Harry Potter e as Relíquias da Morte - Final escrita por Anikenkai


Capítulo 1
Capítulo Final - Os Quatro Quadros do Largo Grimma




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/790311/chapter/1

CAPÍTULO FINAL

Os quatro quadros do Largo Grimmauld

 

 

 Os primeiros raios de sol atravessaram os vitrais transparentes da janela com o ar calmo da manhã, tocando o rosto de Harry na medida que o menino se remexia na cama. Após alguns breves segundos ele abriu os olhos e tateou na escrivaninha, pegando os óculos e colocando-os debilmente no rosto, ainda completamente exausto como se não tivesse dormido por um mês inteiro. 

Ele ergueu-se levemente da cama, e ainda meio tonto, focalizou apenas um pequeno vulto se remexendo ali perto puxando algo pesado, guinxando e soltando uma exclamação de alívio em seguida. Logo rapidamente, Harry viu quem era.

— O que está fazendo, Neville? — Harry perguntou se erguendo um pouco mais de lado da cama, vendo o amigo remexer em seu malão.

— Ah — Neville se virou e sorriu para ele. — Bom dia, Harry. Desculpa, eu te acordei com o barulho? Sabe meu malão está absurdamente pesado, mal consegui puxar ele para a cama. — O garoto gorducho e rosto coberto de cicatrizes sorriu levemente para Harry, tateando os dedos na enorme mala que fundava na cama ao lado. — Nem parece que tive forças ainda à poucos dias atrás para enfrentar Comensais da Morte. Comparados ao meu malão agora, ele eram levíssimos. 

 E dizendo isso Neville riu, e se voltou a encurvar para abrir a tampa de madeira na sua frente.

Sim, era verdade. Por um breve instante, um lampejo de lembranças passou apressadamente na mente de Harry, trazendo-lhe à memória tudo que havia acontecido em pouco menos de dois dias. A Batalha em Hogwarts. As mortes. O encontro com Dumbledore. E a derrota de Voldemort pelas mãos dele, tudo rapidamente passando de relance aos seus olhos ainda sonolentos. Mas então ele se sentiu acordado de súbito, como se alguém tivesse jogado um balde de água fria na sua espinha, e então seu corpo relaxou.

— Você pode dormir até mais tarde hoje. Não terá uma hora exata da saída do Expresso. Ele apanhará os alunos restantes em horários diferentes até depois do horário do almoço. — Neville acrescentou, arremessando algumas peças de roupas em seu malão.

Harry virou os olhos, sacudindo a cabeça e tentando achar Rony na cama ao lado da sua, mas não o encontrou imediatamente.

— Hã, Neville... o Rony já se levantou?

— Ah, já sim. Para o Café, vi ele descer da escada até Hermione quando subi agora pouco. Parece que foram chamados mais cedo para falar com a McGonagall. 

— Certo. — Harry assentiu, tentando não ficar intrigado com o motivo daquela pressa dos amigo, e novamente se deitou na cama, se esforçando para tirar os rostos da cabeça e tudo mais que havia acontecido de extraordinário havia tantas horas atrás.

Após vários minutos, Neville voltou à falar.

— Ei, quando se levantar, poderia tirar as caixas do caminho no quarto? Sabe, não sei se vou conseguir levantar meu malão para cama de novo se eu quiser não esmagar uma delas, sabe.

— Caixas?

E então Harry se ergueu novamente, olhando para os lado e o chão do dormitorio e boquiabriu-se. Espalhados pelo chão, e em tudo que seu campo de visão poderia ver ao lado de sua cama e além das de Simas e Rony até as paredes, caixas e mais caixas jaziam ali, alguns enfileirados e outros aos montes, formando pilhas umas nas roupas, com embrulhos multicoloridos e alguns com fitas cintilantes, algumas grandes e pequenas, amontoadas até a altura dos joelhos de Harry. O garoto se levantou da cama correndo os olhos por todo quarto, com espanto passando pelo rosto. Era como se estivesse na Sala Precisa, entre os inúmeros objetos enfileirados uns em cima dos outros.

— São para você. — Acrecentou Neville, sem tirar os olhos do que fazia no seu malão, com ar risonho. — Acho que a notícia do que você fez com Você-Sabe-Quem já se espalhou por toda parte. Trouxeram essses presentes para você à noite. Parece que muitas gente quis te agradecer, sabe.

Harry ficou atordoado, mirando cada presente espalhado na sua frente, caixas e mais caixas amontoadas e enfim se pôs de pé, totalmente admirado. Era como se estivesse no Natal, mas como se todos os presentes de cada aluno estivesse abarrotado ali, como se o quarto de Harry e os garotos fossem uma espécie de depósito. Rapidamente ele tirou alguns embrulhos do caminho e alcançou seu próprio malão, pegando suas vestes e espalhando com cuidado alguns no caminho para a porta para que esta ficasse livre. 

— Ufa, obrigado. — Disse Neville se erguendo e fechando seu malão pronto. O garoto agora estava usando suas roupas de trouxa, uma calça jeans muito escuras com uma camisa de malha fria multicolorida e números nas costas, uma espécie de camiseta de time de Hóckei. 

Harry voltou-se para a cama e já iria novamente se deitar, quando ouviu o estrepido do malão do amigo novamente se voltar para o chão e sem conseguir controlar a voz que estava presa na sua garganta havia muitos dias, ele se virou e disse para Neville:

— Você merecia muito mais do que eu esses presentes, se não fosse por você cortando a cabeça daquela cobra, eu…

— Ah, Harry, para. Eu já ganhei coisas demais da minha avó e do pessoal da Grifinória, cara. Relaxa. Eu não ligo pra isso, e você merecia muito mais.

 — Neville escute, eu... — Harry começou assim que se sentou na cama, encarando os pés descalços mas foi o colega que o interrompeu antes mesmo que pudesse terminar a frase. 

— Não, Harry. Tudo bem. Não precisa falar nada.  

Neville disse em um só fôlego e mesmo alta e clara ela soava pelo aposento de forma gentil. Harry ergueu os olhos para encarar o amigo e apenas conseguiu entortar um sorriso para ele. 

— Eu não tive a oportunidade de agradecer à você e aos Thomas, Simas e os outros. Por tudo. — Harry continuou, voltando a se segurar com tudo o que havia acontecido nos últimos dias em sua memória, lembrando-se do que Neville havia feito em Hogwarts com seus amigos enquanto ele, Rony e Hermione faziam enquanto viajavam pelo continente à procura das Horcruxes. A maneira que Neville havia liderado a Armada de Dumbledore, como ele havia juntado todos na Sala Precisa e lutado ao seu lado. Como ele sequer hesitou quando os Comensais da Morte marcavam sua pele com arranhões e machucados, como ele na primeira brexa de teve, executou o pedido de Harry e sem pestanejar, matou Nagini na frente do próprio Voldemort. 

— Não esquenta.— Neville se adiantou, se aproximando de Harry e dando uma batidinha no ombro do amigo, como se estivessem conversando sobre uma partida qualquer sobre quadribol, pois sua voz era tão tranquila quanto qualquer uma que Harry havia escutado fazia muito tempo. — Foi tudo graças à você. Tive Fé em você. Mas agora a gente vai se falando por corujas, ok?

Harry novamente ergueu os olhos e viu a mão gorducha de Neville estendida na sua frente a palma aberta e convidativa.

— Tenho que partir, minha avó está esperando na Sala Comunal. Vamos pegar o próximo trem e voltar pra casa. 

— Isso significa que... — Harry se surpreendeu momentaneamente e Neville acenou com a cabeça.

— Sim, sim.  Terminamos o ano letivo. Estou formado de Hogwarts. 

E ele estendeu sua própria mão, apertando a do amigo. Queria se levantar e abraçar ele, agradecer por sua coragem e não ter duvidado dele, queria abraçar cada um, mas Harry ainda não tinha forças para fazer qualquer uma das duas coisas. Em vez disso ele sorriu e Neville desprendeu da sua mão, ergueu sua varinha e seu malão começou a levitar indo diretamente para à porta afora que se abria lentamente. 

— Até a próxima, Harry. Vou esperar sua coruja, heim!

— Pode deixar. — E Harry sorriu mais agradecido e acenou com a mão, vendo Neville atravessar o portal e desaparecer para a escada de acesso à Sala Comunal da Grifinória.

(...)

Harry não sabia quantas horas à mais havia ficado ali parado, inerte mas já compretamente vestido, encarando o teto do dormitório sem mesmo se mexer, sendo o únido barulho que ousava fazer era sua respiração. Não sentia fome, embora ainda subia resquícios de um sono profundo que se causava pelas horas de confinamento na cama pesarem seus olhos, como se não conseguisse dormir o suficiente, como se o cansaço não saísse das suas costas, mas nem sono algum de verdade, o obrigando ficar ali parado, inválido e pensando em tudo que havia lhe acontecido até então. Fazia três dias que não via ninguém, nem a professora McGonagall, nem o professor Flitwick, nem Luna, nem Gina, nem o Sr. e a Sr. Weasley, nem Fred nem Percy, nem nenhum dos amigos. Harry havia se trancado no dormitório horas depois que saíra da sala do diretor Dumbledore, quando enfim McGonagall o liberou para descansar e tratar dos ferimentos, aturdida e impressionada com tudo o que Harry, Rony e Hermione haviam contado para ela que tinham feito antes de voltarem para Hogwarts. 

Harry havia contado tudo para ela, os professores e o novo Ministro da Magia, que ali se reuniam pouco tempo depois que o corpo inerte de Voldemort havia sido jogado para longe dos limites do castelo, quando saber em detalhes sobre o plano de Dumbledore sobre as Horcruxes, sobre os meses nas florestas, sobre como havia encontrado a espada de Griffindor e como Harry, aparentemente, havia ressuscitado dos mortos. O garoto contou-lhes, mas escondeu sobre as Relíquias da Morte. Não queria que mais ninguém, além dos amigos e dos que já haviam falar dos objetos soubessem deles, sua existência e poderes formidáveis, e surpreendentemente ninguém lhes perguntou sobre os mesmos, apenas encaravam Harry quando enfim, terminou seu relato sobre Snape, e seu Patrono em forma de corsa - ocultado sobre sua mãe, levando-o em direção ao Poço de água gelada que guardava a espada cravejada de rubis de Griffindor. 

— Mas... mas... — o Professor Carrow gaguejou quando Harry finalmente terminou, quase imediatamente e com a voz trêmula. — Tínhamos certeza que Snape se voltou para os Comensais da Morte de forma definitiva. Você mesmo nos contou como ele matou Dumbledore à sangue frio com uma maldição imperdoável, e seu período de Diretor provou isso, o terror dos alunos, a forma como os seguidores de Você-Sabe-Quem agiram na escola de forma livremente, e… e...

— Eu sei — Harry começou, ainda tão sujo dos pés à cabeça quanto os demais presentes em torno da mesa de diretor, com o sangue à muito tempo seco em sua testa, que naquela altura, começava o incomodar um pouco. — Mas eu vi tudo isso através das últimas memórias de Snape quando ele o entregou à mim antes de morrer. Quando voltei ao castelo, só pensei em voltar aqui, aqui mesmo, e despejar a lembrança na Penseira. — E então ele ergueu os cacos minúsculos do pequeno frasco que Snape lhe entregara, que havia se quebrado do seu bolso quando recebeu a maldição Avada Kedavra no corpo e tombou no chão. Os professores encaravam os cacos, como se não pudessem acreditar naquilo. 

— Podem usar um feitiço de rastreio no frasco para descobrir o seu conteúdo anterior, se quiserem. Se isso for possível ainda… — Acrescentara Harry, agora meio irritado.

— Assombroso. Muito assombroso! — Do alto, Flineus Fletcher, o antigo diretor de Hogwarts e membro orgulhoso da Sonserina gritou de seu quadro, olhando para os lados e procurando compartilhar do espanto nos olhares dos demais diretores e diretoras, que observavam tudo muito calados.

— Não há necessidade, Potter. — A Professora Mcgonagall respondeu primeiro, erguendo uma mão para Harry, ainda bem atordoada. — Não temos motivo nenhum para duvidar de você e de tudo o que fez hoje. Tenho certeza que todos aqui vão concordar comigo.

E quase imediatamente os professores assentiram, Flitwick, Sprout, Firenze, o centauro e até Hagrid, e os demais professores e presentes juntos com o Ministro da Magia. Até mesmo a professora Sibila estava ali, meio encurvada em um canto, mas assentia com firmeza. Por fim, todos se olharam e a professora McGonagall se voltou para Shacklebolt.

— Bom, já é o bastante por enquanto. Agora, precisamos discutir o que fazer em relação à Escola, já que foi muito destruída. Preparar os funerais e alertar os familiares ainda não avisados, trazê-los o quanto antes. Potter, pode ir se lavar e para a Ala Hospitalar, com os demais. — E então a professora se virou mais uma vez e olhou gentilmente para o garoto. — Você, mais do que todos, merece descansar.

Harry não concordava com aquilo. Era óbvio pelo seu semblante que se sentia profundamente exausto e ferido, contudo, não se achava em posição de direito de deitar e dormir longamente, ter seus ferimentos cuidados e fechar os olhos e fingir que nada tivesse acontecido, porém ele apenas se virou, olhando para os amigos e simplesmente obedeceram. Antes que saíssem, ele pode ver olhando para trás a professora, com os cabelos soltos e desgranhados, as roupas sujas de fuligem e sangue escuro em algum ponto do braço com uma expressão completamente exausta, sentando-se com certo desconforto na cadeira que antes pertencera de Alvo Dumbledore, antes que os três atravessassem a sala. Harry contudo, fora diretamente para o quadro da Mulher Gorda em direção à Sala Comunal da Grifinória, ainda arrasada pela batalha, onde muitos alunos se apinhavam arrastando malões e abraçando amigos, porém não os viam, já que Harry, por mais uma vez, cobriu-se e Rony e Hermione com a Capa da Invisibilidade, atravessando agachados e pisando nas pedras e sujeira do chão, atravessando bustos estraçalhados até o corrimão da escada. Mesmo com protestos de Hermione insistindo que Harry fosse diretamente para a Ala Hospitalar - ou até então, a Entrada do Castelo, onde vários combatentes ainda estavam deitados em macas improvisadas e sendo cuidados por curandeiros que acabavam de chegar de Saint Mungos - Harry a ignorou, afirmando que não queria estar no meio de todos e sendo ovocionado ou até mesmo xingado. Ela não entendia sua linha de pensamento. De qualquer maneira, ele não queria receber nenhum tipo de tratamento diferenciado dos demais, seja fosse agradável ou ruim.

— Levem a Capa de Invisibilidade se quiserem, me tragam a amanhã. Eu não vou descer do quarto até quando todos, ou quase todos partirem de Hogwarts. — Harry dissera em voz baixa, enquanto Hermione puxava da sua bolsa de contas um dos últimos fracos de Limpa-Ferida que ainda tinha milagrosamente, para as mãos do garoto.

— M-mas... Harry... 

— Deixa ele, Mione. Harry precisa ficar sozinho. — Rony disse, dando batidinhas no ombro do amigo.  — A gente se vê amanhã cedo.

— Ok. — Harry tinha respondido e mesmo contrariada, Hermione seguiu Rony de volta para a Sala Comunal, enquanto o garoto se trancava no dormitório.

Harry então subitamente voltou ao presente. 

Piscou os olhos e percebeu que havia cochilado mais uma vez, pois sua barriga finalmente roncava, e olhando para o relógio dourado em seu pulso que ainda funcionava, indicava que passava um pouco mais das duas da tarde. Ele mais uma vez ergueu o corpo da cama, sentindo os músculo sedentários protestar com o ato repentino, e tentou enxergar com os óculos tortos o quarto vazio, escuro e silencioso, ainda abarrotado de inúmeros embrulhos e presentes até as paredes. Não sentia a presença de ninguém. Do outro lado da janela não ouvia o barulho de quase absoluto nada, apenas de um leve tamburilo de gotas batendo em sua vidraça. A chuva leve então refrescou o ambiente, fazendo Harry decididamente levantar de vez da cama e então, sair do dormitório pela primeira vez em quase duas semanas desde que a Batalha tinha acabado.

(...)

Ele agora se encontrava nas beiradas de um dos parapeitos de um dos andares superiores do castelo, junto com Rony e Hermione, os três com os rostos pálidos e curativos espalhados pelos braços e pernas, principalmente Harry, que possuía uma grande atadura na testa onde havia sido atingido pelos destroços de pedra que caíram sobre ele no momento que Fred foi atacado. Agora sentavam no parapeito, observando o céu pintado de laranja e cinza, pouco tempo depois do jantar improvisado do Castelo, que obviamente, Harry evitara assim como os demais encontros com os moradores de Hogwarts. Sendo assim, Rony surrupiou uma cesta pequena de tortas de caramelo e pães com linguiças fritas, e em seu interior uma garrafa parcialmente cheia de suco de abóbora e levaram até o amigo, quando os encontraram. Passaram um bom tempo calados, vendo o sol se por, enquanto a mente de Harry divagava para muito longe dali, quando foi Hermione que finalmente quebrou o silêncio.

— Todos andam perguntando sobre você, sabe, Harry. Todos querem lhe abraçar, te agradecer, beijá-lo, apertar sua mão e tudo mais. Querem falar com você, mais como têm evitado sair do dormitório, sinto um ar de desapontamento no ar. — Ela disse, dando uma risadinha leve no final da frase. — Acho que nunca entenderiam, sabe.

— Ah, eu entendo. — Rony respondeu, fazendo uma careta enquanto se virava para Hermione do outra lado de Harry. — Tipo, qual é né. Até eu iria querer agradecer ao Harry, mas o ar está muito pesado. Tomara que vão embora todos logo, daí a gente também pode pegar o trem de volta para casa em paz.

— Todos os alunos já partiram de Hogwarts? — Harry perguntou ao amigo, um pouco exasperado.

— Quase todos. — Hermione que lhe  respondeu. — Ainda ficaram eu, Rony, Luna, alguns alunos da Lufa-Lufa e Corvinal e alguns poucos feridos da batalha, muito machucados demais para estuporar até o Saint Mungos, mas acho já couberam todos na Ala Hospitalar e liberaram o Salão. O Ministério já ordenou que Duendes e alguns bruxos construtores viessem até depois de amanhã para começar nos reparos do Castelo. Acho que praticamente todos da Grifinória já foram embora. — Hermione virou a cabeça para o lado mirou para o grande pedaço que faltava de parede da muralha que seguia o castelo até as torres do lado oeste, onde suas partes pousavam inertes destruídas sobre a grama chamuscada do campo ao redor em baixo, até em direção do lago.

— Parece que vão ter um longo trabalho, coitados. — Rony suspirou profundamente, enquanto entornava um copo de suco de abóbora na boca em seguida.

— Pois é. Só tomara que terminem até o início do ano letivo. Não quero voltar com tudo ainda destruído, sabe. Me daria tristeza só de pensar.

Harry sabia o porque Hermione falava em voltar ao castelo, é claro. Como tinham eles três faltado quase o ano inteiro letivo enquanto procuravam as Horcruxes, ainda faltava um ano para completar sua educação em Hogwarts, e naturalmente, se quisessem prosseguir em buscar um emprego no mundo bruxo, precisavam concluir os últimos exames, tal como os demais que permaneceram. Harry não havia pensado em voltar para a escola, não havia pensado sequer em sair, contudo tinha um vislumbre de um certo plano que faria agora que tudo havia acabado e Voldemort não o incomodaria novamente, agora que se via livre de seu próprio destino pela primeira vez desde que ele nascera. Mas para isso, é claro, tinham que terminar os estudos. Não poderiam voltar à frequentar normalmente as aulas, já eram velhos demais, então soube que Hermione pedira para a Professora McGonagall, um dia seguinte que Harry se trancara no dormitório, que fizessem algum tipo supletivo para compensar as inúmeras aulas faltadas - e que, naturalmente por própria sugestão da professora, se matricularam para realizar. Por isso teriam que retornar apenas por alguns poucos dias, realizar alguns testes de resumos escolares e finalmente Harry, Rony e Hermione se formariam e deixariam Hogwarts de vez.

 Harry então se pegou pensando em Fred, irmão de George e Rony, e todos os Weasley e principalmente - como muitas e muitas vezes— em Gina, e no funeral que se seguiu no dia seguinte da Batalha, quando os que ainda ficaram prepararam os lugares ideais e preparativos para enterrar todos os que haviam morrido nos terrenos do castelo. Muitos haviam morrido. Bellatrix Lestrange, os demais Comensais da Morte e o próprio Lorde das Trevas haviam sido amontoados em uma vala comum dentro na profundeza da Floresta Proibida, queimados e enterrados em seguida, como mereciam ser. Não deveriam ser enterrados com honras, nem com lágrimas ou mesmo lápide, pois sequer um chorou por eles. Lembrou-se de Rony batendo freneticamente na porta do dormitório naquela tarde, Harry não queria levantar-se desde do café da manhã para assistir o Funeral dos heróis, e todos se perguntavam onde estava Harry Potter. Porque ele não estava presente para prestar sua homenagem pelos os que haviam se sacrificado por ele? Porque não tinha coragem de encarar os familiares nos olhos sem poder se desculpar por ter tirado-lhes suas vidas? O único pensamento de consolo de Harry, foi que eles teriam lutado de qualquer maneira, mesmo que não fosse ele o causador, para defender o mundo bruxo fosse pelas mãos dos Comensais ou qualquer outro que machucasse mais inocentes. Rony tinha ido embora do outro lado da porta depois que gritou seu nome, e o chamou por muitos minutos, mas Harry permaneceu na cama, calado, de lado e ocultando a face para qualquer um que conseguisse abrir a tranca e o visse ali, encolhido e chorando pelos os que amava e havia perdido.

Novamente se lembrou que estava prestes a deixar Hogwarts para sempre, deixar aquele lugar destruído, mas ainda assim em seu íntimo, sua eterna casa. Harry afugentou os pensamentos e tentou mudar de assunto.

— Esqueci de perguntar ao Neville, sabe. Antes de que fosse embora hoje de manhã. — Harry disse, observando agora os últimos raios de sol de cor cobre deitando-se ao poente e estrelas tímidas brilharem à distância do céu profundo e cada vez mais escuro. — Perguntar como ele conseguiu a espada de Griffindor de Groupp, já que ele roubou de nós enquanto estávamos no Gringotes.

— Ah — Hermione exclamou e balançou as pernas no parapeito da sacada, ainda meio distraída com a visão dos destroços embaixo dos três. — Ele me contou, sabe. Quando fomos para a Ala Hospitalar. Neville disse que pegou a espada quando ela apareceu para ele, parece que ela desapareceu quando Groupp foi morto. Só não quis me dizer onde e quando, ele fez um ar de mistério. — E então Hermione se virou para encher outro copo de suco de abóbora e levou aos lábios.

 — Sabe Harry, você já andou pensando no Ted, certo? Quero dizer… — E a amiga tornou a se virar para olhar Harry nos olhos. — Você tem responsabilidades sobre ele, agora que professor Lupin e Tonks… bem… você sabe.

Rony encarou os dois com um rosto meio rígido e assustado com a inesperada mudança de assunto de Hermione, e virou os olhos para a própria bebida, resmungando alguma coisa inaudível. O céu agora era tingido de um tom azul anil à medida que era coberto de pontinhos cintilantes, e essa visão distraiu o garoto por um milésimo de segundo antes de saltar de volta para o chão, deixando o parapeito e pegando a cesta de comida. Harry não tinha pensado em Ted até então. Sua cabeça estava tão cheia de pensamentos e obsessões, de medo do que viria à seguir, do que iria se tornar quando se formasse, de como iria viver, na culpa das mortes que poderia ter evitado que ainda sequer tinha pensado em Ted Lupin, filho de Ninfadora Tonks e o velho amigo de seu pai, e antigo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, Remus Lupin. Ele era agora o padrinho do bebê que ambos deixaram para salvar Harry, e então uma nova onda de culpa e dor passou por sua cabeça, amontoando mais uma pedra em cima das demais que ele sentia carregar pesadamente em suas costas. 

Um pensamento horrível veio à tona. Ted perdera os pais para salvar Harry, deixando-o com menos de um ano de vida, assim como ele próprio. E se o garotinho tivesse que se abrigar com parentes distantes, com Trouxas, que o odiassem e o maltratassem tal como fizeram os Dursley por tantos anos? Não, ele não podia pensar naquilo. Harry balançou a cabeça quando se ergueu e sentiu que estava apertando a alça da cesta forte demais. Ted ao menos foi deixado com sua avó, Andrômeda - uma bruxa - que certamente daria todo amor e cuidado necessário que Ted merecia. E quando, se assim ele quisesse, e assim pudesse de fato, quando completasse a idade de frequentar Hogwarts, ofereceria à ele a mesma casa que agora pertencia a Harry, a mesma que seu próprio padrinho lhe ofereceu também para morar, o mesmo lugar que Sirius quisera que ele tivesse ido.

— É claro que vou tomar conta dele, vou ficar perto dele. Se ele quiser. — Harry respondeu para a amiga, depois de longos segundos que pareceram uma eternidade de reflexão.  — Não posso tomar o lugar dos pais dele, mas… nem Sirius o quis quando os meus morreram, mas posso tentar ser um bom padrinho. Espero.

— Bom. — Hermione se adiantou, para os dois amigos. — Eu acho que me decidi no que vou fazer quando nos formamos oficialmente de Hogwarts. Digo, em planos futuros, sabem.

Rony e Harry a encararam surpresos, pois parecia séculos que ouviram a amiga falar uma coisa daquelas, nos momentos em que ela lhes perguntavam o que fariam com as notas o N.O.Ms e N.I.EM.S. Naquela época, Harry havia dito que queria muito ser Auror, mas então naquele momento, ele não tinha mais tanta certeza. Todo o foco de Harry nos últimos anos era apenas o Lorde das Trevas e a Profecia, que mal pensara na possibilidade de tudo acabar tão cedo - e com seu corpo inteiro para pensar seriamente em que profissão iria seguir.

— No quê? — A voz de Rony ecoou ao lado, com um tom um tanto debochado e Hermione franziu o cenho para ele, contrariada. Ela passou as mãos nos cabelos volumosos e respondeu:

— Bem, estava pensando… entrar para o Ministério da Magia para algum cargo, ou…

Ela fez mais uma pausa e tomou fôlego. Novamente continuou:

— Prosseguir com o que Bathilda Bagshot trabalhou. Quero dizer, continuar com o livro Uma História da Magia à partir do ponto que ele terminou. Escrever, sabem. Escrever sobre… sobre tudo o que nos aconteceu. Sobre Voldemort. Sobre Harry.

Seguiu-se então alguns mínimos segundos de silêncio, e Rony com Harry que havia se virado para a amiga e lhes encarar completamente surpresos. Aquilo com toda certeza, era novidade, pois não faziam idéia que Hermione pudesse ter demonstrar qualquer interesse em seguir a carreira de escritora. Harry - mais do que todos, até mesmo de Rony - acreditava fielmente que a amiga com toda aquela inteligência, tentaria chegar o mais longe possível, tal como Dumbledore havia feito quando jovem, e já havia se pego uma ou duas vezes imaginado Hermione chegando ao cargo de Ministra da Magia alguns anos mais tarde. Mas, ele também sabia mais do que todos, que todas aquelas experiências havia selado bruptalmente a realidade deles com o que sonhavam ser, e isso realmente atrapalharia como se viam quando tudo acabasse, e tudo ficasse bem. Mas mesmo assim, sentiu uma onda de decepção e constrangimento passar pelo seu corpo até a nuca. Não entendia como a amiga havia chegado naquela decisão.

— Não me olhem assim. — Ela disse, olhando para os dois meio zangada, pois claramente esperava uma outra reação de ambos. — Eu acho que estou fazendo o certo. Sabem… acredito que as pessoas deveriam saber da verdade, saber o que aconteceu. Saber o que foi feito para que o Mal não afetasse o mundo bruxo de novo do que fingir que nada aconteceu, e ajudar quem sabe no futuro próximo, alguns alunos de Hogwarts a se defenderem melhor, sabendo da história, não concordam?

— Caramba, Mione. — Rony bufou, girando os olhos para cima. — Parece até a Rita Skeeter falando, heim? Depois de tudo o que ela fez com o Harry e a biografia fajuta do professor Dumbledore, e ainda mais o que fez com você, achei que fosse a última pessoa a querer seguir carreira em algo parecido.

Rony tinha falando a coisa errada, era evidente pelo rosto assustador que Hermione lançou para o amigo, como se fosse estuporá-lo ali mesmo no parapeito, sem nenhuma piedade. Harry soltou uma exclamação mas ela fora mais rápida em responder.

— Não é nada disso. — Hermione sibilou para Rony.  — Não quero fazer nada, absolutamente nada, parecido com aquela insetinho da Skeeter. Não. 

— Então…?

— Algo totalmente diferente dela, Rony! — Hermione rugiu. — Rita Skeeter é um trasgo no corpo de uma mulher, ela queria fofocas, espalhar mentiras, tudo para vender e garantir mais galeões. É claro que ela, por mais que me doa dizer, acertou em alguns pontos na sua pesquisa, mas a maneira de como ela fez é puramente nojento para mim. Não! Eu, — E então apontou para si, com ar de satisfação na voz agora. — Quero corrigir as mentiras que aquela sapa fez. Quero escrever sobre a História do mundo bruxo desde o início do Século 20, de como Hogwarts cresceu, como Voldemo… — Rony se encolheu quando ela pronunciava o nome do Lorde das Trevas. — Ai, para Rony! Ele se foi, não precisa mais ter medo do nome dele. Como o Voldemort de Tom Riddle conseguiu tantas atrocidades, como Dumbledore formou a Ordem da Fênix, e como Harry e nós encontramos as Relíquias da Morte e as Orcruxes. Sabem, acho de verdade que todos precisam saber, guardar tudo isso e impedir que tudo aconteça pela segunda vez.

—O quê? Escrever sobre as Relíquias e as Orcruxes? Tá louca!? Isso é totalmente o oposto do que queremos. Digo, se as pessoas souberem da existência delas… caramba, Mione, nós ralamos tanto para evitar comentar tudo com os professores como Dumbledore ordenou, e você quer…

—Não, Rony. Não quero ensinar como se fabrica Orcruxes ou onde ficaram as Relíquias, vocês dois não compreendem? — Hermione balançou a mão, um tanto sem paciência. — Sabem, não quero explicar como obtê-las, mas como e para o quê existiram. Acho que todos os alunos deveriam ter o direito de sanar a curiosidade de o que fazíamos durante os meses de fuga, como Harry conseguiu voltar à vida, como… bem, vocês sabem. — E então olhou atrás do ombro e enxergou Harry ali olhando-a ainda parado. — Claro que, só estou contando um plano. Não vou fazer nada se vocês não concordarem, é claro. Nem comecei nada.

Harry sabia o que ela queria dizer ao contar aquele desejo. Sabia que Tom Riddle havia usado métodos extraordinários e cruéis pela falta de descrições das Orcruxes e justamente sido derrotado por desconhecer todas as Relíquias, o que beneficiara eles em um ponto de vista caso se alguém mal intencionado tentasse seguir os mesmos caminhos que Voldemort no futuro, a falta de livros responsáveis de como superar os limites da Morte. Mas ele ntendia o que Hermione queria dizer. Em alguns anos, todos poderiam esquecer o que de fato tinham feito, a dificuldade e provações que tinham passado nas florestas acampando, procurando e procurando informações invisíveis para o próximo passo de um plano maior, mas sem sucesso. Lembrava das frustações que passou com a amiga, das brigas com Rony, tudo porque não sabia para onde ir, como fazer, o que fazer, enquanto amigos sofriam. Sem contar que, já era muito famoso e agora após aquela batalha, poderia cercar mais olhos para sua cicatriz e  voltaria a ser um ponto de rumores e outras coisas mentirosas quando a curiosidade pela falta de informações começasse.

Hermione não queria revelar os segredos de Dumbledore, mas contar como havia chegado nelas. Como a tudo havia caminhado de fato, e chegando nessa conclusão, ele pousou a cesta no chão e passou uma das mãos nas costas de Hermione, que ficou surpresa com o repentino abraço inesperado que Harry deu nela por trás, e a soltou rapidamente. 

— Bom, acho até legal a idéia. Mas não sei se o Ministério da Magia gostaria que colocássemos nosso ponto de vista de forma tão acessível assim. Não é, Rony?

Rony apenas bufou mais uma vez e colocou o queixo nas mãos, encarando o céu como se nada mais fosse interessante. E depois de alguns instantes, ele perguntou:

— Então, você tem um plano do que você vai fazer quando sair de Hogwarts, cara? 

Rony perguntou agora com ele e Hermione ainda sentado no parapeito mas virados para Harry, com expressões ambas de curiosidade. Harry não havia conversado muito nem mesmo com os amigos sobre o que faria à seguir, sobre seu objetivo final, sobre o que Harry Potter pretendia fazer agora que derrotou finalmente e definitivamente Lorde Voldermort. E, pegando-se divagando com essas próprias palavras que vinham dele mesmo, Harry sorriu e olhou para os amigos. Queria ter aquela imagem gravada na sua memória, os três ali em um canto do castelo, longe de todos, jogando conversa fora e comendo guloseimas, mal sabendo que tudo aquele momento precioso e despreocupado acabaria tão logo.

(...)

Harry, Rony e Hermione e Luna estavam acomodados no trem de volta à estação de Hogsmeade, o Expresso de Hogwarts partira fazia poucas horas. Os garotos se alojaram na costumeira cabine no final do trem, que na verdade estava praticamente vazia, levando eles e apenas mais alguns poucos alunos que ainda não podiam aparatar, machucados, e não haviam ainda retornado, mais alguns representantes do Ministério da Magia que por algum motivo, também estavam ali. Harry achou que estavam no trem para observá-lo, e tirando essa conclusão, ficou o tempo da viagem  assistindo penetrante a paisagem de árvores, que passavam como borrões em alta velocidade pela janela. Hermione lia um dos jornais, edições do Profeta Diário que estabam amontoados e presos em um barbante únido em seu colo. Rony agora mordiscava um sapo de chocolate despreocupado, e Luna fitava a janela junto com Harry. Ficaram assim desde que subiram em um longo silêncio, afinal era a primeira e um das duas últimas vezes que deixariam a escola, e apenas era fato que os quatro - já que Luna havia sido sequestrada para a casa dos Malfoy - deveriam retornar para prestar os supletivos, e se formarem definitivamente em poucos meses. Harry pensava novamente na família Weasley, e se de alguma maneira se George e Gina estariam zangados com ele por ter faltado ao funeral de Fred, se sentissem sua fraqueza daqueles dias seguintes -  não que Rony tivesse demonstrado isso ou citado aqueles sentimentos dos irmãos, mas as pedras do peso subconsciente de culpa o pesava tanto quanto antes de voltarem e enfrentarem o Voldemort. O que deveria deixá-lo aliviado, agora o pesava demais ainda mais seu coração. 

Quase que em súbito, ele avistou os borrões passarem da janela e lembrou-se do quê Dumbledore havia dito para ele na visão da após ter morrido, conversado com ele naquela forma da Estação de Kingscross: “Não tenha pena dos mortos, Harry, tenha pena dos vivos, sobretudo daqueles que vivem sem o amor”. Era claro que os que haviam morrido, morreram com amor, lutando pelo amor, pelo que acreditavam, e, agarrando-se nisso, Harry soltou um suspiro pesado que toda a cabine ouviu. 

— O quê a MacGonagall queria falar com você quando voltamos para a Sala Comunal, Harry? — A voz de Hermione o chamou, e Harry fora puxado de seus breves desvaneios para a realidade.

— Hã? Ah. Ela queria me fazer mais algumas perguntas e me entregou uma carta, e voltou para a sala do diretor. Só isso.  — E ele puxou de uma das mangas do casaco de lã azul-anil que trajava e mostrou um envelope pardo e pequeno, com o típico selo de cera vermelha com o símbolo de Hogwarts na sua língua. — Essa aqui.

— Caramba, ainda não abriu? — Rony agora perguntou, encarando o envelope. — E se fosse uma coisa importante que precisasse responder logo?

— Ah, não seja tão cabeção. — Harry sorriu, analisando a carta mais alguns segundos e voltando à guardá-la, virando-se mais uma vez para a janela. — A professora Mcgonagall disse para que eu abrisse quando chegasse em casa e refletisse no conteúdo e que eu poderia responder mais tarde, não lembra que falei?

— Não. Estava preocupado demais com a partida do trem e arrumar o meu malão do que saber cada detalhe. — Rony bufou e Hermione lançou-lhe um olhar feio. — Ela anda ficando muito na sala do Dumbledore desde a Batalha, não é mesmo? Quando foi que a vimos direito desde que tudo aconteceu?

— Diretora, Rony. — Hermione disse. — É Diretora McGonagall, agora. Ela era vice-Diretora de Hogwarts, esqueceram. É óbvio que ela foi eleita a nova Diretora de Hogwart. 

 E então ela dobrou um pedaço do grosso volume da semana anterior do Profeta Diário no colo, mostrando a fotografia que se movia da mais nova Diretora nomeada. 

— Se eu fosse você, Harry. — Hermione acrescentou. — Eu leria a carta o quanto antes, viu? 

— Certo. — Ele respondeu a amiga, agora com certa frieza involuntária na voz, pois não tinha vontade de discutir absolutamente nada naquele momento, nem por uma simples carta.

— Pensei que o Ministério da Magia tentaria colocar alguém deles no cargo, depois que Snape.. bem, vocês sabem… — E Rony olhou de relance para Harry e voltou para Hermione e Luna. — Quero dizer... que bom que o Ministério fez um acerto, né. Para variar.

— Pois é.  — Hermione concordou, dobrando o jornal e levantando as pilhas e pousando-as no chão, soltando um bocejo. — Quero voltar logo, tenho dar um alô para todos e aparatar para a Austrália. Rever meus pais, explicar o que aconteceu. Vocês sabem. - E Rony assentiu, observando a amiga e com uma expressão meio aliviada no rosto.

— Ei, Harry. — Luna Lovegood, chamo-o, passando um dedo pelos cabelos pálidos e colocando atrás da orelha, de repente quando ele se virou para frente. — Você não acha que deveria reatar o namoro com a Gina agora que Você-Sabe-Quem já morreu? Quero dizer, não vi você falando com ela quase nenhuma vez depois de que tudo aconteceu, sabe. É melhor se adiantar antes que alguém o faça por você.

Rony e Hermione bocabriram-se, Rony ainda mais que ela, mirando Luna assustadoramente perplexo, como se ela tivesse voltado um palavrão. Ele não esperava que Luna fosse se meter na vida dos outros com um comentário daqueles em um momento aleatório -  pensava Rony - ainda mais sobre sua irmã. Hermione encarou Harry, que, para a surpresa dos dois amigos, agora soltava uma gostosa gargalhada. 

Era o feitio de Luna, comentar coisas inesperadas como aquela de repente, e quase agradeceu que o tivesse feito rir por um momento após tantas semanas, mesmo que fosse citando Gina. 

— É, tem razão! — Harry respondeu, ainda sorrindo para a garota. — Eu vou tentar conversar com ela. Bem, isso se o Rony deixar, não é mesmo?

Foi a vez de Rony soltar um alto muxoxo, e virando-se para a janela, engoliu os resquícios do sapo de chocolate na sua mãos e deu de ombros.

— Ah, o problema é de vocês dois. Não tenho nada ver com isso.

— Ah, sei. — Luna disse rapidamente, voltando os olhos grandes e redondos para Rony e abrindo um sorrisinho animado. — Bem, acredito que também deveria fazer o mesmo com a Hermione, não é? Quero dizer, pedir ela em namoro e tudo mais. 

Harry não saberia dizer como o amigo conseguiu, mas Rony ficou mais vermelho do que todas as faces coradas de constrangimento que o tinha visto antes, em um tom tão vermelho que parecia explodir. Ele começou a tossir, visivelmente havia se engasgado com o pé do sapo de chocolate. Hermione não corou, mas olhou com os olhos sobressaltados para Harry instintivamente, como se ele tivesse contado para meio mundo que ela e Rony haviam se beijado. Harry pareceu receber a mensagem por telepatia, que apenas cruzou os braços, novamente rindo para os três amigos.

Depois de várias horas, finalmente ouviram o barulho da fumaça do Expresso de Hogwarts baforar na estação 9 ⅔, avisando que haviam chegado em Kingscross. Harry, Rony, Hermione saíram, com Luna logo atrás, carregando seus malões até a saída. Ele demorou-se um pouco mais quando foi diretamente para o vagão de transporte logo na frente, se certificando que todas as corujas que havia despachado dias antes haviam levado todas as caixas e embrulhos que recebeu em seu dormitório para longe dali. Conformado ele girou os calcanhares e correu de volta para Rony e Hermione, que já estavam ali ao lado dos Weasley ao seu encontro.

Harry sentiu uma agitação crescente em seu peito cada vez mais que seus pés o aproximavam a família de cabelos ruivos, sentindo-se de repente de volta à sensação aturdido que Luna havia minimizado. Via George, Percy, Gui com Fleur e até Carlinhos, acompanhados pelo Senhor e Senhora Weasley, que agora abraçavam Rony, enquanto Gina abraçava por sua vez Hermione ao lado deles. Harry finalmente chegou, e seus olhos acabaram encontrando imediatamente com os de Molly Weasley. 

— Ah, alô. — Disse Harry um pouco desconfortável, erguendo a mão como se fosse um estranho, e forçando um sorriso. Não sabia porque estava fazendo aquilo. — Que ano. — Comentou e se arrependeu daquele comentário infame, porque encarou os pés logo que o deixou escapulir, ainda sem coragem de olhar todos nos olhos. 

— Ah Harry, soubemos que não conseguia sair do dormitório por dias. Não consigo imaginar como foi difícil para você.

E de repente, Harry se viu arremessado entre os braços da Senhora Weasley, que o agarrou e o apertava, deixando lágrimas quentes cair em seu ombro. Harry não soube reagir, estava chocado, algo em sua mente havia certeza que merecia uma resposta rípida, uma ignorância, e não o carinho daquela mulher que o tanto tratou bem. Ele não respondeu por alguns segundos, e então seus olhos focalizaram com os de George, que os observava. 

— "Que ano"? Caramba, Harry. Você é pior do que eu para fazer piada.

— George, eu… — Ele ergueu a mão ainda abraçado com a Senhora Weasley. Queria se desculpar por não ter estado presente no enterro de Fred, queria se desculpar por terem feito ele ser chamado para a Sala Precisa e terem consequentemente sido envolvidos na Batalha, mas antes que pudesse terminar a palavra “eu”, o rapaz alto de cabelos ruivos e um pouco longo também começou a abraçá-lo com um sorriso, seguido pelo Senhor Weasley e então, por Gina.

 Eles o apertaram até sufocar, e mantiveram assim por quase um minuto seguido, murmurando palavras de agradecimento, palavras de bondade até que então o soltaram. 

— Caramba, Harry, como sua testa está inchada e roxa! — George comentou, a boca entreaberta de riso e cutucando a testa de Harry. — Acho que ganhou um monte de cicatrizes para sua coleção. Vai acabar ficando mais feio do que o Gui!

Gui começou a rir, seguido de George, Rony também soltou uma risadinha, mas a Senhora Weasley lhe lançou um olhar de censura, que o mesmo fingiu ignorar. Harry não riu com eles.

— George, eu… — Harry tentou começar mais uma vez, mas foi interrompido bruscamente.

— Ah, pode parar, Harry. — Disse George, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta de muitos zíperes e de cor roxo bem berrante, fechando um dos olhos e torcendo a boca em forma de careta. — Você pode parar aí. Não queremos falar de coisas ruins agora, deixa isso para depois.

— É Harry. — O Senhor Weasley agora se aproximou, dando um tapinha nas suas costas. — Deixe para depois. Vamos ter muito tempo para conversar mais tarde sobre tudo o que aconteceu. 

E falando isso, Harry entendeu que aquilo, era um ponto final. Deixariam para relembrar de todos, e talvez, compartilhar o luto mais tarde, quando tivessem tempo e liberdade para se permitirem finalmente. Harry entendia, e se sentiu um idiota por não advinhar isso, já que conhecia-os tão bem. Sabia que George faria graça até aquele momento, e sabia, com toda certeza também, que se Fred estivesse ali também, o zoaria pelas ataduras e conseguiria fazer piadas sobre o que havia acontecido.

— Certo. — Ele respondeu, um tanto mais aliviado do que deveria. — Obrigado.

De relance, então viu Luna à sua esquerda, poucos passos dali conversando com seu pai, Xenofílio Lovegood, encurvado para ela e abraçando-a. Harry o vira de relance após descer a sala do Diretor no dia da Batalha em Hogwarts enquanto estava à caminho da Sala Comunal da Grifinória, ele meio cambaleante abraçando sua filha e urrando às lágrimas, como se não pudesse acreditar que estava viva. Como estava por debaixo da Capa da Invisibilidade, ele não o viu quando passaram ao lado dos dois, e por muitos dias, Harry pensou em contar à Luna o que seu pai havia feito na casa deles, chamado os Comensais da Morte, praticamente sendo o responsável da explosão que quase a destruiu, mas quando soube por Rony depois dos funerais que, Luna ficaria em Hogwarts até seus amigos irem totalmente embora e estarem seguros, ele não teve a total coragem.

Se lembrava ainda das suas fotos e os dizeres “amigos, amigos, amigos” na parede do quarto da garota. Sabia, embora não quisesse apostar naquilo, Luna nunca perdoaria seu pai se ela soubesse o que tinha feito com seus únicos amigos. E pelas expressões de puro divertimento do rosto dela quando comprimentava Xenofílio com outro abraço, ele também não tinha tido a culhões para contar-lhe. 

— Bem, a gente se vê por aí, pessoal! Me mandem corujas. —  Luna assentiu para os amigos, passando com um Xefofílio que agora tinha expressão séria, olhando para o chão e evitando encarar Harry e os demais. — Até o supletivo!

— Até, Luna! — Rony e Harry  responderam juntos, e Hermione sorriu para ela, assistindo os dois Lovegood indo correndo e atravessando primeiro a parede.

Todos então se dirigiram para a parede da extensão de limite para o mundo dos trouxas, se preparando para atravessá-los, carregando os malões e com passos apressados. A Senhora Weasley comentava sobre um caldeirão recheado de batatas assadas e molho cremoso de carne com milho para quando eles chegassem na hora do jantar, e então Harry ficou angustiado de como explicaria para ela que não jantariam juntos. De como não iria diretamente para a Toca, passar as próximas semanas em companhia deles como tinham combinado. Ele é claro, queria ficar com eles, mas imediatamente precisava fazer algo, algo importante para si e distante da casa dos Weasley, bem entre as casas 11 e 13 do Largo Grimmauld, onde sabia que Monstro esperava por ele.

Quando à poucos passou chegaram na parede, Harry logo atrás dos amigos, o garoto sentiu subitamente a sua pele corar quando os dedos de Gina tocaram seu braço, atrasando-o por alguns poucos passos. Ela estava agora novamente na sua frente. 

Como todos os outros que não fossem por Rony e Hermione, e alguns poucos mais como Hagrid e a professora Mcgonagall, Harry havia evitado falar com Gina. Em sua cabeça, estava esperando o momento certo, o momento oportuno de dizer tudo aquilo que sentia e precisava para ela, e talvez - caso ela assim quisesse perdoá-lo - fazer o que a própria Luna horas atrás havia recomendado. Mas agora ele só encarava os olhos de Gina, tão profundos que o perdiam confuso nos pensamentos, e havia esquecido durante o isolamento o quanto ela era linda, e o quanto desejava abraçá-la e cheirar seus cabelos ruivos por um bom tempo, o quando queria fazer tantas coisas. Mas, ali, ela apenas colou subitamente os lábios no ouvido de Harry e disse:

— Eu vou visitar você no largo Grimmauld, se for para lá. Quero ficar com você às sós, Harry. Só me enviar uma mensagem, dizendo quando. 

 E então ela sorriu e o encarou por uma fração de segundos, e o soltou, indo a passos graciosos para a família.

— Ei, Harry, você não vem, pô? Tá esperando o quê? — Rony berrou esperando por ele na barreira, faltando apenas os dois para enfim atravessarem, quando Harry retornou à realidade mais uma vez naquele dia. 

O que estava pensando, dava voltas e mais voltas de puro encantamento e recente felicidade, apenas por Gina pedir para estar à sós com ele, apenas os dois. E correndo para o amigo, atravessou a barreira, de volta ao mundo real dos trouxas onde não era nada além do que o não-famoso e desconhecido Harry Potter.

(...)

Já era tarde quando garoto chegou ao largo Grimmauld, pousando os pés na calçada dura quando finalmente saiu daquele sensação horrível de atravessar uma mangueira. Harry já se sentia cansado, mas apenas balançou a cabeça e olhou para os lados, e via que a apenas um pequeno carro desaparecia de vista atrás de um quarteirão, e em seguida encarou as duas casas de número 11 e 13, e então uma outra casa entre elas, que vibrando magia, apareceu subitamente quando percebeu, e a de número 12 surgiu entre elas. A casa de seu padrinho, Sirius e de toda antiga família Black, e que agora pertencia à Harry. 

 Ele suspirou levemente, fechando os olhos por um instante, e finalmente ergueu o malão um pouco mais alto e atravessou a rua, passo por passo e pisando nos curtos degraus de pedra para a porta de entrada e tocando na maçaneta. Parecia uma eternidade que havia estado ali, pisando naquela soleira e abrindo aquela porta, mas fazia alguns meses que havia fica ali por poucas semanas, quando ele, Rony e Hermione planejavam invadir a o Ministério da Magia e recuperar o medalhão de Regulus Black e destruir a Orcruxe. Ele girou a maçaneta, e então mal pisando na entrada, sintou a sua língua enrolar, e um enorme vulto empoeirado atravessar o corredor e flutuar em sua direção. Harry arregalou os olhos de susto, mas em uma fechou rapidamente a porta imediatamente, largou o malão e gritou: “Não sou Severus Snape!” e o fantasma de pó na forma de Alastor Moody se desfres aos seus olhos. 

Fuligem de poeira encheu o rosto de Harry, que ainda estava de boca aberta e acabou arrancando os óculos do rosto,  com uma careta e cuspindo no chão.

— Ah, droga. Eu tinha esquecido da azaração do Moody. — Ele tossiu e passou as mãos no rosto e cabelos, e escorregou para o chão. 

 Moody, um dos seus professores de Defesa Contra as Artes das Trevas, junto com Lupin, estava morto, tudo em tentativa de salvar sua vida. Harry não conseguiu impedir que o pensamento voltasse ao seu cérebro, e ele por mais alguns segundos torturantes, voltava a se culpar para morte dele. Passara pouco tempo com o verdadeiro Moody quando visitou aquela casa anos atrás, quando ainda era sede da Ordem da Fêlix, mas mesmo assim não deixara de sentir uma grande simpatia pelo Auror, que exalava confiança e muita coragem, encorajando-o à talvez um dia, tentar ser como ele também. Harry abanou a cabeça e curvou-a, tentando mais uma vez, coloca-la no lugar. 

Só pensava em arrumar suas coisas, falar com quem deveria, trocar as ataduras dos machucados e tomar um banho para dormir. E, ergueu-se mais uma vez e caminhou aos passos lentos pelo corredor da casa, que voltou à ser tão suja quanto da última vez. Teias de aranhas haviam se multiplicado desde que Hermione havia limpado ali, e seus pés afundavam um pouco em uma fina camada de poeira do assoalho. Estava escura, exceto pelos últimos raios de sol que atravessavam a sala para a escadaria do segundo andar.

— Monstro? — Harry chamou, com tom quase alto mas sem gritar, pois momentâneamente lembrou-se do retrado da Senhora Black, e não queria fazê-la berrar aquela hora. — Monstro, está aí? Monstro!

Ele ouviu de longe passinhos apressados e um estrépito de panela caindo no chão. Virou-se em direção à porta aberta da cozinha, mergulhada em escuridão total e viu um morrão pequenino envolto em um trapo sujo com orelhas de morcego correr em sua direção, quase arfando. A coisa abraçou suas pernas, dando pequenos soluços de satisfação, e abriu os grande olhos redondos e vidrados, as pálpebras velhas caídas para os seus próprios.

— Meu amo! Meu amo voltou. — Monstro, o elfo doméstico da família Black, que agora o pertencia, abraçava a perna de Harry com firmeza, molhando as jeans do rapaz e apertando os dedinhos compridos nele, quase o derrubando no chão e meio cambaleante. — Monstro ficou preocupado que como o amo de Monstro estava mal depois da Batalha de Hogwarts, Monstro soube pelos amigos do amo de Monstro, que ele estava muito mal e triste, e que havia se isolado de todos os alunos e professores. Ah, meu amo, que bom que voltou!

— Ah, Monstro me largue. Ah, tudo bem. Tudo bem, não chore. — Harry sorria agora involuntariamente, se desgarrando do elfo idoso e encurvando-se para dar breves batidinhas em sua cabeça enrugada e com poucos fiapos de cabelo brancos. — Eu estou bem, obrigado por ter se preocupado quero dizer… não esperava. 

— Não, não meu amo! —  Monstro se adiantou, erguendo os braços. — Monstro lutou com os outros elfos domésticos também, tudo pelo meu amo e pela honra da família Black. 

— Bem, agora que Voldemort está derrotado, você não precisa se preocupar mas. Regulus e Sirius foram vingados. — E Harry viu outra vez o medalhão falso que tinha dado para Monstro que ainda pendia seguramente em torno do pescoço do elfo. Monstro ao ouvir o nome de Regulus entortou a boca em um sorriso, e então balançou a cabeça, em clara concordância. 

— Perdoe o Monstro, Harry Potter. — Monstro pediu de repente, com a voz esganiçada. — Monstro pensava que Harry Potter estaria mal para voltar à casa do senhores de Monstro que ganhou, e passaria a morar com os Weasley, por isso, Monstro não limpou a casa como deveria. Monstro se perguntava se deveria deixar tudo preparado, e… — O Elfo gaguejava com a vozinha e meio desesperado agora, mas Harry apenas comprimiu os lábios em mais um sorriso.

— Que isso, porque pensou assim? — Harry disse para o elfo. — É claro que eu iria votar, eu não tenho mais uma casa, não vou mais voltar para os Dursley. Essa é minha casa agora, e afinal, como eu deixaria você sozinho?

 E então se adiantando, Harry se abaixou e puxou um dos cadarços do tênis que calçava, tirou e arrancou do pé uma meia de algodão totalmente preta, cobrindo a palma com ela. Ele encarou em seguida o elfo, que só pela expressão ao ver o que fizera, tinha soltado um guincho de puro medo, dando passos para trás e girando a cabeça para os lados, como se o garoto segurasse uma faca afiada apontada para ele.

— Monstro. Se você a quiser, eu lhe dou. Sabe. Estou falando sério. 

Havia muito tempo que ele tinha pensado naquilo, em voltar de volta para o Largo e finalmente realizar o desejo de Hermione em libertar Monstro de sua servidão, deixá-lo livre para fazer o que bem entendesse, tal como Dobby. 

— Pode pegar. Se você quiser.

Monstro deu mais passos para trás, balançando as orelhas de morcego como se Harry havia dito algo muito cruel. 

— M-meu amo… c-como… ousa… — O elfo guinchou com os olhos atônitos para Harry, que abaixou a mão meio confuso. — Não. Como teve coragem? Claro que não aceitarei isso. Vou servi-lo como servi ao meu amo Regulus, jamais deixarei a casa dos Black. Queira Harry Potter ou não!

E então se fez um grande silêncio. Harry se sentiu constrangido, pensava agora que deveria ter abordado algo tão sério para os elfos domésticos, acostumados com a vida inteira de pura escravidão e fidelidade por tanto tempo, que pensava agora na clara na probabilidade de Monstro, sendo como era, jamais aceitaria ser libertado. Talvez até aceitasse, fazia alguns anos atrás, se Sirius o fizesse, mas não mais, já que nada ganharia revelando os segredos da Ordem da Fênix sem ninguém mais para contar. E depois do presente que Harry havia dado ao elfo, era evidente que tinha mudado de comportamento, talvez até de pensamento com relação à ele.

— Bom… — Harry começou, mas o elfo já tinha se curvado solenemente e virado em direção à cozinha.

E sem contestá-lo, Harry mais uma vez sorriu para o nada, achando graça de tanta coisa e ao mesmo tempo de coisa alguma. Ele olhou ao redor da casa instintivamente ainda com a meia na mão, e virou-se, encarando então um grande buraco entre uma moldura larga e detalhada, com ouro nas bordas que agora tinha a tela do seu quadro rasgado, e com marcas de queimadura por todos seus lados em forma de grandes bolas de fogo apagado. Ele franziu o cenho e novamente chamou o elfo, gritando desta vez.

— Espere, Monstro! — Harry apontou para o quadro destruído na sua frente. — O quê aconteceu com o quadro da Senhora Black?

— Ah — Guinchou o elfo e virou-se agora ainda mais cabisbaixo, olhando com receio um Harry confuso e enquanto remexia o medalhão com os dedos.  — Quando o senhor Potter havia aparatado na escada de pedra da entrada, os Comensais da Morte do Lorde das Trevas viram o senhor, e então Monstro ouviu um barulho e desceu da cozinha, mas o senhor Potter não estava em casa. — O elfo olhou para os lados, visivelmente perturbado. — E-então eles… eles… eles entraram, meu senhor. Os Comensais entraram na casa dos meus amos Black. Um Comensal estava caído no hall do corredor de entrada, e quando ele se levantou e começou a procurar o senhor, ele… ele me viu e… 

Monstro  estendeu o braço esquerdo para Harry. Mesmo com uma distância de poucos passo, ele conseguiu ver uma pequena linha vermelha que ia do pulso ao ombro, ainda quase cicatrizado. O elfo olhou para baixo do quadro, e Harry segui-o com o olhar, vendo uma pequena caixa de papelão sujo com uma única fita mal embrulhada. Ele levantou os olhos e o elfo voltava à falar com a voz esganiçada.

— Eles… torturaram Monstro, querendo que eu contasse onde o senhor Potter estava… eu… eu não podia contar, não sabia…

— Monstro…

— Monstro fez fagulhas de fogo jorrar para os olhos do invasor, e conseguiu escorregar dos seus braços e fugir. Monstro desapareceu com fumaça. Monstro só conseguiu ouvir o Comensal berrar de fúria e jogar os vasos milenares da família black na parede, e… então… — O elfo olhou de soslaio para o quadro chamuscado ao lado de Harry. — Ela…  a minha senhora Black…  — Monstro escolheu o braço cortado e passou as mãos no rosto com lágrimas já caindo, fungando no seu trapo sujo tentando responder o garoto o mais rápido possível, tremendo. — Ela começou à gritar furiosa que havia intrusos na sua casa, mas o Comensal invasor jogou um encantamento e o quadro começou a pegar fogo. Quando Monstro reapareceu no corredor, os Comensais estavam aos gritos e insultos e desaparataram, e Monstro tentou apagar as chamas azuladas que torturavam minha senhora, m-mas… já era… tarde… 

O garoto encarou Monstro por mais alguns segundos, aturdido com o que tinha acontecido no Largo, assim que desaparatou com Hermione para a floresta da Copa Mundial de Quadribol. Quando apareceram lá, acreditava que os Comensais haviam não só os visto, como entrado e saqueado tudo o que Mundungo não havia roubado, quebrado tudo e até ateado fogo na casa de seu padrinho. Mas não, ele ficou aliviado quando minutos após a batalha, encontrou Monstro nos destroços de Hogwarts, bem machucado e gritando com ele, dizendo que a casa estava lá ainda por sua espera, mas mesmo que involuntáriamente havia sussurrado que não voltaria para morar no Largo, e dias depois mudou de idéia. Acreditava em seu íntimo que os Comensais haviam de bom grado destruído seu último lar, que o descartava rapidamente de opção, pois até mesmo assim, algo o dizia que não passaria com vida por muito tempo para se importar em voltar. Mas não havia pensado propriamente em Monstro, no que os Comensais deveriam ter se comportado se o encontrasse, se ouvissem a Senhora Black gritando. 

— Monstro vai terminar o cozido que estava fazendo quando ouviu as muitas caixas aparecendo por corujas na casa dos Black, Monstro descobriu que Harry Potter voltaria. Monstro vai agora voltar para cozinhar e começar a limpar. Com licença meu amo. — E desaparecendo no corredor, Harry foi deixado sozinho, agora encarando o quadro destruído. 

(...)

Era por volta das três da manhã quando a coruja chegou. Um forte som de bicadas contra o vidro arrancou o rapaz de um sono sem sonhos e tranquilo, algo que não tinha fazia muitos anos. Ele grunhiu, tapando os ouvidos e se recusando em abrir os olhos, mas por fim o barulho venceu e Harry apanhou os óculos, escorregou para fora da cama e foi em direção à janela. Uma coruja de cor branca, quase completamente alva mas com um punhado de penas de cor de creme na barriga e nas pontas das asas, estava ali parada, os olhos âmbar o encarando e em seus dois pezinhos de ave haviam dois pergaminhos iguais. 

Harry pegou a coruja imediatamente para dentro, fechou a janela e a colocou em cima de uma das muitas caixas de presentes que ganhou e que lotavam o quarto, e tirou cuidadosamente os pergaminhos. Ambas pareciam ter aspectro oficial, e quando viu o grande "M" pintado de dourado no dorso da carta, é que percebeu do que se tratava. Eram pergaminhos do Ministério da Magia.

Harry então se dera conta que não tinha até então, mesmo horas após ter chegado no Largo Grimmaud, guardado seu malão, jantado com Monstro, tomado um banho, e ido se deitar, que ainda não tinha aberto e lido o pergaminho que a professora - agora Diretora— MacGonagall havia lhe entregado com tanta urgência. Ele então deixou a coruja ali, mordiscando as garras, quando voltou para a jaqueta que tinha usado, e puxou dali um terceiro pergaminho, este agora com o selo do brasão de Hogwarts. Harry aos passos lentos voltou para a cama, sentou-se e fitou os pergaminhos, se decidindo qual abriria primeiro. 

Qual teria mais importância para após a Batalha que tinham enfrentado. Havia, é claro, a possibilidade de que as cartas do Ministério seriam nada, apenas mais agradecimentos que não aguentava mais receber, mas com aquele aspecto, não podia ser nada mais do que algo sério. Ele suspirou, e se decidiu-se por fim a de Hogwarts primeiro. Abrio-a e leu:

"Prezado Sr. Harry Thiago Potter, 

Gostaríamos de mais uma vez lhe parabenizar novamente pelo seu incrível desempenho, coragem e fé na amizade em ter derrotado nosso ex-Aluno, T. Riddle - conhecido publicamente como Lorde Voldemort (aka. Lorde das Trevas). Visto sua enorme coragem e determinação em seguir as diretrizes do falecido diretor Albus Dumbledore, e por ter honrado sua casa Grifinória, além de salvar sua escola e o Mundo Bruxo como um todo, temos um imenso prazer de lhe oferecer - com os cumprimentos de todos seus professores de Hogwarts - um cargo em nossa instituição. Visto seu excelente ensinamento na Sala Precisa, embora duramente proibido pela Diretora da época, Dolores Umbridge, vemos que tem talento de lecionar jovens da sua idade para a defesa de obras malignas com feitiços que conheceu e se defendeu. Por isso lhe oferecemos o cargo de professor em Defesa Contra as Artes das Trevas, - mais e esperamos uma última vez - vago agora, assim que se formar em seus exames finais e Supletivos pelo ano faltoso de sua educação. 

Aguardamos sua resposta assim que obtiver mínimo "Excede as Expectativas" no Supletivo. 

Sinceramente,

Minerva MacGonagall, Diretora da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts."

Harry abaixou a carta, completamente atônito. 

Aquilo era muito além do que uma surpresa, era algo que nunca pôde imaginar que a professora McGonagall oferecida à ele. Na verdade, nunca imaginou a possibilidade de voltar para Hogwarts mesmo após o supletivo acabar. Por uma fração de segundo, Harry fechou os olhos e se imaginou novamente nos corredores de pedra, atravessando a ponte suspensa, ouvindo o canto dos pássaros e da multidão de alunos que corriam nos pátios para as aulas, enquanto todos o davam bom dia. Ele entraria na sala, e ensinaria Defesa Contra as Artes das Trevas. Ele estaria ali, perto de Hagrid, dos professores e amigos novos, da sua eterna casa, e…

Ele balançou a cabeça, tentando ao quarto, e sentiu a mão nos pergaminhos do Ministério suar. Ele então correu para abrir os dois pergaminhos mais rapidamente, abrindo o selo com violência, e escancarando o rolo na frente de si. E leu:

"Ministério da Magia, Ordem de caráter Sigiloso, mensagem comunicado de pedido para o Sr. H. Potter.

Caro Senhor Harry T. Potter, é com honra que gostaria de comunicar que o senhor passou com excelência nos testes e provas práticas e orais para o cargo de Auror no Ministério da Magia, atuando como defensor do mundo bruxo contra criminosos associados à magia das trevas e seguidores das futuros potenciais Comensais da Morte por outros senhores de magia negra. Por favor, se apresente em até cinco meses contando com esta data de envio, após a finalização do supletivo pelo ano sem notas na Escola de Magia de Hogwarts. Suas notas na N. E. Ms já foram computadas. 

Cordialmente, desejando que esteja bem e com saúde,

Quim Shacklebolt, Ministro da Magia e Coralice Emmett, Escrivã do Departamento de Cargos e Empregos do Ministério da Magia."

Harry mais uma vez ficou assombrado e abaixou a carta, agora levemente arfando de excitação. 

Algo entrou em sua mente profundamente, que mal teve tempo de raciocinar o que tinha lido. Como ele poderia ter passado em testes para ser Auror, se ainda não havia feito nenhum ou apresentado o pedido pessoalmente ao Ministério? Talvez as notas dos N.E.Ms e intenções para ser Auror em Hogwarts bastariam para o Ministério? Harry não tinha certeza de absolutamente nada. Ele se viu levantando, agarrado com os dois pergaminhos um em cada mão, absorto de pensamentos, que mal conseguia respirar, pensar em uma decisão. 

Um cargo de Auror, era o que Harry mais queria caso conseguisse sobreviver. Aquilo era um presente, não se conseguia se ver fazendo outra coisa além de continuar lutando contra Comensais da Morte. Por outro lado, ele novamente ergueu o pergaminho de Hogwarts, e por um breve momento, sentiu uma fraca única lágrima escorregar em sua bochecha. Era o cargo de Professor

De professor contra as Artes das Trevas. 

Harry só sentia naquele momento, e encarando o selo das quatro casas em seus olhos, uma emoção inexplicável da mesma forma que sentiu quando recebeu sua carta para estudar em Hogwarts quando completou onze anos, e mais uma profunda paixão pela escola e tudo o que ela representava para ele. Conseguia imaginar os professores ali, em pé na sala do Diretor, assim que Harry saíra pela porta, e começando a discutir como iriam reparar a estrutura do castelo, as aulas e os alunos, dos cargos deixados para trás. Eles lembraram nele como a primeira opção. E só aquilo, bastava. 

Com um pulo, Harry se pós de pé, vestiu novamente a jaqueta e colocou os pergaminhos no bolso, e olhando para os lados do quarto ainda escuro, procurando o que queria. Logo avistou as caixas retangulares perto do guarda-roupa envelhecido, de tamanho um pouco menores que a sua própria altura, e os levantou com os braços, carregando em direção da porta e do corredor. 

Harry por um segundo se lembrou do terceiro pergaminho, e viu que o deixou escorregar no chão. O pegou e o abriu, e leu:

"Um atento: Nós do Ministério estamos lhe enviando uma Coruja nova, visto que sua antiga fora morta pelos Comensais da Morte, com os cumprimentos de Kingsley. Abraços, meu amigo."

Harry arregalou os olhos e virou-se para a ave. E sorriu.

Ele deixara a coruja ali mesmo, fazendo um piado baixo, e fechou a porta do quarto de Sirius com cuidado. Se foi apressadamente, correndo sob as meias nos pés sem fazer barulho para o primeiro patamar, perto das últimas escadas, onde se localizava havia pouco tempo o velho quadro de adorno dourado da senhora Black. 

Ele viu o quadro quase inteiramente destruído, e então pousou as caixas retangulares do lado oposto, no corrimão da escada. Puxando a varinha da manga ergueu para o quadro e ordenou baixinho:

Wingardium Leviosa.

O quadro tremeu, soltando poeira em suas dobras, mas obedeceu imediatamente, e começou a se erguer da parede, soltando algo grudento e invisível de suas costas e pousando no chão, perto dos pés da escada, com um baque abafado. 

Harry sorriu, vendo que o feitiço de cola permanente do quadro havia sido desfeito quando fora atacado com chamas azuis, e logo voltou a fechar o rosto ao lembrar da reação de Monstro ao assistir a última fotografia da família que serviu por tantos anos, e que fora um Comensal da Morte o responsável. Logo então, voltou-se para as caixas retangulares e com um aceno da varinha, abriu-as, e com o mesmo feitiço ergueu os conteúdos. 

Três grandes molduras flutuavam na cabeça de Harry até a parede do outro lado, se fixando nelas seus quadros. Um no exato local onde a cortina cobria a da Senhora Black e os outros dois de cada lado, de como que faziam um trio na parede descascadas e escura. 

Lumus!

Harry agora podia ver os quadros que colocara na parede de forma melhor. Todos os três possuíam molduras de prata reluzentes, novos com detalhes esculpidos com cuidado entorno de suas pequenas plaquetas com nomes, e em seus quadros  antes vazios, agora reluziam timidamente, com diferentes cenários de fundo surgindo dali que Harry logo reconheceu - A Sala Comunal esverdeada da Sonserina, o escritório do Diretor de Hogwarts e um fundo completamente vermelho e opaco, e no segundo seguinte manchas de tinta surgiram dos fundos, como tivessem sidos pintados naquela hora, três corpos e rostos familiares, um em cada quadro, tremeluzindo e abrindo seus olhos, fazendo Harry abrir novamente seu sorriso e mais largo em completa satisfação do que surgia na parede da casa. 

Ali, parados e fitando Harry com os olhares surpresos.

Do lado esquerdo na ponta, estava ali a pintura do professor Snape, com sua habitual robe negro e curtina de cabelos negros e oleosos, os lábios franzidos e os olhos escuros e cenho franzido. Do lado direito estava o padrinho de Harry, Sirius Black, muito mais novo e com os cabelos levemente despenteados e com um traje de cor vinho e anéis nos dedos, com um olhar para Harry em um misto de espantado e surpresa divertida. E bem no meio dos dois, sentado em uma cadeira dourada e dedos juntos ao colo, estava Albus Dumbledore, a mesma barba branca e longa, os trajes coloridos e pendentes de estrelas, olhando curioso para Harry por trás dos oclinhos de meia lua. 

Harry os observou ainda meio bobamente feliz, mas logo balançou a cabeça e aproximou a varinha das suas mãos com luz para os quadros 

— Boa noite, Harry. — Dumbledore o cumprimentou imediatamente, e Harry sorriu ainda mais, mas só conseguia lhe retribuir um aceno de cabeça. 

— Boa noite, professor.

— Harry… c-como…? — A voz de Sirius soou ali ao lado direito, e Harry olhou para o padrinho que procurava entender o que tinha acontecido. Snape também o observava, mas em completo silêncio. 

— Bem, eu… — Harry começou, pirragueando e logo abaixou mais a voz, mais uma vez com os olhos correndo para os três quadros na sua frente.  — Resolvi trazê-los para cá. Sabem, foi um presente, um presente que pedi ao professor Flitwick dias depois que várias caixas de embrulhos haviam sido entregues para mim por bruxos de todas as partes. Alguém me deu essas três molduras, que bom, parecem ser caras… — Harry perdeu-se a linha da conversa mas logo retornou. — Bom, eu… eu perguntei… se havia a possibilidade de duplicar os seus quadros da Sala do Diretor, o seu, professor Dumbledore —E olhou para o diretor, que este sorriu de volta. —… e o do Senhor, professor Snape. São duplicatas dos seus quadros da sala do Diretor. Isso significa que bem, podem agora passar de quadro em quadro, de Hogwarts até aqui. Quero dizer, se quiserem é claro. 

Harry não sabia ao certo se era aquilo que planejava falar aos quadros dos três de algumas das pessoas mais importantes para ele, mas não conseguira pensar em nada melhor. Assim que tinha desembrulhado as molduras, lembrou-se imediatamente que haviam quadros da mesma pessoa ou pintura em vários pontos diferentes e que algumas visitavam umas as outras, como de Fineus Fletcher e da diretora no Hospital Saint Mungos. Logo lhe deu a idéia de pedir para fazer duplicatas dos quadros que queria na Sala do Diretor, imaginara exatamente como tinha feito, e assim mudou de idéia de ficar com os Weasley e voltar ao Largo Grimmaud, número 12. 

Dumbledore sorriu amavelmente para Harry, com os olhos brilhando para. Lhe pareceu quez até ontem, tinham conversado pelo quadro, falando da Pedra da Ressureição, uma das orcruxes abandonadas na Floresta Proibida e da Varinha das Varinhas que seria devolvida ao maosuléu do diretor. 

— E eu? — Sirius voltou a perguntar, e Harry olhou para ele.

— Monstro me disse hoje no jantar, que você tinha tentado jogar fora seu retrato à óleo no lixo, assim que essa casa virou sede da Ordem da Fênix, dias antes de eu ser resgatado. E é, claro que ele surrupiou seu quadro do lixo e o escondeu. 

— Não imaginei que Monstro tivesse guardado meu quadro em algum lugar, apenas as das minhas infelizes primas… — Sirius respondeu rouco, claramente se referindo aos quadros de Bellatrix que Harry e os outros tinham encontrado no armário da cozinha onde Monstro dormia. 

— Nem que sua mãe tinha mantido ela quando você fugiu de casa. Mas ela estava segura dentro do seu quarto, e sua família nunca abriu ele quando você se foi, não é?

— Sirius sorriu. Harry novamente levantou um pouco mais a varinha e contemplou os três rostos para ele, ainda sentindo o coração palpitar, pois sabia que estava emocionado. 

— Bem… eu imagino que você tenha alguma boa notícia para nos colocar nas paredes tão tarde da noite, não é mesmo, Harry? — Dumbledore perguntou, sem nem mesmo hesitar em saber que a notícia seria boa, mesmo após tantas tragédias terem acontecido. Uma característica eterna do Diretor. Harry então assentiu, pois era verdade. Ele tateou os bolsos da jaqueta e com a mão livre, puxou os dois pergaminhos que levara consigo, e pousou a varinha ainda com luz em sua ponta no chão empoeirado e se sentou. Ele abriu levemente o pergaminho, e seus olhos se dirigiram aos velhos e brilhantes de Dumbledore. 

— Professor. Eu fui convidado para ensinar Defesa Contra as Artes das Trevas em Hogwarts. Eu também fui convidado pelo Ministério da Magia para ser Auror. — E Harry olhou para Sirius. — Eu achei importante contar para vocês, porque eu estou muito confuso. Não sei o que fazer, qual escolher. Tudo sobre Voldemort, a Batalha, as Horcruxes e as Relíquias aconteceram tão depressa na minha vida que eu ainda, sinceramente não sei o que posso fazer com ela agora. Eu sabia que morreria, mas não sabia o que aconteceria após Voldemort. 

 E então Harry sentiu que falava alto, nervoso e desesperado. Parecia ter novamente onze anos de idade, com o Chapéu Seletor em cima dos olhos, avaliando para qual casa deveria ir. Harry arfava agora, pois tinha falado tudo em um só fôlego. Por alguns segundos, viu os dois quadros de Dumbledore e Snape se entreolharem e Sirius o encarar como se tudo fosse óbvio, e um leve sorriso. Harry se sentia estranho agora que tinha reagido daquela forma, contudo foi Dumbledore que quebrou o breve silêncio. 

— Harry. Antes que eu responda minha opinião, gostaria de falar algo muito sério, e por favor tenha o entendimento disto. — O professor falava em tom firme, mas Harry sentiu que era como se falasse ao microfone, dando-lhe a sensação de calma e profunda seriedade do que antes diante à Penseira.  — Nós três aqui, não estamos mais entre você. Nós três estamos agora em outro lugar, não vivemos mais, Harry. Sei que suas intenções foram boa, e francamente falando, me sinto emocionado que tenha me colocado aqui em sua casa, pensando em mim e minha companhia.  — Os olhos brilhantes do Diretor tremeluziram diante de um brilho de tinta óleo, que pareciam ser lágrimas contidas. — Mas entenda que mesmo que estejamos aqui, em fotografias, nós morremos, Harry. Nós não podemos mais termos os mesmos relacionamentos que gostaríamos, ficar aqui só o faria se sentir pior, não lhe seria saudável. 

 E ele olhou fixamente para o rapaz. 

— Como lhe disse antes, a morte não é o fim de tudo, mas limita nossa existência, compreende? Eu. — E Dumbledore apontou para si mesmo. — Sou apenas um resquício de consciência de Albus Dumbledore, feito com tinta à óleo mágica. Assim como Severus e Sirius ao meu lado. Compreende, Harry?

— Sim. — Harry respondeu, puxando os joelhos para si e mais uma vez balançando a cabeça com um sorriso no rosto. Fazia dias que pensara naquilo, sabia que por mais que tentasse, nem mesmo as Relíquias o ajudariam a rever as pessoas que mais amavam, seria cruel, contra até mesmo a natureza e mais triste na cabeça de Harry do que qualquer outra lei. Mas logo, ele respondeu. 

— Eu não me importo, não pretendo me definhar. Só quero agradecer, e… lembrar de vocês, e o que fizeram para que eu esteja aqui, perguntando o que vou fazer no futuro. Só quero ter a companhia de vocês.

Harry podia jurar que os olhos de Dumbledore brilharam mais uma vez, em ele assentiu em  tímida aprovação. Sirius olhou para afilhado com mais intensidade e orgulho, que o mesmo lhe devolveu o olhar, pensando nas coisas distantes. 

— Contudo… — Snape começou à falar de repente, pela primeira vez, e olhava para o rapaz ainda da mesma forma como se estivessem na sala de aula, sério, mas sem aquela arrogância de antes. Agora parecia ser um enfermeiro para seu paciente, querendo cuidar e explicar pacientemente os efeitos de um remédio complicado. — Devo acrescentar que a decisão de MacGonagall tem minha aprovação direta, Dumbledore. Dado aos recentes eventos, seria uma tolice dar o cargo de Defesa Contra as Artes das Trevas para algum inútil qualquer sem realmente experiência contra as artes das trevas que não seja Potter, precisamente. 

— O… o senhor me sugeriu como professor de Defesa Contra as Artes das Trevas para a MacGonagall? — Harry exclamou.

— De fato. — E Snape encrespou os lábios tortos, como em forma de um singelo sorriso que logo o desfez. 

Harry não esperava por aquilo. De certo modo, sabia que McGonagall deveria ter perguntado conselhos aos retratos dos diretores tal como vira Dumbledore fazer alguns momentos, mas não conseguia imaginar que a diretora trocando informações com o quadro de Snape na Sala do Diretor sobre o corpo docente. Lembrava-se do olhar de horror que ela tinha quando lhe contou sobre como ele tinha assassinado seu diretor, como era seu comportamento impiedoso no lugar de Dumbledore enquanto Harry, Hermione e Rony procuravam as Horcruxes. Mas sabia que Minerva McGonagall tinha uma maturidade que poucos entendiam, e parecia saber dividir entre sua experiência pessoal, com a verdade que lhe fora contada, no caso por Harry após a Batalha, sobre as intenções finais de Snape. Harry ficou mais algum tempo olhando para chão, no canto vazio onde vira uma caixa suja que ainda estava ali parada em um canto, pela primeira vez se sentindo interessado nela e se fosse mais um dos presentes, quando após vários segundos, a voz de Sirius voltou à ressonar.

— Eu discordo do Snape e da Mcgonagall. — Harry levantou os olhos para o quadro do padrinho, momentâneamente perplexo, mas logo ele se apressou em continuar. — Quero dizer, em relação em permanecer na escola. Não que eu ache que Harry ficar em Hogwarts seria bom para ele, e estou certo a escola ganharia um excelente professor e amigo. 

E Sirius fechou os lábios, reabriu e voltou a fechar. Estava com o cenho franzido mas logo continuou mais uma vez. 

— Mas… eu acho que… depois de tudo o que aconteceu, Harry… acho que você deveria amadurecer fora de Hogwarts. O castelo, sabe… sei o quanto significa para você, mas agora você é maior de idade. Um adulto. E como adulto, você tem razões o suficientes de ficar em outro lugar para usar todo o poder que sabemos que tem, com outros pessoas, não só com crianças e adolescentes, mas salvando famílias inteiras. Veja bem Harry, eu acredito que deva levar em consideração o convite do Ministério da Magia. Bem, sei que teve muitos problemas por lá e eles com você principalmente, com todos nós…

— Sendo caçado por meses. - Snape voltou a ressonar com a voz arrastada, ainda com os dedos fechados nas mãos e olhando para trás de Harry.

— Ah. — Sirius arregalou os olhos negros feitos de tinta óleo para Harry, que claramente não soube o que tinha acontecido após sua morte. Harry por meio segundo voltava à pensar no Departamento de Mistérios, no Véu que Sirius fora empurrado e sentindo amargura quando o padrinho continuou. — Olhe, não importa mais. O Ministério não pode mais ser tão corrupto agora que Voldemort foi derrotado, e é justamente por isso que acredito que você, Harry, daria um excelente Auror. 

 Ele olhou novamente de quadro em quadro, obviamente perdido em sua decisão, que não precisaria ser tão desesperada com os momentos de perigo que enfrentou semanas, anos antes, onde as tomadas de decisão deveriam ser imediatas. Poderia ter tempo para pensar, esperar sua cabeça parar de doer, respirar um pouco aliviado pela primeira vez e estar grato por estar vivo. Instintivamente ele tocou nos pergaminhos ao se virar para trás, a luz intensa da ponta da sua varinha iluminando o corredor escuro e antigo, observando-a de forma quase filosófica. Ele sabia, que queria estar ali com sua família, mas ao mesmo tempo queria estar em Hogwarts. Harry então suspirou, e virou-se.

— E o senhor, professor Dumbledore? O que acha que eu devo fazer? — Harry perguntou, olhando para o quadro de Dumbledore.

— Harry... acho que sabe qual minha opinião sobre esse assunto. 

Dumbledore se respondeu, e agora sorria sem se mexer de sua cadeira. Sim, Harry sabia qual era a opinião do diretor, qual conselho lhe daria sobre o futuro. E simplesmente virando-se, Harry piscou antes de se abaixar para as caixas retangulares novamente e tirar mais uma pequena moldura dali de dentro.

— O que é isso, Harry? — Sirius lhe perguntou, mas Harry agora tirava uma fotografia por trás de uma cola. Ele colocou a foto dentro da pequena moldura de prata do tamanho de uma palma aberta na parede, ao lado da pintura de Snape. Em seguida, limpou a fotografia com a manga da jaqueta, chamando a varinha "axio varinha" e aproximando a luz para as formas que se mexiam ali para ele. 

Era uma fotografia diferente. Ali estavam todos os recente membros da Ordem da Fênix de três anos antes, olhando para frente e sorrindo ou acenando. Se encontravam ali Hermione e Rony, junto com Gina, Gui e Carlinhos, os gêmeos Fred e George, os senhor e senhora Weasley, Olho-Tonto Moody, Kingsley, Sirius, Tonks e ao seu lado Lupin. Bem ao meio, estava Harry, encarando e sorrindo agora para si mesmos. A foto tinha sido tirada no dia da partida para o Expresso de Hogwarts antes do ano letivo, pois ainda se via um malão flutuando ao fundo. E bem no topo, atrás de Harry e entre a senhora Weasley e Lupin estavam mais duas pessoas. Duas pessoas que haviam sido removidos de outra foto parecida com aquela, mas agora por um feitiço colocados em outra, sorrindo e olhando da mesma maneira que faziam antes como se sempre estivessem ali todo o tempo. 

— Meus pais. — Harry finalmente respondeu ao quadro de Sirius após um longo segundo, dando um passo para trás para ver a fotografia presa à parede. — Tiramos essa foto antes de sairmos para Kingscross, lembra, Sirius? Você achou uma câmera velha na casa… eu só, tirei meus pais daquela antiga foto da Ordem e os pus nesta. — E então o garoto sorriu, mais para si mesmo do que para os quadros, e finalmente um lampejo de felicidade e saudade de um tempo que não sabia que sentiria tanta falta apertou seu coração. — Agora todas as pessoas que eu amo estão comigo aqui.

Ele se virou para o quadros mais uma vez, e Snape parecia indecifrável, como se engolisse algo muito amargo na boca e então Harry o viu piscar mais algumas vezes e olhar para os lados, como se quisesse esconder algo dele. Dumbledore gesticulou graciosamente com a cabeça, afastando os oclinhos de meia lua no nariz torto como se quisesse ver Harry melhor. Sirius agora parecia verdadeiramente emocionado, mas tão pouco falou, virando o olhar do afilhado de maneira que encarava as bordas do seu quadro. Harry assentiu.

Ouviu-se um barulho abafado de arrasto. Harry no instante virou a varinha para o lugar do barulho, e viu novamente clareado pela lumus a velha caixa de embrulho. Ele agora parecia mais uma vez intrigado, e sem pensar muito, abriu a caixa e se deparou com uma única esfera de vidro dentro. Um globo vazio, que Harry pegou com a mão esquerda e examinou-a com a luz da varinha em seus contornos, achando esquisito que aquilo estava ali. E mais uma vez olhando para a caixa, viu depositado um minúsculo pergaminho, que o garoto puxou e imediatamente abriu-o e leu:

"Tive esta visão na manhã em que Você-Sabe-Quem atacou a escola, antes mesmo que pudéssemos ver você, meu querido. Achei que seria uma mensagem das estrelas me mandando lhe entrega-la o quanto antes, e não posso ignorar uma missão destas. Veja e espero que seja útil. Assinado, Treloney."

Harry franziu o cenho, largando o pergaminho e mais uma vez observando o globo de vidro, que agora o reconhecia como um dos muitos que tentou ver o futuro sem sucesso nas aulas de Adivinhação. Nunca tinha de fato, visto-o funcionar e então a tocou mais uma vez, receoso se ela funcionasse ou não. Uma fraca fumaça esverdeada e prata surgiu do seu interior e no segundo seguinte o globo brilhou por inteiro, preenchendo todo o andar da casa com a luz verde intensa, jogando o brilho para longe e todas as direções até finalmente se apagar imediatamente, e ele gritou de dor. Harry sentia a pele das pontas dos dedos queimados e grudados na superfície de vidro, até tentar puxá-la e sentir a pele deslocar, deixando o globo cair no chão com um baque surdo e rolando pela escadaria abaixo. 

Harry arfava, sem acreditar, sem compreender no que tinha visto, e se agarrou no corrimão empoeirado. Suava, e suas mãos tremiam agora, e ele viu agora as pontas dos dedos em um tom de rosa escuro, de carne sem a pele fina e a varinha trêmula iluminado. Ele precisou respirar pesadamente mais algumas vezes antes de responder aos urros que Sirius dava do outro lado do quadro para ele.

— Harry! Harry! O que aconteceu?!

— Estou bem… — Harry lhe respondeu, passando o braço esquerdo na testa para limpar o suor e tocava os joelhos, encurvado. 

— Mas o que aconteceu agora? O que você viu neste globo ali? — Sirius gritou mais uma vez e apontando para o final da escada mergulhada na penumbra. 

Harry suspirou mais uma vez e olhou para Dumbledore, que agora o encarava por trás dos óculos, com uma diferente reação do padrinho, em surpresa espanto e curiosidade. Ele se recompôs e voltou a se aproximar do quadro, com a varinha acima da cabeça 

— A professora Treloney ela… — Harry começou. — Ela viu alguma coisa… ela… ela me enviou um presságio que viu. — Ele sentia mais uma vez o coração apertar, agora nervoso e preocupado com o que tinha acabado de  acontecer. 

 — E o que você viu no globo, Harry? — o diretor perguntou, com tom amável e calmo. 

 — Eu vi… eu vi minha família. Minha nova família, entendem? — Ele respondeu, com os olhos agora marejando sem conseguir conter apropriadamente. Harry apenas balançou a cabeça e apertou os lábios, tentando não deixá-las cair. — Eu vi uma meninina, vi dois meninos e vi eu e Gina, correndo em Kingscross. Eu os abraçava, eu os beijava. Não sei se era apenas um sonho, não consegui ouvir o que diziam, mas sabia que era minha família.

— Ah. Parece que podemos incluir um terceiro presságio verdadeiro para a conta de Treloney desta vez, não acha? — Dumbledore sorriu mais uma vez, batendo uma palma. — E aí, está. 

 — O quê? 

 — Se queria saber o que fazer com seu futuro, Harry, para qual caminho seguir, aí está uma dica, graciosamente presenteado pela nossa querida professora Treloney. Agora, Harry — E a figura de Albus Dumbledore se curvou da cadeira para frente, e Harry o encarou ainda com o ar faltando, como se seu olhar atravessassem seus pensamentos mais íntimos e confusos, clareando-as como uma Lumus maxima. — Agora, você já sabe o que deve fazer. 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Harry Potter e as Relíquias da Morte - Final" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.