Ayesha, a Ladra escrita por Janus


Capítulo 2
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/79008/chapter/2

 Estava admirando os campos da sacada do palácio cheio de orgulho e satisfação. Aquela seria uma boa colheita, a terceira seguida na verdade. Os silos reais ainda estavam cheios dos grãos destas, de sorte que mesmo que não colhessem nada desta vez ainda teriam o bastante para sobreviver ao rigor do inverno e continuar comercializando com tranqüilidade com outras cidades.

 Ainda ficava maravilhado de observar a faixa marrom claro a perder de vista. Era como um tapete regular e sem falhas. E era um espetáculo com o sol nascendo ao fundo. E pensar que o que costumava ver nesta época era um tapete com marcas de desgaste e falhas. Era difícil antes. Os grãos não cresciam muito bem, tinham problemas com pragas e ladrões. Era muito comum terem de comprar trigo de outros, deixando o tesouro desfalcado.

 Agora isto era passado. Sua cidade já estava se tornando a mais poderosa economicamente. Muito em breve poderia pensar em anexar uma vizinha ao seu reino. Talvez com o tempo, tivesse um império respeitável como os do sul ou do leste.

 No entanto, no momento precisava ainda ter paciência. Não era bom alarmar os reinos vizinhos sem necessidade. Para o momento bastava a idéia ainda em fase de elaboração de conquistar um vilarejo próximo que era habitado por uma corja de pessoas sem regras ou leis. Um bando de nômades que tinham um lugar para se reunir.

 Mas a região tinha grande valor estratégico conforme o seu sábio lhe disse. Era praticamente o centro de muitas rotas comerciais. Controlar a cidade lhe daria um poder considerável. Logicamente teria de tomar cuidado para não irritar muito os senhores de outras cidades.

 Afastou-se da sacada entrando no interior do palácio. Teria tempo para isso depois. Andou pelo corredor ornamentado até o salão real, onde começava o dia recebendo as informações principais do reino de seus subordinados mais fieis. Não tinha pressa para chegar lá. Queria que tudo já estivesse acabado para não sentir ansiedade. Não fica bem para um jovem monarca demonstrar tais sentimentos em sua corte.

 Tinha que reconhecer que conhecimento era poder. Aquela cidade já tinha sido magnífica! A capital de um vasto reino. Um legado exuberante deixado pelo seu primeiro governante, o rei Argus. Depois de sua morte os sucessores fizeram uma fantástica e incrível sucessão de erros e abominações. A começar com Hoghir, o terceiro filho de Argus.

 Provavelmente ele devia ter assassinado os seus irmãos para garantir o trono. E o que fez? Começou a extorquir os súditos e a reinar de forma muito opressora. Cuidou para que tivesse um exército poderoso e também uma guarda particular para manter a plebe afastada. Enquanto as coisas que Argus criou suportaram, não houve muitos problemas quanto a isso. Mas dez anos depois de chegar ao poder o inevitável ocorreu. O comércio entre as cidades do reino começou a entrar em colapso. O ouro não circulava mais. E se não circulava, também não entrava nos cofres reais.

 Acreditando que estavam escondendo as riquezas criou leis mais severas e ordenou a sua guarda pessoal a extorquir os mercadores. Se não tivessem ouro ou prata ficariam sem as mercadorias. Poucos meses depois o povo sem nenhum recurso se revoltou com o apoio de seu filho, que arquitetava tomar o trono do pai. Ele conseguiu.

 Apenas para fazer pior ainda.

 Este segundo rei - o neto de Argus - precisava ocupar o grande exército com alguma coisa para que este não percebesse como o tesouro estava com poucas reservas. Assim foi o responsável por uma guerra a qual não só perdeu, mas a miséria resultante gerou conflitos internos que despedaçaram o reino, deixando apenas uma cidade para os seus futuros herdeiros governarem.

 E estes herdeiros apenas cuidaram de destroçar o que ainda estava de pé. A cidade só sobreviveu devido ao seu porto. Ainda era a única da região a possuir um e os produtos de outras terras tinham que passar por ela para chegar as outras cidades. A cobrança de altas taxas para isso garantiu a opulência e vida mansa para eles, mas isso também não iria durar muito. O porto estava velho e caindo aos pedaços, e uma outra cidade também a beira mar decidiu construir o seu próprio porto. Ia ser difícil, especialmente devido ao penhasco de trinta metros que era chicoteado pelo mar. O único local que podia abrigar um porto sem muito esforço era onde estava a sua cidade. Mas eles conseguiram! Vinte anos trabalhando para aplainar o local e o porto ficou pronto. Quando seu pai assumiu o trono era preciso quase que pagar para que navios ainda aportassem ali. Seu pai conseguiu manter a cidade, mas forçou os súditos a pagarem um alto preço.

 Quando chegou a sua vez tinha herdado uma cidade moribunda, esmagada pela opressão de seu pai. Os cidadãos que podiam fugiam de lá. Tanto que era necessário convocar soldados para a colheita dos campos, que por decreto real tanto a propriedade quanto a colheita pertencia exclusivamente a cidade. Ou seja, ao governante desta.

 O primeiro ano tinha sido difícil, em especial pelos levantes e revoluções que ocorreram. Há um limite para o quanto se pode oprimir o povo. Não demoraria muito para o exército debandar quando o tesouro estivesse vazio, e não poderia recuperar este cobrando taxas, pois o povo já não tinha mais nada. Tudo o que tinha sobrado foram as moedas da cidade cunhadas internamente que nada valiam fora dos muros desta. Sua grande sorte foi a chegada do enigmático mago da mecânica. Ofereceu seus serviços em troca de um lugar para morar e recursos para suas pesquisas. O preço era bom, e aceitou no ato. O engenho que ele fez no rio que podia levar água para os campos foi um dos seus primeiros trabalhos.

 Todos ficaram maravilhados com aquilo! O que antes era preciso várias carroças e homens agora era feito apenas com a brisa girando uma grande roda de pás. E era uma idéia simples! Até uma criança poderia ter pensando naquilo. Talvez até tivesse pensado, mas como o próprio mago da mecânica disse, não basta ter a idéia, é preciso pensar em como concretizá-la.

 Também foi idéia dele construir grandes tubulações de argamassa saindo da nascente que ficava no interior do castelo até as várias fontes espalhadas pela cidade. Isso também liberou mais homens para outros trabalhos, pois agora não precisavam mais executar a tarefa de carregar a água com baldes ou tinas para estas. Um grande avanço realmente. Só isso valia para ele permitir ao mago gozar o resto da sua vida com o que tinha pedido.

 Houve outros avanços depois. A maioria ligada a sistema de distribuição de água. Várias galerias foram construídas com a mão de obra ociosa que ficou depois que o moinho e o sistema de distribuição de água ficaram prontos. Serviam para levar a água da chuva que caía na cidade para o oceano. Isso acabou de vez com os alagamentos que enfrentavam na primavera. Outra criação foi um outro sistema de águas, mas este levava os dejetos das casas para longe. A cidade ficou limpa com aquilo, e muitas doenças simplesmente sumiram depois. Ele quase fez uma estátua para o mago, mas este recusou afirmando que o mérito não era dele, mas sim de um outro mago mecânico que tinha conhecido em uma cidade no sul.

 Alguns anos depois chegou um grande sábio, Irnother. Um nome estranho, cujo significado era desconhecido. Não importava. Seus conhecimentos de como usar a felicidade do povo para a prosperidade do reino foram muito valiosos. Como ele já tinha visto de antemão o que os súditos felizes eram capazes – tinham ficado muito felizes com as criações do mago da mecânica – aceitou as idéias estranhas deste rapidamente. Tanto que hoje era seu principal consultor para assuntos importantes, embora nem sempre atendesse aos conselhos deste. Tinha sido assim quando decidiu reabrir a velha mina de ouro fechada há mais de cem anos.

 Felizmente ele não tinha pudores em mudar de idéia. Quando os cavadores relataram os sinais que foram encontrados tratou de lacrar a mesma imediatamente, obrigando sob pena de morte a nunca comentarem sobre o assunto. Tudo o que diriam era que não havia mais ouro na mina, e que era muito perigoso tentar trabalhar nela. Não iria fazer tal idiotice, fossem os sinais apenas desenhos feitos pelos apavorados ancestrais ou não. Haviam outras formas de enriquecer o tesouro, e uma delas era o comércio com outras cidades. Tinha muitas moedas destas que com calma ia trocando por ouro destes governos. Irnother também lhe ensinou sobre como não ficar tentado a cunhar muitas moedas para uso interno, pois as mesmas em breve nada valeriam. Mas descobriu uma forma muito interessante de cuidar para que o que fosse cunhado não saísse de lá. Qualquer um que entrasse na cidade tinha de trocar suas moedas ou riquezas com o homem sentado no banco na entrada. As moedas cunhadas na cidade só valiam no interior desta. Quando alguém saísse poderia trocá-las por moedas de prata ou ouro.

 Raramente alguém usava moedas de ouro ou prata no interior da cidade, e quando o faziam as mesmas iam direto para os cofres reais. Aqueles que as usavam recebiam seu troco em forma das moedas do reino. Teria o valor em ouro estampado nelas de volta quando saísse da cidade.

 Claro que um dos problemas tinha sido o de como evitar falsificações. Seu mago resolveu o problema achando uma forma de misturar cobre e bronze de forma a fazer uma moeda com duas cores. Praticamente impossível de se copiar da forma usual. Seria preciso muito esforço para isso, tanto que não compensaria.

 Desde então seu reino apenas prosperou, e em apenas dez anos. O porto estava recuperado e até haviam projetos para a sua ampliação. Haviam construído doze embarcações para cruzar o oceano, e mais algumas dezenas para navegar pelo rio que também saía da cidade e seguia pelo interior da grande ilha em que estavam. Eles já chamavam a atenção de pessoas de fora que tentavam a sorte ali. Expandiram os muros da cidade para quase três vezes o tamanho original, praticamente ao lado dos campos. E mesmo assim muitas vilas estavam se formando ao redor desta. Apesar de não pertencerem ao reino propriamente, ele cobrava taxas destes para que permitisse que ficassem por lá. Taxas baixas, basicamente em serviços prestados. Era o maior empregador destes, e o comércio local destas vilas também tinham a sua parcela de taxas a pagar.

 Estava tudo indo muito bem até aquela bruxa aparecer.

 - Bom dia majestade – disseram os integrantes de sua corte quando irrompeu cabisbaixo e imerso em seus pensamentos pelo salão. A rainha já estava lá, bem como sua filha. A princesa Shaphira. Seu sábio dizia que a sua esposa a estava estragando com tanto mimo. Olhou ao redor e não viu o capitão de guarda. Ficou um pouco preocupado com isso.

 Mas não questionou ninguém a respeito. Caminhou rumo ao trono e sentando-se nele de forma lenta e pensativa, solicitou que todos começassem os seus relatórios.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Acabei escrevendo mais alguma coisa no período em que o Nyah ficou fora do ar. Mas ainda quero saber se vale a pena continuar com esta fic. Ou seja, quero alguns reviews se possível...