Shiro aguardava à porta com expectativa enquanto a enfermeira entrava à sua frente. Sua mente era um turbilhão de emoções que ele acreditava já ter superado.

— Com licença. — Ele a pode ouvir através da porta. — É Takashi Shirogane. Mando entrar?

Silêncio. A mulher saiu e acenou positivamente para Shiro. Ele consentiu.

Como prosseguir? Eram sete longos anos sem falar com esta pessoa. Ele ignorou, e ao sentir remorso continuou a ignorar, na esperança de um dia esquecer. Como se fosse ironia do destino, ali estava ele, novamente. 

Muitas vezes acreditou que este momento não chegaria. A missão Cérberos poderia tê-lo matado, os Galra tiveram essa oportunidade em diversos momentos. Ele literalmente morreu e voltou à vida. Sua jornada tinha lhe trazido traumas, cicatrizes, causando danos irreversíveis, mas por algum motivo recusava-se a acabar com o seu sofrimento.

Então ele continuava. Não por si mesmo, mas pelos outros. Forçava-se a acreditar que, se ainda estava vivo, era por algum motivo.

Com essa mesma determinação, entrou no quarto.

Lá estava Adam, deitado em seu leito, com seu novo parceiro ao seu lado, cujo nome Shiro não se recordava. Mesmo pálido, Adam mostrou uma expressão de espanto ao vê-lo. Shiro estava acostumado. Geralmente era essa a reação de quem não o via faz muito tempo.

— Adam. Eu sinto muito — Shiro repetiu as mesmas palavras que tinha dito à frente do memorial dos mortos de guerra, quando Adam foi dado como morto. Era como um milagre vê-lo ali, com nada mais que uma perna quebrada e uma cabeça enfaixada.

O acamado estava em silêncio, mas Shiro conseguia ver as várias expressões que se formavam eu seu rosto, que costumava ser tão discreto.

— Eu vou deixá-los a sós — disse gentilmente o homem que estava de pé, movendo-se e revelando uma foto atrás de si. Ele e Adam juntos, abraçados, em um lugar onde antigamente estaria Shiro.

— Eu sempre soube que você ficaria grisalho cedo, mas… O braço é novidade.

Adam se referia ao cabelo de Shiro, completamente branco, e seu braço amputado logo abaixo do ombro. Na verdade, alguns cabelos brancos e um braço a menos eram um pequeno preço a se pagar.

Shiro deu um sorriso tímido.

— Eu achei que nunca te veria outra vez.

Ambos acharam.

— Quando você pretendia mandar notícias? — disse Adam, sério.

— Eu tive poucas oportunidades. Quando tive… Achei que era melhor te deixar em paz, para seguir com a sua vida.

Adam sabia que Shiro estava olhando sobre a foto no criado mudo.

— É verdade, eu segui. Mas nunca consegui me esquecer de você, e olha que eu tentei.

Shiro acomodou-se em um banco ao lado da cama.

— Desculpe por não mandar notícias.

Para sua surpresa, Adam estendeu uma mão, esperando pela sua. Ele a apertou como costumava fazer, mas agora até isso era diferente.

— Eu também te devo desculpas. Quando você saiu para a missão Cérberos, eu parecia furioso, mas estava com medo. Eu fui tão estúpido. Devia ter sido mais sincero, e não ter guardado ressentimentos. A vida é muito curta.

— Eu sempre soube disso.

Era um alívio estar tendo essa conversa, como se um peso estivesse sendo tirado de seus ombros. Por quanto tempo tinha se sentido culpado por não estar ali por ele. Shiro tinha escolhido a profissão acima do amor, e isso lhe causaria arrependimentos eternos, mas o arrependimento seria ainda mais terrível se tivesse escolhido se manter ali, desperdiçando o seu potencial e vendo seu corpo definhar pouco a pouco pela sua condição.

— Sabe uma coisa que percebi quando voltei aqui pra Terra? — contou Shiro. — Todos os outros estavam ansiosos, esperando rever a sua família, falando dos seus irmãos, até do cachorro. Menos eu. Eu ficava com inveja das pessoas que ainda tinham o que esperar. A única família que sobrou pra mim na Terra… foi você. E mesmo você… Eu estava com medo da sua reação.

O sorriso de Adam era reconfortante.

— Promete pra mim que você vai se cuidar.

Shiro assentiu, sentindo os olhos começarem a marejar.

— Lembre-se, você não é invencível. Você precisa de alguém pra se apoiar, tanto quanto outros precisam de você. Sempre que você precisar, eu posso ser essa pessoa, por mais que a nossa relação agora seja diferente.

Um arquejo choroso, alegre.

— Desde quando você é tão maduro?

— Eu também tenho cicatrizes de batalha.

Shiro sabia a que cicatrizes ele se referia. Não às cicatrizes físicas que atravessavam seu corpo, mas também as cicatrizes emocionais, gravadas fundo na sua alma. Mudariam para sempre o que ele era. Apesar de tudo, ele continuava a lutar para ser feliz.

— Eu ainda não acredito que você está aqui.

Os dois se abraçaram e deixaram os constrangimentos se dissiparem. O caminho até  uma vida feliz ainda parecia nebuloso, e suas costas ainda pesavam a cada passo que davam, carregadas de culpas, arrependimentos e feridas, mas aquele momento foi como uma nova placa indicando a direção correta.