Used to the Darkness escrita por lamericana


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

E aí, gente bonita? Depois de muito tempo, cá estou! Não morri. Mas meu computador deu uma morrida, tive que comprar outro, e é uma longa história.
Bem-vindos a mais um capítulo!



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Quando finalmente acordou, Kai sentiu as dores da luta do dia anterior. Seu olho esquerdo latejava, mesmo estando deitada. Já sabia muito bem a desculpa que ia dar à companhia de dança para não aparecer no espetáculo de hoje. “Ei, sabe o que é? É que a minha mãe ficou mega doente lá em Perth e precisa que eu vá ficar com ela. Tá internadona e tal. E sabe como é mãe, né? Se a gente não vai, ficam cobrando pelo resto da nossa vida.”. Esse roteiro era o próximo na lista de desculpas que podia usar sem ser dispensada imediatamente.

Assim que conseguiu se sentar na cama, viu que Danielle esperava por ela, sentada numa das cadeiras do quarto e de cabeça baixa.

— Você tá aqui de verdade ou você é uma alucinação minha? – Kai questionou ainda meio aturdida pelo sono

— Meio na sua cabeça. Mas em menos de uma semana eu vou estar aí com você. Conversei com os outros e você vai ficar comigo na casa do Mikko em Londres. – Danielle respondeu

— E os outros?

— A gente vai vendo. Só me dá o endereço daqui. Porque quando eu desembarcar, vou te ajudar com o pior dos machucados e a gente vai pra Londres.

Depois de entrevistar quem parecia ter sido a milésima pessoa para substituir Frank, Amadeus começou a esboçar o desenho que tinha ficado flutuando na sua cabeça o dia inteiro, mas não tivera a oportunidade de colocar no papel. Enquanto estava compondo o desenho, ficou tentando imaginar o que poderia estar acontecendo em Sydney. Não queria visitar as duas irmãs de cluster, para evitar que qualquer coisa desse errado. Mas não conseguia evitar ficar angustiado com os possíveis cenários.

Quando terminou o desenho, decidiu deixar o estúdio fechado por um tempo. Precisava dar mais uma olhada nos blockers que Raphael Martens tinha deixado semanas antes. Já tinha começado a analisar aquelas cápsulas, mas ainda estava devagar no processo de replicar aquelas belezinhas. No que conseguiu terminar de montar a primeira centena de comprimidos, viu a tela do celular acender com uma mensagem de um dos tatuadores do estúdio.

“Que porra é isso? Fechou antes do fim do dia?”

Saiu correndo para a porta da frente, encontrando Damien com um policial. Nenhum dos dois parecia muito feliz.

— Aconteceu alguma coisa, oficial? – Amadeus perguntou enquanto abria a porta, ainda afobado

— Faço a mesma pergunta para o senhor. – o policial devolveu – O seu colega aqui estava preocupado com o seu bem estar.

— Eu só estava com uma enxaqueca mais forte e decidi interromper um pouco o movimento pelo estúdio. Mas ia reabrir depois do almoço.

— Certo. Se cuide.

O policial se afastou e Damien entrou, fechando a porta atrás de si e virando a placa para avisar do funcionamento. Amadeus voltou para o fundo do estúdio e fechou a salinha. Assim que voltou para o salão principal, percebeu que não iria escapar tão fácil do funcionário que tinha o histórico de agir como um irmão mais novo.

— Você pode até ter enganado bem aquele policial. Mas a mim você não me engana. O que está acontecendo? – Damien questionou de forma mais veemente – Eu sei que tem alguma coisa a mais, mesmo desde Frank sair.

Amadeus respirou fundo, evitando olhar nos olhos de Damien. Não podia contar a verdade inteira. Iria comprometer o cluster inteiro.

— É alguma doença? – Damien começou com as especulações durante o silêncio

— Não, não é nenhuma doença. – Amadeus tentou acalmar o colega – Digamos que eu tenha tido uma dor de cabeça algumas semanas atrás e hoje também. Só isso. O que tá acontecendo é que eu briguei com Frank por causa do divórcio e ele se demitiu, como você deve ter percebido. E, além de ter que encontrar uma pessoa pra fazer o financeiro no lugar dele, ganhei de bônus uma pessoa doente na família.

— Eu pensava que você não falava mais com a sua família.

— É de uma parte da família que não é homofóbica do caralho. Por sinal, muito obrigado por me lembrar de uma coisa. Volto depois do almoço.

Amadeus voltou correndo para o quarto dos fundos, pegou um casaco e, enquanto trancava a porta, ouvia Damien pedir que queria falar com ele.

— Quando eu voltar, eu falo com você, prometo. – Amadeus garantiu – Por enquanto, fica de olho no estúdio. Qualquer cliente que chegar é seu. Pode cobrar a mesma tarifa que eu.

Amadeus jogou a chave do quartinho no bolso de dentro do casaco junto com a carteira e o celular. Começou a procurar pelo cartão do metrô pelos bolsos da calça enquanto seguia para a estação. Estava nervoso como da vez que tivera que sair do armário para os pais. Mas agora, a mãe teria que aceitar ele, não é?

Quando finalmente conseguiu pegar as malas e sair para o saguão, Danielle pediu um Uber para a casa de Kai. Como a irmã de cluster já tinha indicado, tinha uma chave escondida debaixo de uma pedra ao lado do poste principal da casa. Chegando na frente da casa, entendeu as instruções de Kai. Desceu do Uber com a mala, esperou ele sair e foi atrás da chave. Entrou e procurou por Kai.

— Amém que você tá aqui! – Kai agradeceu de forma acelerada – Consegui resolver o dente. Um parça meu conseguiu desenrolar um falso igualzinho. – a dançarina mostrou a prótese dentária – O olho tá levando o tempo dele. Dói que só a porra! E olha que to com remédio por conta do dente. Enfim. Quando vamos pra Londres, bebê?

— Quando a gente resolver a questão do seu ombro. Como tá? Consegue mexer?

— Não arrisquei muito não. Aquele filho da puta maltratou pra valer, viu?

— Eu sei, eu estava lá. Por isso eu preciso saber do ombro.

Kai mexeu o braço esquerdo e sentiu uma dor imensa no processo.

— Ok, das duas uma: ou eu ferrei muito esse ombro ou os analgésicos pro dente não tão adiantando de merda nenhuma.

— Não é o analgésico. É deslocamento. Vem cá. O tempo que passei nas escoteiras mirins deve ter servido de alguma coisa. Porque a passagem da gente é pro fim do dia de hoje. Vai doer feito o inferno, ok?

Danielle procurou alguma coisa para que Kai pudesse morder e abafar a dor. Encontrou um cinto de couro.

— Morde isso. – Danielle enfiou na boca da irmã antes de tentar realocar o braço

Mesmo com o cinto entre os dentes, o grito da bailarina foi alto. Mas assim que a pesquisadora se afastou, ela tentou mexer o ombro e percebeu, com alívio, que a maior parte da dor que tinha dali tinha ido embora. A dançarina agradeceu à pesquisadora e as duas começaram o processo de cobrir a fuga das duas para Londres.

Kai começou a vasculhar a escrivaninha. Sabia que tinha por ali um atestado médico pré pronto que poderia lhe salvar de algumas enrascadas e aquela era uma delas. Danielle aproveitou para arrumar uma mala que seria levada para Londres.

— Vou precisar que você deixe isso com a minha companhia de dança. – Kai pediu, entregando o documento falso para Danielle – Diga que é minha irmã ou alguma coisa assim.

Danielle leu o que estava escrito.

“A quem interessar possa:

A paciente Kai May Smithe apresenta complicações de uma anemia falciforme e deverá ficar afastada de suas funções até segunda ordem.”

No final do texto tinha um carimbo e uma assinatura de um suposto médico.

Amadeus estava nervoso naquele café. Depois de tantos anos e de tudo o que passou, aquele encontro poderia ser o que iria escancarar as feridas que ele escondeu e não foram cicatrizadas ou ser um momento para reconciliação entre ele e a mãe. Todas as palavras que tinham sido ditas quando saído da casa dos pais ainda estavam muito vivas na sua mente. “Na minha casa não mora nenhuma bichinha.” Foi aquilo o que seu pai lhe disse antes de fechar a porta de casa na sua cara. Enquanto isso, sua mãe tinha ficado do lado dele. Completamente muda.

Mas ele não estava ali para isso. Dessa vez tinha que sair de outro armário. E esse novo armário poderia lhe custar a vida de uma forma completamente diferente.

Sua mãe apareceu na porta do café, com um olhar incerto. Amadeus acenou e ela seguiu ao seu encontro.

— Oi, meu filho. – Margaret cumprimentou sem jeito – Você tá diferente.

— Foram só alguns anos, mãe. – Amadeus respondeu – Vem cá. Não aguento ver você sem jeito.

Ele puxou a mãe para um abraço e ela desabou num choro. O coração dela estava apertado. A intuição dela dizia que alguma coisa estava muito errada com o filho dela. Por mais que ele tivesse os braços preenchidos por tatuagens e soubesse se defender, Margaret ainda sentia que alguma coisa estava errada.

— Mãe, não precisa chorar. Eu to bem.

Margaret enxugou algumas das lágrimas que escorriam, sentando na frente do filho.

— Madeu. A gente não se falou em todos esses anos. Alguma coisa está acontecendo.

Amadeus respirou fundo. Aquilo era verdade, já que, ao mesmo tempo em que seus pais ficaram anos sem sequer dar sinal, ele também não foi receptivo às primeiras reaproximações da mãe.

— Eu acabei de me divorciar. – ele admitiu – O nome dele era Frank. Conheci ele ainda na faculdade. Quando decidi abrir o estúdio de tatuagem, ele foi comigo e me apoiou, mas se tornou um completo filho da puta depois que terminei de pagar a hipoteca do estúdio.

Margaret lançou um olhar de compaixão para o filho. Pelo menos sabia que ele tinha de onde tirar uma renda. Mas onde ele estaria dormindo? E como ele estaria vivendo? Tudo o que ela tinha deixado de fazer por todos aqueles anos ainda consumiam ela.

— Madeu, preciso...

— Não, mãe. Tenho que contar uma coisa antes. Depois você fala. Pode ser?

Ela assentiu, com medo do que ele poderia dizer.

— Mãe, tem umas coisas estranhas acontecendo comigo há um pouco mais de um mês. – Amadeus começou a explicar – Eu tenho tentado racionalizar, mas é impossível.

O tatuador explicou para sua mãe todo o processo de descoberta de homo sensorium. Contou também que estava dormindo no quartinho nos fundos do estúdio que também fazia vezes de laboratório. Só deixou de lado o ataque sofrido por Kai. Ele sabia que a mãe já iria se preocupar o suficiente sabendo de todo o resto.

— Você precisa se mudar pra casinha dos fundos. – Margaret decidiu – E esses seus novos amigos, ou irmãos, ou o que eles sejam, podem vir ver você.

— Mas e o papai...?

— Seu pai vai ter que aceitar. E eu vim porque eu queria pedir perdão, Madeu. Por não ter ficado do seu lado.

Essa foi a vez de Amadeus chorar. Ele sabia que existia uma chance de voltar a falar com a mãe, mas de ela se arriscar desse jeito por ele depois de tanto tempo?

— Amadeus Dante Taylor, você ficou longe de mim por tempo demais. – Margaret assegurou ao filho – Eu tenho minha parcela de culpa aqui também aqui. Se seu pai não te quiser por perto, que ele saia de casa. Ele não é obrigado a ficar.

Os dois começaram a acertar os detalhes da mudança, que ficou para o fim do dia.

Mikko andava de um lado para o outro. Ele sabia que seu pai iria ligar a qualquer momento para falar alguma coisa sobre não ser um bom filho e não estar com os pais durante o Ramadã e por não passar o aniversário com a família. Mas também estava nervoso com a chegada de Kai e Danielle, que deveria acontecer a qualquer instante. Pelo que tinha ficado sabendo através da pesquisadora, a desgraceira tinha sido considerável. Talvez os remédios que Amadeus tinha feito não fossem o suficiente. O celular do fotógrafo tocou. No identificador de chamadas, o nome de seu pai piscava quase como uma ameaça.

— Oi, pai. – Mikko cumprimentou

— Agora você lembra que tem pai, não é? – seu pai reclamou – Mas não liguei para reclamar. Queria saber o que você vai fazer essa semana.

— Vou trabalhar. O de sempre, pai. Trabalhar, voltar pra casa, conversar com uns amigos meus e só. Por quê?

—  Porque eu e sua mãe queríamos visitar você.

— Mesmo sendo o Ramadã e vocês sabendo que essa é uma semana complicada de trabalho pra mim?

— Mesmo assim. A gente quer poder comemorar seu aniversário com você. E conhecer esses seus novos amigos.

— Ok, mas vocês têm alguma ideia de onde vocês vão ficar ou vocês precisariam ficar aqui em casa?

— Sua mãe está olhando isso ainda. Qualquer coisa eu acho que ela avisa.

A campainha tocou no apartamento de Mikko.

— Pai, vou ter que desligar. Um pessoal chegou aqui e vou ter que resolver aqui. Avisa qualquer coisa que vocês decidirem.

Mikko abriu a porta e encontrou Danielle e Kai na sua frente.

— Entrem! – ele convidou, já puxando uma das malas pra dentro

Kai o abraçou como se já se conhecessem há anos.


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