É só uma coisa implícita escrita por Dani Tsubasa


Capítulo 21
Capítulo 21 - Hermet




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Capítulo 21 – Hermet

 

Gamora estava perdida em mil pensamentos enquanto amamentava Meredith, ainda no quarto dentro da nave, quando a menina murmurou e pressionou sua pele com uma das mãozinhas, exigindo um pouco de atenção, fazendo Gamora despertar e devolver seu olhar, sorrindo para a pequena. Os olhinhos castanhos a fitaram como se pudessem atravessar sua alma, o que acontecia constantemente desde os primeiros momentos das duas assim. Nessas trocas de olhares Gamora se convencia de que em seus pensamentos nunca havia chegado perto do que realmente era a sensação de ser mãe até isso começar a acontecer.

— Me desculpe... Mamãe se distraiu.

Meredith sorriu, sem parar de mamar, e o sorriso de Gamora aumentou. Seus dedos brincavam com o cabelo da filha enquanto a segurava com o outro braço. Até sorrindo ela era parecida com Peter.

— Que bom que você tem meus olhos e cabelo colorido. Ou iam achar que seu pai me traiu. Você só se parece com ele.

A menina riu por um instante, como se entendesse o que ela havia dito, e tornou a sugar seu seio. Gamora riu, sabia que ela apenas entendia o tom das palavras por enquanto, embora já estivesse tentando pronunciá-las.

— O que terão feito com minha espada...? – Gamora tornou a pensar, sem desviar o olhar de Meredith – Se eu a tivesse... Talvez... Ou será que estaria colocando você em risco?

Só então lhe ocorreu que esquecera de perguntar a Adam ou Alia quanto tempo levariam de viagem e qual realmente seria sua utilidade para eles nisso. Tinha impressão de já estarem viajando há cerca de duas horas. E pelo que pudera analisar em algumas de suas breves conversas com Adam, os planetas aliados não ficavam longe. Provavelmente chegariam logo.

Gamora não conseguia evitar ficar um pouco nervosa com tudo isso. A possibilidade de talvez fugir com segurança, de chamar a atenção de alguém, de descobri algo mais das intenções de Ayesha ou qualquer coisa que as ajudasse a fugir, ou descobrir o real paradeiro dos demais Guardiões fazia seu coração palpitar.

Meredith se deu por satisfeita e a soltou, e Gamora a sentou com cuidado em seu colo para se recompor e brincar com a menina enquanto a fazia arrotar. Após arrumar a roupa, a levantou sobre as próprias pernas como fizera no dia anterior e sorriu para a bebê.

— Minha Bebê das Estrelas está bem abastecida?

Meredith riu, mordendo um dos dedinhos, e Gamora brincou com ela por alguns instantes antes de escutar batidas na porta. Segurou Meredith no colo e empurrou as pernas para o chão.

— Gamora? – Era a voz de Alia.

— Entre.

A porta abriu e a soberana surgiu sozinha.

— Acredito que não lhe informamos. Nossos planetas aliados ficam próximos. Chegaremos em breve. Procuraremos os itens que você precisa, iremos a uma farmácia, e nos concentraremos na coleta de suprimentos.

— Ainda não entendi qual é minha utilidade nisso.

— Você já viajou muito e provavelmente já teve que lidar com muitos tipos de pessoas. A sacerdotisa se convenceu de que talvez você possa ajudar a acelerar as missões. Se der certo.

— Diplomacia?

— Algo assim. Alguns negociantes são difíceis. E às vezes há indivíduos perigosos em algum lugar que estamos. Não somos chegados ao combate direito e já tivemos alguns problemas.

— Eu percebi – Gamora falou, lembrando-se de todas as naves não tripuladas que usaram contra os Guardiões anos atrás.

— Mas o bem estar de sua filha é de nossa vontade, e acobertado por nossas leis. Riscos só devem ser permitidos com garantias de segurança. Hoje é apenas um teste. E não soubemos de ninguém agressivo por perto. Há algo mais que você queira saber?

— Não.

Alia assentiu e as deixou, fechando a porta novamente.

Gamora se convenceu de que não adiantaria tentar prever qualquer coisa, e tomou seu tempo se preparando para descer da nave quando pousassem.

******

Descer da nave foi tão estranho quanto entrar nela. Parecia que havia milênios que ela não fazia isso. O estacionamento imenso mostrava várias naves paradas ali. Algumas bem parecidas com as naves soberanas, outras não. O lugar estava vazio, com exceção deles.

— O centro comercial fica bem em frente – Adam lhe disse – Vamos direto até ele.

Gamora assentiu.

— Vocês duas estão bem? A viagem a incomodou? – Ele se referiu a Meredith.

— Estamos. Ela não se incomodou.

— Isso é bom – ele sorriu.

                Com a nave bem trancada, os cinco se dirigiram para fora do estacionamento, e uma pergunta não saía da cabeça de Gamora, se seria ou não reconhecida por alguém. Não demoraram a atingir a saída do local e ver um grande aglomerado de lojas adiante, onde pessoas de espécies variadas iam e vinham, e a única certeza que Gamora tinha é que ninguém se parecia com ela. Ela tinha que ser reconhecida!

                Quando finalmente se misturaram às pessoas, alguns olhares previsivelmente se viravam para olhá-la, mas desviavam ao serem notados pelos quatro soberanos, ainda que ao menos Adam e Alia não parecessem ameaçadores. Algumas pessoas olhavam para Meredith ainda mais do que para ela, fazendo Gamora involuntariamente abraçar a filha mais perto. A pequena olhava em todas as direções, curiosa em ver tantas coisas e pessoas pela primeira vez na vida.

                - As lojas em que costumamos ir ficam logo à frente – Adam informou.

Não andaram muito até parar numa rua que parecia inteiramente dedicada a itens infantis. Gamora não tinha noção se Ayesha ou quem quer que fosse tinha predeterminado uma quantia para ser gasta com o que ela precisasse, então escolheu os itens mais parecidos com os que costumava receber de Adam e Alia e nada além do necessário. A primeira coisa que ela fez foi procurar lojas com artigos para bebês, o que não foi difícil, já que Alia e Adam vinham praticamente mapeando boa parte delas há meses. Então a primeira coisa que fez foi procurar itens para transporte numa delas, e adquiriu um canguru ajustável para carregar Meredith, optando pela cor azul marinho, não querendo chamar muita atenção quando estivesse com ela em público, afinal não eram só os soberanos que estavam testando nessa viagem. A bebê pareceu confortável acomodada no objeto, sentindo-se ainda mais livre para se mover e olhar em volta sem medo de se soltar da mãe.

Quando finalmente encontraram uma farmácia que parecia neutra, tendo humanos e outras espécies trabalhando nela, Gamora decidiu tentar resolver o máximo de pendências que pudesse ali mesmo, e foi acompanhada por Alia, enquanto Adam ia a outro lugar com os pilotos adiantar a busca por alguns equipamentos para o reino. Gamora comprou dois mordedores para Meredith, um comum, cor de rosa, em formato de ursinho, com a rigidez que Gamora achou mais adequada para aliviar a coceira dos dentes da pequena sem que a machucasse, e um outro arredondado que podia ser congelado sem que endurecesse, e possuía várias cores misturadas como um arco-íris. Depois localizou a sessão de xampu e condicionador infantil, decidindo levar um kit que continha ambos os itens, especialmente para bebês. Por fim, buscou alguns itens pessoais para si mesma. Após escolher tudo que precisava, consultou uma atendente humana no balcão.

— Bom dia. Há algo mais em que possamos ajudar? – A mulher perguntou simpaticamente, já recebendo os itens escolhidos por Gamora para contabilizá-los.

— Eu... Gostaria de alguns conselhos com um profissional de saúde. Se vocês tiverem um.

— É sobre a bebê?

— Sim.

— Não há um pediatra acompanhando?

Por um instante Gamora não soube o que responder, e lembrou que essa viagem não era para arriscar, era um teste, seu teste para entender as intenções dos soberanos e como poderia traçar uma rota de fuga segura.

— Estamos aqui a viagem. Não é nada sério, quero apenas conselhos.

— Compreendo. Temos uma enfermeira, nossos clientes costumam gostar dela. Ela está disponível agora se quiser uma consulta – a mulher apontou para outro setor no fim da farmácia, onde Gamora pode ver uma porta com uma placa indicando enfermaria.

— Vá em frente – Alia lhe disse – Acertarei tudo e a esperarei aqui.

Gamora assentiu e seguiu para a enfermaria, vendo uma sala menor, mas organizada e aconchegante ao entrar. Uma mulher um pouco mais velha, também humana, usando o mesmo uniforme azul claro dos demais funcionários, sorriu para ela.

— Bom dia, queridas. Como posso ajudar? Poso saber a idade da pequena?

— Bom dia. Ela acabou de completar seis meses. Os dentes estão começando a nascer e eu gostaria de alguns conselhos sobre isso.

— Certamente posso ajudar. Tire-a daí e sente-se com ela.

Gamora assentiu, soltando Meredith do canguru e deixando o objeto em cima de uma das cadeiras livres junto com a bolsa de passeio, em seguida sentando-se com a filha na outra.

— Ela está bem? Você apenas quer tirar dúvidas?

— Está. Mas seria bom verificar.

— E você? Há quanto tempo não vê um médico? Onde está o papai?

O olhar de Gamora entristeceu antes que pudesse se conter, e tentou pensar numa resposta.

— A guerra... Eu não sei. Ele nem sabe que ela nasceu.

— Entendo. Me desculpe.

— Tudo bem.

— Me pergunte o que quiser e depois examinarei a duas se você me permitir.

Gamora se perguntou se ela sabia o que estava acontecendo, o que realmente significava planetas aliados para os soberanos, se algo das duas ficaria registrado ali.

— Ela só tem dois dentes crescendo por enquanto. Não teve febre, apenas alguns momentos de irritação. Não está sendo um problema, mas me pregunto se ela pode começar a morder quando os outros crescerem. Como posso alimentá-la assim?

— É um bom ponto – a mulher disse, mostrando um bichinho de pelúcia colorido a Meredith para prender a atenção da pequena enquanto verificava os dois novos dentinhos – Dentes novos e saudáveis. Bem... Isso pode realmente acontecer, mas há como conciliar. Alguns bebês tem o bom senso de usar a língua como escudo para não morder a mãe, mesmo que nem saibam o que estão fazendo. Mas outros acham até divertido, acham que a mãe está brincando com eles quando grita de dor, então você pode prestar atenção em alguns sinais. Quando o bebê está satisfeito, geralmente vai apertar mais forte antes de soltar.

— Eu já percebi isso algumas vezes.

— Ótimo. Continue prestando atenção, esse é o sinal de que pode ter uma mordida chegando e que ela não quer mamar mais naquele momento. Mas se acontecer, você pode usar uma pomada cicatrizante, vou recomendar uma antes de vocês irem. Tem tido leite suficiente para alimentá-la ou notado excesso ou falta?

— Não. Até agora isso também tem estado na medida certa ao meu ver.

— Isso é bom. É sua primeira criança?

— Sim.

— Teve problemas no parto?

— Não. Correu melhor do que esperava. E até mais rápido do que eu achava que seria.

— É comum o parto do primeiro filho ser demorado, mas não é uma regra, isso varia mesmo entre mulheres da mesma espécie. E sendo uma menina, tudo fica mais fácil. Meninos tendem a ser maiores e mais pesados, embora também não seja um padrão. Muitas mães relatam que em partos de meninos há momentos em que parece impossível empurrar o bebê pra fora, às vezes cirurgias de emergências são necessárias pela segurança da mãe e do bebê.

— Meu parto foi natural. Não tive complicações. Só febre e mal estar depois, mas um medicamento resolveu o problema.

— Que bom que não teve complicações. A febre e o mal estar podem acontecer quando resquícios de tecido que deveriam ter sido expulsos ou retirados do útero permanecem lá acidentalmente. Qual medicamento você utilizou e com que indicação?

— Água Inglesa. É um medicamento da Terra pelo que sei, foi indicado numa farmácia.

— Geralmente resolve. Mas se você tiver outros filhos e isso acontecer de novo, mesmo se tomar a mesma medida, é aconselhável que tenha o acompanhamento de um médico.

— Não tivemos muita escolha nesses primeiros meses. Tudo que aconteceu na galáxia afetou toda a nossa vida. Mas me lembrarei disso.

— Houve algo errado com ela nesses seis meses?

— Não. Apenas a irritação com os dentes... E ela ficou mais agitada por volta dos três meses e agora. Já ouvi dizer que os bebês entram em crise nessas fases.

— Sim, são momentos em que o bebê aumenta sua percepção do mundo, é tão assustador pra eles quanto o momento em que respiram pela primeira vez.

— E o cabelo dela começou a mudar de cor por volta dos três meses. Ela nasceu loura.

— E agora é ruiva. Qual é a cor dos cabelos do papai?

— Ele é ruivo. A mãe dele era loura.

— Isso é normal. Louros tem filhos ruivos e ruivos tem filhos louros com frequência. Especialmente se um dos avós tiver a outra cor. E bebês podem mudar a cor dos olhos ou cabelo ao longo dos primeiros meses, também é normal. Os olhos dela também mudaram?

— Não. São castanhos desde o nascimento.

— Suponho que o pai seja humano.

— Sim. Ela é incrivelmente parecida com ele.

— Espero que você o encontre. Ele vai ficar muito feliz por ter uma filha tão linda.

Gamora conseguiu sorrir com o elogio.

— Obrigada.

— Ela costuma se alimentar com mamadeira ou usar chupeta?

— Não. Apenas em momentos que não temos privacidade. A chupeta é apenas pra quando estiver muito irritada ou pra ajudá-la a dormir às vezes.

— Ela já bebe água e come outras coisas?

— Bebe água. Ainda não comecei a dar outras coisas.

— Então esse é o momento. Seis meses é a idade pra começar a oferecer alimento, que seja saudável e fácil de mastigar e digerir. Mas você pode e deve continuar a amamentação até pelo menos os dois anos de idade. E continue usando a mamadeira e chupeta apenas quando necessário. Como você cuidou do umbigo dela nos primeiros dias? Teve ajuda? Ela costuma ter cólicas ou refluxos?

— Não tive ajuda, infelizmente. Mas acho que me saí bem, tenho experiência em cuidar de ferimentos sérios, faz parte do trabalho que eu fazia anos atrás. Temi fazer algo errado, mas ela não teve infecções ou outros problemas, então devo ter ido bem. Ela teve alguns refluxos e cólicas nos dois primeiros meses, mesmo que eu tomasse todos os cuidados pra evitar, mas pouquíssimas vezes, e sem demora pra melhorar.

— Isso é bom, está dentro do normal. Agora, se importa se eu examinar as duas?

— Tudo bem.

Nos instantes seguintes a enfermeira avaliou o peso e tamanho de Meredith, além de orientar Gamora sobre como proceder em casos de cólica e refluxo, caso acontecessem novamente, como adaptar bem a criança a novos alimentos, e colocou em dia vacinas e testes para saúde, também feitos em Gamora, que ficaram prontos em poucos minutos, e renderam Meredith quase atirando a enfermeira no chão quando a chutou acidentalmente nas costas com raiva do exame de sangue coletado em um de seus pés.

— Me desculpe por isso. Ela nunca passou por isso antes.

— Não se preocupe com isso, outras crianças já fizeram pior – a mulher riu com simpatia – Eu desejaria fazer o mesmo se um desconhecido me furasse de repente sem motivos aparentes... Ela é muito forte pra um bebê de seis meses.

— É de família.

— Então está explicado. Não quero nem imaginar se fosse você ou o papai a me empurrar. Estaria perdida.

Gamora riu enquanto voltava a acalmar a filha, que apesar de ter parado de chorar, ainda balbuciava palavras incompreensíveis como se xingasse a outra mulher.

— A saúde dela está boa, nenhum sinal de alguma enfermidade ou problemas menores de saúde. Me preocupei quando você disse que não teve ajuda e melhores condições pra cuidar dela, geralmente casos assim trazem crianças com algum problema, mas ela está bem, e no peso e tamanho corretos.

Gamora suspirou aliviada, só então percebendo o quanto estava preocupada com isso. Os soberanos lhes permitiam ter uma boa alimentação apesar de as manterem aprisionadas, provavelmente esse era o motivo que mantivera Meredith saudável.

— Você também está bem, embora eu não tenha padrões de nenhuma espécie pra comparar com você. Há algo mais que queira saber?

— Não. Creio que você já nos ajudou em tudo que precisamos por hora.

— Fico feliz por isso – ela falou, lhe entregando os exames impressos, uma vez que Gamora não tinha um dispositivo eletrônico para armazenar os resultados.

Ela tiraria fotos para servirem como uma cópia extra quando estivesse sozinha, então dobrou os papéis e os escondeu na bolsa de Meredith, em seguida recolocando Meredith no canguru e o prendendo nos ombros. Agradeceu mais uma vez e se despediu da mulher, que tentou brincar com Meredith, mas a pequena continuou emburrada e encolheu os braços e pernas para se afastar, ainda emitindo um grito de desaprovação. Gamora e a enfermeira não conseguiram segurar o riso com isso.

— Um dia você vai entender porque isso é importante, docinho – Gamora falou para a filha quando já saía e fechava a porta, beijando seus cabelos ruivos, e não questionando porque a mulher não havia perguntado seus nomes.

Alia ainda a esperava perto do balcão.

— Você solucionou o que precisava? Vocês estão bem?

— Sim. Estamos.

— Se não precisar de mais nada daqui, iremos encontrar Adam e os demais agora.

                - Então vamos.

                Gamora a seguiu para fora da farmácia e andaram por alguns metros até adentrarem outro setor do imenso mercado, onde ela pode ver todos os tipos de tecido expostos. Apesar de tantos comerciantes por toda parte o local era limpo e organizado, a maioria das pessoas parecia simpática, embora aqui ou ali Gamora pudesse detectar de longe alguns indivíduos que a lembravam muito do tipo de criminosos que os Saqueadores eram antigamente, ou até piores, como alguns encontrados em Contraxia. Não era surpreendente que a própria Ayesha se recusasse a vir a tais locais se não fosse uma necessidade extrema como contratar bandidos para capturar os Guardiões da Galáxia.

Os pilotos se mostravam tão frios e distantes quanto sua governante, mas Adam e Alia pareciam mais à vontade caminhando pelo lugar do que qualquer outro soberano poderia. Alia provavelmente estaria acostumada a tal tipo de tarefa, e Adam... Gamora não sabia dizer. Talvez o mesmo motivo que explicasse a bondade anormal dele com os outros explicasse sua facilidade para lidar com pessoas. Às vezes Gamora até os achava parecidos fisicamente, não muto, mas havia algo similar. Sempre achava que o excesso de dourado na aparência dos soberanos pudesse confundi-la e fazer todos se parecerem, mas os outros que ela já tinha visto eram na maioria nitidamente diferentes uns dos outros. Então lhe ocorreu que Ayesha nunca explicara qualquer coisa sobre possíveis graus de parentesco entre eles, só que eram criados em laboratório. Poderiam ser irmãos sem sequer saber? Isso poderia explicar porque trabalhavam tão bem juntos. Gamora não perguntaria, sabia que se isso chegasse a Ayesha ela interpretaria como uma ameaça, especialmente se fosse verdade. Mas não era importante pensar nisso agora, ela estava em sua primeira missão secreta de teste para uma fuga futura.

                Com mais alguns passos finalmente avistaram Adam e o casal de pilotos numa das maiores lojas do local. Adam falava com um homem no balcão, os outros dois ajudavam funcionários da loja a carregar alguns lotes de tecidos de tipos e cores diversos, mas em sua maioria dourado. Logo todos eles se juntaram as duas e começaram a caminhar de volta para a nave.

                - Você resolveu o que precisava? As duas estão bem? – Adam repetiu as perguntas de Alia com um sorriso.

                - Sim.

                Nenhum deles falou muito enquanto retornavam à nave, apenas Alia discutiu algumas coisas com os pilotos e com Adam. Outra vez Gamora notou olhares na direção dela e de Meredith, embora menos que na chegada, e agora ela pode observar algumas pessoas e seres estranhos de espécies que ela sequer conseguia identificar. Fosse qual fosse o planeta em que estavam, parecia uma espécie de Knowere civilizada, que apesar da organização misturava todo tipo de espécies existentes na galáxia, desde que tivessem autorização dos comandantes do planeta para ir e vir, fossem quem fossem além dos soberanos. Pensar em Knowere atingiu seu coração com uma pontada de dor, e Gamora se perguntou mais uma de muitas vezes o que teria acontecido se ela tivesse ido pela direita.

                Em pouco tempo estavam acomodados dentro da nave após todos os tecidos e suprimentos comprados serem guardados. Como era esperado, Adam veio a seu quarto enquanto Alia estava com os pilotos, ficando parado na porta, esperando sua autorização para falar ou entrar.

                Meredith estava entretida sugando a água de sua mamadeira cor de rosa enquanto Gamora a segurava no colo. A bebê olhou para Adam e riu, sem largar a mamadeira. Ele sorriu de volta e Gamora se dirigiu a ele.

                - Eu ainda não entendi a minha função nessas missões.

— A sacerdotisa e alguns de nós acham que é mais útil e produtivo permitir que você nos auxilie nas missões do que apenas consumir recursos na prisão. Às vezes temos problemas diplomáticos com alguém. Nossa líder a considera talentosa nesse campo – Adam lhe disse, sentindo-se um pouco ferido por ser tão claro e sentir que dessa forma Gamora não passava de um objeto para eles, embora assim fosse para sua líder.

— Como?

— Hoje foi um teste. Ela queria saber como ia funcionar. Tinha ordens pra atirarmos em você se tentasse fugir.

Gamora não respondeu, mas sua expressão deixou claro que ela já imaginava isso.

— Por isso eu e Alia sempre iremos com você.

— Eu posso estar enganada... Mas estranhamente você não parece inclinado a matar outras pessoas como seu povo. E nem Alia.

— Eu não gosto disso. E nunca precisei fazê-lo, ainda que a sacerdotisa queira isso de mim...

Ele não quis completar a frase, e não precisava. Ambos sabiam qual seria o final.

— E por que ela confia em você pra me impedir de fugir?

— Por isso...

Ele olhou em volta, buscando algum objeto que não fizesse falta, e não encontrando, se decidiu por segurar um dos cantos da mesa de madeira. Gamora viu a mão dele se iluminar quando raios de energia alaranjada correram em volta de seus dedos, rapidamente carbonizando o local da mesa que ele havia tocado.

— Ela sabe que eu posso fazer isso. É mais fácil de controlar a intensidade do que um laser. Ela ainda quer você viva.

                - Você me deixou sozinha com Alia.

                - Posso sentir as almas das pessoas, eu saberia se vocês se afastassem.

                - Ayesha sabe disso?

                - Sim, mas não tanto quanto eu.

                - Então você atiraria?

                Adam ficou em silêncio por um momento, parecendo buscar a resposta adequada.

                - Não. E eu não arriscaria Meredith. Mesmo sem atingi-la, se caíssem no chão poderia machucá-la.

                - Realmente... Há algo errado com você.

                Adam não respondeu, mas seu olhar era de plena concordância.

                - Se Ayesha o criou pra nos matar, como vai fazer isso quando ela decidir que se cansou de brincar comigo?

                - Eu não sei.

                Um longo momento de silêncio se estabeleceu entre eles até Gamora se lembrar de algo.

                - Ayesha também os proibiu de me fornecer o nome do planeta em que estávamos?

                - Ela não disse pra falar, mas também não disse o contrário. O planeta em que estávamos se chama Hermet. É um centro comercial que toma todo o planeta, como acredito que você já percebeu.

                Gamora assentiu e se recostou melhor na parede ao lado da cama com Meredith, não dizendo mais nada. Adam sacudiu a cabeça, sem nem perceber o que fazia, como se tentasse afastar pensamentos ruins, e foi embora após fechar a porta sem dizer mais nada. Gamora tornou a olhar para a madeira carbonizada da mesa e se perguntou o que mais Adam seria capaz de fazer e se ele tinha consciência sobre as próprias habilidades.


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Notas finais do capítulo

*O planeta Hermet foi nomeado assim como homenagem ao deus Hermes, protetor dos comerciantes e ladrões. Filho de Zeus e Maia, nasceu numa caverna no monte Cilene, na Arcádia. Mais informações sobre ele podem ser encontradas no site da UOL.

*Encontrei essa foto aleatoriamente no google imagens, imprimi e pintei à mão. Como estou sem esfumador, infelizmente a pintura ficou mais texturizada do que eu queria. E sou uma negação com photoshop e derivados.



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