Doce Amanhecer escrita por Lux Noctis


Capítulo 1
Único




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Era ruim quando ele cantava. 

Mas era pior quando fazia silêncios longos como aquele. 

De soslaio Geralt observou-o, os braços envolviam o próprio corpo, as mãos esfregavam-se nas vestes para trazer atrito, e com isso: calor. 

A noite fria veio mais cedo, os céus logo traziam o brilho de poucas estrelas em meio ao véu negro que se esticava a perder de vista. O vento açoitava as vestes e o rosto desnudo, e via a cada novo passo como Jaskier se encolhia em seus próprios braços, buscando um calor momentâneo na noite fria. 

Teria deixado-o, distância era a coisa certa a se manter numa viagem onde, sequer queria companhia, mas já que a tinha…

Resmungou, era baixo e ininteligível aos ouvidos de Jaskier. Aproximou-se da égua e pegou uma das mantas sobre ela para colocá-la nos ombros de Jaskier, as mãos firmes a apertar os ombros alheios e então esfregar a extensão dos braços para causar atrito e com isso, calor, como ele mesmo fazia até então. Talvez, se voltasse a se aquecer, voltasse também a cantar. Não que Geralt gostasse da cantoria, mas havia se acostumado a ela, era fato. Um que ele não admitiria, claro. 

Não recebeu sequer um obrigado como resposta a seu gesto, então afastou-se novamente, seguindo a caminhada até onde seria seguro parar e descansar. Pousadas não era tão fáceis de achar em meio à estrada, ainda menos aquelas que seriam ao menos minimamente seguras a um bardo que levava à tiracolo. 

—  Podíamos ficar em alguma dessas cavernas —  apontou para um pouco mais a frente, o tremor havia dado trégua graças à manta que trazia perto ao corpo, aquecendo-se com o cheiro de Geralt que nela estava impregnado. 

A ideia não era de todo ruim, tinham comida e bebida da última parada, levavam também mantas, todas nas costas de sua égua, e certamente seria fácil providenciar fogo. Além do quê, estava começando a de fato anoitecer e vagar na penumbra nunca era uma boa decisão. 

Meneou a cabeça como resposta afirmativa à ideia proposta, seu típico “hm” também fora proferido em baixíssimo tom, mas o bastante para que o bardo o ouvisse e continuasse a caminhar rumo à qualquer montanha cavernosa o bastante para entradas largas e que coubesse dois adultos —  ou um e meio — , e uma égua robusta. 

Andavam com cuidado, Jaskier havia até mesmos e aproximado um pouco mais, como se confiasse nos instintos de Geralt e, definitivamente, não nos próprios. Não demoraram a achar o local quase ideal, ideal mesmo seria uma cama macia, ou menos dura que terra e pedras. Mas serviria para o abrigo da noite. Levou a égua para beber água, havia por perto um córrego onde ouvia-se a água mover-se entre pedras e um pequeno espaço um pouco mais fundo. Aproveitou para também recolher água no pequeno reservatório em couro que carregava aonde quer que fosse. Voltou com lenha para uma fogueira modesta, mas que os aqueceria pela noite adentro. 

Despejou a madeira no chão de terra avermelhada, haviam folhas secas sobre o chão, obra de Jaskier enquanto Geralt estava fora com a égua. Mantas bem postas ali, um lugar escuro, não fosse o pequeno montinho de fogo feito com as folhas secas, este, por sua vez, usado por Geralt para acender a verdadeira fogueira, trazendo luz mais forte e tremeluzente ao interior da caverna. 

Havia porções que os alimentaria, não era muito, mas para uma noite serviria. Estendeu-a à Jaskier enquanto sentava-se sobre a manta ali disposta, sentia o corpo tenso, os músculos cansados, mas a caminhada longe ainda do fim. Livrou-se dos sapatos, era o primeiro passo para, quem sabe, conseguir relaxar em meio ao nada junto à Jaskier. 

—  Algo comeu a sua língua? —  questionou quando lhe era entregue o cantil com água. 

—  Reclama o tempo inteiro que eu falo demais, quando me calo reclama também? Será que nunca ficará satisfeito com algo, Geralt? 

—  Hum. 

Era a deixa para manter-se calado, como sempre costumava fazer, com a deixa ou não. Não que tivesse muita escolha numa viagem com Jaskier, onde ele falava pelos dois, quiçá, por um terceiro!

Comeu, bebeu e manteve-se próximo à fogueira, tal como Jaskier que reclamava do frio, mesmo envolto na manta. Quando deu por si, Jaskier escorregava adormecido, caindo para mais perto em seu ombro, descansando a cabeça ali, os olhos fechados e  torpor do sono e cansaço.. Seu corpo proveria o restante de calor necessário. Era rude por boa parte do tempo, e reconhecia isso, embora apenas para si, nunca em voz alta para que Jaskier soubesse. Em momentos assim, de guarda-baixa, era educado oferecer um certo apoio.

Quando o dia raiou, singelo e envergonhado, o sol rompia pelas altas montanhas, ultrapassando grossas nuvens e a névoa de um orvalho que voltava aos céus. Sentiu um peso moderado em seu tórax, assim como calor e um leve aconchego. Vislumbrou com apenas um olho aberto, o braço de Jaskier a envolvê-lo, tal como a cabeça a descansar em seu peito, e sentia também as pernas entrelaçadas às suas. Sentia em sua mão os fios dos cabelos alheios, notando que num gesto de memória muscular, que seu corpo reagia à simples ideia de ter companhia na “cama”. 

—  Porra. 

Saiu tão baixo, um praguejar enquanto evitava se mexer de modo brusco. Arrastou-se para fora da manta, para longe do corpo quente de Jaskier e do aconchego que havia sentido, e gostado. Acariciou a crina da égua, desamarrando-a para que pudesse caminhar em busca de mais água, já com o cantil em mãos. 

No regresso, descansou sobre a pedra mais plana, ainda que elevada o bastante para manter as pernas esticadas enquanto o corpo inclinava-se para trás, tendo as mãos apoiadas na superfície grossa.

—  Seguiremos viagem? —  Jaskier trazia as mantas enroladas, colocando-as nas costas da égua, sentando (da forma que pode) ao lado de Geralt, observando o céu em seu resplendor de alvorada.

—  Sim.

—  Então, somos amigos agora, certo?

—  Não. 

—  Como não, dorme sempre agarrado a estranhos?

—  Na verdade, sim. 

Riu, mas a resposta evasiva não o impediu de apoiar a mão na pedra e inclinar-se na direção de Geralt, sabendo que o reflexo o faria virar, selando então seus lábios aos dele.

—  Também beija estranhos, Geralt? Bem complicado, sabe? Dorme agarrado à estranhos, deixa que estranhos passem óleo de camomila na sua bunda… 

Geralt levantou-se possesso, dava pra notar, mas não ousou demonstrar descontentamento pelo beijo, até porque, não tinha nenhum.

—  Sabe, fico aqui pensando o que mais você estaria disposto a fazer com um “não amigo”, Geralt. Quem sabe na próxima parada não possamos descobrir?


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