Coisas que as Janelas Não Dizem escrita por Lyes


Capítulo 1
Krissy


Notas iniciais do capítulo

AAAAAAAAAAAAAa
Olha a atrasada do rolê, meu pai. Isso, Iara, deixa pra terminar as coisas de última hora e acaba correndo até morrer, confie no seu potencial.
Meus temas foram: Presenteando seu amado e o viciado em chocolates.
Eu decidi tipo ontem que vai ser uma two-shot e que vai ter a visão do Kentin, mas não vai ser agora xD
Tipo, em algum momento sai, juro pra vocês.
AVISO: É uma carta, viu?
Espero que gostem ♥



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Ele. Hipoteticamente, a questão era ele.

Certo, não é hipoteticamente. A questão era ele, sim.

Os olhos cor de grama fresca e os cabelos cor de chocolate ao leite.

O vinco entre as sobrancelhas e os braços cruzados em momentos de concentração.

Bagunçar os cabelos e inflar as bochechas em momentos de frustração, andar de um lado para o outro, apostando corrida consigo mesmo como se essa fosse a maneira mais rápida de se resolver um problema. Voltas e voltas na cozinha, remexendo os sacos de farinha, tentando se manter na linha, pronto para arrancar da consciência aquela desconfiança mesquinha, enquanto picava mais e mais salsinha, enquanto ela, a vizinha… observava pensando em mais palavras com inha para seu… poem...inha?

Não.

Poema, poema, desenho, desenho, rabiscos, poemas no meio de desenhos e qualquer coisa difícil de compreender que misturava rabiscos, poemas e mais desenhos. 

Era vergonhoso juntar as peças e perceber que, em como uma música da Taylor Swift ou em um filme adolescente clichê, você estava apaixonada pelo seu vizinho. Simples assim, com todas as letras e toda a beleza da falta de noção ou de continuar pelo mesmo caminho sem saber o que fazer, bem ali, presa entre o agora e o nunca.

Não, nada disso foi pensado. Faça dia ou faça sol isso sempre vai ser mais um amontoado de pensamentos e de observações sem sentido nenhum que só continuam porque você não pensa demais e não tenta filtrar o que está acontecendo. Você só entende a necessidade de não tentar entender quando deixa fluir. Era aquele tipo de gostar. Por um lado era divertido, do outro dava um aperto no coração, como se estivesse embrulhado como um bombom, do outro era meio frustrante como saber onde seus pais esconderam seu chocolate, mas não conseguir alcançar. Era um pouco de tudo isso, uma alquimia acidental, sentimental, não literal, experimental, mas essencial. Era esse tipo de sentimento sem consentimento.  

A cozinha é um lugar maravilhoso, sério. Tanto pra mim… corrigindo, pra ela, quanto pra ele. As janelas eram grandes e a vista era quase que maravilhosa… ou não. Eu não quero desperdiçar essa página, então vamos mais uma vez…

A cozinha é mesmo um lugar legal. As janelas gêmeas eram exatamente do mesmo tamanho, como um espelho meio estranho onde você podia ver a realidade de outra pessoa! Por mais que você não quisesse ver, é claro. Ou talvez você quisesse…

Aquelas tardes esparramadas na bancada eram como uma experiência de laboratório, sem os ratos e todos aqueles aparelhos estranhos, é claro. Ele, o garoto na janela, nunca pareceu ligar para a garota da outra janela, a da “janela gêmea”, que só para constar, não tinha pudor nenhum. Ela passava as tardes em cima da bancada, sentada, desenhando ou “poemando”, enquanto olhava para o sol e para o garoto que quase sempre estava na cozinha.

Aquele garoto meio baixinho, que usava um óculos fundo de garrafa e que fazia biscoitos e bolo para todas as crianças da vizinhança, conversava com todo mundo, estava lá quando alguém precisava de ajuda, sempre fazia as pessoas sorrirem, odiava injustiças, amava doces, adorava cozinhar e sempre se dedicava ao máximo para que todos se sentissem bem.

Como aquele aparentemente fosse o lugar favorito dele, ele quase sempre estava lá, sim. 

Até que, em algum momento, não estava mais. 

Simples assim. Ele não esteve por lá por um bom tempo. 

Ela sabia que tinha alguma coisa a ver com pais, patricinhas e colégio militar. Não exatamente nessa ordem. Ele teve que ir e ela não conseguiu dizer nada, nem mesmo um “Oi, muito prazer, vim dizer tchau.”.

Ela não o conhecia, não de verdade. Se observar alguém pela janela for considerado conhecer, quem sabe… Mas como todos nós sabemos que não é, então a verdade absoluta continua sendo a de que ela estava apaixonada por um garoto que não conhecia, um garoto que ela observava pela janela da cozinha. 

Alguns poemas foram escritos, alguns desenhos foram feitos, alguns rabiscos foram rabiscados e alguns suspiros foram suspirados. Uns sorrisos aqui e ali, um pouco de vermelhidão por motivos de vergonha e um pouco de sangue correndo rápido demais, aqueles ingredientes tão subestimados de uma paixonite… essas eram as coisas que quebravam aquela barreira composta por timidez, um punhado de grama, uma cerquinha branca, mais um punhado de grama e mais um pouco de timidez. 

E esse era o máximo de contato que existia entre os dois, fim. 

Isso mudaria uns meses depois, mas como dizer isso é spoiler, vou direto ao assunto para evitar maiores estragos por motivo de curiosidade: 

Você voltou alguns meses depois. 

Digo, ele voltou alguns meses depois, é.

Alguns meses depois de aquela cozinha gigante ficar vazia de vez, vazia com aquela aparência tecnológica e futurista que fazia aquilo se parecer com qualquer coisa, menos com um lar. Enquanto, literalmente por outro lado, a outra cozinha também gigante e vazia de vez, mas vazia com aquela aparência aconchegante e calmante de verde e marrom (como grama fresca e chocolate ao leite), parecia poder se parecer com tudo, principalmente com um lar. 

Óbvio que a cozinha que transbordava amor era a do garoto. Como grama fresca e chocolate ao leite, sim.

Quando paramos para olhar para trás, parece que percebemos todas as oportunidades perdidas e situações que não soubemos viver, todas as pessoas que passaram pela nossa vida, bem do nosso lado, mas que nunca pararam pra dizer “oi”. 

Eu vinha pensando muito nisso nos últimos tempos, mas não tinha chegado à conclusão nenhuma, não até aquele momento. Não até te ver alguns centímetros mais alto, com um corte de cabelo bem diferente, sem os óculos fundo de garrafa, totalmente diferente mas mortalmente igual, enquanto andava de um lado pro outro pela cozinha, pensando se deveria ou não tentar mais uma vez.

Aquele momento me dizia tudo o que eu precisava saber, pelo menos naquele momento. Então, chega de escrever em terceira pessoa. Chega de ser uma mera observadora do garoto da janela, uma mera espectadora da minha própria história. Estava na hora de traçar um plano, inventar uma desculpa para derrubar aquela barreira de timidez, grama, uma cerca e mais timidez.

Foi assim que eu sumi da janela por uns dias.

Passei um tempo procurando a melhor das melhores ideias, para que fosse à prova de falhas, o plano dos planos, desses com palavras repetidas para expressar o quão magnífico era.

Confesso que cogitei bater na sua porta e dizer as coisas que estavam rodando e rodando pela minha cabeça “nossa, o que você está fazendo aqui? Eu não te vi chegar” ou “O que aconteceu com você? Há poucos meses você era um garoto e hoje em dia é, hm, um garoto um pouco maior?”, “O que você fez todo esse tempo?”, seria engraçado, talvez bizarro, um pouco ridículo, então… descartado. Com toda certeza a minha cabeça tão organizada quanto os galhos de um ninho de passarinho me faria soltar alguma coisa muito, mas muito esquisita.

Eu também poderia fazer todas as perguntas que eu quis fazer todo esse tempo… Por que você foi embora? Por que demorou tanto pra voltar? O que você faz no fim do dia? O que faz com toda a comida que cozinha? Por que você só cozinha quando seu pai não está em casa? Qual é seu prato favorito? Por que parece tão relaxado e ao mesmo tempo tão contrariado enquanto cozinha? O que você mais gosta de fazer? Por que você e sua mãe ficam tão tristes e quietos quando seu pai está em casa?

Ou eu poderia só ir até a sua casa e dizer que eu gostava de você, para resolver todo aquele problema criado na minha cabeça. E essa parecia ser a melhor das opções. Então comecei a matutar sobre o melhor dia, o melhor horário, o melhor momento, a melhor posição dos astros, a melhor semana de acordo com a numerologia… mas tudo se resolveu quando eu olhei no calendário e eu percebi que a data perfeita já estava batendo na minha porta.

Passei mais alguns dias longe da janela, pesquisando como fazer o chocolate perfeito. Ou melhor, pesquisando como fazer chocolate, porque eu era aquele tipo de pessoa capaz de queimar até água. Depois de muita seriedade, pesquisas, dias em que me senti uma grande alquimista, estudar os melhores ingredientes e fazer uma lista gigante do que comprar, finalmente fui ao mercado e voltei cheia de sacolas, com tudo o que eu precisava.

Dias depois, quando parei de olhar os ingredientes como se eles fossem um quebra-cabeças extremamente complexo, peguei a receita e comecei a minha jornada.

Eu juro, eu fiz tudo certo! Bem, quase tudo. Se estivesse certo de verdade, eu não teria quase queimado tudo e acabado na situação em que acabei. Mas esse é o charme a história, porque é aí que você faz a sua entrada triunfal.

Literalmente.

Eu estava lendo a receita pela décima vez, muito concentrada checando se eu tinha feito tudo certo sem me esquecer de nenhum detalhe importante. Tudo parecia no lugar, exceto que faltava um pedaço enorme da receita e eu não fazia a mínima ideia de onde poderia ter enfiado. Suspirei, dei de ombros e fui procurar. Nada na cozinha, nada na sala, nada no meu quarto… Suspirei mais uma vez e continuei a minha busca, até que encontrei aquele pedaço crucial dentro da banheira. O meu sucesso dependia daquele pedaço de papel. Peguei-o e continuei a minha jornada alegremente, sem nem me lembrar de um pequeno detalhe: o fogo estava ligado enquanto eu tentava derreter o chocolate pra começar a receita. Segundo o papel que eu tinha acabado de achar, eu não deveria ter me afastado do fogão e supostamente deveria estar lá, mexendo o chocolate para evitar um desastre. Mas parece que alguns desastres não podem ser evitados.

Ou talvez, sim. Porque depois de tropeçar e esbarrar em todos os móveis da casa na minha jornada apressada até a cozinha, percebi que aquele era o começo de tudo, o primeiro passo para quebrar qualquer barreira ou qualquer coisa que insistisse em se colocar no caminho: a janela finalmente havia deixado de ser um espelho, ufa.

A panela estava fora de perigo, o fogo estava desligado, o chocolate estava intacto e você estava ali, bem no meio da minha cozinha. 

As janelas abertas, a minha e a sua, me diziam tudo o que eu precisava saber. Mas é claro que você iria tentar dizer alguma coisa. 

— Ia queimar e… você não estava por perto, então… Eu entrei pra, sabe? Tentar ajudar e… E eu já estou de saída! 

Você se embolou, corou e gaguejou, enquanto dava meia volta e ia pra perto da janela, pronto para sair por onde entrou.

— Espera!

Você me olhou com curiosidade pela primeira vez desde que eu te olhei pela primeira vez. Era bom te ver interessado por alguma coisa. Tão bom que eu me mantia na janela observando você, mas essa parte da história você já sabe.

— É que… hm… 

Nessa hora eu me enrolei pensando em como usar as palavras que usaria pra te dizer para “sair pela porta”, dando a entender, na verdade que eu queria que você ficasse. Mas eram pensamentos opostos demais, então até dentro da minha cabeça em que quase tudo era possível de acontecer, isso parecia improvável.

— Você que quer que eu, hm… fique? Digo, quer ajuda? E-eu posso ajudar, se não for um problema.

Não respondi. Já que você disse tudo que eu queria dizer, só sorri e peguei mais um avental no armário. E acho que isso expressava bem a minha opinião sobre o assunto.

“Com certeza”.

Quando você acendeu o fogo de novo, eu me sentei no balcão, apoiei os braços nos meus joelhos e assim continuamos com a nossa rotina, naquela dinâmica que nunca ficava cansativa: você cozinhava e eu fantasiava.

 Dessa vez eu estava lidando com um ângulo totalmente diferente. Podia ver a parte de trás do seu cabelo cor de chocolate ao leite, a sua nuca e um pouco dos músculos do seu ombro por dentro da blusa. Era uma visão diferente, diferente que não deixava de ser bonita. Porque em todo aquele tempo te observando da janela, eu só via o seu perfil. Quando eu tinha um pouco de sorte, pegava um vislumbre ou outro do seu rosto por completo, mas na maioria das vezes eu observava aquela parte de você, desde as listras do suéter, o cabelo bem cortado perto da orelha e a haste do óculos até a pontinha afilada do seu nariz. 

Mas agora que não podia mais ver mais nada do seu rosto e achava meio indelicado ficar reparando nas suas costas (por mais bonitas que elas fossem), voltei ao meu jogo favorito: imaginar qual expressão você estaria fazendo naquele exato momento. Mordendo o lábio encarando uma receita difícil de interpretar? Aquela cara que faz quando encara um legume difícil de cortar? Aquele sorriso infantil de quando sente o cheiro de uma fornada de biscoitos? Ou aquela de completa paz que faz, como se mais nada no mundo importasse e aquele fosse o seu lugar?

Mas… por que eu precisava imaginar se agora você estava no meu lugar? Você estava a centímetros dos meus dedos, tão perto, muito perto e tão longe, muito longe… Meus pensamentos corriam pela minha cabeça e alguns impulsos fracos corriam pelos meus braços. Eu queria estendê-los, inclinar meu corpo e provar pra mim mesma que agora você estava fazendo do meu lugar o seu lugar, também. Seus movimentos fluidos e suaves me diziam tudo o que eu queria saber. 

“Com certeza”. Mas não parecia ser o suficiente. 

Eu queria chutar pra longe todo o bom senso e a formalidade que me impediam de me pendurar no fogão pra analisar todos os traços do seu rosto, queria chamar o seu nome e dizer tudo o que vim pensando nos últimos meses, te perguntar tudo o que queria saber nos últimos dias e te ouvir falar por mais de uma década. 

Porém… era coisa demais pra tempo de menos. Mas… quanto tempo era demais? 

É difícil dizer.

Muita coisa é difícil de dizer, na verdade.

— Inclusive, eu não me apresentei. Meu nome é Kentin. — Você me tirou do meu emaranhado de pensamentos enquanto ainda cuidava da delicada tarefa de derreter o chocolate. Demorava tanto assim? Ou eu estava pensando por tempo demais?

Mais uma vez, quanto tempo é demais?

Balancei a cabeça para evitar de me perder no meio daquela conversa extremamente importante. 

“Oi, meu nome é Krissy. Ok, não é Krissy, é Krishna, mas todo mundo me chama assim. Eu meio que já sabia seu nome, sua mãe me disse uma vez… Eu te observo pela janela, mas juro que não sou psicopata! Eu só gosto de você. É, eu gosto de você. Gosto bastante, então por que não nos sentamos como duas pessoas normais e temos um encontro normal?”

Acontece que eu não sou normal. E o fato de eu ter ensaiado as falas algumas vezes dentro da minha cabeça provavam muito bem meu ponto.

Muitas coisas que eu fiz desde que te vi pela primeira vez provavam o meu ponto, na verdade.

— Krissy. — Murmurei, como se estivesse meio insegura com o meu próprio nome.

Mas não era isso, tá?

Ok, era sim. Porque a cada segundo eu me segurava mais e mais pra não soltar tudo de uma vez e me atropelar em meses e meses de pensamentos que eram filtrados por aquela janela. Então eu precisava escolher bem as palavras antes de tudo acabar num desastre culinário e emocional. 

Mas quando você soltou aquele risinho soprado e balançou os ombros, todos os meus esforços explodiram como fogos de artifício e se espalharam pelo ar. Eu queria, com todas as forças da minha alma, que você fizesse aquilo de novo. Que você fizesse um monte de coisa, na verdade. Eu queria tudo o que você quisesse me mostrar, tudo aquilo que você estivesse disposto a revelar.

Antes, o garoto da janela era como um filme, um sonho. Eu não podia interferir, só olhar… mas agora que eu tinha a oportunidade, eu precisava saber. 

Eu era egoísta e não queria abrir mão de finalmente poder te conhecer. 

Eu pretendia sentar na bancada e contar quantas maçanetas e quantas coisas cinzas a cozinha tinha. Quantos eletrodomésticos começam com “e”? Quantos deles realmente usávamos? Ou eu poderia fingir estar fazendo meu dever de casa, também.

Eu poderia fingir tanta, mas taaaanta coisa.

Eu poderia, sim.

Eu… Mas sabe o que eu queria?

Eu estendi as pernas, pulei da bancada e caminhei até parar do seu lado.

Você.

Eu queria me aproximar de você.

Não só no quesito físico da coisa, era fácil demais. Estava cansada de só observar. Algo sempre me disse que você era muito mais do que eu podia ver, sempre. Desde o momento que você criou uma nuvem de farinha na cozinha e tirou os óculos para limpar as lentes, eu vi um pouco mais do que uma janela, um pouco mais do que outra janela, um pouco mais que grama, cercas e timidez, um pouco mais do que biscoitos e chocolate ao leite, um pouco mais do que o verde dos seus olhos…

Eu vi você. E eu queria mais, queria te ver mais.

Mas agora que tínhamos quebrado essa barreira, eu queria mais ainda. Mesmo sem saber muito bem o que isso significava.

Você sorriu pra mim. E eu meio que sorri pra você. Essa era a nossa nova dinâmica. Você sorria e eu sorria também. Era pouco, mas significa muito pra mim. Porque fazia todos os ingredientes daquela paixonite se misturarem e criarem uma coisa totalmente nova. Que eu também não sabia o que era, mas o gosto era bom.

Tudo o que fizemos juntos tinha um gosto muito bom.

Naquela tarde que passamos juntos, até os biscoitos que eu queimei, a cobertura que deu errado e o caramelo que quase foi parar no teto tinham um gosto bom. Passamos a tarde toda gastando todos os ingredientes que eu tinha comprado fazendo doces pra vizinhança todinha. Eu finalmente tinha entendido por que você gostava tanto daquilo. Eu finalmente entendi o motivo de você andar por toda a cozinha, da expressão contrariada, do vinco nas sobrancelhas, a frustração, os braços cruzados e toda a paz que você sentia quando terminava.

A cozinha era um lugar maravilhoso, sim.

Eu não queria mais aquelas tardes em que estava esparramada na bancada. Eu queria mais coisas doces. Biscoitos, bolo, caramelo, cupcake, chocolate, sua risada, sua companhia… 

E foi assim que eu percebi que eu não me importava mais. 

Porque nada foi feito pra durar. 

Então por que eu estava me contendo tanto? Logo eu, que não tinha pudor nenhum. Logo eu, que não ligava pra formalidades e nada do tipo. Eu seguiria com o meu plano até o fim, sem dúvidas.

Enquanto você olhava orgulhoso para o nosso trabalho, eu peguei todos os bombons que fizemos, todos todos. Todos aqueles chocolate que eram o meu objetivo desde o princípio, que eram a parte mais importante do meu plano que na verdade não tinha nada de plano. Com os braços cheios de chocolate, parei ao seu lado e tentei conter a vontade de dizer tudo aquilo que eu não tinha planejado. Porque infeliz ou felizmente, gostemos disso ou não, certas coisas na vida nós deixamos pra sorte dar um jeito.

Espero que ela esteja pelo menos um pouco do meu lado.

— Não sei se eu deveria perguntar isso, mas… Isso se eu puder perguntar, também, sabe? Mas… Pra quem são esses bombons? São pra uma pessoa especial? — Você questionou, parte contrariado e parte curioso, parte corado e parte nervoso, enquanto coçava a nuca e olhava pra todo lugar daquela cozinha cinza, menos pra mim.

— São pra pessoa que eu gosto — respondi, totalmente despretensiosa

Eu gosto de você, na verdade. Mas eu não podia ser tão direta assim… ou podia?

— Ah… É? Que... bom! Enfim, vou te ajudar a guardar essas coisas na geladeira, já tá ficando tarde. — Você sorriu mais uma vez, um pouco mais contrariado e um pouco mais alguma-coisa-que-eu-não-soube-identificar que antes. Sem nem olhar pra mim, você começou a organizar os ingredientes e guardar as coisas que cozinhamos na geladeira.

Enquanto isso, eu colocava aquela quantidade absurda de bombons dentro da caixa semi-fofa que eu tinha comprado exatamente pra isso. Enquanto isso, também, eu me questionava o porquê de você não ter me perguntado nada, nada além daquilo. Você poderia ter perguntado tanta, mas tanta coisa… Por que eu passava tanto tempo na cozinha, por que eu vivia te observando, o que eu tanto escrevia, o que eu tanto desenhava… E por que eu também não tinha perguntado nada do que eu queria saber? Nós cozinhamos, rimos e conversamos amenidades, mas nenhum dos dois tocou nesses pontos importantes.

Será que é por que eles nem eram tão importantes quanto eu achava? Todos os motivos, as razões e as circunstâncias eram tão dispensáveis assim? 

Ou eu estava pensando demais, de novo?

— Bem, acabamos por aqui e acho que deu a minha hora... Se precisar de mim, sabe onde me encontrar.

Você me ofereceu aquele sorriso lindo e totalmente não dispensável, enquanto caminhava em direção à janela. Estava na hora de colocar o meu plano que não tinha nada de planejado em prática. Porque eu sabia, algo me dizia que se você fosse embora, voltaria a ser só o garoto da janela. E dessa vez, pra sempre. Então, mesmo sem ter certeza do que eu estava fazendo, continuei.

— Espera! Eu… hm… aqui, toma. — Estendi a caixa pra você, tentando me manter o mais firme que eu conseguia.

Tão firme quanto gelatina.

— Mas isso não é pra pessoa que você gosta? Se for pra me agradecer, um “obrigada” já basta, sabe? 

Te ver sorrir e corar daquele jeito, enquanto tirava uma mecha dos cabelos cor de chocolate ao leite da frente dos olhos cor de grama fresca, me fez ter certeza de que eu queria mesmo fazer o que estava prestes a fazer, sem me importar com qual seria a sua reação.

Eu precisava fazer.

Eu precisava dizer.

Eu queria dizer.

Eu queria dizer o quanto eu não conseguia me concentrar na lição de casa enquanto te via cozinhar, que adorava ver as crianças apostando corrida até a sua casa quando você fazia biscoitos, que adorava ver você brigar com os legumes e sempre fazer bagunça quando abria um pacote de farinha. Que adorava o fato de que agora você não era mais uma parte distante da minha realidade, que adorava o fato de que não queria desistir agora que tinha tido aquela amostrinha de você. Eu queria dizer todas aquelas coisas que a barreira entre as janelas nunca me deixou dizer.

Eu sabia exatamente como resumir tudo aquilo em poucas palavras.

— É sério, fico feliz de poder te ajudar, não precisa me dar os chocolates.

Não. Eu gosto de você.

Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. Eu gosto de você. 

— Eu gosto de você.

Era isso, aquilo que nenhuma das duas janelas e a minha timidez me deixava dizer. Palavras tão simples que ficaram rodando pela minha cabeça por meses, mas que nunca saíram pela minha boca. 

— De mim? Digo… Certeza? De mim? Eu?!  Mas… Por quê?! Como?!

A sua reação teria me feito rir se eu não estivesse tão assustada por finalmente ter te contado a verdade. Foi parte susto, parte vergonha, eu sei. Te ver boquiaberto, vermelho como um tomate e com os olhos arregalado não foi muito bem o que eu esperava, mas… Eu estava mesmo esperando alguma coisa?

— Porque sim — respondi da maneira mais simples e tranquila que eu podia, olhando bem dentro dos seus olhos.

— Mas nós mal nos conhecemos e... Bem, pelo menos eu acho que não. Na verdade, nos conhecemos agora, mas… — Você engasgou com as palavras e se atropelou em seus próprios pensamentos, enquanto procurava lógica naquela situação. 

Aposto que não achou até hoje.

— Então me dê a chance de te conhecer, ué. 

— Não é tão fácil assim, Krishna!

— É fácil sim, se pararmos pra pensar. Eu gosto de você e ponto final, não estou te obrigando a gostar de mim, só queria que… Você me desse essa… Chance? Digo, de te conhecer, sabe? Aí você me conhece também e… — Toda a vergonha que eu não tinha sentido nos últimos dois minutos veio como uma onda, então olhei para meus pés, para os seus pés, para o piso… 

Ah, mas se eu soubesse o que se passava dentro da sua cabeça naquele momento… Talvez as coisas se acalmassem um pouco naquele vendaval que eu chamava de coração.

Talvez.

Ficamos olhando um para a cara do outro por alguns segundos, que mais pareceram décadas. Foi um dos momentos mais constrangedores da minha vida, com certeza. Eu não sabia o que dizer e você não sabia o que responder, então ficamos por um tempo naquele  famoso ciclo vicioso de tentar falar alguma coisa, sem nem saber direito se havia mesmo algo a ser dito. Que momento.

Depois de alguns olhares e mais preciosos segundos constrangedores, você fechou os olhos, coçou a nuca e suspirou. E era a hora da verdade, aquela seria a sua resposta.

— Krishna. — Você me olhou pela primeira daquele jeitinho que eu mal imaginava que amaria  tanto num futuro próximo e cobriu as minhas mãos, que ainda seguravam a caixa de chocolates, com as suas. — Eu ainda não estou pronto para uma resposta concreta sobre o que eu sinto, mas… Muito obrigado. Muito obrigado por hoje, pelos chocolates e pela sinceridade. Eu ainda preciso de um tempo pra colocar as ideias no lugar, então espere por mim, sim? Podemos tomar sorvete amanhã depois da aula, passear no parque, o que você quiser fazer. Porque eu também quero te conhecer. Sempre quis, na verdade. Também quero te perguntar tanta, mas tanta coisa… Quero saber por que você passa tanto tempo na cozinha mesmo sem saber cozinhar, o que você tanto escreve e o que você tanto desenha, por que nunca conversamos antes, por que você estuda numa escola tão longe daqui... Mas só se você quiser me contar, é claro. O que você acha? Temos um acordo?

— Temos um acordo. — Por fim, sorri e fiquei parada ali, observando você sair pela janela segurando aquela caixa cheia de chocolates e de sentimentos, enquanto me sobrava só a incerteza, um coração meio cheio de expectativas e muita, mas muita comida.

Naquela noite eu comi, chorei, comi mais um pouco e respirei bem fundo, pensando no quanto estava orgulhosa de mim por ter ido até o fim com aquela decisão. Por ter te contado o que eu queria te contar. Eu prometi a mim mesma que iria lidar com a situação, independente do resultado. 

Como diz a minha avó, o que tiver que ser, será. 

E, bem, foi. 

Mas essa parte da história você já sabe, Kentin. Sorvete, passeios no parque, conversas até tarde da noite e um bilhete colado na minha janela que virou toda a história de cabeça pra baixo. 

Depois disso, bem... muitos beijos, muitos poemas, muitos biscoitos e muito mais da doçura de ter você ao meu lado. Foram os dois anos mais mágicos da minha vida.

E esse é o meu presente de páscoa, dessa vez. Mais chocolates (que eu fiz sozinha, sem queimar nada!) e essa carta, contando tudo, absolutamente todas as coisas que você queria saber, todas coisas as janelas não dizem.

Com amor, a garota que mesmo depois de todo esse tempo sendo sua namorada, ainda gosta de te observar em segredo…

Krissy.

 

P.S.: Afinal, quem te contou meu nome? Eu me apresentei como Krissy e você sempre me chamou de Krishna!!

P.P.S: Sim, eu quase queimei o chocolate de novo.

P.P.P.S: Para de rir da minha cara.

P.P.P.P.S: Eu sei que você está rindo nesse exato momento porque eu te conheço, Kentin.

P.P.P.P.P.S: Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. 

P.P.P.P.P.P.S: Eu poderia fazer isso por mais umas cinco ou seis páginas.


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Notas finais do capítulo

Espero vocês nos comentários -qqq
Nos vemos xD
Fui!!!



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