Nós

pron; designa a primeira pessoa do plural de ambos os gêneros. 

— Você pode me ajudar com uma coisa? 

Itachi, que estava debruçado sobre a própria escrivaninha, levantou a cabeça ao ouvir a voz do irmão. Era muito raro que Sasuke viesse até o seu quarto – ele estava naquela fase aborrecente que prefere ficar sozinho ouvindo Linkin Park, a banda que tinha descoberto só recentemente – então, já de cara, o mais velho franziu o cenho. 

— É o papo da camisinha? Porque se for, eu… – Ao ver que Sasuke tinha feito uma careta e estava indo embora, Itachi balançou o braço, rindo. – Deixa de ser chato, irmãozinho. O que foi? Chora que eu te escuto – E, com a cabeça, ele indicou a própria cama, para o mais novo se sentar.   

Sasuke que, agora Itachi reparou, estava carregando algumas folhas e o estojo quase vazio, se sentou de pernas cruzadas. Não que o seu irmão fosse a pessoa mais sorridente do planeta – hã… ele não era nem um pouquinho, na verdade –, mas hoje ele parecia especialmente chateado. Itachi franziu o cenho de novo e esperou que Sasuke falasse alguma coisa…

Esperou bastante. 

Sasuke olhou para cima, suspirou, olhou para baixo, olhou para cara de Itachi, suspirou de novo… Parecia estar numa intensa batalha interna. 

— Hm… É para hoje ou tá difícil? – Itachi incentivou, rodando na cadeira. Sasuke fez outra careta, respirou fundo e, com as bochechas meio coradas (!), finalmente falou:

— Queria sua ajuda para desenhar uma coisa. Por favor. 

Aí Itachi arqueou as sobrancelhas, entendendo. Sasuke sempre tinha sido muito independente e prodígio na maioria das coisas que tentava fazer; só havia duas que, céus, ele não conseguia aprender de jeito nenhum: cozinhar e desenhar. Quando cozinhava, se ele não botasse fogo na comida, provavelmente estaria extremamente salgada, doce ou cru. E quando desenhava… Itachi conteve a risada só de lembrar dos homens palitos, levemente deformados, que Sasuke chamava de "arte". 

Para a total insatisfação do menor, não só Itachi também tinha sido um prodígio, mas cozinhava como ninguém e desenha muito mais que "bem" – estava cursando arquitetura, afinal.

— Ué, por que agora? Você nunca se interessou quando eu quis ensinar. 

Sasuke olhou feio para ele, uma veia saltando na lateral de testa.

— Você não me ensinou, Itachi, você ficou foi rindo de tudo o que eu tentava fazer… – soltou, todo amargurado e vermelho.

O mais velho gargalhou, mesmo se sentindo culpado. Bom, não era realmente culpa dele, era? Quando Sasuke erguia a folha todo feliz, e Itachi via as figuras tortas, era meio difícil não dar uma risadinha só… Hã… Algumas risadinhas. 

Sasuke, vendo que o irmão já estava vermelho de tanto rir – e eles ainda nem tinham começado! Que humilhação! – revirou os olhos e se levantou para sair dali e tentar fazer alguma coisa sozinho. Tinha pensado em pedir ajuda para Naruto, mas o loiro ficaria cheio de risinhos insuportáveis quando soubesse o motivo e ele nem sequer desenhava muito bem… Se era para ouvir risinhos insuportáveis, que fosse de alguém que realmente pudesse ajudá-lo a fazer as coisas direito. 

Antes que ele sequer saísse do caminho da cama, Itachi o empurrou, com o pé, de volta para ela. 

— Senta aí, ô sadboy. O que você quer fazer? Prometo que não vou rir… muito. 

— ...se você quiser mudar a ordem de alguma coisa, ou… – Sasuke tentou dizer, num tom muito leve, mas Hinata, que estava encarando qualquer outro ponto que não fosse a linda cara dele, balançou a cabeça.

— Eu estudei minha parte, Sasuke, consigo fazer isso – e, sem dizer mais nada, Hinata se concentrou nos cartões de memorização que tinha preparado.

— Não foi isso que eu quis dizer, é só que… – E ele foi abaixando a voz até não dizer mais nada, pois Hinata nem piscou ao ouvi-lo.

O Uchiha teve vontade de bufar e se afogar num copinho de coca-cola, pois, aparentemente, nada do que falava estava fazendo o efeito necessário. Quanto mais tentava agradar Hinata, mais estava a desagradando… Ele se sentiu ereto na própria mesa e ficou pensando sobre a própria parte na apresentação, que começaria assim que Kurenai chegasse.

Talvez só devesse dar um tempo para Hinata… Ele tinha pensado em entregá-la aquilo antes da aula, mas foi levemente fuzilado por Tenten assim que entrou na sala, então, captando o sinal, preferiu deixar para depois, antes que seu cérebro fosse perfurado por lasers da Mitsashi. Felizmente Naruto estava sendo algum tipo de apoio, depois de se desculpar com ele e prometer que se desculparia com Hinata também, assim que ela ficasse, hã, mais receptiva…?

Sasuke não podia negar que estava um pouco nervoso para essa apresentação. Eles não tinham tido nenhum tipo de seminário desde que Hinata tinha entrado para o colégio, e ele esperava que ela estivesse tranquila e calma; não apressaria nada do que eles tinham combinado que ela que diria e nem atravessaria  a parte dela, também. Além disso, Sasuke sabia que Kurenai seria super compreensiva com o tempo que eles talvez precisassem e o Uchiha também estava pronto para ameaçar, com os olhos, qualquer um que ousasse dar uma risadinha sequer.

Bom, o olhar da Mitsashi aparentemente fazia mais efeito que o dele – a menina era quase um demônio quando estava brava! –, mas…

Depois que Ino e Shino apresentaram, Kurenai os chamou.

Sasuke olhou de canto para Hinata, mordendo o lábio inferior, sentindo as mãos geladas. Era impressão sua ou Hinata parecia muito calma…? Bom, alguém tinha que estar, pois o estômago dele já estava super embrulhado. Ele deixou a parte escrita, grampeada, sobre a mesa da professora e os dois se posicionaram lá na frente. 

Eles tinham resolvido intercalar – ideia dele que, consigo mesmo, tinha concluído que uma parte ininterrupta seria mais desgastante para Hinata – e Sasuke começou a falar sob os olhares quase entediado dos colegas que, vez ou outra, anotavam o que ele estava dizendo, pois os seminários seriam tema da próxima prova.  

Aí foi a vez de Hinata.

Sasuke se preparou para apoiá-la com o olhar, talvez trocar um sorriso…

— Bom, muita gente confunde os fungos com as plantas, pensando que eles são a mesma coisa. Porém, com o avanço nos estudos das estruturas celulares, ficou comprovado que as células dos fungos são muito diferentes das células das plantas; por exemplo, a célula do fungo não possui clorofila, então um fungo não pode fazer fotossíntese, como as plantas fazem, e, além disso, suas células até têm paredes rígidas, mas essas não são formadas por celulose, como acontece com as plantas. – E aí ela virou-se para Sasuke, pois o próximo trecho era dele.

Mas Sasuke estava muito chocado; ela tinha falado super bem. Na verdade, ela tinha discursado muito melhor que ele. Hinata tinha projetado sua voz doce num tom alto e explicativo, e não tinha gaguejando ou sequer pensado muito sobre os termos que tinha dito; quase parecia a própria professora falando. 

Ele não estava esperando isso. 

Percebendo que todo mundo estava em silêncio, esperando que ele dissesse alguma coisa, Sasuke tossiu e voltou a olhar os outros alunos, sentindo algo quente e confortável fluindo por seu peito – isso era orgulho? Sim, o Uchiha pensou consigo mesmo, sem evitar um sorriso que tomou seu rosto naturalmente. Estava orgulhoso dela. 

— É… Então, continuando...

— Hyuuga. Podemos conversar?

Sasuke tentou ignorar Tenten estreitando os olhos bem ao lado de Hinata, pois a Mitsashi tinha braços super fortes e jogava no time de vôlei feminino. Hã… Ele não estava muito a fim de mexer com ela, não. 

Hinata corou ao olhá-lo e, devagar, balançou a cabeça para a garota de coques. Tenten ainda soltou um "hmpf" quando seguiu o caminho sozinha e Sasuke foi deixado a sós com a garota de cabelo azulado. Ao olhá-la assim, de pertinho, ele se lembrou de quando eles tinham se beijado no parque e tinha sido tão bom… O Uchiha estava esperando que pudessem fazer isso de novo, em algum momento. 

Hinata pareceu ter um pensamento parecido, ou assim ele concluiu, pois apertou a bolsa contra o próprio corpo e desviou os olhos para o chão, ficando repentinamente corada. Céus. Ela era mesmo uma graça. 

Sasuke respirou fundo.

— Hoje durante a apresentação… Você foi ótima – ele elogiou, pois o silêncio estava o deixando mais constrangido e parecia estranho ir direto ao assunto assim, sem mais nem menos. Queria elogiá-la, também, porque tinha ficado bem impressionado. 

— O-Obrigada – Hinata agradeceu, erguendo seus olhos do chão para olhá-lo. Havia um pouco de orgulho lá, agora. – Eu sei que… Sei que você estava pensando que eu estragaria a apresentação, mas…

— Eu não pensei isso – Sasuke interrompeu de uma vez, fazendo uma careta. Hinata entreabriu os lábios, surpresa; não tinha esperado essa reação. Provavelmente estava achando que ele ficaria envergonhado e admitiria. – Em nenhum momento pensei nisso. Eu fiquei preocupada que você estivesse se sentindo pressionada… Mas fiquei muito impressionado. Você fala muito bem. 

Hinata corou mais, mas, graças à Deus, sua expressão se suavizou.

— Obrigada – murmurou de novo, colocando uma mecha do cabelo para trás da orelha. – Eu posso demorar um p-pouco para entender, mas quando entendo, é fácil explicar…

Sasuke assentiu, para mostrar que estava compreendendo. 

— Olha, me desculpa. Acho que tive um pensamento preconceituoso sobre isso também, pensei que você ficaria nervosa por conta da dislexia, mas isso não tem nada a ver, tem? – perguntou e, quando Hinata mexeu a cabeça negativamente, ele suspirou. – Eu… Hinata, você é a primeira pessoa com dislexia que eu conheci. Sinceramente, eu mal sabia o que era isso… Isso me deixou confuso e eu não soube como agir quando ouvi Naruto falando algo sobre você que não era legal. Eu não queria revelar nada para ninguém e, acredite em mim, eu não fiz. Eu sei que é algo particular seu. Mesmo hoje, quando pensei que tinha entendido 100%, praticamente questionei sua capacidade de apresentar nosso trabalho… Eu não deveria ter feito isso. Me desculpa. Sinceramente, me desculpa mesmo. – E Sasuke respirou fundo outra vez, seus pensamentos se organizando em sua mente. A Hyuuga estava o olhando de lábios entreabertos, muito surpresa. – Mas eu não tenho pena de você, em nenhum momento eu tive, juro que não. Pelo contrário, Hinata, na verdade eu sei que é uma característica sua e, sem ela, você não seria quem você é agora, a garota por quem eu estou apaixo-

Ah, não.

Vamos lá, Sasuke, só mais um pouquinho. 

Só mais um pouco…

Ele fechou os olhos com força, sentindo o rosto todo quente, e pensou nos dedos deles entrelaçados, no sabor de morango sobre seus lábios depois do único beijo que eles tinham compartilhado, se lembrou dos desenhos dela, do jeito como ela lia as coisas em voz alta, pausadamente, do rubor nas bochechas…

Sasuke abriu os olhos.

— Você não seria quem você é agora, Hinata, a garota por quem estou apaixonado. 

Hinata levou as duas mãos até o rosto, cobrindo a boca, totalmente chocada. Sasuke podia sentir cada gotinha de sangue se acumulando no próprio rosto; inferno… Bom, pelo menos tinha saído. Tinha conseguido dizer. 

Ele então enfiou a mão na jaqueta e tirou de lá um envelope pequeno e fechado, como uma cartinha. Ok, agora estava se sentindo no ensino fundamental… Coragem, Sasuke Uchiha, você já tinha passado pela pior parte – fazer ISSO com ITACHI! Dá para imaginar o tanto de risadas que o mais novo tinha aguentado? Fala sério –, agora era só entregar para ela e torcer para a Hyuuga não ter um bom senso crítico…

— Eu… hm… Fiz para você. – murmurou, coçando a nuca ao entregá-la. Estava um pouco feliz que Hinata não tivesse dito nada ainda, pois estava muito nervoso. – Você me disse que entende melhor quando desenha…

Trêmula, Hinata aceitou o papel, engolindo em seco. Estava sentindo algumas lágrimas se acumularem no canto dos seus olhos, mas se recusava a chorar, pois pareceria emocionada demais para ele. Não queria parecer emocionada demais. Queria parecer tranquila. Queria parecer que estava esperando por aquilo, queria…

Quando ela terminou de desembrulhar, ela não aguentou segurar as lágrimas mais, pois tinha sido a coisa mais linda que alguém já tinha feito para ela. A coisa mais sensível, a coisa mais… emocionantemente engraçada, também. Chorando, Hinata tentou conter as risadas que vinham em seu sorriso emocionado.

Sasuke tinha desenhado quadrinhos, sem falas, contando a pequena história deles. Tinha ele falando com ela – e aí o coração dele aparecia batendo –,  os dois no quarto dele, ele descobrindo os desenhos dela, a cafeteria, o encontro… O coração dela partido ao vê-lo falando sobre sua "dificuldade" no refeitório. Não havia nada escrito; tudo podia ser desvendado com as expressões e sentimentos de forma divertida.

As lágrimas de Hinata aumentaram quando ela levantou os olhos do papel e o encarou, ainda sorrindo. 

— V-Você… – Ela engoliu em seco, encarando-o com tanto carinho que deveria ser um pecado. Sasuke era tão bonito. Olhando-a como um cachorrinho que caiu da mudança, como um bichinho que rasgou o lençol e precisa ser perdoado… Deus. – Você desenha muito mal!

O Uchiha fez uma careta; isso porque ele tinha sido supervisionado por Itachi, hein? Imagina se estivesse sozinho… Antes que pudesse se desculpar pela péssima ideia – olha só, a menina estava chorando de tão feio que era, muito que bem –, Hinata ergueu os dois braços e, sem avisá-lo, agarrou-o para um abraço apertado, enfiando o rosto na curva do pescoço dele, ainda chorando copiosamente. 

— M-Mas você desenhou para mim. Obrigada. Obrigada. – Ela disse contra a pele dele, trazendo-o arrepios. Sasuke quase suspirou de alívio, abraçando-a de volta com força, sentindo o cheiro maravilhoso do shampoo dela, o corpo dela contra o seu… Ele fechou os olhos. – Eu também gosto de você! M-Muito! 

Então Sasuke a puxou para cima, tirando-a do chão por um momento, beijando-a sobre os lábios sem batom. 

Era isso.

Era só isso. 

Tá difícil de encontrar

Hoje em dia igual a ti

Considere-se a pessoa mais linda do mundo

O sorriso mais lindo, o olhar mais sincero

O meu porto seguro, a pessoa mais linda do mundo

Você, você, você é o cara

Você, você, você é o cara!

A pessoa mais lindo do mundo