Depois da Ruína - O Fim escrita por Bzllan


Capítulo 1
Início de Uma Jornada


Notas iniciais do capítulo

Oiiii! Muito obrigada por chegar aqui!!



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A noite gradativamente transforma-se em dia. 

Os seis sobreviventes têm a mesma sensação física - esgotamento. Cada um encostado em seu canto, dormem com o chacoalhar do trem como se tudo tivesse sido um sonho ruim. Menos Maia.

De uma das portas escancaradas, ela vê a cidade se afastando. Tenta deixar com ela as lembranças tristes. Assim que adentram a floresta, encobertos pelas árvores, a garota se levanta e ruma em direção à Eduardo, que habilmente manuseia os comandos do painel.

Parada da porta, ela observa Lídia dormindo. O garoto Miguel ao seu lado. Ela repara em como a menina é bonita. Deve ter a idade semelhante a dela, talvez mais velha. 

Eduardo percebe estar sendo observado.

— Tudo certo? - Ele pergunta, um sorriso jovial no rosto, como alguém que acabara de driblar a morte.

— Tenho perguntas. - Ela diz.

— E não temos todos? - Ele volta a encarar os trilhos. - Sente-se aí, garota. Ainda não sei seu nome.

—É Maia. - Ela senta-se no piso ao seu lado.

— Bonito nome. 

Maia força um sorriso.

— Ok, Maia, o que tirou seu sono?

Ela respira fundo, pensando em que assunto tocar primeiro, apesar de ser bem óbvio.

— Como… como caralhos estamos andando em um trem?

Eduardo solta uma gargalhada.

— Fico feliz que tenha perguntado.

 

— Há exatos vinte anos da minha vida eu fui maquinista de trem. Já fui pra tudo o quanto é lugar.

— Ok, isso explica você saber andar com um trem, mas…

— Mas eu também dei muita sorte de ter o Gael na minha equipe.

— Gael? - Ela olha para o interior do trem. O garoto estala os dedos das mãos, a cabeça apoiada distraída em um assento.

— Sim. Quando nos encontramos nessa sinuca de bico, decidimos começar um projetinho pessoal. A gente saía todas as noites pelo bueiro da estação e trabalhava nisso aqui.

Vendo que não estava dando as respostas que a garota queria, apressou-se a falar.

— Bom, pegamos apenas três vagões. Um espaço pequenininho, consideravelmente fácil de trabalhar. Gael era um excelente estudante de engenharia elétrica antes dessa merda toda.

"Uma noite, conversando, ele me disse que andara em um trem na Argentina movido basicamente de energia solar".

Maia começa a entender onde ele quer chegar, impressionada.

— Pra operar com energia solar, fizemos um instalado no teto dessa belezinha, alguns painéis solares fotovoltaicos, são eles que convertem a energia solar em energia elétrica. Trabalhamos muito a procura dos materiais e ainda não tínhamos testado, mas foi um bom tiro no escuro, não acha?

Ele fala orgulhoso da invenção.

— É, é realmente impressionante… Mas extravagante, não acha?

— Tive tempo demais pra pensar, querida. Eles vão nos seguir, é claro. Mas eu conheço o mapa ferroviário como a palma da minha mão. Sei exatamente que bifurcações seguir até finalmente abandonar esse… esse meu belo projeto. Eles vão encontrá-lo, mas vai estar vazio. Estaremos longe.

 

x

 

Alex abre os olhos. Os breves minutos de sono a recompõe de um pesadelo infernal.

Olha ao redor.

Está no último vagão do trem, o terceiro. Os amigos se concentram ali. Naomi está deitada de costas para a parede, o irmão sentado ao lado como um guarda costas.

Diego e Maia conversam baixo, enquanto Rafael dorme encolhido ao lado deles, finalmente cedendo ao necessário sono.

Levi está com a mochila de Alex. Ela o observa. Sentado sozinho, tira a blusa suja e desenrola o curativo em seu braço. O ferimento a bala está inchado e sangrando. Ele o estuda com as sobrancelhas e dentes cerrados.

A garota se levanta, pronta para fazer a única coisa em que se considera realmente boa. Cruza o vagão e se senta ao lado do amigo sem dizer nada.

Apenas analisa o ferimento. E ele a analisa.

Sem trocar uma palavra, Alex se pronta a mexer com o material do kit. Com um pedaço de gaze limpa e água potável, limpa o ferimento do garoto, que vez ou outra faz uma careta de dor.

— Obrigado. 

Ela sorri em resposta, ainda esgotada.

— Você está bem? - Ele a surpreende com a pergunta.

— Estou exausta. - Ela balança a cabeça.

Ele olha para os olhos carregados dela.

— Por que não descansa? Temos tempo. Não sei quanto, mas temos tempo.

— Não, eu… estou exausta. Ainda não processei tanta coisa. - Enquanto limpa, observa um desenho na pele de Levi. Quando tira o agasalho, deixa um círculo grande e visível preto em cima do peito esquerdo. - O que é isso?

— Uma tatuagem? - Ele responde, como se fosse óbvio.

— Diego têm um igual. Maia também. Achei que fosse coincidência, mas…

Levi sorri.

— É uma boa observadora, novata.

Ela também sorri, pela primeira vez em algum tempo.

— Todos temos. Eu, Diego, Rafa, Maia, Naomi… Rilo tinha. Lucas, Ivan, Júlia… Gabe fez também.

— Como conseguiram fazer uma tatuagem? - Ela ri, incrédula.

— Muita dor e paciência, usando… métodos antigos. Melhor nem saber. - Ele balança a cabeça.

— E por quê? Por que um círculo?

— Bom… - ele repousa a cabeça novamente nas paredes do trem. - A Jú veio com esse papo espiritual... O círculo é o ciclo da vida. Nascer, morrer, renascer... Pareceu uma boa ideia há dois anos. Éramos… somos uma família, né?

Alex o observa, com um sorriso tímido na boca.

— O que foi?

— Já tivemos uma conversa parecida em que você disse que…  como é? Não se apega às pessoas.

Levi morde os lábios, contrariando a si mesmo.

— Eu tento. Mas a vida aqui ia ficar solitária demais. - Ele olha para o sol nascendo no horizonte, algo que não faz há majestosos anos, muito antes da pandemia. - A gente tem que ceder um pouquinho.



x

 

 Naomi acorda com a luz do sol em seu rosto. O sono finalmente a renovara, mas com isso ganhou também a dor excessiva no corpo, agora que seu sangue está frio. Sangue seco ensopa a manga de sua blusa. 

Ela olha para cima.

Cauã sorri para ela com o mesmo sorriso simpático da criança que fora sete anos atrás.

A garota levanta com certa dificuldade. Ainda extasiada com a presença do irmão.

— Quer me contar o que aconteceu agora? - Pergunta.

— Bom… Quando você não voltou naquela noite, uns guardas tavam fazendo a ronda. Me viram te esperando no jardim e foram falar com a tia. Disseram que eu tinha que ir imediatamente. Eu era uma criança, não me deixaram ter muita opinião própria, mas… ah, eu só tinha você né, Na? Então, os guardas me escoltaram até a cidade e eu fiquei procurando você…

— E eu fui no primeiro trem atrás de você. - Ela balança a cabeça com a lembrança.

Cauã sorri.

— Bom, amanheceu. Eu fiquei perdido, não sabia nem voltar pra tia Leila. Nem queria. Eu nunca gostei dela.

Naomi ri. Nenhum dos dois gostara.

— Aí o Edu me achou, por sorte. Tinha conseguido umas vacinas com a tal da Sara… Annemberg? É, isso. E decidiu gastar uma comigo. Graças àquele cara eu estou vivo.

Os irmãos se encaram um instante, estudando as feições que mudaram um no outro. 

Cauã se transformara em um garoto alto e forte, a voz grossa. Teria feito sucesso no ensino médio. 

— Como Eduardo conseguiu vacinas com a Sara?

— Sabe que eu nunca perguntei isso?

Os dois riem. 

— Acho que está na hora de eu conversar melhor com ele. - Ela olha para a outra extremidade do trem, por entre todos os vagões.

— Confie nele. Ou em mim, o que preferir. Edu sabe o que está fazendo, pra onde está nos levando. Não precisa ficar levando o mundo nas costas, Na.

Ela observa os raios de sol passarem como flashes por entre as árvores. Está aí um bom conselho, pensou. Se continuar levando o peso de tudo nas costas, vai enlouquecer. A começar por Murilo, que ainda nem tivera tempo de processar a morte. A lembrança lhe parece um soco no estômago. Não sabe quanto tempo ainda têm até Eduardo decidir parar o trem, mas seu estado mental está deplorável. Espera que seja tempo o suficiente para se recuperar.

 

x

 

O trem para gradativamente. Os passageiros, até agora em silêncio, olham ao redor. Eduardo olha para trás, mais para o trem do que para o povo. Sabe que terá que abandoná-lo.

— Vamos dar o fora daqui.

 

Diego é o primeiro a descer do trem. Ajuda crianças, mais velhos e machucados. Olha ao redor. O fim dos trilhos está logo à frente deles, uma placa de obras enferrujada há poucos metros de distância. As árvores retomam seu espaço, as raízes invadindo a construção ferroviária. Não acharão o trem facilmente, encoberto pela mata que cresce agressivamente.

Ele se junta aos amigos, que reúnem-se em um canto, como se fofocassem.

— Qual vai ser agora? - Pergunta.

— Eu não sei nem onde estamos, sinceramente. - Maia morde o canto do lábio, nervosa.

— Estamos há uns… vinte quilômetros do bunker. Uns dias de caminhada empolgados. - Eduardo se junta a conversa. - Esse trecho nem foi registrado na planta ferroviária, não conseguiram terminá-lo a tempo. Vamos ter uma boa vantagem. O que faremos agora, garota?

Ele pergunta a Naomi. A garota apoia-se na lateral do trem, os braços cruzados.

— É o seu povo. Não temos voz aqui.

— Meu povo irá segui-los, se eu disser que iremos segui-los. 

Naomi está cansada de tomar decisões. A vida de seis pessoas em suas costas já pesara, e acabou por perder um amigo. Não quer se responsabilizar por trezentas.

Diego lê tudo no rosto da amiga.

— Não temos muito o que fazer. Se esconder e andar. - Ele diz. - Vamos aproveitar que tivemos um bom tempo de descanso no trem e andar algumas horas.

— Sabe pra onde está indo? - Gael pergunta, ouvindo de fora da conversa.

— Pra… frente? - Ele dá de ombros. - Eu vou me achar.

— Eu já me achei. - Rafael se pronuncia. - Estamos próximos da praia. O sol nasce lá… então a praia está pra lá. Se beirarmos a praia, há uma distância segura… eu consigo levar a gente. - Ele aponta para as direções.

Os outros o olham em silêncio, com expressões surpresas.

— Murilo navegava muito bem, eu era um bom escoteiro. - Ele dá de ombros.

— Eu zoaria, - começa Levi - mas como você vai salvar nossas bundas, então…

Rafael ri, permitindo-se depois de um bom tempo.

— Ok, Rafa, nos guie. - Naomi faz um gesto com o braço bom, um sorriso aliviado no rosto.

Ele concorda. Não sabe por onde começar, mas faz uma promessa a si mesmo naquele instante. Cuidará daquelas pessoas como a própria família, mesmo não conhecendo muito mais da metade, pois cada um deles vai entrar naquele bunker e vingar seu irmão ao lado dele.


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Notas finais do capítulo

e aí, queridos? eu tenho uns shipps pra realizar heheh devem estar meio óbvios né?



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