É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 31
Capítulo 31 – O milagre




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Capítulo 31 – O milagre

                Mantis estava sentada observando a feira de peças. O evento era enorme, envolvendo troca e venda de peças para naves. Ela estava distraída olhando em volta quando algo colidiu com seus joelhos. Olhando para baixo Mantis viu uma criança humana que aparentava não ter mais que quatro ou cinco anos. Distraidamente a menina repousou a mãozinha no joelho dela e olhou em volta como se temesse algo. Agora que estava ali, seu coração batia tão rápido que Meredith não conseguia falar, apesar de querer.

O cabelo ruivo, com mechas cor de rosa, estava cuidadosamente arrumado em dois coques que se desmanchavam em mechas onduladas. A criança usava um casaco cor de rosa, uma blusa branca com estampa de notas musicais pretas, calça azul e botas infantis pretas. Algo nela parecia estranhamente familiar. Mantis tocou a pequena mão e sentiu medo, confusão e uma grande tristeza. A pequena a olhou assustada.

— Você está perdida?

A menina ficou em silêncio, parecia em dúvida sobre o que falar. Ela olhou em volta outra vez e tornou a encarar Mantis, respirando ofegante, talvez por ter corrido muito até ali.

— Eu e meus amigos podemos te ajudar a achar sua família – a alienígena sorriu, coisa que agora fazia naturalmente após tantos anos com os Guardiões.

Mantis usou seu poder para ajudar a menina a se sentir um pouco mais feliz, se ela sentisse que podia confiar na ajuda oferecida seria mais fácil. Alguns segundos depois a pequena sorriu timidamente e deixou que Mantis a pegasse no colo quando se levantou, e enquanto caminhavam ela olhou fixamente para a guardiã, quase como se a reconhecesse. Os Guardiões ficaram famosos em toda a galáxia após derrotar Ronan, e mais ainda depois de Ego. Não era impossível que a garotinha soubesse quem ela era. Mantis apressou o passo quando a menina continuou a olhar em volta apreensiva durante o trajeto. Peter dissera que estaria no lado oposto do ponto de encontro, talvez ele ainda estivesse lá.

— Peter – chamou apressadamente quando o alcançou.

Peter a olhou, ficando surpreso ao ver a criança em seus braços.

— Mantis? Quem...?

— Ela não falou nada desde que a encontrei. Acho que está perdida. Ela apareceu de repente onde eu estava esperando vocês. Será que não a vimos com alguém quando chegamos?

— Você lembra de tê-la visto? – Peter perguntou se aproximando da pequena e segurando uma de suas mãozinhas – Esse lugar é enorme e tem muita gente aqui.

— Não... Mas por alguma razão ela me parece familiar.

A menina encarou o Senhor das Estrelas e Peter teve exatamente a mesma sensação de Mantis, a criança parecia muito familiar, ele só não lembrava de onde.

— Também acho que já a vi antes – falou para a irmã – Oi, princesa – falou sorrindo para a criança, que permaneceu séria por um instante antes de sorrir de volta para ele.

O cérebro de Peter quase entrou em curto-circuito porque ele tinha certeza absoluta de já ter visto aquele sorriso antes. Ele pegou a criança no colo, e ela o encarava com uma grande curiosidade.

— Ela estava muito assustada e confusa quando a encontrei. E senti uma tristeza muito grande também. Estava olhando pra os lados como se estivesse com medo de alguma coisa ou alguém, mas não falou nada até agora. Acho que ela sabe quem nós somos, não parava de olhar pra mim no caminho.

— Ei, pequena – Peter sorriu, camuflando a dor em seu peito ao se lembrar de que ele imaginava condições completamente diferentes para momentos como esse em sua vida – Você sabe quem nós somos? Conhece os Guardiões da Galáxia?

Alguma coisa nos olhinhos castanhos pareceu demonstrar reconhecimento, mas a criança olhou para baixo e não disse nada, em seguida abraçando Peter pelo pescoço e escondendo seu rosto ali. Peter trocou um olhar preocupado com Mantis.

— Querida, precisa nos dizer como se perdeu. Seus pais estão aqui?

A pequena apenas acenou negativamente com a cabeça.

— Tem alguém mau procurando você? – Mantis perguntou.

— Eu juro que se tiver alguém mau atrás de você nós vamos prender essa pessoa e ela nunca vai conseguir chegar perto de você – Peter falou, finalmente convencendo a pequena a olhá-lo.

Novamente o Senhor das Estrelas sentiu seu cérebro se confundir ao ter certeza que já vira a criança antes. E quando seus olhos se encheram de lágrimas, seu cérebro quase pifou por não conseguir se lembrar de onde a conhecia.

— Não chore, vamos te ajudar – Mantis prometeu – Devemos contatar Nova Prime? Talvez ela possa localizar os pais. Estamos em outro planeta, mas a Tropa Nova ainda tem registros sobre os habitantes de fora de Xandar.

— Acho que é a única opção que nos resta – Peter respondeu – Ei, pequena, você ao menos entende o que estamos falando?

Ela acenou positivamente. Peter quase perguntou se ela estava com medo de algo, mas seria estúpido, o medo estava estampado nos olhos dela e Mantis já dissera que sim. Pegando o transmissor, contatou Rocket.

— Rock, está ouvindo?

— Tô sim — ouviram a voz do guaxinim dizer.

— Você já conseguiu tudo que precisamos? Temos uma emergência.

— Ah, não! Não me diz que tem algum maluco atrás de nós de novo? Ou é outro monstro espacial?

— Felizmente nada disso. Infelizmente algo complicado. Precisamos voltar pra nave e falar com Nova Prime. Mantis encontrou uma criança perdida, mas ela não nos diz nada, acho que tem medo de alguma coisa – Peter falou baixo para apenas Rocket ouvir.

— De que espécie ela é?

— Parece humana, mas o cabelo tem duas cores, pode ser mestiça. Ai! – Peter exclamou de repente quando a menininha deu um tapa em sua mão, provavelmente tentando impedi-lo de continuar a falar.

— O que houve?! Ela é agressiva?

— Ela tentou derrubar o comunicador da minha mão. É mais forte que o comum pra ser tão pequena, deve ser mestiça. Acho que não quer que alguém aqui saiba onde ela está. Drax, Groot e Nebulosa estão com você?

— Sim, já acabamos tudo. Você continua no mesmo lugar que te vimos pela última vez?

— Sim. Venham logo!

— Estamos indo — falou antes de desligar.

Não precisaram esperar mais de dois minutos para os Guardiões restantes aparecerem olhando curiosos para a menina.

— Ela não falou nada sobre seus pais? – Drax perguntou.

— Já tentamos muito, ela não diz nada – Peter respondeu quando começaram a se encaminhar para a Benatar.

Mantis convenceu a garotinha a andar de mãos dadas com Peter e olhar em volta para tentar reconhecer alguém, mas continuaram sem informações.

— Eu vou preparar a decolagem, vamos logo – Rocket disse começando a entrar na nave, mas o que aconteceu foi tão rápido que nenhum deles teve tempo de processar.

A criança se soltou da mão de Peter e em milésimos de segundo imobilizou Rocket no chão. Todos os Guardiões ficaram espantados e mudos, tentando entender e controlar a situação.

— Pra onde vão me levar, seu projeto de panda?!

— Eu sou Groot!!

A menina olhou com os olhos arregalados para Groot, mas só por um instante, e sem soltar Rocket, enquanto os outros estavam estarrecidos com o apelido que Rocket detestava e que obviamente não teria como a criança saber.

— Pete! Eu não quero nem pensar no que vai acontecer se os pais dela aparecerem! E não deve demorar porque aparentemente ela lê mentes. O que diabos tá havendo aqui?! O que você tinha na cabeça pra trazê-la, vamos voltar e procurar os pais! – Rocket questionou irritado, não ousando se mover.

— Calma, Rocket! – Peter pediu – Ela tá morrendo de medo de alguém lá. Se os pais dela estivessem aqui ela ia querer encontrá-los, parece que não estão.

Peter se aproximou lentamente e se ajoelhou ao lado dos dois. Outra coisa lhe chamou atenção. E essa ele reconheceu imediatamente! Só uma vez na vida ele vira alguém ser imobilizado assim. Um joelho prendendo o pescoço, a outra perna imobilizando o restante do corpo, e uma mão erguida no ar em uma clara ameaça enquanto a outra se apoiava no chão. Foi assim que Gamora o prendeu ao chão no dia que se conheceram em Xandar. A lembrança fez seu coração acelerar um pouco. Imediatamente encarou Nebulosa, que pela forma como o olhou de volta deixou claro que estava pensando a mesma coisa que ele. O terráqueo olhou de volta para a garotinha.

— Ei, querida... – chamou calmamente, conseguindo que a menininha o olhasse – Nós não vamos machucar você. Queremos ajudar, e você está segura aqui. Olha – Peter puxou o zune do bolso, o qual carregava apenas por hábito, uma vez que há anos passara a ouvi-lo raramente – Você gosta de música? Se soltar o Rock, eu te mostro todas as músicas do zune. O que acha?

Ele desviou rapidamente o olhar dela para sinalizar para a equipe que não se movessem.

A pequena olhou para Peter, e lentamente ele viu o medo em seus olhos se transformar em curiosidade. Ela relaxou e abaixou a mão que ameaçava socar Rocket, estendendo a outra na direção de Peter e pegando o aparelho.

— Vamos – Peter chamou gentilmente, a erguendo do chão e libertando o guaxinim, que levantou ainda espantado e olhando incrédulo para a menina.

— É sério? Nós vamos transportar uma criança que nem sabemos quem ou o que é e que atacou um de nós? – Ele perguntou.

— Ela está assustada. Provavelmente não queria que decolássemos – Drax lhe disse.

Peter trocou outro olhar com Nebulosa e todos seguiram para dentro da nave. Rocket e Groot foram guardar as peças novas da nave enquanto Drax pegou a garotinha no colo, logo ganhando a simpatia dela, e a emoção nos olhos do Destruidor expressou bem do que ele estava se lembrando. Ele e Mantis se sentaram com ela na sala de estar da nave enquanto Peter e Nebulosa foram ao convés.

— O que foi aquilo? – Peter perguntou chocado.

— É o que também quero saber – ela respondeu – Se ela é uma telepata, talvez Mantis possa descobrir.

Peter acionou o comunicador e logo podiam ver o rosto de Nova Prime na tela.

— Bom dia, Guardiões – ela sorriu – A que devo a honra de seu contato agora?

— Bem... – Peter começou – Acabamos de sair de uma feira de peças num planeta mais ou menos longe. Encontramos uma criança perdida. Já tentamos muito, mas ela não nos diz nada. Nada sobre os pais, o nome dela, ou quem ela é. E parece estar com medo de algo, ou alguém na feira.

— Menino ou menina?

— Menina.

— Descrição.

— Ela parece humana, mas achamos que é mestiça. O cabelo tem duas cores, ruivo claro e rosa, olhos castanhos, e ela aparenta ter quatro ou cinco anos, mas é muito forte pra uma criança dessa idade. E ela falou uma coisa que apenas nós sabemos. E eu não me lembro de ter falado publicamente.

— O que seria?

— Um apelido que Rocket detesta. Ela parece gostar de Mantis, vou pedir que tente descobrir se ela é telepata. Está tranquila agora, vamos tentar conversar com ela de novo.

— Não tivemos notícias de nenhuma criança assim perdida hoje, mas vou verificar. Não há como identificarmos com certeza se ela não fornecer nenhum dado. Se está com medo de alguém no local, é melhor que não digam nada. Se os pais entrarem com uma queixa de desaparecimento em qualquer lugar nós saberemos, e eles poderão buscá-la aqui. Ou nós a levaremos até eles. A que distância estão?

— Um dia talvez, ou algumas horas menos que isso – Nebulosa falou.

— Aguardo vocês então – ela sorriu para eles antes de se despedir e desligar.

Os dois se olharam novamente sem saber o que dizer e apenas seguiram para onde os outros estavam.

— Alguma notícia? – Rock perguntou quando saíram do convés.

— Nova Prime não tem ideia de quem ela é, e disse que até agora não há queixas do desaparecimento dela, e que devemos levá-la até Xandar.

— Se ela lê mentes mesmo, podemos ter problemas. Não sabemos quem ela é, qual é a espécie. Será que ela é mesmo criança?

— Rock, Mantis leu os sentimentos dela, se houvesse algo ruim lá dentro ela saberia. Sobre a telepatia acho que ela também teria notado, mas ainda é a única explicação. Eu nunca chamei você assim na frente de alguém além de nós.

Os dois permaneceram em silêncio tentando chegar a alguma conclusão, e falharam.

— Vamos decolar em breve, prepare a nave.

— Certo.

 Antes de seguirem para suas funções, os três olharam para a garotinha no colo de Drax, trocando um longo olhar com Groot.

— Eu sou Groot – a vozinha infantil falou baixinho, numa clareza perfeita do idioma de Groot, e parecendo angustiada outra vez.

Todos ficaram boquiabertos, especialmente Rocket e o próprio Groot. Quando finalmente ela falava alguma coisa, a primeira coisa que dizia era Eu sou Groot?! O mais chocante é que todos conseguiram entendê-la, ela disse que estava com medo. Peter se ajoelhou na frente da menina, deixando os questionamentos da situação estranha para depois.

— Então nos diga porque. Ou de quem. Pra que possamos saber como ajudar você.

A menina olhou pela janela, novamente fitando a feira lá fora. Todos seguiram seu olhar, e Peter decidiu que precisavam sair imediatamente.

— Todos no convés. Vamos embora agora.

******

Estavam a caminho de Xandar em piloto automático. A garotinha estava fascinada ouvindo o zune de Peter, sentada em cima da mesa enquanto eles a cercavam.

— Alguém tem alguma ideia do que está acontecendo aqui? – O Senhor das Estrelas perguntou baixinho, não querendo arriscar que a criança os ouvisse ainda.

— É o que todos nós estamos nos perguntando – Nebulosa respondeu.

— Gente... Eu não posso estar tão paranoico... Vocês também viram tudo isso – Peter falou.

— Cara... Faz quatro anos, mas você ainda a ama mais do que qualquer coisa na galáxia. Me desculpa te lembrar de tudo que aconteceu, mas temos que ter cuidado com isso, e julgar a situação de maneira racional – Rocket falou.

Peter quase sorriu pensando que esse seria o momento em que ele e Rocket começariam a discutir, mas como tantas vezes antes seu coração doeu ao lembrar que Gamora não estava mais com eles para controlar a situação em segundos como ela sempre fazia.

— Eu sei... – respondeu simplesmente.

— Eu não acho que Quill está paranoico. Ninguém jamais apareceu do nada falando o idioma de Groot perfeitamente sem ser um de nós. Isso já é muito estranho.

— E a única pessoa que eu vi imobilizar alguém daquele jeito era ela – Mantis falou, se referindo às vezes em que vira Gamora lutar com Peter ou Drax nos treinos, ou imobilizar criminosos em alguma missão.

— Eu sou Groot.

— Eu sei, Groot – Peter falou – É claro que eu notei isso. Mas há outras espécies com cabelo de duas cores. Isso certamente é apenas uma coincidência.

— Thanos dizimou os zehoberis até onde se sabe. Não seria possível haver hoje uma criança mestiça de um deles, a menos que não a tivéssemos perdido – Nebulosa falou.

Todos ficaram em silêncio, cada vez mais confusos, e por fim olharam para Peter esperando um posicionamento.

— Não podemos fazer nada enquanto ela não falar com a gente. Tudo que ela disse até agora é que está com medo. Precisamos ganhar a confiança dela. Eu vou tentar falar com ela sobre o zune e ver se assim ela se abre e fala mais alguma coisa.

Todos assentiram e foram fazer outras coisas.

— Nos chame se precisar – Mantis falou.

Peter assentiu e não se preocupou com como iriam ouvi-lo de longe. Desde que perderam Gamora a nave tinha se tornado bem mais silenciosa. Pouca ou nenhuma música, ou baixa. Doía muito ouvi-las. O momento em que ele mais escutava o zune era no quarto deles à noite, quando geralmente ele chorava sozinho. No último ano a música tinha voltado a ser mais ativa na vida deles, mas não tanto quanto antes. Nenhum deles havia superado completamente a morte de Gamora, mas estavam tentando seguir em frente, ele um pouco mais lentamente, e estava grato por a equipe ser compreensiva com isso. Sentou na mesa ao lado da menina, e esperou que ela o olhasse.

— Você está com fome? – Perguntou, falando um pouco mais alto dessa vez.

O olhar dela se demorou sobre ele, e algo despertou dentro de Peter. Foi quase como um choque ou uma pancada. Ele sabia de onde conhecia esses olhos!

— Não pode ser... – murmurou para si mesmo.

Seu coração disparou e suas mãos tremeram. Não queria dizer nada aos outros ainda, precisava de mais evidências. Ou certamente estava ficando louco. Isso era impossível!

— Querida... – a chamou tomando alguns segundos para se acalmar – Você quer conhecer a nave?

Ela acenou positivamente e Peter desceu da mesa, a pegando no colo e seguindo para seu quarto. A pequena sentou na cama sem largar o zune, lembrando-se do walkman prateado, e sendo esse momento a primeira coisa familiar para ela desde que deixara sua mãe, e ainda sem certeza sobre o que fazer ou se era seguro falar sobre si mesma e Gamora. Mas sua mãe lhe falara sobre Xandar. Era para onde estavam indo, certo? E se esses fossem realmente os Guardiões, estava segura com eles. Gamora também falara algumas vezes algo sobre o Senhor das Estrelas e seu pai, que ainda era um pouco confuso em sua mente tão jovem.

— Você gosta das músicas do zune?

— Sim.

— Ei... – ele sorriu – Finalmente você falou comigo. O que está ouvindo agora?

O próximo segundo quase o fez entrar em curto circuito. O surpreendente não era ela saber o nome, era estar cantando o refrão perfeitamente agora. E não uma música qualquer, a música deles!

Fooled around and fell in love... — a garota cantou baixinho.

— De onde você conhece essa música?

— Já ouvi alguém cantar.

— Quem?

Ela ficou quieta de novo.

— Quer passear pela nave? E comer alguma coisa?

Ela acenou que sim e deixou Peter levá-la para fora. Durante vários minutos ele andou com a criança pela Benatar, evitando apenas a sala do maquinário, para o caso dela achar os mecanismos mais interessantes do que devia e começar a desmontar tudo como Rocket, ou até se machucar. Quando finalmente pararam na cozinha, Peter a sentou num banco que era mais alto do que as cadeiras. Eles não tinham mais crianças na nave, então embora soubesse o que oferecer, não tinha certeza se sua sanidade no momento o permitiria executar bem a tarefa.

— Não saia daqui, eu vou chamar Drax.

— Certo.

Pouco tempo depois Drax estava na cozinha preparando um mingau, com um sorriso que raramente se via em seu rosto. Peter ficou feliz por vê-lo se lembrar de seu passado com alegria dessa vez. E mais ainda pela visível satisfação da criança enquanto comia.

— Eu disse que ele cozinha bem, apesar das receitas esquisitas do planeta dele. Nunca as coma quando ele fizer. Tinha que ver quando começamos a morar juntos e ele não sabia usar o fogão direito, quase pôs fogo na nave.

Meredith gargalhou, e Drax olhou para Peter com indignação, mas deixou sua revolta de lado ao ver a garotinha rir, e voltou a se concentrar nela.

— Eu já cuidei de uma garotinha como você. Há muito tempo.

— Ela mora aqui também?

— Não, pequena – o guerreiro respondeu – Infelizmente não. Ela foi viver num lugar muito bonito, mas que fica muito longe. Vai demorar muito pra que eu possa vê-la de novo. Eu fico feliz em poder ajudar você, isso torna a saudade mais suportável.

Drax se derreteu quando a criança sorriu para ele.

— Também acho que já a vimos antes. Eu não sei o que é, mas tem alguma coisa na expressão dela muito familiar – falou baixinho para Peter.

Sentou-se ao lado do terráqueo e os dois a observaram hipnotizados enquanto ela terminava de comer. Peter lavou a louça enquanto Drax levava a garotinha da cozinha. Quando Peter a viu de novo ela estava parada olhando para Nebulosa, na porta de seu quarto, que a olhava com uma certa paz no olhar, talvez se lembrando de algo distante, uma rara lembrança boa em sua vida de dor.

— Você é muito forte pra o seu tamanho – Nebulosa falou – Nós já tivemos uma amiga assim.

Essas palavras fizeram alguma coisa, o olhar da criança mudou, seus olhos se arregalaram levemente, mas logo sua expressão voltou ao normal.

— E pra onde ela foi?

Os dois adultos se encararam rapidamente, Nebulosa não sabia como responder.

— Ela foi morar no mesmo lugar da garotinha que Drax lhe falou.

— Por que?

Peter inspirou fundo, fazendo todo o possível para não deixar suas emoções levarem a melhor sobre ele e trazerem lágrimas a seus olhos.

— Em uma das batalhas que lutamos pra salvar o universo ela ficou muito machucada. Tanto que os hospitais daqui não podiam ajudá-la. Então ela foi pra esse lugar muito longe porque lá ela seria curada. Ela deve estar bem agora.

Nebulosa sentiu o coração apertar, especialmente ao notar o quanto Peter estava se contendo para não demonstrar o que realmente estava sentindo. Por mais que ele estivesse tentando nos últimos anos superar o que houve, nunca mais havia sido o mesmo. Até Nebulosa que não vivia com os Guardiões antes tinha notado isso.

— Você quer que eu te fale sobre ela? – Peter perguntou com um sorriso – Eu e Nebulosa temos muitas histórias dela.

Os dois se sentaram no quarto de Peter enquanto o som do zune ecoava baixinho pelo quarto.

— Trança meu cabelo – a pequena pediu de repente.

Os dois se entreolharam, não entendo o motivo do pedido, mas Peter deu de ombros e desmanchou os dois coques, cuidadosamente penteando os fios e começando seu trabalho.

— Você quer trançar? – Ele perguntou a Nebulosa.

— Não, vou deixar você fazer isso. Quero saber se ainda consegue.

Ele riu baixinho.

— Quando ela me disse em um dos nossos encontros que você sabia fazer tranças eu achei que fosse uma piada. Mas ela jurou que a que estava usando foi você quem fez, e eu soube que era verdade. Infelizmente nunca tive a chance de ver como agora.

Não foi intencional, mas ele acabou fazendo uma das tranças raiz que costumava fazer no cabelo de Gamora. A garotinha tinha mechas cor de rosa no cabelo incrivelmente parecidas com as de Gamora afinal, e as mesmas ondas, as quais Gamora lhe ensinara a trançar sem quebrar os fios.

— Mamãe disse que trança meu cabelo igual trançavam o dela.

— Seus avós trançavam o cabelo da sua mamãe? – Peter perguntou sorrindo.

— Quando ela era muito pequena.

— Você gostou?

A pequena estendeu a mãozinha para sentir o penteado e sorriu.

— Gostei.

— Nossa amiga também gostava quando ele fazia isso. O cabelo dela se parecia com o seu, mas era de uma cor diferente.

— Nebulosa! – Ouviram Rocket chamar.

— Deve ser algo com as máquinas. Volto em breve – ela disse se levantando e deixando o quarto.

Peter pensou em mostrar uma foto de Gamora para a garotinha, e foi até o armário, uma vez que meses atrás ele decidira mover o porta retrato que mantinha na mesa de cabeceira para dentro de seu guarda-roupas, para que assim se concentrasse melhor ao longo do dia, mas de uma forma que ainda pudesse vê-la todos os dias. Mas seus olhos bateram no objeto cuidadosamente guardado numa capa de tecido. Colocara ali para que o brilho da espada não o fizesse chorar cada vez que abria a porta. Segurou a God Slayer e a tirou da capa, em seu tamanho completo. Apenas Gamora conseguia encolhê-la, e Peter deu um sorriso triste ao lembrar do quanto eles riram juntos em todas vezes que ele tentou e falhou miseravelmente. Sentou na cama ao lado da menininha e deixou que ela visse a espada.

— Não toque, por favor, alguns lugares machucam. Se chama God Slayer. Isso era da nossa amiga. Ela sempre usava nas batalhas. Acabou perdendo antes de ir embora e eu guardei. Foi a última lembrança que ela nos deixou.

Peter estranhou que ela não dissesse nada, e nem tentasse desobedecê-lo e brincar com o objeto. Quando a olhou, a criança fitava a espada com espanto.

— Você tem medo de espadas? Alguém já tentou machucar você com uma dessas? – Perguntou, achando que finalmente podia estar chegando a algum lugar com o que a tinha assustado na feira de peças.

— Não.

— Você já viu espadas antes?

— Quantas dessa existem?

— Apenas uma. Ninguém além da nossa amiga tinha uma dessas. Você já viu outra parecida?

— É igual a da mamãe.

— Como assim? – Peter questionou incrivelmente confuso – Querida, essa é a única que existe. Na verdade havia outra há muitos anos, mas se perdeu e ninguém jamais encontrou. Sua mãe deve ter uma parecida com essa. Lutam com espadas no seu planeta? Por que não falamos sobre isso agora?

— Não é parecida, é igual – a garotinha garantiu – Tem os mesmos desenhos e o mesmo nome. Por que sua amiga tinha uma cópia? Essa também encolhe?

O coração de Peter disparou, e por um instante ele se esqueceu de como usar as palavras. Encarou a criança profundamente, e a maneira como ela sustentou seu olhar quando qualquer outra criança possivelmente teria desviado o fez reconhecer aqueles olhos castanhos mais uma vez, essa menina o olhava exatamente do mesmo jeito...

— Eu não sei – ele finalmente falou, fazendo o possível para impedir sua voz de tremer – Talvez tenhamos nos enganado e sempre existiram duas – ele sorriu – Você ainda não nos disse o seu nome.

— E o seu?

— Você disse que conhece os Guardiões da Galáxia.

— Mamãe contou histórias.

— Então você quer uma apresentação formal – Peter sorriu – Eu sou Peter, o Senhor das Estrelas. O grandão que fez mingau pra você se chama Drax. A garota com antenas é minha irmã, o nome dela é Mantis. O guaxinim chato se chama Rocket, mas você pode chamá-lo de Rock, ou de projeto de panda quando ele te irritar.

Os dois riram juntos.

— O jovem árvore se chama Groot, ele é o filho adotivo de Rock, mas foi criado por todos nós desde que era um bebê. Aquela que estava aqui com a gente se chama Nebulosa, ela é irmã da nossa amiga. E agora que você conhece todos nós, como vamos te chamar se não sabemos seu nome?

— Meredith.

Peter quase entrou em choque, tentou falar, mas as palavras não saíram. Ele nunca terminaria de explicar tudo que se passou em sua cabeça nesse instante.

— Você tá bem?

— Sim... Sim, querida.

Peter guardou a God Slayer e deixou o zune com ela novamente. Se abaixou a frente dela e a encarou mais uma vez. Os olhos castanhos, as mechas cor de rosa no cabelo, a maneira como ela agiu com Rocket, a força física, o jeito desconfiado... Essa criança ia deixá-lo louco!

— Meredith... – falou suavemente, sem intenção de dizer mais nada, mas precisava falar com os outros – Eu preciso falar com Rock e Nebulosa e saber se está tudo bem com as máquinas. Você promete esperar aqui? E não mexer em nada?

Ela assentiu, já ouvindo o zune novamente.

— Posso subir aqui?

— Claro que pode.

Peter a ajudou a tirar as botas e deixou que ela se deitasse no travesseiro enquanto observava a tela do zune. Fechou a porta ao sair do quarto e seguiu para o convés, ativando o comunicador e isolando apenas seu quarto.

— Gente, me encontrem na sala de reuniões agora. Todos.

Que tá rolando? Tem algum maluco perseguindo a gente ou você descobriu quem a menina é?

— Eu não sei, Rock. Venham aqui agora.

Ela está bem?— Mantis perguntou.

— Ela está ótima. Eu é que vou ter um curto circuito se vocês não estiverem lá em dois minutos.


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