpo simplesmente estanca no meio do caminho, um milhão de possibilidades que podem fazer ele se afastar passam pela minha cabeça numa sucessão rápida e desesperada.

Eu pisco algumas vezes e tento controlar minha respiração rapidamente.

— O que aconteceu?

— Negligência, da minha parte – ele sorri sem graça ao admitir que é um erro seu, a mão empurrando um mecha solta  de seu rabo de cavalo baixo, acompanho o movimento com avidez – Desde que vim para a reunião... digamos que eu não tenho sido um bom aluno, muitas faltas e trabalhos perdidos.

Eu não tinha parado para pensar nisso, não tinha pensado que Seth estivesse em Forks desde o dia do nosso imprinting, deixando toda a sua vida em Forks para trás, deixando seus compromissos com a faculdade, por minha causa. Por meses e meses eu tinha sido egoísta, pensando apenas no meu sofrimento, e esqueci completamente que Seth tinha uma vida estável, que ele tinha deixado de escanteio para se dedicar a nossa ligação e a me ajudar.

— Eu sinto muito.

— Não é sua culpa, fui eu quem deixei minhas responsabilidades de lado, mas não se preocupe, é só uma viagem curta, meus professores tem compulsão a dar segundas chances.

Eu solto o ar muito rápido, chocada pela pontada aguda que sinto no peito ao ouvir suas palavras, meu corpo parece balançar para frente e para trás, as batidas do meu coração cada vez mais aceleradas.

— Você vai partir?

Ele dá um passo à frente, no seu rosto eu vejo quão torturado ele se sente, tão dolorido quanto eu pela iminente partida, mas quando ele fala só escuto conforto, seus olhos brilhando com a promessa de fazer desta distância o mais breve momento possível.

— É apenas por um dia, eu só preciso organizar com a faculdade alguns arranjos e pegar o resto das minhas coisas.

— Oh, eu vejo – baixo meu olhar rapidamente e franzi o cenho com o pensamento de eu ser o motivo de sua vida estar tão bagunçada – eu não quero privar você de seus estudos.

— E não está, eu juro, estou no último ano, sou um veterano, eles vão fazer o possível para me ajudar a finalizar minha graduação, não precisa se preocupar com isso Ayira, mesmo – ele sorri de forma reconfortante, seus olhos fazendo um escrutínio no meu rosto – Eu só não consigo ficar longe de você, não posso.

E quando ele diz isso sei que está se referindo a faculdade, que não pode voltar para Seattle sabendo que eu estou aqui, sem ele por perto, e eu sinto uma centelha de pânico ao pensar na ideia dele vivendo tão longe.

Seguro minha respiração ignorando essa possibilidade, sei que ele se sentiu assim ao pensar na ideia, nós dois não podemos ficar longe um do outro, é de comum acordo.

— Certo, você acha que eles vão facilitar?

— Tenho certeza, eu sou um aluno de ouro!

Ele diz isso com um sorriso exibido, mas eu vejo em seus olhos a humildade, quão valorizado e orgulhoso ele se sente sobre suas conquistas estudantis.

Seth é inteligente.

Parece impossível que uma pessoa tenha tantas características boas e ricas, mas como Edward me disse uma vez, Seth é uma alma pura, cheio das melhores qualidades existentes, sem mal algum.

— Espero que dê tudo certo.

— Vai sim, não se preocupe, vai ser tão rápido que você não vai ter tempo de enjoar de mim.

Não consigo impedir o sorriso dessa vez, meus lábios sorriem, quase esmagando minhas bochechas, e eu desvio o olhar quando a intensidade do seu olhar se torna demais.

— Acho que isso é impossível.

Cruzo meus braços nas costas e balanço sobre meus pés, olho em seus olhos quando ele dá mais um passo a frente, ficando tão perto que posso sentir sua respiração soprar no espaço entre nós.

Eu fico nervosa, cada pelo dos meus braços se arrepiando, mas a distância é segura, e quando ele estica o braço percebo que é o suficiente, devagar o suficiente para eu me forçar a aguentar.

— Vou sentir sua falta.

Ele diz isso enquanto desliza seus dedos pelo meu cabelo, o toque é leve e superficial o suficiente para não me fazer pirar.

Eu já estou com saudades

Eu não digo as palavras, não consigo me escancarar assim, tenho medo de como meus sentimentos vão fazer ele reagir, por isso apenas mantendo seu olhar, e quando seus dedos finalmente se desvencilharam da mecha de cabelo, ele finalmente se afasta e vai em direção a moto.

Atrás das minhas costas meus dedos tremem de emoção, eu posso sentir o tremor vindo do meu peito, me fazendo uma bagunça gelatinosa. Se eu não estivesse contendo meus sentimentos, não me sentiria tão desestabilizada.

Eu assisto quando ele monta na moto, abotoando a trava no capacete na cabeça, seus olhos em mim. É simples assim, com a sensação de algo prestes a romper no peito, eu simplesmente ajo.

Solto meus braços e dou um passo à frente.

— Seth!

Eu chamo quando ele está prestes a ligar a moto, seu rosto se vira imediatamente, ansioso.

— Sim?

— Eu posso te ligar? – meu rosto ruboriza quando minha voz soa esganiçada pela minha covardia, e eu vejo os olhos dele se iluminarem, um sorriso secreto escondido pelo capacete, mas está lá – quando você chegar a Seattle, digo, depois que você estiver lá, ahn, a noite... você...

Eu sou uma bagunça atrapalhada de resmungos e frases pela metade, soa um caos só, mas ele me salva de mim mesma.

— Sim, eu adoraria.

Eu me sinto energizada pela emoção, e ele dá um aceno breve antes de ligar a moto e acelerar, e mesmo depois que ele se vai, eu continuo de pé, descalça, esperando que minha pele pare de esquentar e se arrepiar, antecipando a sua volta.

— Estou esperando por você.

Mais tarde eu estou sentada na minha cama, encarando um objeto que eu temi desde o momento que o conheci, entre ele e a janela, eu prefiro escolher a janela, pois através dela eu posso ver as cores da tarde se desvanecendo em tons pastel, me avisando que logo mais será noite, e eu finalmente vou poder ligar para Seth.

No entanto, nesse espaço de tempo, eu percebo que há algo que eu deveria fazer antes, não posso ignorar isso por mais tempo, preciso entrar em contato com os meus amigos humanos. Quanto mais adiu, mais difícil fica tomar coragem para falar com eles.

Não seja covarde

A primeira vez que decidi olhar o celular depois de acordar fico sem forças, eu não conseguia sequer ler as mensagens, ou contar quantas vezes meus amigos deixaram mensagens na caixa postal, fora as ligações perdidas, dos três um parecia permanecer persistindo, e por incrível que pareça, era a última pessoa que eu podia imaginar: Silver.

— Sabe, não vai te morder se você apenas o segurar.

Meu corpo dá um pequeno solavanco na cama quando viro o rosto para encontrar Rosalie parada na porta do quarto, um olhar ferino demonstra toda sua zombaria.

Olho de volta para o celular e mantenho-os por tempo o suficiente para dissipar a vergonha que se manifesta no meu rosto num rubor.

— Silver ligou inúmeras vezes, e devo admitir, aquela garota tem uma lábia e tanto, as vezes eu me sentia tão entretida que não percebia se tratar de um interrogatório.

Ela conta isso com um sorriso pícaro, como se estivesse satisfeita demais por estar certa sobre Silver, minha amiga ficaria em êxtase em saber que se tornou a preferida da minha tia mordaz.

— Faz tempo que não me divirto tanto com o mal humor e perspicácia de uma humana.

— Fico feliz que meus amigos te divirtam.

— Apenas Silver, mas se você disser a ela eu vou mentir.

Com essa ameaça de despedida ela vai embora, me deixando com meus pensamentos.

Ao contrário de Silver, Erin parece ter se retraído, enquanto Silver continua tentando me contatar, e Julian com suas mensagens de texto constantes, Erin simplesmente parece ter desistido, e talvez por isso, eu me sinta tão acovardada em tomar uma atitude.

Carlisle disse que apenas Julian nos visitou regularmente, sempre deixando o dever de casa, até eles comunicam que a escola se responsabilizará por isso, eu sabia que eles haviam mentido para o seu próprio bem, era mais seguro que ele ficasse distantes enquanto eu estava em crise, um descuido e o meu segredo poderia ter colocado toda a minha família em risco, eles fizeram certo ao afastá-lo.

Eu não imagino quão ruim eu os fiz sentir, acho que nunca vou me perdoar por isso, eu nunca abandonei uma pessoa por opção própria.

— Você está bem?

Dessa vez eu não me assusto, pois senti a sua presença no momento em que ela passou pela escada, estava atenta demais aos movimentos da casa, quando ela se senta ao meu lado, eu apenas suspirei em alívio e encosto minha cabeça no seu ombro.

— Eu me sinto indignada, como se não merecesse ter uma segunda chance.

Ela dá uma risadinha e começa a acariciar meu cabelo.

— Você vai descobrir cedo ou tarde que durante a adolescência, chances são um poço sem fundo, não importa quantas vezes você decepcione seus amigos, ou eles a você, ainda assim vai ter esperança para melhorar as coisas, para resolver seus problemas.

Ainda tenho dificuldades em me lembrar que Bella foi uma adolescente a pouco tempo, e para uma pessoa imortal, eu aposto que não se passou muito, por isso ela sempre sabia o que dizer, mesmo não tendo tido todas as experiências como todos os seus amigos. Ela adorava me contar sobre como se sentiu deslocada quando adolescente, e ficou feliz em saber que eu não tinha a mesma dificuldade, que eu tinha sido feita para este século.

— Eu sou apenas covarde.

— Não se force, eles deixaram a porta aberta pra você, já é um começo, agora apenas se deixe estar preparada.

Ela tem razão, por que Silver e Julian continuariam insistindo se não queriam que eu falasse com eles?! É claro que eu não tinha certeza sobre Erin.

Quando olho para a janela novamente, vejo que a noite se anuncia sem meu conhecimento, e a antecipação começa a se construir no meu estômago, olho para o celular e não tenho mais medo.

— Já é noite.

— Sim, este dia foi surpreendentemente longo.

— Obrigada Bella.

Eu me viro para ela e sorrio para o seu rosto jovem e eterno, a ternura em seus olhos faz meu coração se aquecer, ela me dá um beijo suave na tez e então se levanta para sair.

— Não por isso.

Eu finalmente pego o telefone e digito o seu número, coloco o celular no ouvido e espero, meu coração batendo rápido, meus dedos inquietos sobre o edredom enquanto a linha apita em espera. E então ele atende.

— Oi.

E pela primeira vez desde que ele partiu, eu me sinto voltar para a terra novamente.

Já se passaram dois dias desde que Seth voltou de Seattle, tudo tinha dado certo, os professores dele realmente se importavam, e por isso não mediram esforços em conseguir permissão com a faculdade para que Seth terminasse o semestre através de vídeos chamadas. Desde então seu tempo era dividido entre a faculdade e eu, e no meio de treinos e aulas ainda conseguimos tempo para passear pelas praias, ou fazer almoços com nossos familiares e amigos.

Ainda conseguia me lembrar de quão sensível eu me senti com a sua viagem, morrendo de saudade, mesmo escutando sua voz pelo telefone, adormecendo por vezes apenas escutando sua voz, só para descobrir no dia seguinte que ele manterá a chamada ligada, me fazendo descobrir na manhã seguinte que ele fazia um som suave muito parecido com um ronco.

Ligações tem se tornado nossa maior fonte de aproximação, às vezes me sinto tão à vontade que até esqueço da tensão que ainda prevalece quando estamos perto um do outro fisicamente.

Eu penso nisso quando estamos voltando da reserva.

A folhagem das árvores está finalmente se desvanecendo do verde para uma cor sutil de laranja pastel, o vento se condensa em alguns momentos do dia, e as chuvas tem se tornado cada vez mais frequentes, transformando o ar em densas cortinas de neblina. Na reserva é como se a natureza ainda resistisse ao inverno e você pode ver isso nas árvores e terra, no final a neve vai ganhar essa batalha, e eu vou sentir pela primeira vez a sensação do gelo na pele.

Seth não para de falar sobre a neve, ele tem esses pequenos rompantes entre nossas conversas, sempre excitado pela ideia de me apresentar ao inverno de Forks, é adorável ver ele animado com uma nova experiência que vou vivenciar.

Seu rosto brilhante ilumina meus pensamentos e sinto meu rosto se aquecer quando o sorriso surge no canto da boca.

— Se continuar sorrindo assim vai acabar tomando o lugar do sol.

Me afasto da janela e olho para o sorriso divertido de Bella.

Eu não resisti quando ela disse que queria dirigir de volta para casa, Bella amava ser independente, e eu adorava ver ela assim, como ela se tornava poderosa e confiante, sem contar que podia ter mais tempo para pensar nesse último encontro.

— O quê?

Com um olhar suave e breve na minha direção ela sorri de lado.

— É lindo, você brilha quando se permite sorrir.

A cor sobe para o meu rosto e olho para frente constrangida com o elogio, aperto meus lábios juntos e tento apagar os rastros do meu sorriso. Não que eu não gostasse de me confidenciar com Bella, só queria manter esse pensamentos em particular, apenas para mim. Meus novos sentimentos para com Seth ainda eram muito novos e inexplorados, uma coisa que eu gostaria de manter comigo por enquanto, até que eu estivesse pronta para destrinchar cada um deles com alguém.

— Não fique envergonhada Ayira, você tem permissão para sorrir quando se sentir feliz, ninguém vai te julgar.

Ergo meus ombros e me ajeito no banco.

Ela tem razão, mas ainda sinto certa insegurança em demonstrar algum sentimento, ainda mais os que se manifestam fisicamente, e mesmo que eu esteja trabalhando nisso há algum tempo, posso sentir certa resistência no meu consciente, sempre tentando me manter segura e não vulnerável. Demonstrar emoções e sentimentos sempre significava abrir e se mostrar, e me dar dessa forma para as pessoas ao meu redor parecia algo frágil, uma fraqueza, uma que podia ser boa e ruim ao mesmo tempo.

— Acho que ainda estou aprendendo a usar meu sorriso.

— Só sinta.

— Eu estou – dou um suspiro breve, deixando escapar a tensão nos meus ombros, um sorriso leve se libertando – obrigada por me lembrar.

— Não por isso, além do mais, é bem impressionante.

Os dedos elegantes de Bella se movem hábeis sobre o painel encontrando seu alvo, e mesmo que ela esteja completamente concentrada na estrada, seus dedos apenas agem e trocam a estação de rádio, encontrando a que ela quer sem nem olhar.

Uma música clássica substitui a narrativa tediosa do locutor.

— Eu não entendo.

— Quando você sorri, é como se iluminasse todo o ambiente, como se sua luz desvanecesse toda a escuridão – quando ela diz isso a cena vem clara na minha mente, a forma como eu encontrei todos reunidos na cozinha logo depois de acordar pela primeira vez, e então como ele interagiam logo depois durante o almoço, como se não existisse rivalidade ou distinção entre as espécies – sua felicidade é como um fio, e quando ela se ilumina, é como se ligasse todos nós, como uma cola, nos unindo juntos.

Emoção cresce no meu peito, deixando cada batida lenta e pacífica, e nesse momento tudo que eu posso sentir é essa onda descontrolada de amor que vem de Bella.

— Você acha?

— Eu sinto, todos nós sentimos. Eu posso ter unido nossos mundos com a minha luta pelo amor, mas você… – ela franze o cenho, seu sorriso rachando em uma risada breve e deslumbrante – não é sobre lutar, é sobre conhecer a felicidade e aceitá-la, apenas ser. Você nos une para a esperança de viver.

Eu espero pela sensação de peso no meu peito, espero pela culpa e pelo medo, mas não vem. Não é uma mentira ou esperança falsa, é algo real e bom, e eu não posso me martirizar por falsas esperanças, pois não é sobre isso, não tem sido desde que eu me libertei da minha prisão consciente.

Eu estava fazendo as pessoas sentirem isso, e às vezes podia sentir também, mesmo que tentasse me convencer que talvez não fosse por minha causa, eu enxergava a forma como os lobos e os vampiros vinham se relacionando cada vez mais, se aproximando e convivendo sem qualquer distinção. Isso me fazia feliz, ter minhas duas famílias juntas o tempo todo, ao meu redor, sem desavenças e brigas, isso ajudava na minha melhora, o suporte que eu recebia deles tinha se tornado uma base segura.

— Eu fico feliz em saber.

— Eu também...

Bella pisa no freio abruptamente, e antes de sentir o impulso me preparo e colo minhas costas ao assento, impedindo que o cinto pressione contra o meu peito. Para um vampiro é raro se distrair o suficiente, ainda mais quando todos seus sentidos estão ligados o tempo todo, mesmo quando envolvido com uma atividade ou duas, mas creio que para Bella, ainda seja novo o suficiente, e sua habilidade e controle em ainda sentir humanidade talvez tenha influenciado essa pequena distração.

Estávamos tão envolvidas na conversa que só percebemos já em cima, além do mais, quem espera encontrar um carro bloqueando a estrada ao fazer uma curva? Bem, a maioria dos seres sobrenaturais sempre espera por algo.

Bella desliga o carro sem pressa e fica encarando a garota de braços cruzados encostada no capô do carro que bloqueia nosso caminho.

Eu consigo me lembrar da última vez que a vi, parece quase uma eternidade, não consigo relacionar essa garota tensa de braços cruzados e expressão séria com a amiga frágil e aos prantos que vi ir embora da casa de Erin.

— Essa é Silver?

Se minha amiga soubesse que é praticamente famosa entre minha família, provavelmente ficaria tão exibida quanto um pavão, sem contar que está se tornaria sua artilharia principal para atacar a sensível Erin.

— Sim, em carne e osso.

— Ah, sorrateira, Rosalie tem razão.

Eu sabia ao que ela se referia, todas as vezes que Silver foi mencionada e uma conversa os Cullen estavam adicionando adjetivos para se referir a ela, uma lista longa e contínua para definir a humana intrigante. Rosalie particularmente era uma fã comprometida, ela adorava saber sobre Silver, era como se minha amiga tivesse se tornado seu show de TV particular.

— Eu sei.

Sem hesitar, Bella abriu a porta e saiu em direção a minha amiga, um segundo mais tarde meu cérebro estalou e me fez agir, quando finalmente alcancei elas, já estavam na primeira fase das apresentações. A mão estendida de Bella me deixa tensa e eu espero pelo momento em que Silver vai perceber a diferença de temperatura,  pela desculpa de Bella para isso, fosse ar condicionado ou o tempo, eu não sentia que ia ser o suficiente para convencer minha amiga sagaz.

— Olá, você deve ser a Silver, eu sou Bella Cullen.

Eu mantenho meus olhos baixos, evitando olhar para o rosto de Silver, mas posso perceber a movimentação quando seus braços se descruzam e ela acolhe a mão de Bella na sua para um aperto rápido. Posso sentir a estranheza na sua voz no momento em que ela sente a diferença de temperatura entre as duas.

— Oh, olá, prazer em conhecer você.

— O prazer é meu.

E rápido como um tapa o toque cessa, deixando uma Silver surpresa responder em modo automático. Os pelos dos meus braços se eriçam à espera da sempre certeira e questionadora Silver, e isso corrói o que me resta de calma.

— É bom finalmente colocar um rosto na lenda.

Bom, eu não estava esperando por isso.

Silver simplesmente ignora o que acabou de acontecer e volta ao seu humor ácido de sempre, trazendo um assunto tão constrangedor quanto, mas melhor que qualquer anormalidade que a faça pensar que somos de uma raça diferente, o que é uma verdade irrefutável.

— Lenda?!

Olho para o rosto de Bella e fico um pouco encantada com qual fácil ela demonstra sua humanidade, o cenho franzido em confusão e os lábios entreabertos em curiosidade, como se ela estivesse absolutamente interessada em saber quais eram os boatos sobre ela.

Seja o que for que a tenha entregado, foi sutil demais e quase impossível para Silver perceber, mas eu conheço minha amiga e sei que ela percebeu, por isso fico encantada com a forma que ela se desmonta numa bagunça de constrangimento e irritação, a figura perfeita de uma adolescente que acabou de ser pega na piada.

Ela limpa a garganta e volta a cruzar os braços.

— A garota que conseguiu fisgar o coração do Cullen inalcançável.

Vejo no brilho dos seus olhos azuis acinzentados que ela esperava atingir Bella com isso, só para se sentir mais segura, não funciona claro, e ter isso voltado para si faz seu rosto corar levemente. Quando sangue sobe para seu rosto eu escuto Bella inspirar suavemente, e não é um gesto isolado, não mesmo, ela está cheirando Silver, e na minha curiosidade pelo gesto acabo fazendo o mesmo.

— Sei.

Nós trocamos um olhar breve que diz tudo, a forma como sua sobrancelha arqueou num movimento imperceptível e seus olhos dizem “ela cheira bem mesmo”, eu dou de ombros e suspiro em concordância transmitindo “não é?!” com meu olhar.

Nos aproveitamos do momento de constrangimento de Silver para ter essa conversa quase mental e sua distração faz ela deixar de ver o que estamos trocando.

— Hum, é, o pessoal gosta de inventar títulos.

Bella assente e lhe dá um olhar muito adulto que diz que ela terminou por ali, acenando mais uma vez ela me toca no ombro e dá um apertão carinhoso.

— Foi bom finalmente conhecer você Silver, espero ver você em outra ocasião menos apressada – ela está armando isso, não estamos com pressa alguma, vampiro nenhum nunca está com pressa quando se tem a eternidade, mas eu pego seu pensamento quando ela diz a próxima frase – Dirija com cuidado, Aiyra precisa estar às sete em casa para o jantar.

Quero protestar quase imediatamente, mas ela ainda está segurando meu ombro me mantendo no lugar num aperto um pouco persistente, dizendo silenciosamente que eu devo continuar onde estou, e apesar de encarar meu olhar suplicante de volta, Bella apenas sorri breve e acena uma única vez para Silver, indo de volta para o carro.

Escuto Silver caminhar para seu carro e abrir uma porta na qual ela não entra imediatamente, e quando olho para cima vejo que ela está segurando a porta do passageiro para mim. Não tenho escolha, se eu não entrar em seu carro agora vou causar uma cena, pois ela precisa mover o carro para que Bella passe, e se eu não entrar também vou passar por uma covarde que não consegue encarar a melhor amiga.

Mergulhando as mãos fundo nos bolsos laterais da minha jaqueta eu caminho na direção de Silver e sento em seu carro, ela fecha a porta e dá uma corrida até o lado do motorista. E mesmo que Bella ainda esteja ali, minha suposta tia, Silver ignora o conselho de antes e apenas arranca de ré tão rápido que poderia provocar um deslizamento, e meus olhos buscam os de Bella uma última vez, pegando seu riso silenciado pelo carro.

Estamos na estrada então e eu não faço ideia de onde estou sendo levada, o silêncio que há entre nós não dá espaço para que eu pergunte, por isso espero.

— Ela é tão jovem.

— Ela se casou muito jovem, acho que as pessoas tendem a ter uma impressão maior de sua juventude por causa de sua aparência.

— Deve ser, casamento jovem.

— É.

Não falamos mais nada depois disso, e minha mente fica tão silenciosa quanto o carro, a paisagem arbórea passa e é substituída por casas e pequenos prédios, estamos entrando dentro da cidade e rodando sem rumo,  quando ela entra no estacionamento de um pequeno restaurante local e estaciona eu sinto que o silêncio acabou.

Eu olho para ela e já sei que ela estava me encarando antes, podia sentir seu olhar, e saber disso me fez corajosa o suficiente para encarar qualquer coisa que estivesse por vir.

Essa é a primeira vez desde que a vi bloqueando a estrada que finalmente me deixo absorver as mudanças que aconteceram na minha ausência, e não é apenas esse semblante de ferro que ela carrega, como se um peso extra tivesse sumido e deixado apenas a essência forte dela, trazendo algo mais suave.

Silver estava mais desencanada, e isso se manifestava principalmente no seu novo corte de cabelo. Eu me lembro de como seu cabelo era longo, ao menos no comprimento dos seus ombros, agora era uma linda bagunça de cachos ao redor do seu rosto, cortado rente ao seu maxilar, está lindo, mesmo se ela o tivesse raspado todo, continuaria linda.

Ela está linda e saudável, diferente de mim.

Me sinto envergonhada da minha aparência diante dessa mudança súbita da minha melhor amiga, é como se ela tivesse desabrochado, enquanto eu me encontrava não muito atrativa em meu baixo peso e olheiras profundas.

— Você parece um esqueleto, parece mais fantasma que a albina, acho que você meio que tá desaparecendo sabe, é meio assustador, não consigo nem imaginar pior, estava pior?

Apesar de não estar feliz com minha aparência, não esperava que minha amiga falasse disso de forma tão honesta, e apesar de achar que deveria me sentir ofendida, me senti aliviada com a ausência de cuidados extra. Eu precisava dessa honestidade, de alguém aceitando que eu não estava bem e que precisava de tempo, alguém que não sabia de toda a bagunça da minha vida, que simplesmente sabia que eu precisava passar por isso.

— Estou bem agora, o suficiente para aguentar o seu deboche.

Fico encarando o seu rosto, esperando pela sua reação, a minha resposta igualmente irônica. Ela fica em branco por um tempo, apenas encarando de volta, como se não tivesse pego a piada no ar, então de repente ela pisca.

— Bom pra você.

Eu não esperava que piorasse até ela bater no volante e começa a mexer no banco, dando pulinhos enquanto abre a porta.

— Eu preciso de cafeína pra afastar essa sensação deprimente, se eu for continuar te encarando assim preciso de cafeína. Você tá com fome?

Não estava, mas entendia o que ela estava fazendo, me ver comer ia fazer ela se sentir mais à vontade, algo diferente dessa inquieta e preocupada Silver.

— Sim, um pouco.

— Graças a Deus!

Ela praticamente correu para fora do carro e já está dentro do restaurante quando eu finalmente desço do carro, assim que entro eu a vejo no balcão delegando toda mandona ao atendente adolescente e medroso o que ela quer, paro logo atrás e vejo que os olhos dele se arregalaram, sei por isso que ele deve ser um de meus colegas.

Silver vê ele olhando e se vira me indicando uma mesa antes de voltar a falar mais grosso com o pobre rapaz.

Eu faço o que ela mandou e me sento em uma mesa aleatória, fico sozinha tentando evitar as pessoas que olham de rabo de olho e penso que essa é a primeira vez que frequento o comércio local com alguém da minha idade.

Silver só volta para a mesa com dois cafés, e livre dos caprichos da minha amiga eu vejo o quão vermelho o rosto do pobre atendente está, minha melhor amiga é impossível, deixa qualquer pessoa fora do eixo.

Ela se senta e entrega o café, depois de três goles e muita contemplação através da janela, a comida chega e dou boas três garfadas em meu prato, é o suficiente para Silver se sentir contente.

— Então, está pronta pra dizer a verdade?

— Oi.

Cumprimento de boca cheia sem saber o que dizer, e isso provoca uma reação.

Café sai pelo nariz de Silver e ela guincha em meio a caretas de sofrimento, assisto curiosa quando ela tenta se limpar freneticamente, até sentir empatia a ponto de pegar alguns guardanapos e passar para a garota encabulada.

— Oi? Sério Ayira? Você consegue fazer melhor que isso.

— Me desculpe.

Me limpando tento pensar em como explicar.

Observo Silver terminar de limpar a bagunça e então a garçonete vem para ajudar a limpar a mesa encharcada, Silver lhe dá um olhar mortal desfiando a garçonete a dizer algo, visto que a garota, também da nossa idade, tinha esse olhar crítico.

Vencida pela minha amiga a garçonete vai embora rapidamente.

— Eu não quero as suas desculpas, quero minha amiga de volta.

Ela retira um batom cor cereja da boca e usa a superfície espelhada do porta guardanapo para retocar o batom borrado.

— Eu estou aqui – eu gaguejo e limpo a garganta uma vez – estou aqui agora.

— Melhor.

Minha cabeça está um grande vazio, ainda não sei como juntar as palavras e mentir para minha amiga, então só fico parada observando ela retocar a maquiagem e dar movimento ao seu lindo cabelo curto.

— Como você me achou?

O fato de ela saber onde a reserva Quileute ficava me deixava nervosa, não só pela possibilidade de ela ver o que não devia, mas pela sua própria segurança como humana, o meu maior medo recorrente era que o perigo que existia em minha existência respingar nas pessoas que eu amo, principalmente nos meus amigos humanos.

— Eu liguei para Rosalie e ameacei invadir a sua casa.

— Oh.

Bem, eu não esperava por isso, apesar de ser sua cara.

Meu rosto é a definição de choque, não consigo controlar meus músculos faciais.

— Você às vezes é tão inocente – seus olhos se reviram mas ela não consegue impedir o espasmo no canto dos lábios – Eu apenas perguntei para ela, não foi difícil, você poderia ficar surpresa em como um “por favor” pode encantar um adulto.

— Ah.

— Eu sei que você não é muito prolixa na maior parte do tempo, mas se não for um incomodo, eu gostaria de ter uma conversa real sobre o que está acontecendo.

— Você tem razão.

A história oficial era uma internação em uma clínica psiquiátrica, o que de acordo com Rosalie me transformaria em uma aberração perante a escola, mas era o mais recomendado a se fazer em relação a minha ausência prolongada em solo escolar. Desta forma havia muito com o que lidar, não só o tratamento estranho de meus colegas, mas com a reação de meus amigos, que eu temia que me tratassem como uma boneca de porcelana assim que voltasse. Mas dado a como as coisas estavam indo até agora com Silver, duvidava mesmo que seria tão complicado.

Minha amiga estava me tratando como de costume, até um pouco pior dada a intimidade entre nós, então não havia motivo para amaciar as coisas, eu podia ser tão honesta quanto minha realidade permitia.

— Estou deprimida.

Isso parece pegar Silver desprevenida, percebo como isso atinge minha amiga, toda aquela pose caindo por água abaixo, o peso do que isso significa na vida dela, com uma mãe doente e ausente.

Silver simplesmente relaxa, e fica me olhando cabisbaixa, como se estivesse se arrependendo do comportamento, mas ela não pede desculpas, é muito orgulhosa, e fico feliz por isso, por ela continuar sendo ela mesma, não fazendo isso maior do que já é.

— Você é a rainha do drama não é?!

— Também senti sua falta.

— Não deveria, eu sou uma péssima amiga. Fiquei tão preocupada com meu próprio nariz que não percebi que você estava se sentindo assim.

— Não era sua responsabilidade saber se eu estava ou não deprimida... nós somos adolescentes não é?! A nova geração de doenças psicológicas.

— Eu deveria saber Ayira, eu deveria.

Quando ela fala isso está lembrando da mãe, e nós trocamos um olhar em comum, assentindo para a realidade.

— Estou melhorando, minha família tem trabalhado comigo desde o começo, e eu também estou vendo um médico.

Coro ao pensar nisso, é complicado explicar as coisas sem se entrelaçar a mentiras.

— Queria que você tivesse me contado.

Ela brinca com a colher mexendo no café, e soa derrotada, como se tivesse falhado comigo.

— É complicado... por muito tempo eu me culpei por todas as coisas ruins que acontecem ao meu redor, como se eu fosse a razão de coisas ruins acontecerem... e essa vida, esse presente que eu ganhei sem razão nenhuma... eu não sei se mereço, quer dizer, eu estou grata e imensamente feliz, mas isso não afasta os sentimentos ruins, ou a sensação de dever.

— Ayira, não é assim que funciona, ok nós somos adolescentes e somos tão masoquistas ao ponto de achar que o mundo gira ao nosso redor. E não é assim que a banda toca, você sofreu por ações externas, não por algo que fez, e não deve se culpar pela vida te dar algo bom, não deve mesmo.

Sua indignação é fervorosa, sei que tudo isso não é direcionado a mim. Toda a sua frustração vem de antes, da sua própria luta.

— Eu sei, estou trabalhando nisso, e está mesmo melhorando, só não consigo afastar tudo de uma vez, minha dependência para com esse sentimentos negativos ainda é muito forte.

Ficamos em silêncio por um tempo, lidando cada uma com seus pensamentos, e então eu decido realmente terminar de comer, pois estou com fome, e apesar de não ser a melhor comida que já experimentei, me deixa satisfeita no final, quando passo para o café ela finalmente decidi falar novamente.

— Você sabe, trabalhar pode ajudar muito, é uma forma de independência, pode ajudar com todos esses sentimentos negativos que você tem sobre ser “bancada” por sua família adotiva.

— Você pode ter razão... mas eu não tenho nenhuma habilidade...

— Ah para, nem vem, eu já vi quão boa você é na escola, você tem muitas habilidades, é até irritante.

— Obrigada.

— Não foi um elogio, você sabe.

Nós duas rimos quando a cara mal humorada de Silver cai por terra. Posso sentir meu coração quente de emoção ao poder me reconectar com minha amiga, esse momento é definitivo, as coisas estão voltando a se encaixar.

— Você é praticamente um crânio, aposto que qualquer estabelecimento estaria agradecido por ter você no caixa.

— Você acha?

— Eu tenho certeza.

— Eu posso tentar isso.

Ficamos em silêncio por um tempo, observando o crepúsculo se aproximar.

— Você podia trabalhar comigo na loja da minha mãe.

Olho para ela com surpresa.

— O quê? A gente tá precisando mesmo de uma nova funcionária, a última só sabia confundir os clientes e manchar o balcão com esmalte cor vermelho vagaba, sem contar que é um saco cuidar daquilo sozinha enquanto minha mãe fica trancada no escritório secando uma garrafa de vinho ao invés de fazer a contabilidade.

— Você tem certeza?

— Claro, por que não?

— Eu vou discutir a proposta com meus pais.

— Ok, só me mande um currículo pra gente resolver toda a papelada.

— Pensei que vocês não estivessem procurando ninguém.

— Bem, tecnicamente não estamos, mas é legal ficar a tarde toda debochando dos currículos ridículos que entregam lá, você devia vir um dia, é hilário o que as pessoas colocam num papel quando estão desesperadas.

— Eu não sei se devia rir de algo assim.

— Eu sei, provavelmente vai ser isso que vai me condenar ao inferno no final. Vamos, vou te deixar em casa, preciso voltar, meu horário de almoço terminou.

Olho para fora da janela e vejo que estamos praticamente no meio da tarde.

— Está quase anoitecendo...

— Eu disse que trabalhava pra minha mãe, mas não afirmei ser a funcionária do mês.

Depois que Silver para na frente da minha casa, para minha surpresa, é ela quem fala para eu enfim falar com Erin.

— Você precisa ligar pra ela.

— Eu não sei...

— Eu não sou nenhuma santa, poderia muito bem ser uma vadia egoísta e ter você só pra mim. Esse não é o momento, o que é meio irônico – ela bufa e revira os olhos – você tem que ligar pra ela, tipo, pra ontem!

— Ok.

Desço do carro e fecho a porta, quando estou quase nos degraus Silver dá uma buzinada escandalosa que me faz virar sorrindo.

— Ah, e manda uma mensagem de texto pro Julian, ele não é tão exigente quanto a albina.

Depois do jantar vou para o quarto e ligo para Seth.

Antecipação faz cócegas no fundo do meu estômago, e eu prendo a respiração, esperando que ele atenda.

— Oi.

— Oi, você tá bem?

— Sim, está tudo bem... desculpe, não sei fazer isso direito.

— Não existe uma forma correta, você só pega, disca e diz “oi”, o resto vem naturalmente.

— Acho que sim.

— Aconteceu alguma coisa depois que você foi embora?

— Você sentiu algo?

— Não exatamente... – eu posso escutar seu sorriso antes mesmo dele se formar totalmente – eu não sou um bom mentiroso.

— Eu posso sentir.

Sua gargalhada de diversão faz meu rosto rachar num sorriso.

— Eu senti você. Senti que estava perto, e que estava tudo bem apesar de seus sentimentos serem um pouco confusos, mas eu senti.

Não sei como pude me sentir mal com isso antes, era tão bom ser entendida sem ter que detalhar cada sentimento e pensamento.

— Silver nos encontrou na saída da reserva, ela queria conversar. – penso em sua pose confiante e a expressão intimidadora, e conto a situação real – Na verdade ela bloqueou a saída e nos confrontou.

— Ela fez uma cena?

— Bem, uma cena, do jeito que Silver pode fazer.

— Acho que ela é minha favorita.

Sorrio com a fagulha de afeto que aquece meu coração ao ouvir ele dizer isso.

— Mesmo?

— Sim, ela estava preocupada o suficiente para confrontar você, independente de como se sente, ela parece ser bem persistente, e se importa o suficiente para ir até você, sem pegar leve e simplesmente mandar a real.

— É, ela é assim.

— Foi ruim?

— Não, de jeito nenhum.

— Então me conte.

— Ela não me tratou como um objeto quebrado, não amaciou as palavras ou foi cuidadosa, isso me fez sentir bem, normal.

— Ela é mesmo minha favorita.

Vem tão naturalmente que simplesmente deixo acontecer, e a sensação é tão boa, que a risada continua por um tempo.

— Eu adoro a forma como você ri – ele fica em silêncio depois de soltar isso, o seu silêncio mostra toda a sua vergonha, então ele suspira em meio a uma risada autodepreciativa e volta a falar animado – E então, ela chutou sua bunda por ter sumido sem dar notícias.

— Mais ou menos isso, e depois ela me ofereceu uma vaga de trabalho na loja da mãe dela, para que eu comece a construir minha independência aqui.

— Uau, isso é realmente generoso, e muito bom também.

O fato de nossa ligação ser de mão dupla ajudava muito quando ele tentava fingir que algo não o atingia, por isso quando ele tenta mascarar sua decepção com um tom de animação.

— O que foi?

— Nada, eu achei incrível, é algo realmente bom.

E não é mentira, ele realmente está feliz, mas a decepção está lá.

— Seth.

Quando ele cede em um suspiro sorrio ao perceber que ele não resiste tanto.

— Eu não consigo mesmo esconder nada de você, né?!

— É de mão dupla.

Dessa vez quando ele suspira há uma entonação de melancolia, e meu sorriso murcha, seja o que for que o esteja incomodando.

— Eu só não achei que teria que dividir mais ainda o pouco tempo que nós temos.

Ele tinha razão, apesar de treinarmos juntos a maior parte do tempo, não existiam tantas oportunidades para ficarmos a sós, quando na maioria dos encontros éramos assistidos de perto por um dos membros da minha família, ou Sam.

— Eu não pensei que... me desculpe Seth.

— Não se desculpe, não é um problema, nós vamos fazer funcionar.

— Sim, nós vamos sim.

— Vai ser bom, ela é sua amiga, amigos ajudam amigos.

— Eu também preciso ligar para Erin.

— Oh, então é sobre isso a ligação, imaginei.

— Eu realmente queria ouvir sua voz.

Coro profundamente ao perceber o que disse sem querer, ouvir o sorriso de Seth também não ajuda muito, posso ver seu sorriso em minha mente, senti ele nas pontas dos dedos dos pés, eu era um perfeito tomate no momento.

— É errado ficar feliz por isso mesmo você estando constrangida?

— Não, mas me deixa mais constrangida ainda.

— Não fique – ele respira fundo, como se fosse difícil – não pense, apenas disque e espere ela atender, faça como fez comigo, deixe o impulso te guiar. Você já conseguiu se conectar com Silver, que supostamente é a mais difícil de seus amigos, tenho certeza que Erin vai entender também.

— Você acha?

— Tenho certeza, é impossível ficar com raiva de você.

— Obrigada pelo incentivo, não sabia que era isso que eu precisava até você falar.

— Sempre.

— Sinto falta de um lobo gigante ocupando metade da cama.

— Deus do céu, estou morrendo de saudade também – ele faz um muxoxo característico de sua forma de lobo e riu de si mesmo – Agora eu vou desligar por que isso foi mais constrangedor do que eu pensava. Boa noite Ayira, ligue para Erin, durma bem.

— Boa noite Seth.

Ele não desliga imediatamente, ainda posso escutar sua respiração, e lutando contra minha vontade eu finalmente desligo, tenho algo pelo qual lutar agora.

Ligo para o numero da minha amiga e espero trêmula a cada toque, um medo rastejante congelando o meu estômago, pensar que Erin pode nunca me perdoar é um pensamento terrível.

— Alô?

Eu fico paralisada, o tom de sua voz parece tão indiferente que me faz travar, passo cinco segundos tentando me recompor.

— Oi, Erin.

— Hum, oi.

Não seja covarde Ayira...

— Eu preciso que você apenas me escute, e eu sei que provavelmente não mereço sua atenção, então só vou dizer o que preciso –respiro fundo, escutando apenas o silêncio do outro lado da linha, finalmente começo a falar- Eu sinto muito, por ter sumido sem aviso, por não ter entrado em contato em nenhum momento e deixar você no escuro, não foi justo, não depois da conversa que tivemos no seu aniversário, e eu entendo se você não quiser ter mais nada haver comigo. Eu não posso me desculpar pelo que aconteceu, por que ainda preciso lidar com isso, eu preciso de muito tempo e paciência, para entender todas essas cicatrizes que existem no meu passado, essas cicatrizes que continuam me machucando no presente. É difícil aprender a ser feliz com tantas coisas boas, quando eu não consigo apagar tudo de ruim que aconteceu antes.

Erin ainda está escutando quando dou uma pausa, eu posso escutar sua respiração, e então continuo.

—Eu só queria me desculpar, minha intenção não era excluir você, ou me afastar, eu só estava além da minha capacidade para me importar com as pessoas ao redor, porque não conseguia me importar comigo mesma.

Ela me escuta o tempo todo, sem dar um pio, quando termino há um silêncio constrangedor, a linha cai.

É isso, Erin nunca mais vai me perdoar.

Largo o celular e me jogo de costas na cama e encaro o teto, uma sensação de dormência paralisando cada membro do meu corpo, enquanto meu coração começa a quebrar.

Acabei de perder a minha primeira amizade de toda a vida, e eu já sabia disso, desde o momento que conheci a Erin eu soube que poderia quebrar seu coração.

E então o celular toca novamente.

Movida por uma força do além eu esperneio até encontrar o celular e atender.

— Me desculpe, eu precisava saber se era mesmo você.

Por algum motivo o universo tinha mesmo me dado uma segunda chance, e minha melhor amiga estava falando comigo, e eu só conseguia sorrir, como se meu rosto fosse rachar no meio de felicidade.

— Como?

— Apenas ignore, só a neura de sempre, você sabe.

— Você me perdoa?

— É, mais ou menos, na verdade, eu não preciso te perdoar, perdão é uma palavra tão forte... você não me ofendeu, isso foi apenas “coisa de adolescente”, não que eu esteja diminuindo a sua dor, oh não, eu não estou fazendo isso, o que eu quero dizer- ela respira fundo e dá uma risada autodepreciativa – é que o que eu senti por você ter sumido não é algo tão grave que não se possa se resolver com perdão, o certo seria eu te desculpar, então sim, eu te desculpo... – então ela para de forma fraca e parece respirar algumas vezes, quando fala de novo sua voz parece chorosa - mas, da próxima vez que você se sentir assim, promete contar pra mim?

— Eu vou tentar.

Do nada, toda minha felicidade se torna uma bola chorosa e dolorosa que sobe pela garganta, e por isso preciso engolir algumas vezes, e também piscar, para evitar as lágrimas.

— Bem, eu posso me contentar com isso.

— Eu te machuquei muito?

O som que ela faz quando assoa o nariz se mistura a uma risada autodepreciativa.

— Não é bem assim... é só que, eu pensei que você não quisesse mais ser minha amiga.

— Isso não é verdade.

— Bem, eu sei disso agora, mas antes disso... eu não sei, foi como o que aconteceu com Silver, mas menos ruim – silêncio e um suspiro frustrado – me fez pensar que eu não valia a pena, que não sirvo pra ser amiga de ninguém, sei lá, ainda tenho esses reflexos sabe.

Era o que eu mais temia.

Quando fiquei doente, não existia possibilidade de pensar em como isso ia atingir as pessoas que eu tinha acabado de conhecer, mas no momento em que me recuperei, tudo o que eu pensava era que talvez tinha magoado minhas duas amigas profundamente, e que podia estar fazendo elas passar pela mesma situação que passaram na infância.

— Você precisa me contar.

Ela parece surpresa por rir e isso me deixa feliz.

— Há há há, olha aí, você já tá usando minhas palavras contra mim.

— Estou tentando ser uma amiga melhor e pra isso eu preciso me comunicar melhor com vocês.

— Eu sempre volto pra isso, a garota albina bizarra, não consigo entender sabe, você tem esses dois outros amigos, que são certamente o auge da cadeia alimentar adolescente, a garota mais bonita da escola e o garoto mais popular, não faz sentido querer ser minha amiga.

— Você não é bizarra, certamente é albina, mas isso faz parte da sua aparência física, de quem você é. E você não é menos só porque Silver e Julian são bons em outras coisas, aposto que eles se sentem intimidados por sua inteligência o tempo todo, por que é isso que você é, a garota inteligente do bando.´

E é quando eu finalmente percebo.

Erin, Silver e Julian são o meu bando.

— Ser diferente é um saco.

— Eu sei.

— Ahn, dã, você pode até ser diferente, mas não é algo absurdo, eu diria meio extraordinário, visto que as pessoas estão mais preocupadas em admirar sua aparência do que encarar com descrença.

— Me desculpe.

— Não faça isso, a vida é como é.

— Você é merecedora de amigos Erin, se alguém como eu merece, então você também.

— Bem, acho que eu também preciso procurar um psicólogo para tratar isso.

— É, talvez.

Nós passamos o resto da noite conversando sobre o tempo que eu estive longe da escola, e depois de algumas horas, eu sinto como se nunca tivesse estado longe, porque é tão natural, a forma como Silver me tratou, ou como Erin acabou me conduzindo a uma longa e divertida revisão sobre o que eu estive perdendo em sala de aula, e eu não me importei, foi bom como sempre, mesmo a mensagem boba de Julian parecia certa, e ele não fez ser constrangedor ou estranho, apenas me respondeu da sua forma alegre de sempre.

Na semana seguinte, eu finalmente começo a me preparar para a escola, e quando chega o dia, é como um pesadelo, igual ao primeiro dia, todos aqueles olhares, os sussurros, só que eles não estão falando sobre a minha aparência, ou da minha família: eles estão falando sobre minha saúde mental, o tempo que estive longe.

Sinto o mundo se encolher ao meu redor, é como no pesadelo, tudo escurecendo e encolhendo ao meu redor, até que uma pessoa começa a andar ao meu lado, meu coração vacila, mas posso sentir, o cheiro de mar que Julian carrega consigo, e então Silver surge do meu lado, olho para ela com um sorriso de agradecimento e apesar de revirar os olhos, minha amiga enrola seu braço no meu.

Trocamos um olhar cúmplice e Silver sorri maliciosa, o dedo do meio se erguendo para duas garotas que parecem felizes em fofocar sobre mim. Ignoro sua rudeza e vejo Julian cumprimentar a todos, fazendo as pessoas ficarem distraídas com seu sorriso contagiante e confiança inabalável.

— É bom ter você de volta Hale.

Ele sorri de forma escancarada quando diz isso, seus olhos brilhando.

— É bom estar de volta.

As coisas voltam ao normal, e é como se eu nunca tivesse ficado longe, e na hora do almoço cada um dos meus amigos começam a se sentar na mesa, quando Silver aparece e se senta na mesa há uma certa tensão, e quando ela abre a sua salada e não encontra uma colher eu observo encantada quando Erin se senta ao lado dela, oferecendo uma colher extra, que minha amiga intimidadora aceita com um agradecimento sutil, sem olhar nos olhos da outra, mas já é um começo, com um comentário engraçadinho, Julian muda toda a atmosfera.

No terceiro período eu estou terminando uma redação quando Silver começa a me distrair com sua seção de beleza semanal.

Apesar de ser popular e impecável na sua aparência, Silver também é inteligente e dedicada, por isso ela já tem sua redação pronta, enquanto eu me afogo no meu perfeccionismo, sem contar que eu estava um pouco atrasada na matéria depois de ficar praticamente dois meses fora.

Apesar de estar quase terminando, não posso deixar de reparar em como ela está linda, como o cabelo, seus estilo parecia ter se relacionado também, ao invés de princesinha rebelde descolada, ela tinha se transformando em uma princesinha boho descolada.

Paro de escrever e olho para minha roupa.

Quando acordei de manhã e decidi que precisava me vestir para enfrentar o mundo não esperava ter que aguentar uma batalha de looks, ainda mais entre Alice e Rosalie, enquanto minha tia postiça tentava me obrigar a usar as novas botas de salto que comprara para me punir por destruir as anteriores, junto a calças jeans apertadas e uma blusa cropped, minha mãe adotiva insistia em um mini vestido com meia calça e sapatilhas bailarina.

No final resolvi o problema dizendo que eu precisava da roupa mais formal possível, pois estava indo para uma entrevista de emprego depois da aula.

Alice parecia em êxtase, enquanto Rosalie expressava seu desdenho num torcer de boca, pelo visto as duas tinham opções distintas sobre trabalhar.

Bella foi quem desempatou toda a briga escolhendo uma camisa social branca de manga longa, jeans escuro boca se sino e Converse.

Silver percebe que estou encarando como uma bobona enquanto ela dá volume ao seu long bob, ela tinha me dito que era um corte na hora do almoço, é despojado e combinou demais com ela.

— Quer um pouco? Esse frio todo tá acabando com meus lábios.

Encaro o gloss estendido como se fosse uma arma ofensiva, balanço a cabeça e volto a escrever minha redação.

— O que tá acontecendo com esse visual Au Pair?

Eu levei apenas dois segundos para responder a altura.

— Então, esse estilo garota boazinha descontraída é intencional ou você tá tentando se redimir com a sociedade?

Ela contraiu o rosto para trás em surpresa e sorriu de forma muito apavorante.

— Cristo, você tá passando tempo demais comigo!

— A culpa é toda sua.

— Muito obrigada.

— Rosalie e Alice não paravam de brigar, precisei usar a entrevista de emprego como solução, Bella meio que me salvou no final...

— Eu não acredito!

A sala toda se vira em nossa direção procurando pelo motivo do grito afinado que Silver dá, me encolhi na cadeira, encaro o professor com um olhar de desculpas, e isso faz ele balançar a cabeça uma vez e voltar a fingir estar avaliando alguma coisa.

— Eu não acredito que você deixa sua mãe e suas tias escolherem suas roupas?!

— Qual é o problema?

— Isso é bizarro Hale, até pro seu nível de bizarrice.

— O que tem de errado?

— Esse tempo todo eu me forcei a ser legal achando que você só estava passando por uma fase estranha da adolescência, mas agora que sei que é um problema externo, finalmente posso ser malvada!

Estreito meus olhos e penso em cada uma das vezes que Silver não se impediu de ser malvada comigo.

— Bem, vamos lá.

— Você é brega Hale!

— Era pra doer?

— Ah, relaxa, eu não espero tanto de você.

— Obrigada, acho.

— Graças a Deus você tem uma melhor amiga gostosa e estilosa, amém.

Eu nunca me senti tão constrangida ao ouvir uma frase, fecho os olhos com força e me arrependo de ter revelado esse fato sobre o meu vestuário.

Simples assim ela decide que eu sou seu novo projeto, ao invés de continuar incentivando, volto a minha redação.

Depois da aula vamos direto para a loja da sua mãe, e não fico surpresa em encontrar cada look que já vi Silver usar, pendurado nos cabides e manequins da loja, é como ver várias versões da minha amiga. Ela torna a entrevista de emprego numa verdadeira sessão de moda e eu sou obrigada a trocar de roupa várias vezes e segurar cabide após cabide enquanto ela começa uma bagunça infinita de roupas.

Toda vez que se lembra que minha mãe e tias escolheram minhas roupas, ela começa um faniquito e vomita palavras ofensivas, ainda não sei o porquê de ela se sentir escandalizada, talvez seja uma dessas coisas de adolescente.

E estou encarando o meu estômago nu no espelho quando Silver escancara a cortina do provador e me dá um olhar crítico.

— Cruzes, você é tão branca que resplandece!

— Isso foi um elogio?

— Mais ou menos, já pensou em colocar um piercing?

— Eu prefiro continuar com meus furos de nascença.

—Ah meu Deus! Nós temos que furar suas orelhas!

— Silver eu não acho que essas roupas combinam comigo.

— Bom, se você não aceitar meus conselhos de moda, é bom começar a ter iniciativa e escolher suas próprias roupas antes que eu faça um ritual para sacrificar a sua breguice.

— Certo, deixa eu ver.

Coloco minhas roupas de volta e então finalmente olho arara por arara, pescando peças que me agradam aos olhos, nada muito chamativo como o que Silver usa, mas também decido que roupas formais me deixam muito deslocada, desconfortável até.

Entro no provador novamente e começo a experimentar as peças que escolhi, tentando combiná-las ao meu gosto, suspirando uma e outra vez ao retirar uma peça diferente para vestir.

Do outro lado Silver finge estar olhando roupas quando começa um diálogo despretensioso, mas calculista.

— Como você se vestia antes de ser adotada?

Branco... infinito e puro branco...

Olho para minhas mãos e vejo uma bata branca de cetim, o tecido cobrindo minhas mãos, me afogando num vazio de branquidão, um sentimento de afundamento no fundo do estômago quando eu reprimo a lembrança amarga.

Meu silêncio parece ser o suficiente para acabar com as expectativas de Silver em fazer um interrogatório.

— Ruim assim?

Ergo os olhos e encontro minha expressão pálida no espelho, jogo a blusa num canto e respiro fundo antes de pegar outra blusa.

— Eu não tinha muito livre arbítrio.

— Ah, desculpe.

— Tudo bem.

Ela fica em silêncio por um tempo, entre uma troca de jeans sinto sua antecipação se construindo no ar e me preparo para mais uma pergunta.

— Como é?

Sei ao que ela se refere, mas finjo estar tentando pensar no que é enquanto fecho a calça.

— Ser adotada?

— É, ser adotada, entrar numa família estranha, ter que lidar com uma vida nova, sem saber se te pertence ou não.

A forma como ela usa as palavras machuca, e fico pensando se minha amiga não se ressente pelo meu estilo de vida, ou por todas as coisas que ganhei com tanta facilidade, quando eu não era ninguém. Não a culpo por seus pensamentos, sei que tudo se baseia no rompimento da sua família, nas cicatrizes que o divorcio deixou nela.

— É solitário estar no mundo, sozinho. Eu nunca precisei sentir se pertencia ou não aos Cullen, eles me receberam sem ressalvas, como se já me esperassem há muito tempo.

Foi assim desde o começo, e se eu senti alguma rejeição em relação a eles, se tratava de algo interno, projetado por mim. Enquanto que com a alcateia tinha sido diferente, com toda a luta para ser reconhecida e aceita, e tudo valeu a pena no final.

— Você já se sentiu só alguma vez?

A minha pergunta é súbita, mas de alguma forma eu já sei qual é a resposta, e no fundo esperava algo diferente.

— O tempo todo.

É injusto que ela pense assim, se ela soubesse metade do que acontece no mundo, nesse mundo secreto e sombrio em que vivo, todos os horrores pelos quais passei, toda a perda que tive que lidar, mesmo sem ter visto o mundo de verdade por metade da minha vida.

— Mas você teve pais, cresceu entre pessoas que te amam e zelam, imagino que perder isso seja doloroso, mas imagine nunca ter essa experiência, e sempre sentir falta do que nunca teve.

— O que você quer dizer?

Ela se sente ofendida, posso ouvir isso na sua voz, há um tom agudo.

— Acho que você, quer dizer, todos vocês... – eu respiro fundo antes de dizer as palavras – vocês são os verdadeiros sortudos, pois tiveram isso.

O seu silêncio é pesado e cheio de indignação e ressentimento, mas não é dirigido a mim. Isso não impede que eu me sinta envergonhada por dizer as palavras.

— Eu não tenho sorte, Erin ficou com essa parte, ela ainda tem um pai que ama ela.

Abro a cortina e enfrento seu semblante raivoso, os olhos agudos de tristeza.

Suspiro abalada por sua angústia, e penso que isso está longe de acabar, talvez eu nunca vou conseguir fazer essas duas pessoas incríveis se gostarem novamente, mas por enquanto, elas se suportarem o suficiente para estar ao meu lado, bastava.

— Eu não acho que seja assim Silver, a vida dela não é real, os pais dela não são felizes.

— Bom, eu preferia viver uma vida de mentiras, porque, sinceramente, o que eu tenho?! Uma mãe alcoólatra e depressiva que mal levanta da cama, um pai que foi embora e acha que mandar dinheiro todo mês vai resolver todos os nossos problemas?!

É como se ela tivesse despejado algo do peito, sua respiração está acelerada, o rosto corado, mas os ombros desabam e ela fica encabulada com a própria explosão.

— Sinto muito, eu não queria te julgar.

Ela desdenha com a mão e começa a recolher a bagunça que fez. Deixo ela fazer sua coisa e selecionei mais algumas peças que achei agradáveis para o dia a dia.

— Me diz, você também não é muito sortuda.

Aperto as roupas contra o peito e hesito diante da sua rudez habitual.

— Meus pais morreram quando eu era um bebê.

Isso faz ela parar um instante, seu olhar me analisando a procura de estragos. Essa era uma das coisas que eu mais gostava em Silver, ela não tinha medo de ser verdadeira e crua, mas isso não significava que ela não se importava, que não estava sempre medindo a intensidade de suas palavras.

Ela assente uma vez como se tivesse constatado que eu não estou machucada e então pega as roupas que escolhi e coloca sobre o balcão, para logo em seguida me entregar uma pilha de roupas dobradas e indicar uma estante cheia de nichos para roupas.

Começo a guardar as pequenas pilhas que ela dobra, até que estamos colocando os vestidos de volta nos cabides das araras.

— E pra onde você foi?

— Orfanato.

Ela sorri de súbito com um pensamento, e eu me sinto relaxar novamente.

— Sabe, quando meu pai foi embora e eu percebi o que estava acontecendo com minha mãe, eu pedi pra ela me mandar pra um orfanato.

— Estar sozinho no mundo é a pior coisa que pode acontecer a uma criança.

— Não, estar sozinha entre a sua família é pior.

Talvez ela tenha razão, eu estive tão presa à minha solidão, que não tive a oportunidade de conhecer as outras fases desse sentimento, do que acontecia quando as fatalidades da vida eram diferentes.

— O que você acha?

Quando termino de arrumar os cabides me afasto e dou um semi giro para demonstrar minha escolha de roupas.

Os olhos de águia de Silver me observam dos pés à cabeça em sua análise crítica e cínica e eu espero ansiosa por sua aprovação dissimulada.

Eu escolhi jeans azul escuro, camisa preta de manga longa e suéter marrom de cashmere, combinados com as novas botas de Rosalie. Talvez eu não as odiasse tanto assim, e pela forma como os olhos de Silver brilharam, ela provavelmente gostava delas também.

— Bom, mas temos um longo caminho pela frente, por enquanto serve.

— Obrigada, acho.

— Pois é, eu sou boa assim – seu sorriso não tem nada de bom, mas eu não consigo me impedir de sorrir de volta – ah, você está contratada!

As coisas começam a melhorar, e não é apenas em partes, é tudo, na minha família, nos meus amigos, entre Seth, está tudo se encaixando, e tudo que eu preciso fazer é continuar, aprendendo e lutando, mas dessa vez, a luta é só entre eu mesma e cada descoberta.

Pela primeira vez em dois meses finalmente consigo ter minhas melhores amigas num mesmo lugar, trégua estabelecida, nada de explosão nuclear de sentimentos negativos, as duas conseguem ser civilizadas, apenas soltando uma farpa de vez em quando para descontrair... Afinal, eu não posso mudar a natureza delas, e se o fizesse me arrependeria, pois as amo do jeito que são.

Então, quando digo no meio do almoço que gostaria de passar um tempo com ambas, Erin aceita o convite imediatamente e já começa a planejar um grande evento, Silver por outro lado aproveita a deixa para fazer piada sobre o entusiasmo da albina, a tensão se instala na mesa e só é quebrada graças à chegada afobada de um úmido e esbaforido Julian que não para de falar sobre o próximo campeonato, internamente fico agradecida e deixo que ele monopolize nossa atenção.

Na hora de ir embora estamos reunidas no pátio à espera da carona de Erin quando me distraio com o barulho de uma moto se aproximando, as duas podem ter acabado de começar uma guerra, mas eu não me importo, estou completamente imersa na sensação que desliza pela minha pele, meus dedos dos pés se curvando com o prazer da sensação de estar de volta à terra firme.

Ele está vindo...

Não consigo disfarçar meu olhar e observo ansiosa quando ele entra no estacionamento com sua segurança natural, como se fizesse parte do cenário e não tivesse problema algum para se encaixar. Sinto uma pontada de desconforto bem no fundo do peito por ter me esquecido que ele se ofereceu para me buscar, se não estivesse tão distraída com meu receio de fazer o convite para Erin e Silver, teria me lembrando.

Não estava preparada para apresentá-lo para os meus amigos, na verdade, não tinha sequer pensado nessa possibilidade quando ele sugeriu me buscar após a aula, estava distraída com a possibilidade de passar mais tempo ao seu redor, tempo de qualidade. Analiso meus sentimentos sobre a situação e percebo que não me incomoda de todo, bem, não até escutar o assovio alto e zombeteiro que Silver dá logo que o vê.

Assim que me viro para ela pego o cheiro que se impregna ao redor do estacionamento, me sinto balançada pela força dos hormônios que são expelidos de forma desenfreada no ar.

Levanto a mão para tampar meu nariz e paro no ato, olho ao redor e processo todo o burburinho produzido pelas garotas, sem contar que a fonte de todo esse hormônio vem da agitação delas.

Inalo mais uma vez com força a ascensão exagerada de hormônio feminino adolescente e franzindo o cenho sem saber ao certo o que está acontecendo.

— Wow, pecado moreno a vista.

Me viro para Silver e percebo que ela está sorrindo de forma apreciativa, os olhos focados em Seth, ela sente o meu olhar sobre ela e levanta uma sobrancelha cínica.

— O quê? Vai me dizer que você não tá vendo o cara gostoso da moto.

Certo... isso está ficando estranho.

—Não vejo o porquê da agitação, é só um garoto.

Silver faz um barulho de irritação e revira os olhos tão forte, que dói em mim.

— Deus do céu Erin, você é assexuada ou o quê?

Erin se empertiga e dá um olhar de esguelha inquieto na minha direção enquanto organiza os livros em seus braços.

— Não é meu tipo.

Silver coloca as mãos na cintura e olha a albina de forma sarcástica.

— Novidade, nenhum deles parece ser seu tipo mesmo.

Balanço a cabeça em cansaço e ignoro o embate das duas.

Volto meu olhar para Seth e assisto hipnotizada ele estacionar a moto ao mesmo tempo em que tira o capacete, seus dedos mergulham entre as madeixas negras de seu cabelo e os penteia para trás, o movimento é fluido e descontraído, ele desce da moto e apoia o capacete no retrovisor.

Seus movimentos parecem estar sincronizados com as batidas estranhas do meu coração.

Uma onda quente e intrusa desliza pelo estômago e me sinto corar profundamente, grunhindo baixinho para limpar a garganta eu mudo o peso de um pé para o outro e sinto a necessidade repentina de me distrair com a briga de Silver e Erin.

— Você sabe, metade das garotas do ensino médio vai acabar grávida ou presa por causa de caras como ele.

Me viro assustada para Erin e tento processar o significado da sua sentença, Silver percebe minha reação e faz um gesto de desdenho para o que a albina diz.

— Jesus Cristo, você não para de ser maluca nem um instante.

Olhando nervosamente na direção de Seth ela se vira totalmente para nós duas e ativa seu módulo palestrante.

— É um fato, meninos maus possuem grande influência sobre as decisões ruins que garotas tomam ao longo da adolescência.

— Tanto faz, eu não me importaria em ser corrompida... CACETE!

— O QUÊ?

Seja lá o que fosse que tinha acabado de fazer Silver corar pela primeira vez desde que eu a conhecia, tinha haver com Seth, bem, com Seth sorrindo na direção delas, na verdade, sorrindo na minha direção, para mim.

Ele tinha acabado de me ver, como não iria?

Nosso vínculo sempre nos guiava um para o outro.

Seu rosto de “garoto malvado” como diria Erin, tinha acabado de rachar em um brilhante e feliz sorriso de reconhecimento, a bagunça de asas de borboletas começam na minha barriga e não consigo mais controlar qualquer reação do meu corpo, apenas me deixo a mercê da sensação de cambalhotas torturantes que fazem meus pelos dos braços ficarem arrepiados.

Fico parada, sentindo o processo químico estranho e maravilhoso que a aproximação de Seth causa no meu corpo.

Esse é o estrago que o sorriso de Seth causa na minha psique.

— OHMEUDEUS OMEUDEUS, ELE TÁ VINDO PRA CÁ!

O gritinho assustado de Silver me faz parar de olhar para o garoto que caminha em nossa direção, assisto minha amiga cada vez mais agitada bagunçar o cabelo para um pouco de volume e então pressionar os lábios um contra o outro para espalhar seu batom vermelho.

— Às vezes você é tão inapropriada.

A expressão de asco de Erin é algo que ela não pode controlar, nem a irritação que se acumula nos seus olhos azul violeta.

— Shiuu, calada fantasma, assista um pouco de paquera adolescente!

Como perfeitas espectadoras nós assistimos quando Seth para na nossa frente e dá um sorriso tímido de covinhas, seus olhos brilhando com intimidade.

— Oi.

Calor desliza do meu rosto para o pescoço lentamente, engulo em seco e sou sugada por seu olhar, para um lugar seguro e aconchegante, assisto ele colocar o cabelo atrás da orelha e luto para tirar as palavras da minha boca, mas não sai nada, eu só fico parada, devorando cada detalhe do seu rosto familiar.

Quando eu acho que não posso deixar a situação mais constrangedora, Seth age, sendo ele mesmo, a pessoa mais gentil e extrovertida da terra, ele desvia sua atenção e se foca nas minhas amigas.

— Olá, é um prazer finalmente conhecer vocês, Ayira me falou tanto das duas que até sinto que são minhas melhores amigas também, ah, deixa eu adivinhar... você é Silver e  você a Erin!

Ele aponta respectivamente para cada uma, acertando de primeira, como se já as conhecesse há muito tempo, o que provavelmente é verdade, não surpreende dadas as vezes que ele esteve à espreita me protegendo, não seria estranho ele ter associado os nomes das garotas nessas visitas clandestinas.

Irritada com minha falta de controle eu respiro fundo e prendo a respiração, quebrando o transe o suficiente para perceber como Silver parece chocada, de queixo caído ela olha para Seth como se ele tivesse duas cabeças ao invés de uma, com Erin não é diferente, ela está tão desestabilizada que deixa os livros caírem e continua encarando ele.

— Oh, deixa que eu pego pra você.

Elas não fazem barulho nenhum, estão em choque, observando ele agachar no chão e começar a empilhar os livros em uma mão só.

Sentindo meu olhar pesado as duas olham na minha direção simultaneamente, acusação, confusão, desconfiança e surpresa exagerada se misturando em suas expressões.

Eu andava causando muito desse choque nelas, principalmente nos últimos meses.

Com uma careta de desagrado, Silver balança sua cabeça e ergue os ombros, dando um pigarro elegante ela olha de cima para um Seth prestativo, ele entrega os livros de volta para Erin, e percebo que ela ainda não saiu de seu choque inicial.

— E você é...?~

Ignoro a comichão de irritação quando vejo Silver olhar com interesse.

— Seth... este é meu... meu Seth.

Meu Seth...

Assim que as palavras escapam eu sinto um arrepio forte de constrangimento, no entanto, isso não me impede de também sentir antecipação, posso assistir as palavras atingindo Seth em câmera lenta, a forma como seu sorriso diminui e os olhos ficam mais suaves, seguro a respiração e mantenho meu olhar em seu rosto por tempo o suficiente para lidar com o peso dos olhares das minhas amigas.

É como positivo e negativo, elas me encaram simultaneamente, Silver parece convencida, suas sobrancelhas elegantes se levantando em curiosidade cínica, já Erin é outra história, saindo do choque ela junta as sobrancelhas e sua boca se torna uma linha fina e tensa.

Desconcertada com sua reação honesta eu desvio minha atenção de volta para Seth que parece prestes a explodir de felicidade com minhas palavras, ele não para de sorrir.

— Oh, seu hein, interessante...

Sugo meu lábio inferior e olho de volta para Silver, sendo a criatura desinibida que é, ela se veste de seu charme natural e começa uma conversa inquisidora com Seth.

— Ora, é um prazer conhecer você Seth, não estou surpresa em ser tão bem descrevida, você ao contrário... – ela me dá um sorriso satisfeito antes de ficar séria e dar uma checada nele – estou intrigada, não vejo a hora de descobrir o motivo da senhorita aqui o esconder por tanto tempo.

Seth riu deliciado, meu coração se acelera, entrando na brincadeira ele cruza os braços e dá toda sua atenção para Silver.

— Ah não, a culpa é toda minha – com um olhar aquecido ele se vira para mim – eu que a impedi de me mostrar ao mundo, gosto de ter ela só para mim.

Ele está flertando?

 Erin não perde tempo e logo faz sua inquisição particular.

— É bom conhecer um amigo de Ayira, estávamos começando a achar que tínhamos exclusividade... então, como vocês se conheceram?

Bem, ai está o maior motivo para eu não ter contado da existência de Seth para os meus amigos, como eu ia explicar que estávamos conectados por uma ligação sobrenatural sem contar que nós dois, somos criaturas sobrenaturais?!

Eu limpo minha garganta rudemente, impedindo que Seth comece a falar.

— Ahn, na verdade, nossas famílias são próximas, nos conhecemos há pouco tempo.

Isso parece convencê-las, mas não posso impedir que o assunto persista, sem papas na língua Silver faz uma pergunta espinhosa.

— Bem, eu não estou surpresa por você esconder o pedaço de mau caminho que é seu namorado, ele só está aqui há cinco minutos e os abutres já estão circulando.

Silver aponta ao redor, todos nós damos atenção à movimentação no estacionamento, todas aquelas garotas se reunindo e cochichando, uma massa feminina de atenção sobre o único círculo de amigos que possuo. Desconcertada eu desvio o olhar, mas desgostosamente encontro Silver dando um olhar de apreciação a Seth, este que percebe, dando um sorriso envergonhado e divertido.

Um pequeno monstro verde começa a sapatear na minha cabeça, posso sentir meu rosto e pescoço se aquecendo com um rubor, meu sangue cozinhando nas minhas veias.

Não posso me impedir de olhar contrariada para minha amiga, mas isso dura pouco, pois ainda desconheço a maioria desses sentimentos que tem me afligido, por isso forço gelo sobre meu corpo, impondo uma barreira entre tudo o que está acontecendo e eu.

— Obrigada pelo elogio Silver, mas nós somos apenas amigos.

— Ahan, claro, só amigos.

Certo, eu estou nervosa.

Seth dá uma risada, ele está se divertindo com o veneno de Silver.

— Erin, aquele não é seu pai?!

— Ah sim, definitivamente é ele.

Ela parece aliviada, até dá um pulinho.

— Você devia aparecer mais Seth, para nos conhecermos melhor, Ayira está organizando uma saída, você deveria vir com a gente.

Bem, talvez eu esteja absorvendo um pouco da animosidade que Erin sente por Silver, por que ela não para de flertar com ele?!

— É claro, podemos marcar um passeio em La Push qualquer hora dessas, vocês já foram lá?

Bem, ele parece não ter problema em devolver as provocações dela.

Olho sobressaltada para Seth e ele apenas me dá um olhar intenso.

— É para ser uma noite das garotas Silver, se você não estivesse se afogando no próprio perfume perceberia que Seth não possui dois cromossomos X.

Eu poderia abraçar Erin, nunca me senti tão agradecida por suas palavras, olho para ela e sorrio um pouquinho, seus olhos se estreitam enquanto as bochechas ficam rosadas.

— Ignore ela, Erin tem uma mania de monopolizar Ayira só para ela, se eu fosse você ficava de olho, só Deus sabe quais os planos malignos que se passam nessa cabeça translúcida.

— Não culpo ela, às vezes também sou egoísta sobre meu tempo com Ayira.

Ele não pode ficar fazendo isso, me olhando como se eu fosse a única coisa no mundo todo, toda aquela intensidade estava acabando com meu estômago, eu não sei por quanto tempo conseguiria ficar de pé, a sensação de borboletas no meu estômago não ia embora.

— Awn, ora se ele não é um fofo.

Seth inclina a cabeça confuso, e sorri sem graça.

— Obrigada, acho.

— Eu acho que vou passar mal.

Eu poderia concordar com Erin, mas eu não acho que esteja tão enojada quanto ela, só quero que esse momento estranho acabe antes que eu me transforme em algo que não sou.

Não pode ser ciúme... eu não sinto ciúmes...

Uma buzina estridente soou chamando a atenção de praticamente todo o estacionamento, nós assistimos o Sr. Donavan, o pai de Erin, colocou a cabeça para fora do carro e acenou animadamente.

Como boas crianças, levantamos nossas mãos e acenamos de volta.

— Não tem como ficar pior mesmo...

Erin sorri largamente enquanto fala entredentes, Silver usa o momento embaraçoso para sorrir ironicamente e se vira para acenar para Erin.

— Adeus albina.

O nariz de Erin se enruga em claro descontentamento.

— Você é tão... esquece. Seth, foi ótimo conhecer você, e ahn, obrigada pelos livros.

Ela levanta sua pequena torre e bombeia fora de equilíbrio, Seth se inclina rapidamente e a ajuda a se estabilizar, os dois trocam sorrisos aliviados.

— Igualmente Erin.

Virando devagar ela sorri para mim.

— Me liga mais tarde.

— Sim.

— Ok, certo, tchau.

Ela se vai toda afobada, quase derrubando seus livros uma segunda vez, assisto com o coração leve quando o pai dela desce do carro para abrir a porta do passageiro, ajudando a filha a guardar os livros no banco de trás. Erin quase nunca demonstra vergonha, não quando se tratava do seu pai ou mesmo dela mesma, e isso só me fazia sentir mais afeiçoada por ela, o sorriso em seus lábios enquanto ela escuta seu pai é a coisa mais profunda e intima que eu já presenciei em minha vida.

Eu nunca teria essa conexão com meu pai... nunca...

— Amém.

Ela diz isso com uma jogada de cabelo zombeteira.

— Silver!

Minha voz nunca é estridente, eu nunca sou estridente, esse dia tem que acabar logo, não estou me sentindo bem.

— Quê?

Eu não devia estar surpresa por ela não se importar com meu tom de voz repreendedor.

— Ayira tem razão, vocês duas se adoram.

A risada dele é a coisa mais incrível que já escutei, Seth divertido é... não existem palavras para descrever sua risada.

— Ela disse isso? – com um olhar de descontentamento fingido – você tem certeza que é

minha amiga?

A vontade de revirar meus olhos é grande, mas meu autocontrole é maior.

— Absoluta.

Ele me dá um olhar entrecortado, a sobrancelha mais arqueada do que nunca, apesar de todo o teatro, ela não pode me enganar, seu cheiro diz que tudo isso não passa de um pequeno drama.

— Vamos conversar sobre isso depois, então... Seth, como eu nunca te vi andando por Forks antes?

— Eu estou na faculdade, mas sou de Forks, nascido e criado.

Silver me dá um olhar que eu considero inapropriado para adolescentes de 16 anos, eu apenas olho de volta para Seth que sorri gentil.

— Um cara mais velho, uau Ayira, você algum dia vai parar de me surpreender?

Você não faz ideia...

Ela cruza seus braços enquanto me dá um empurrão amigável de ombro, então algo se ilumina em seus olhos cinzas, ela descruza os braços e os coloca na cintura, um sorriso curioso mostrando seus dentes brancos e bem alinhados.

— Oh, não me diga que você faz parte da comunidade Quileute?!

Ela também não para de me surpreender, nunca tinha pensado sobre os meus amigos se importarem com os Quileutes, achava que estavam envolvidos demais com a obsessão geral da cidade com os Cullen.

— Na verdade eles são uma tribo.

— Tanto faz – ela faz um sinal de deixa pra lá com a mão e continua – sem ofensa Seth, não tenho nada contra os nativos, na verdade sou super a favor de morenos gostosos andando por essa cidade branca de caminhoneiros ignorantes.

— Você é branca.

— Eu sei... Ayira, você está sendo uma péssima amiga, podia estar me apresentando para todos aqueles caras legais ao invés de me deixar sofrendo com a péssima qualidade de carne nessa escola.

— Você devia levar ela para uma fogueira uma noite dessas, ela iria adorar.

Ok, ele já me conhecia há alguns meses e nunca surgiu qualquer convite que envolvesse seus irmãos lobos ou fogueiras, ele conhecia Silver fazia cinco minutos e já era todo amigável e convidativo.

Eu precisava mesmo ir embora, não estava nada bem.

— Vê, cara, eu já amo o seu não namorado, ele tem ideias incríveis!

Bem, ao menos alguém parecia estar tirando o melhor dessa situação, Silver estava como um pinto no lixo, toda sorridente e saltitante.

Já chega...

— Ahn, é, a gente vai se atrasar...

A expressão de confusão de Seth não ajuda na minha mentira, fico ao lado dele tentando não olhar em seus olhos, Silver balança as sobrancelhas sugestivamente, o que com certeza não contribui para minha irritação.

— Oh, eu vejo, vocês não veem a hora de ficar a sós, tudo bem, eu sou completamente a favor da intimidade, nem vou ficar triste por estar solteira como uma tiazona enquanto vocês se divertem.

— Nós temos um compromisso na casa da prima de Seth.

— É claro, vê se me liga, para discutir sobre a nossa saída, não posso deixar Erin transformar isso numa visitação a um museu... Seth, foi uma surpresa encantadora conhecê-lo, espero te ver em breve.

Ela simplesmente atinge um nervo quando se aproxima para dar um beijo francês nas bochechas de Seth, e depois se afasta todo sorrisos como se não tivesse feito nada demais. Meu estômago revira, mas dessa vez não tem nada haver com borboletas, mas sim com o monstrinho verde.

— Igualmente, foi bom ver com meus próprios olhos a destemida Silver.

Dessa vez eu realmente evito olhar para Seth, posso escutar sua diversão com tudo, o infeliz está adorando o show da minha amiga. Ela parece sentir minha atenção persistente sobre ela, vejo contentamento brilhar em seu rosto, ela sabe que está me irritando, solto a respiração desconcertada.

Com um último olhar irônico e provocador, ela começa a ir embora.

— Você realmente é minha amiga, está perdoada.

Vejo ela ir embora com seu rebolado de garota má e me forço a assistir toda a sua confiança até que consiga controlar meus sentimentos inseguros.

Essa é a primeira vez que me sinto desconfortável, dessa forma.

— Você está pronta?

Eu não respondo, não consigo, por isso apenas me viro e saio caminhando na direção da sua moto, não espero por ele, na verdade, se não fosse o infortúnio de ele ser minha carona, eu adoraria manter uma boa e prolongada distância dele. Meu coração bate agitado, me sinto azeda, irritada... meu sangue parece zumbir quando escuto as garotas do estacionamento começarem com o burburinho, suspirando e falando alto, admirando a aparência de Seth em alto e bom som.

Pego o capacete extra preso ao banco e o coloco, quando ele se aproxima parece hesitar por um momento, mas logo monta na moto, quando me sento atrás tento manter a maior distância possível entre nossos corpos, minha impaciência gritando para partimos o quanto antes. Isso não está nos planos de Seth, pois ele continua sem dar partida, quando ele vira seu rosto por cima do ombro para me olhar eu fico tensa.

— Você está bem?

É incrível como todos estes sentimentos negativos que estou sentindo não conseguem afetar nem um pouquinho o calor que penetra meu coração quando eu vejo o rosto dele. Não posso controlar essa afeição desenfreada, nunca vou conseguir olhar em seus olhos escuros e sorridentes sem sentir-me abraçada e acarinhada. Isso não significa que eu não possa controlar as minhas palavras.

— Incrível.

Minha resposta é curta e fria, impassível.

Sinto isso o atingir com força, pois ele franze o cenho em confusão, ele pisca os olhos algumas vezes como se não pudesse entender, mas então dá um sorriso trêmulo e se vira para ligar a moto.

— Se segura.

Meus braços vão em direção a sua cintura automaticamente, mas eu congelo no meio do ato, minhas bochechas pegando fogo, estreito meus olhos e procuro as laterais da sua jaqueta de couro para me apoiar.

Olho para o retrovisor e fico indignada com o sorriso divertido em seus lábios.

Fecho a cara e finjo que não temos praticamente uma infinidade de minutos até minha casa.

Quando ele finalmente estaciona na entrada da casa eu me torno dura e fria, numa velocidade nada humana eu desço da moto e me viro para correr.

Assim que fecho a porta me arrependo do rompante.

Além de ter batido a porta com força exagerada, causando um som abrupto que reverbera por toda a casa, parada a minha frente está Rosalie em toda sua glória de beleza e elegância, olho para o seu rosto emoldurado por ondas douradas e solto a respiração com força, sua expressão é tão incrédula e humana que me faz registrar meu erro instantaneamente

Estreito os olhos tentando me convencer que não fiz isso, mas assim que levanto as mãos sinto a proteção ao redor da minha cabeça, fecho os olhos com força e esfrego a vergonha do meu rosto. Olho novamente para minha tia postiça e suspiro frustrada diante do seu olhar desdenhoso, ela apenas se vira e sai desfilando em seus saltos.

Me viro como uma perdedora e saio de casa, evito olhar em sua direção até que estou na sua frente, e me arrependo de levantar o olhar, pois sou obrigada a assistir sua expressão adorável se contorcer em agonia para conter uma risada.

Apesar de tentar se reprimir ele não pode evitar que seus olhos sorriam, minha bochechas coram violentamente, pois estou agindo como uma boba, mordo os lábios para impedir que o riso autodepreciativo saia e olho para ele.

— Tudo bem?

Como ele pode ser tão paciente e atencioso?

Tiro o capacete e o entrego, ele sorri abertamente, um daqueles sorrisos que me faz perder o fôlego.

Como diria Erin... o sorriso devassador de garoto mal... bem, talvez Seth tivesse apenas uma centelha disso, pois esse sorriso tinha mais carinho, sempre teria.

Minhas bochechas pinicam dolorosamente, e deixo de me conter apenas para me livrar do incômodo, pelo menos é isso que digo a mim mesma.

Quando eu sorrio sinto toda a enchente de sentimentos incômodos se despejando, indo embora, deixando apenas o calor do sorriso amável de Seth invadir o meu coração e mente.

— Posso ir te buscar amanhã de novo?

— Sim.

Com um último olhar intenso ele vai embora.

Passo o dia inquieta com meus pensamentos, não quero ficar pensando no que o meu relacionamento com Seth está se tornando, não quero ter estes sentimentos por ele agora, é muito cedo, ver nossa amizade começar a se transformar em outra coisa é muita coisa de uma vez. Eu mal tinha começado a descobrir o que é a amizade, ainda estou aprendendo isso com Silver, Erin e Julian.

Só pensar que nós dois podemos nos tornar mais me deixa apavorada.

Tentando me livrar da tensão decido que preciso passar mais tempo com minhas amigas, assim coloco em prática o plano “noite das garotas”.

Tenho um momento estranho ao pesquisar sobre como realizar uma chamada de vídeo e começo a ficar mais nervosa ainda, até baixar o aplicativo e conseguir elaborar cada passo de forma correta já estou suando de nervoso, o que é atípico a minha biologia híbrida. Não me lembro de suar tanto assim desde os treinos com Jasper e Sam.

Ligo a câmera do computador me sentindo uma alienígena, encosto contra a cadeira enquanto o som de chamada ecoa pelo quarto, durante a espera eu encaro as fotos de ícone que minha amigas escolheram, a de Erin é uma surpresa, ela tem uma foto de Einstein dando língua, enquanto Silver se vangloria de sua beleza em uma foto provocante onde manda um beijo no ar.

A câmera de Erin é a primeira a se abrir, ela está deitada de bruços em sua cama, um sorriso brilhante rasgando por seu rosto fresco e desprovido de cores, sinto meus ombros se encolhendo ao relaxar quando percebo que ela acabou de sair do banho, o cabelo ainda úmido, penteado para trás das orelhas.

Ela pisca seus cílios esbranquiçados e não consegue parar de sorrir.

Me sinto desconcertada por sua felicidade, meus lábios se separando num sorriso tímido e levanto a mão incerta sobre cumprimentar ela com um aceno.

— Olá.

— Ei você...

Ela está prestes a dizer algo quando a câmera de Silver se abre de uma vez, ela está empoleirada em uma cadeira giratória como a minha, pintando as unhas dos pés de violeta, o cabelo enrolado numa toalha estampada com rosas, seu pijama é uma combinação de cetim elegante e elaborada, a roupa em si a faz parecer mais velha, madura.

Sua interrupção é brusca e intencional.

— Caramba Hale, não sabia que você era dotada de tal conhecimento tecnológico.

— Não seja mesquinha.

Quando Erin franze o cenho os seus lábios também se enrugam, o lábio inferior se projeta para cima, ela nunca pareceu tanto como um bebê quanto agora, talvez seja a falta de maquiagem.

— O quê? Não vai me dizer que não ficou surpresa com essa façanha?

Silver me dirige um olhar sujo através da câmera, um que eu ignoro com prazer, me deixo ser absorvida pelo sorriso animado de Erin.

— Agradavelmente.

Silver para de pintar as unhas e revira os olhos dolorosamente, bufando com desprezo.

— A que devo sua ilustre e repentina atenção criatura das cavernas?

— Você devia simplesmente desligar ela.

— Não comece uma guerra que você sabe que vai perder albina.

Bom, talvez eu não estivesse incomodada pela experiência em si de realizar uma chamada de vídeo, mas sim pelo que aconteceria se eu estivesse conectada com ambas as minhas amigas, que eram na maioria das vezes extremos opostos, inimigas/amigas. Depois da última semana eu não sei se conseguiria lidar com a pequena e desnecessária guerra de atenção que as duas exerciam na minha presença, era tão irrelevante, se elas pudessem apenas se sentar e colocar tudo em pratos limpos... talvez nós finalmente pudéssemos aproveitar cada momento que tínhamos juntas, a adolescência não parecia ser fácil para ninguém, imagina para mim.

— Eu me contentaria em dar a vocês o tratamento do silêncio durante essa experiência frustrante.

As duas param abruptamente o embate esganiçado e ficam encarando, o choque está estampado no rosto das duas, elas ficam assim por um tempo antes de se recuperarem. Erin deve ser muito infeliz por ser tão pálida, pois mesmo através de uma imagem borrada de câmera seu rosto não pode esconder um intenso rubor, Silver por outro lado apenas levanta uma sobrancelha cínica e limpa a garganta.

— Foi mal.

— Desculpa.

Meu cenho se franziu.

Isso é novo, eu não sou o tipo de pessoa que pode ser levada ao limite tão facilmente, eu sou de longe a pessoa mais paciente que conheço, e muito disso era o que mantinha minha perseverança para unir as minhas duas melhores amigas, apesar de elas se sentirem relutantes a isso.

Eu estou mudando, e mesmo que não queira, só tenho uma pessoa a quem atribuir essa confusão de sentimentos que tem me transformado: Seth.

Quando minha mãe adotiva invade o quarto me sinto aliviada pela interrupção, e então culpa substitui esse sentimento, apesar de apreciar que ela tome as rédeas da situação, não posso deixar de sentir culpa por fazer minhas amigas conhecerem minha família de forma tão informal.

Alice se coloca nas minhas costas e me envolve em um abraço carinhoso, seu rosto se apoiando em meu ombro.

— Não me diga que essas são as famosas Silver e Erin.

Assisto divertida a reação simultânea das duas ao ver o rosto de minha mãe pipocar na tela ao lado do meu.

Silver é a mais ágil, mesmo humana ela consegue ser mais rápida que Erin, ficando ereta ela arranca a toalha do cabelo e o joga para trás dos ombros, o esmalte é empurrado para o lado e ela coloca os braços cruzados sobre a mesa casualmente, um sorriso armado de confiança no rosto limpo.

Erin ao contrário tem um momento engraçado de quase escorregar da cama quando tenta se sentar, ela coloca o computador sobre o colo e não consegue esconder sua admiração.

— É bom saber que minha fama me precede.

— É um prazer conhecê-la senhora Hale.

Silver e eu franzimos o cenho com a formalidade de Erin.

Olho para a nossa imagem na tela e fico absorta, é quase como se fossemos irmãs, a beleza imortal se assenta aos nossos rostos numa juventude quase infantil, e se minhas amigas não estivessem tão envolvidas nesse espasmo de admiração teriam percebido como Alice parecia jovem demais para se passar por mãe, e que ela poderia ser considerada uma adolescente, como nós.

Disfarço minha reação rapidamente, pois a ideia de Silver estar pensando o mesmo que eu é preocupante.

— Alice, pode me chamar de Alice, querida.

Minha mãe dá um sorriso petulante para minhas amigas embasbacadas.

— É um prazer conhecer uma das figuras mais ilustres da nossa chuvosa e mundana Forks.

Fecho meus olhos me sentindo torturada pela forma que Erin está agindo e finjo que não posso quase escutar o som de Silver revirando os olhos.

— Bem, acho que você não é a única a qual a fama precede Silver.

Minha amiga mais ácida se incha de contentamento ao ouvir seu nome sair da boca de Alice.

— Eu não achei que vocês se conheceriam dessa forma, então, essa é Alice, minha mãe adotiva, Alice, essas são minhas amigas, Erin e Silver... mas você já as conhece, tecnicamente.

— Olá, como vocês estão?

— Oiii.

As duas dizem ao mesmo tempo, sorrio desconcertada com como elas soam como duas garotinhas super excitadas.

— Estou muito bem, digamos que este é um momento que excede todas as expectativas, como você bem deve saber sua filha não é a melhor amiga da tecnologia, quem dirá uma amiga dedicada à aglomeração adolescente.

Silver faz questão de não esconder seu sarcasmo, ela parece não se importar em ser ela mesma frente a adultos.

— Apenas ignore Silver, Ayira é uma boa amiga, nem todo mundo é dominado pela necessidade de se manter conectado. Além do mais, Ayira é mais das antigas, ela prefere o método tradicional, é um refresco considerando que toda amizade nesse século é construída através da hierarquia social midiática...

— Oh meu Deus Erin, você vai matar Alice de tédio!

Alice cai na risada enquanto minhas amigas entram em mais uma mini guerra, e é dessa forma que a coisa toda segue, eu tentando mediar entre as duas e Alice simplesmente quebrando meus esforços ao incentivar mais uma troca de argumentação fervorosa entre elas, e ela está se divertindo tanto que simples assim no meio da conversa sugere que façamos uma reunião no final de semana, na nossa casa.

Eu tento demostrar minha relutância com vários argumentos para contornar esse convite inusitado, mas a excitação das minhas duas amigas sai por cima e ganha, sem contar que Alice faz questão de dizer que a família vai precisar fazer uma viagem a Seattle, e que assim nós podemos ter a privacidade de ter um momento só de garotas.

A parte da viagem é fachada, eu sei que a família está na verdade indo caçar, eles precisam se alimentar, por isso é tão oportuno que a casa esteja vazia para Alice planejar nossa festinha de três. É claro, Erin fica surpresa com a liberdade que minha família me dá, ela não hesita em questionar isso a Alice, está que responde de forma descontraída que confia cegamente na filha, e apesar de me esforçar não consigo esconder um rubor e fico mais envergonhada ainda quando Silver me dá um de seus olhares maliciosos antes de encerrarmos a chamada.

Alice e Rosalie passam a semana toda organizando a festa do pijama, e em meio a escola e toda a organização, começo a perceber que meus sentimentos por Seth estão evoluindo mais rápido do que esperava. Meu medo pelo desconhecido desse novo sentimento começa a me deixar pilhada, e graças a isso entro no piloto automático. Perco as contas de quantas vezes Jasper precisou me dar um puxão de orelha, ou quando Sam gritou muito alto para chamar minha atenção quando quase rasgou meu estômago num dos exercícios. Não era só nos treinos, na escola os professores tentavam chamar minha atenção quando eu parava de prestar atenção, ou quando não respondia a uma pergunta.

Meus amigos também percebem que estou distraída, e começam a fazer perguntas, como uma péssima mentirosa eu preciso omitir toda a minha angústia, dizendo sempre que se trata apenas do estresse que toda a organização de sua mãe e tia em relação a festa do pijama, o fato de elas realmente estarem monopolizando todo o evento parece enganar seus amigos, Silver logo fica distraída pela possibilidade de conhecer Rosalie e ignora o resto, enquanto Erin desconfiada pergunta se é só isso.

Omissão é a palavra chave nessa situação.

Estou tão distraída com meus pensamentos que não percebo quando ele se aproxima.

Julian me pega de surpresa, pelas costas, cobrindo meus olhos com suas mãos quentes, e sei que é ele imediatamente, seu cheiro invade meu olfato e brinca nos meus pulmões, e apesar de preocupação ligar sinais de alerta em todo o meu cérebro, ignoro minha falta de atenção e simplesmente entro na brincadeira.

É impossível resistir a Julian, sua felicidade é contagiante.

— Adivinha quem é.

Ele sussurra no meu ouvido direito com uma voz risonha, seu hálito quente faz cócegas.

— Ahn... eu diria que é uma criatura do mar, mas, peixe não nada em cloro.

Julian solta uma gargalhada genuína ao escutar minha piada sem graça, ele tira suas mãos dos meus olhos e fica na minha frente, se inclinando ele me dá um beijo estalado na bochecha, o gesto faz calor subir para o meu rosto.

Apesar de ter me habituado às suas demonstrações espalhafatosas de afeição, ainda assim não posso deixar de me sentir surpresa sobre como os seres humanos necessitam fervorosamente do contato físico para se expressar. Se não fosse por Julian e sua persistência leve e divertida eu provavelmente não teria conseguido romper minhas barreiras o suficiente para apreciar essa ligação única, eu não saberia da força e significado de um toque.

— Continue assim e você vai ser mais engraçada do que eu um dia.

Ele pode estar sorrindo, mas não é o sorriso em seus lábios que me faz ficar envergonhada, e sim o que está em seus olhos. Está me cegando, esse sentimento crescente que vejo cada vez mais em seu olhar quando ele está perto de mim.

Olho para os meus pés antes de lhe dar um olhar conspirador.

— Eu tenho um professor muito aplicado.

Sua sobrancelha levanta tão alto que quase alcança a raiz cor de areia do seu cabelo úmido, respiro fundo quando vejo uma intenção que nunca vi antes nele: malícia.

— Oh é mesmo?!

Eu devia ter medo, mas estou tão tentada por essa nova nuance de sua personalidade que apenas entro na brincadeira, incentivando ele.

— Julian, não faça!

É claro que ele faz mesmo assim. Abraçando minhas coxas ele me ergue para o alto e gira sem parar, minha gargalhada balança todo o meu corpo e ele ri maravilhado enquanto continua a girar.

Eu não tenho medo, apenas confio nele, sei que não há possibilidade alguma de cair dali.

Nunca me senti assim, leve e suave, sem nenhuma preocupação ou tensão, nunca me deixei apreciar o suficiente um momento como esse, deixando ele se estender até que essa felicidade momentânea finde.

Na verdade, eu nunca gargalhei dessa forma, não me lembro de ter acontecido alguma vez.

E só percebo o real motivo dessa maravilhosa distração quando Julian me coloca de volta no chão, lá está à razão desse momento de descontração. Parado no meio do estacionamento, apenas existindo para ampliar cada sentimento positivo que estive sentindo nesse momento de descontração.

Ele está apenas lá, parado em pé na frente de sua moto, sua expressão fechada pela primeira vez, os lábios entreabertos numa expressão de mágoa, os olhos duros e cheios de barreiras. Meu sorriso se desfaz e todo o alívio vai embora com os últimos resquícios de diversão, me afasto dos braços de Julian e ele percebe a mudança na minha postura seguindo meu olhar até onde Seth está.

— Algo errado?

Desconcertada, sim, é assim que me sinto, pela primeira vez, o que eu sinto quando Seth está perto parece não me acalmar de todo, há essa distância que não estava ali antes, suspiro frustrada e desvio meus olhos dele para me virar para Julian, sua expressão também não é de toda reconhecível, mas eu não consigo me concentrar nisso agora.

— Não, ahn, eu preciso ir, falo com você depois?

— Ah... tá, ok, você não quer...

Eu não posso lidar com sua mágoa agora, meu coração está me puxando para Seth.

— Certo, tchau.

Me afasto antes que ele se despeça e vou em direção a Seth, assim que começo a andar em sua direção ele me dá as costas e vai para sua moto, mal coloca o capacete e já está passando uma perna pelo assento.

Quanto mais perto, mais intensa é a distância afundando como um buraco entre nós, diminuo meus passos e paro incerta sem saber o que fazer, minha respiração presa queima no meu peito.

— Você está bem?

Sua expressão quieta não demonstra nada, os olhos ainda longe, parados onde eu estive antes, provavelmente vendo um confuso e chateado Julian.

— Sim.

A sua resposta fria me faz tremer, e quando ele entrega o capacete percebo que evita tocar minha mão de propósito, meu suspiro trêmulo é engolido pelo motor da moto quando é ligada. Continuo olhando ele, o capacete pendurado na minha mão, apenas espero por uma reação diferente, mas ele não me olha, só fica encarando a saída do estacionamento com uma expressão vazia.

— Pronta?

Não me olha quando pergunta, e sua paciência calculada é o que me faz colocar o capacete, meus dedos tremem quando sento atrás dele, minhas mãos hesitantes quando busco segurar nos seus ombros como sempre, assim que o toco ele fica tenso. Eu afasto minhas mãos tão rápido como se tivesse as colocado no fogo.

Prendo a respiração com força e sufoco o soluço de rejeição que cresce em meu peito, uma dor angustiante invadindo meu corpo quando percebo que ele não me quer tocando ele. Continuo prendendo a respiração por todo o caminho, angústia emergindo entre nós, a distância crescendo de forma dolorosa e lenta enquanto meus pensamentos se engolem de forma desenfreada, sem entender o que provocou isso, o que eu fiz para deixar ele assim, a ponta de não me querer perto.

Não sei se me sinto aliviada ou triste quando chegamos rápido demais.

Ele para a moto e espera que eu desça, sem falar nada, sem olhar para trás, ele apenas deixa a moto ligada e espera.

 Como uma tola, eu me deixo rastejar mais um pouco, me sentindo miserável em cima da moto, esperando que ele fale algo, que reaja.

Dois segundos passam, e de certa forma, eu só espero que ele diga as palavras, mas ele não vai.

Derrotada eu solto minha respiração, choque de dor sacudindo meu corpo quando eu desço, minhas mãos quase partindo as alças de segurança no ato de tirar o capacete, e assim que eu entrego  ele já está dando partida na moto.

É como se ele me desse um tapa me fazendo retroceder um passo para trás, meu corpo vacilando um pouco, e como se pudesse sentir o que eu senti, ele encolhe os ombros num reflexo da dor que me causou.

É tão irracional que estejamos agindo dessa forma, depois de tanto tempo trabalhando, elaborando cada conversa, debatendo sobre as formas como podíamos nos comunicar... e aqui estamos, nós dois, sendo tolos e ignorantes, deixando algo nos afastar.

Algo que eu não faço ideia do que é.

Indignação ferve na minha cabeça, e sem pensar ou entender, eu deixo meu corpo agir por ímpeto, minha mão se estendendo desligando a moto, arrancando a chaves de forma violenta e as jogo no chão atrás de mim.

É infantil e dramático, e apesar do meu rosto corar brutalmente, eu me agarro a indignação e apenas encaro ele de volta quando me olha pela primeira vez no rosto, uma expressão dolorida franzindo o cenho, os lábios numa linha tensa, é como se ele estivesse chateado comigo, por estar o torturando.

É ele quem está me torturando com essa situação estranha e desconfortável!

— O que está acontecendo?

Não consigo impedir que a indignação saia em minha voz, e meu sussurro quase sai como um grito quando o questiono.

— Nada.

Ele desvia os olhos do meu rosto e dá uma respiração afiada pelo nariz que reverbera por seu peito, eu vejo quando ele treme contendo algo que parece não querer compartilhar comigo. Eu olho para ele gravando cada detalhe de sua linguagem corporal, se eu não o conhecesse o suficiente, acharia que estava contendo o lobo, mas não é isso, é mais como se ele quisesse conter seus sentimentos, esconder eles de mim.

— Por que você está agindo desta forma?

Eu prendo a respiração quando minha acusação o acerta, ele vira seu rosto num supetão e seus olhos se apertam, o rosto todo se aperta na defensiva, e não vacilo, apenas o encaro, procurando o meu Seth em seu olhar que queima em intensidade.

— Desta forma?

Ele me pega desprevenida, pois eu não tive tempo para pensar no que ele estava sentindo, ou o motivo do comportamento incomum, comportamento esse diga-se de passagem não parece nada com ele.

Demoro um minuto a mais e mesmo assim ele continua parado esperando, seus olhos correndo pelo meu rosto, sua paciência atinge um nervo e me faz desviar os olhos e tomar algumas respirações. Eu olho para a floresta e penso em como foi doloroso quando ele se afastou do meu toque, me fazendo sentir pequena e indesejada, como se não valesse a pena.

O pensamento estala desencadeando um flash de memórias. Todas as vezes que eu o ignorei, tentando ficar longe, com medo do que sentia, insegura sobre o que nós tínhamos.

Todas as vezes que eu o afastei.

Suspiro me sentindo cansada, e um pouco da dor vai embora, meus lábios tremem quando decido falar, mas minha voz não falha.

— Você está me afastando.

Ele solta um bufo de frustração quando desce da moto, o vento se move quando ele passa rápido ao meu lado, evitando a todo custo se aproximar.

Eu me viro e assisto quando ele começa a procurar pela chave que eu joguei no chão, minhas mãos se contraem em ansiedade e a vergonha por ter feito algo tão infantil volta com tudo, cruzo os braços contra o peito e deixo essa emoção tomar conta de mim.

Ele continua bufando, remexendo na terra, olhando atrás dos arbustos.

— Bem, veja só – ele chuta um pouco de terra, mas não se vira quando fala, apenas continua procurando - não é bom experimentar da própria dose!

Ele parece um doido, olhando debaixo das pedras e debaixo das escadas, e se o momento não fosse tão tenso, eu teria rido da situação, mas assim que ele para, seus olhos se fechando com força quando ele afasta o cabelo para longe do rosto, tentando controlar o seu temperamento, eu finalmente percebo que não posso o manter aqui, não contra sua vontade.

Ele não está conseguindo se concentrar, e me sinto envergonhada o suficiente para agir em seu favor, com meu orgulho ferido eu vou pisando forte até ele, desviando do seu corpo quando passo para chegar até a escada, onde eu vejo suas chaves brilharem em um dos degraus, escondida por pouco atrás de uma folha. Eu as pego e mesmo antes de me virar completamente eu as jogo para ele, seus reflexos perfeitos o ajudam a pegar a chave no ar.

Sua cara é a de um bobo, pego numa situação constrangedora, o olhar encabulado em mim.

Minha expressão é austera, posso sentir isso se concentrar no meu cenho franzido.

— O que eu fiz?

Ele esfrega o rosto com as duas mãos e olha pra longe, a tez franzida, os ombros caindo em derrota.

— Eu não sou assim, eu não ajo dessa forma... é melhor eu ir pra casa, te ligo depois.

Sentindo pânico crescer dentro do meu peito eu apenas sigo o ímpeto e me deixo agir.

Nada importa mais nesse momento do que manter ele perto, e não vai ser meu medo irracional de tocar ele, ou o de me transformar sem motivo, que vai me impedir de resolver esse mal estar desnecessário. Tudo o que importa é que eu não gosto do que estamos fazendo um com o outro, essa dor e distância que surgiu entre nós, e não vão ser meus temores que vão me impedir de melhorar as coisas.

Preciso fazer ele ficar, eu quero que ele fique.

Sem medo, apenas necessidade eu o impeço de ligar a moto, minha mão cobre a sua.

Não tinha como prever minha reação, fico imediatamente subjugada pela sensação do toque da sua pele na minha, e dessa vez sou eu quem controla, eu que posso determinar quando termina.

Não consigo controlar o arrepio quando seguro sua mão, como reajo a sensação de Seth ofegante surpreso pelo gesto, apenas encarando nossas mãos juntas, os lábios entreabertos, respirando devagar e mesmo assim seu peito é uma bagunça tremendo.

Nós dois estamos paralisados, apenas olhando para nossas mãos em contato, e eu não me mexo, deixo o seu tremor formigar na ponta dos meus dedos, o seu calor aquecendo minha pele, causando conforto e ao mesmo tempo temor. E devagar assim, com cautela e um cuidado admirável, ele vira sua palma lentamente para cima, meus dedos deslizando como água entre os dele, a pele áspera e seus calos fazendo cócegas na minha pele delicada, um caminho de energia deslizando entre minhas terminações nervosas.

Meus olhos se erguem para se encontrar com os seus, e a intensidade que encontro em seu olhar quente me deixa mole, e sem resistência eu dou um passo à frente e encosto meu quadril no motor da moto, minha mão se apertando na sua, procurando apoio inconscientemente.

Nesse momento eu não consigo controlar as sensações, posso apenas sentir, e não faço ideia de como processar esses sentimentos, por isso, deixo apenas acontecer, posso me preocupar com o resto mais tarde. Eu assisto ele umedecer os lábios com a ponta da língua e meu rosto cora profundamente, me fazendo desviar meu olhar de volta para nossas mãos, me encantando mais uma vez com a beleza do contraste das nossas peles juntas.

— Por que é tão difícil... comigo?

Sua pergunta é cautelosa, totalmente em desacordo com seu sussurro sem fôlego.

— Por que eu não consigo me controlar quando te toco.

Simples assim, a verdade se derrama, fico tão estarrecida pela minha honestidade. Mas ainda mais pela força quase física da intensidade de seu olhar, por isso ergo meu rosto, encontrando seu olhar.

— Me desculpe por fazer cena... eu não costumo sentir ciúme, essa é nova.

Meus olhos piscam e minha boca se abre em choque, e toda a angústia no meu peito é substituída por uma sensação leve e contagiante, uma mistura de choque e diversão que se manifesta num rubor de constrangimento.

Como eu não vi isso?

— Você estava com ciúmes?

O rosto todo dele cora, ele desvia os olhos e morde o interior da bochecha, não consigo controlar a sensação borbulhante no peito, e apenas deixo isso subir para o meu rosto, até que chegar aos meus lábios, sorrio apenas por um instante, canalizando a vontade incontrolável de tocar seu rosto.

— Sim... agora estou me sentindo um completo babaca.

Com sua mão livre ele afasta o cabelo do rosto e suspira chateado.

— Por que você sentiria ciúmes?

Seu olhar óbvio não é tão óbvio assim e ele fica momentaneamente agitado em perceber que vai ser obrigado a falar em voz alta, mas não vacilo e mantenho meu olhar paciente sobre ele.

Seth não consegue esconder as coisas, ele precisa dizer, não existe espaço para sentimentos negativos dentro dele, por isso simples assim ele cospe a resposta, um pouco envergonhado por ter que admitir.

— Por causa de Julian

Eu fico sem palavras por um instante, pensando em todos os argumentos e fatos que eu preciso explicar para ele para mostrar quão desnecessário é esse sentimento dele, mas percebo que não é sobre isso agora.

— Você não precisa sentir ciúmes de Julian, nunca... Julian é meu amigo.

— Bem, eu também sou seu amigo.

— Não.

Ele olha em confusão.

— Não, você não é apenas meu amigo, você é mais... é a minha vida.

Ele aperta minha mão, sua expressão vulnerável e comovida, ele fecha os olhos e joga a cabeça para trás em frustração.

— Me desculpe por ser um babaca... é só que – ele morde o lábios inferior com força e então me olha rápido antes de desviar os olhos novamente, não rápido o suficiente para evitar que eu veja o sentimento que brilha em seus olhos, um misto de embaraço e inveja – é tão difícil ver ele tocando você daquela forma.

— De que forma?

Parece tortura, mas é apenas eu tentando nos fazer dizer as coisas, sem meias palavras, apenas a verdade nua e crua. E apesar de demonstrar sua vergonha ele não me priva da verdade dos seus sentimentos.

— Como se fosse permitido, como se não fosse te fazer correr.

Machuca voltar a isso, mas essa é uma das coisas que eu decidi melhorar, e é importante saber como ele se sente sobre todas as coisas que eu fiz para afastá-lo, eu preciso encarar isso.

Sinto o ímpeto de desviar os olhos do seu rosto, mas luto contra, lágrimas ardendo nos meus olhos, pisco rápido algumas vezes e controlo a emoção.

Vejo quando seu olhar suaviza, a sua mão apertando a minha em conforto.

— Você nunca me disse que se sentia assim.

Seu rosto se curva, os seus lábios se contraem num sorriso de canto, e ele parece mais confidente do que envergonhado quando diz as palavras, seus olhos se erguendo para assistir minha reação.

— É doloroso ter que dizer ao centro do seu universo que dói tanto ter que lutar por cada toque.

Isto era o que eu vinha lutando para evitar, estava cedo demais para este tipo de honestidade, para a crueza dos sentimentos que estamos compartilhando, e eu não podia corresponder ele a altura, não quando me sentia impelida a desacelerar todos esses sentimentos caóticos que não paravam de se atropelar.

E ao mesmo tempo em que desejava que não estivesse acontecendo, também sentia essa antecipação, esperando por cada palavra, cada muro caindo e revelando algo pelo qual eu não esperava, cada pequeno e precioso momento de verdade. Descobrir como ele se sentia era assustador e ao mesmo tempo excitante, podia sentir a adrenalina correndo pelo meu sangue, me fazendo respirar mais fundo.

— Não lute... você é... você é cheio de luz e pureza, as vezes te olho e simplesmente não consigo, é tudo tão intenso e honesto...

Eu paro incapaz de conseguir colocar em palavras o que eu quero dizer, minha mão se apertando contra a sua, buscando força, e encontrando apenas essa eletricidade que faz os pelos dos meus braços se arrepiarem.

Queria que o tempo parasse, congelasse esse momento, por tempo o suficiente para que eu reunisse forças para ser mais corajosa.

— Me diga como te ajudar.

Eu sei que ele quer, posso sentir isso no seu toque, na intensidade da sua voz que implora que eu deixe ele me ajudar. Mas essa é uma coisa que eu preciso fazer sozinha, é minha luta para lutar, só entendendo meus sentimentos eu poderia compartilhar com ele o que estava acontecendo entre nós dois.

— Não tente tanto, apenas me deixe dar cada passo... ao menos até eu parar de surtar.

Eu sorrio em auto depreciação e ele dá uma risada breve que faz meu cenho franzir, como se tivesse machucado, e machuca, ver ele sorrir dessa forma, desarmado e exposto, seu coração numa bandeja... dói de um jeito diferente.

— Você não surta.

Eu solto o ar num bufo aliviado, é bom diminuir a tensão do momento.

— Esse é o nome menos ofensivo para descrever o que acontece comigo.

Seus dedos se enredam nos meus, fazendo pequenos círculos na palma da minha mão, pequenos toques confiantes, sem malícia ou pretensão, ele ainda tem seus olhos no meu rosto, e por isso sei que o carinho é inconsciente.

— Eu não estou reclamando, eu adoro a forma como as coisas estão indo... é só que, não sei, eu sinto que tudo está indo muito rápido, mesmo que eu queira desacelerar... as vezes só sai do controle.

Então ele simplesmente diz isso tudo, e este é o sinal pelo qual eu esperava, saber que ele tem se sentindo como eu em relação a como estamos nos envolvendo, é um alívio, compartilhando nossos temores podemos chegar a uma conclusão sobre como proceder daqui pra frente.

— Só... me deixe dar um passo de cada vez.

Ele assente solenemente, seus olhos encontrando os meus, procurando algo, seja o que for que ele estava procurando parecia ter encontrado, pois um sorriso vulnerável e compressivo surge em seus lábios e a única coisa que me impede de me aproximar mais é a forma como eu sinto meu corpo começar a se agitar.

Eu não estou livre do meu nervosismo de todo, não tem como se livrar de tudo de uma vez só.

— Eu posso fazer isso... enquanto puder segurar sua mão... eu consigo.

Com um último aperto em minha mão, ele se solta e coloca o capacete, a chave ele dá um último aperto em sua mão e então vai embora.

Eu fico assistindo a sua motocicleta se distanciando, até virar um ponto negro fazendo a curva, e assim que ele desaparece da minha vista, eu finalmente sinto o vazio da sua ausência, fazendo meu corpo parecer mais leve, como se minha alma fosse um balão suspenso apena por um nó frouxo, sendo balançado pela brisa.

Sinto uma onda de saudade tão forte que preciso conter um soluço repentino, fecho meus olhos com força e deixo o ar balançar meu corpo para frente e para trás, fico tanto tempo assim que perco a noção do tempo. Quando abro os olhos novamente me forço a me mover. Talvez fosse a sensação de Seth longe, o efeito do imprinting apenas, mas a cada passo dado na escada, eu podia sentir isso crescer, uma sensação de vazio e escuridão, um mau presságio.

Eu entro pela porta e sinto o tempo desacelerar, estou em câmera lenta, andando em direção a agitação inquietante concentrada no cômodo mais próximo, a sala, onde cada membro da minha família está reunido.

Eu paro logo na entrada, segurando minha respiração, meus olhos percorrendo cada um deles, até encontrar Edward, parado em pé ao lado do piano, encarando lá fora, seu olhar perdido em um ponto qualquer.

Meu coração metade humano começa a bater rápido demais, ninguém olha no meu rosto, cada um está preso em sua própria reflexão, e eu espero, minhas mãos se apertando ao redor da alça da mochila tão forte que poderia parti-la a qualquer momento.

E quando eu procuro por ela seu olhar encontra o meu imediatamente.

— Nós os encontramos.

Eu finalmente solto minha respiração.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Será que vocês conseguem adivinhar qual parte do capitulo eu mais amei?
Vamos lá kkk, tentem adivinhar, quero saber se vocês conseguem, e me digam qual parte vocês mais gostaram!
Aguardo ansiosa.
Beijos L.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Luar Puro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.