Estúpido Cupido escrita por magalud


Capítulo 2
Capítulo 2




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Por mais que tentasse, Severus não conseguia fechar o vazio em seu coração. Acatando as instruções de Ruth (que mudara seu nome para Brenda Wyatt), ele se afastara totalmente de Lily Potter. Eventualmente, suas missões o levavam a tocar pessoas que conhecera, como Tonks e Lupin, variados Weasley, diversos adolescentes a quem lecionara quando era vivo.

 

Como cupido, mesmo que temporário, ele obviamente levava o amor a outras pessoas. Mas agora ele prestava atenção a elas. Se fosse honesto consigo mesmo, eventualmente até torcia por seus "clientes".

 

Só agora, depois de muito tempo, Severus entendia de onde os mortais tiraram a ideia de que Cupido usava arco e flecha. O amor podia ser profundo e certeiro, causando dor e fazendo o coração sangrar. Era um impacto de uma ferida mortal, que transformava quem era atingido. Aí a pessoa passava a se sentir como se tivesse sido "flechada". E retirar uma flecha podia ser doloroso e demorado — assim como esquecer um grande amor.

 

Por isso tudo, Severus começou a se questionar se algum dia tinha realmente amado Lily. Ele não sentira o êxtase que seus clientes experimentavam. Sentira carinho por Lily e gratidão pela atenção que ela lhe dava. Mas ele sentia que ela não era para ele, e por isso o ódio a James Potter.

 

— Agora caiu a ficha — comentou Ruth, suavemente. — Você podia sentir muitas coisas em relação a Lily, mas nenhuma era amor.

 

— Mas então o que era?

 

— Apego, para começar. Desejo, talvez. Você mesmo já identificou carinho e gratidão.

 

Severus soltou um daqueles sorrisos auto-depreciativos. Ruth quis saber:

 

— O que foi?

 

— Nada, além da ironia de que, depois de morto, estou distribuindo algo que nunca tive em vida. Então, já que estou morto, provavelmente, nunca terei isso. Por toda a eternidade.

 

— Em nome de Cronos, homem, não fale assim do tempo. O futuro a Zeus pertence. Eu já falei que existe um plano, não? Confie na Chefa e faça seu trabalho direito. A gente nunca sabe o que vai acontecer amanhã ou daqui a 20 anos.

 

Pois foram necessários mais ou menos 20 anos para Severus receber a tal surpresa de que Ruth falava.

 

o0o o0o o0o

 

Numa manhã, Severus entrou no pub onde Ruth lhe entregava os papeizinhos com os alvos e se arrepiou. Depois de todo aquele tempo, o ex-bruxo reconheceu magia no ar.

 

E em segundos, estava naquele mesmo ambiente claro e resplandecente, todo em mármore, onde conhecera a deusa Afrodite. Desta vez, porém, não havia Dumbledore por perto. Ele estava sozinho, cara a cara com a Chefona.

 

Será que seus testes tinham acabado?

 

Será que ele tinha falhado?

 

— Severus, querido, preciso de um favor seu. Você é meu cupido especial e tenho uma missão sob medida para você.

 

— Sim, Madame.

 

— Tem uma mortal que está me irritando. Preciso que você faça uma entrega especial para ela.

 

— Sim, Madame.

 

— Essa atrevidinha nunca prestou os devidos respeitos a mim e agora que ficou viúva quer fazer votos de nunca mais se apaixonar. Não pode! Ninguém pode se fechar para o amor.

 

Severus decidiu não tomar aquilo como uma crítica pessoal a ele. Simplesmente deixou que a deusa continuasse a desabafar. Foi o que ela fez.

 

— Eu sempre soube que ela favorecia mais Atenas do que eu, mas ignorar-me totalmente? Desprezar-me? Isso não! Ela merece uma lição! Severus, é aí que você entra. Vou enviá-lo agora para a casa dessa petulante, e você deve fazê-la apaixonar-se. Aí quero ver de que sua preciosa Atenas será útil. Quero ver essa insolente tentar usar o cérebro para vencer o coração.

 

— Alguma ordem especial que eu deva cumprir?

 

— Apenas uma, Severus. Você deve derramar algumas gotas desse líquido na pele dela. É um de meus elixires mais potentes. Só... deixe o destino acontecer. Obrigada, meu cupido especial. Você fez de mim uma deusa muito feliz e orgulhosa.

 

E, num piscar de olhos, Severus desapareceu daquele local. Assim que ele saiu, Afrodite suspirou, lamentando:

 

— Vai ser uma pena perdê-lo.

 

Saindo detrás do trono, Dumbledore mostrou-se e comentou:

 

— Ele teria ficado muito grato, se pudesse se lembrar.

 

— Oh, sim. Ele foi um súdito exemplar. E eu me diverti muito brincando de ser Ruth.

 

— Se me permite a curiosidade, Madame, por que decidiu mudar os termos do contrato?

 

Afrodite o encarou, o movimento balançando os cachos perfeitos de suas madeixas e sorriu, mostrando os graciosos dentes:

 

— Ora, e como eu poderia negar a ele tamanho pedido do coração? Severus mereceu, e eu jamais negarei a força do amor a um coração merecedor.

 

o0o o0o o0o

 

Severus olhou em volta do ambiente que ele não via há tantos anos. Estava no Ministério da Magia. Ele conhecia o suficiente da magia olimpiana para saber que estava invisível. Agora precisava apenas localizar a moça que tanto desagradara a deusa Afrodite e completar sua tarefa. Quem sabe depois disso ele receberia uma recompensa. Quem sabe depois dessa missão especial ele finalmente poderia descansar sem ter que trabalhar para um senhor (ou senhora) cheio de poder que controlasse sua vida ou sua morte.

 

Foi nesse momento que Severus se deu conta de que ele não tinha recebido um papelzinho. Como saber quem era seu alvo? Será que Ruth poderia ajudá-lo?

 

Então ele a viu. Ela saía de uma das lareiras do átrio do ministério. Inacreditavelmente, ele a reconheceu.

 

A Srta. Granger.

 

Dificilmente ela ainda era senhorita. Severus se lembrava de tê-la tocado, ainda adolescente, e ela se apaixonara por Ronald Weasley. Isso tinha sido há pelo menos 30 anos e ele não se recordava de tê-la tocado novamente. Seria isso que teria desagradado tanto a Chefona?

 

Mais madura, Hermione Granger desabrochara em uma graciosidade serena, reparou Severus. Ela parecia manter-se longe de futilidades, ainda assim era bela a seu próprio jeito. Aparentava ter cerca de 40 anos, talvez mais - aproximadamente a mesma idade dele quando morrera.

 

Severus se recordara do que a deusa dissera: "Ela é uma atrevidinha que ficou viúva e fechou-se para o amor". Ela vestia preto, indicando luto. Ronald Weasley deveria ter falecido há pouco tempo. E Severus também não se esquecera da insuportável sabe-tudo que constantemente erguia as mãos na sua sala de aula, respostas na ponta da língua, os olhos castanhos brilhando de animação. Sim, Hermione Granger podia ser bem irritante.

 

Por outro lado, a fúria de Afrodite contra mulheres mortais que a desafiavam era bem conhecida. As lendas de Helena de Tróia, Pasífae, Andrômeda e Psiquê lhe vieram à mente. Todas essas mulheres tiveram destinos terríveis, condenadas a ordálios excruciantes. Seu coração se apertou ao pensar em Hermione passando por experiência semelhante.

 

A moça atravessou o imenso hall e dirigiu-se aos elevadores. Num impulso, Severus a seguiu. Os dois entraram juntos no elevador, acompanhados por outros funcionários do Ministério e os memorandos flutuantes de aviõezinhos de papel.

 

Tão perto Severus estava que sentiu o cheiro familiar de magia, de resíduos e vestígios de feitiço no ar, de varinhas polidas. Não importa o que Ruth dizia: aquele era o seu mundo, fosse qual fosse o nome que ele usava.

 

Percebendo que perdia a concentração, Severus afastou esses pensamentos e focalizou-se em sua missão. Aquela era a melhor oportunidade que teria. Ele tirou o frasco com o elixir da deusa e aproximou-se da mulher que era seu alvo.

 

Severus encarou os olhos castanhos, vendo o brilho da meninice no rosto mais maduro. O cabelo escovado tinha cachos suaves, um suave perfume de jasmim a envolvia. Nas mãos dele, o frasquinho com o elixir o encarava. Sua missão o esperava. Por que ele hesitava?

 

Ele lembrou Andrômeda, Helena e Psiquê. Como ele podia condenar Hermione aos mesmos tormentos? E por que, em nome de Zeus, ele não conseguia completar sua missão?

 

Severus procurou, de novo, afastar os pensamentos. Abriu o frasquinho. Algumas gotas bastariam, segundo a deusa. Ele só precisava fazer o líquido tocar a pele dela.

 

Ele só não contava com o suave solavanco do elevador. Mesmo suave, o balanço foi o suficiente para fazer o elixir derramar-se no braço dele.

 

Instantaneamente, Severus sentiu-se zonzo. A realidade parecia ter se alterado. Sons, cores, imagens estavam distorcidas. E tudo pareceu ainda mais surreal quando Hermione Granger, muito pálida, olhou diretamente para ele e arregalou os olhos.

 

— P-professor Snape...?

 

Foi nesse instante que a realidade foi demais para ele, e o cobertor cinza e quente da inconsciência envolveu-o.

 

o0o o0o o0o

 

— ... e, até onde conseguimos descobrir, o senhor está em perfeitas condições de saúde. Tirando o óbvio, claro.

 

Severus encarou o medibruxo, ainda incrédulo. Depois encarou a Srta. Granger, quer dizer, Sra. Weasley, e Harry Potter, como que tentando obter uma confirmação do que ouvira. Gravemente, pediu:

 

— Gostaria que repetisse o que acaba de dizer, por favor.

 

— O senhor está perfeitamente saudável, Sr. Snape — resumiu o medibruxo.

 

— Não, eu quis dizer o que disse antes disso.

 

Eles se entreolharam, e o jovem médico repetiu, pacientemente:

 

— Já se passaram 25 anos da Batalha de Hogwarts. Voldemort foi derrotado. O senhor foi dado como morto e enterrado com honras de herói. Pelo pouco que pudemos apurar, presumimos que o senhor tenha sido salvo por Narcissa Malfoy, tratado secretamente na Mansão durante todo esse tempo. Suspeitamos que, aos poucos, a saúde mental de Madame Malfoy tenha se deteriorado e ela tenha feito do senhor um prisioneiro durante todos os anos em que Lucius Malfoy cumpriu pena em Azkaban, onde ele veio a morrer. Sua falta de memória certamente é fruto dos variados Obliviate aplicados. Por algum tempo, sua idade nos intrigou. Quero dizer, o senhor não envelheceu um ano desde a Batalha Final. Então a Sra. Weasley nos ofereceu a explicação: suspeitamos do uso ilegal de um vira-tempo. Isso explicaria que suas últimas memórias tenham sido apenas da batalha. Esperávamos poder confirmar essas suposições com Madame Malfoy, mas tudo indica que o estado dela seja permanente.

 

Severus olhou em volta, ainda atordoado. Ele estava há três dias em St. Mungo's, todos tentando descobrir como ele subitamente aparecera num elevador do Ministério da Magia após ficar "morto" durante 25 anos. Estava desmemoriado e não envelhecera um dia além da última lembrança que tinha: o chão da Casa dos Gritos, onde agonizava depois de entregar a Harry Potter as memórias que o ajudariam a vencer Lorde Voldemort. Severus ainda entendia pouco do que acontecera e não sabia direito como deveria se sentir.

 

 A Srta. Granger tinha sido uma companhia incansável e paciente, relatando a ele as mudanças no mundo bruxo e compartilhando com ele as surpresas destes novos tempos. Ela lhe contou a respeito de seu casamento com Ronald Weasley, de quem enviuvara há pouco, e dos dois filhos, Rose e Hugo, ainda em Hogwarts.

 

Harry Potter parecia maravilhado em vê-lo, emocionado até.

 

— Minha caçula está em Hogwarts — falou Harry, animado. — O nome dela é Lily Luna. Está em Gryffindor.

 

— Que surpresa — disse Severus, sarcástico. — Naturalmente, seguiu os irmãos e manteve a tradição de uma família só de Gryffindors.

 

— Poderia ser, se levasse em conta apenas o mais velho, James Sirius, que já terminou Hogwarts. Mas Al, o do meio, foi parar em Slytherin. Ele se forma esse ano.

 

Severus ergueu uma sobrancelha.

 

— E você não o deserdou? Notável.

 

Harry manteve o sorriso.

 

— Al está morto de vontade de conhecê-lo; ele o admira muito. Também está curioso, afinal, o nome dele é Albus Severus.

 

Severus já estava de boca aberta para despejar um comentário sardônico sobre "Gryffindors em pele de Slytherin", mas não conseguiu emitir um único som. Quando ele recobrou a voz, mal pôde articular as palavras.

 

— Mas por quê? O que você estava pensando?

 

— Pensei que meu filho podia se inspirar no exemplo de dois homens a quem admiro muito. Um pela sabedoria e visão, outro pela coragem e astúcia. Era o mínimo que eu podia fazer por homens a quem eu não mais podia ir pessoalmente dizer obrigado.

 

Severus ainda estava impactado com a informação de que Potter dera seu nome a um de seus filhos. E o que era aquilo nos olhos dele? Gratidão? Admiração?

 

A Srta. Granger dispersou o clima bizarro, indagando:

 

— E então, professor? Sua alta está chegando. Tem planos?

 

Aquilo pegou Severus de surpresa.

 

— A-alta...?

 

— Sua saúde está perfeita. — Harry parecia satisfeito. — St. Mungo's não trata gente saudável. Não há motivo para mantê-lo aqui mais tempo.

 

Ele não tinha pensado nisso. Onde ele iria viver?

 

— Minha casa...

 

— Spinner's End foi tomada pelas autoridades, o que é padrão para mortos sem testamento ou herdeiros — informou Hermione. — Por isso Harry e eu decidimos que o senhor é bem-vindo para passar o tempo que quiser comigo.

 

— Com a senhorita? Isso seria impróprio.

 

— Já pedi para me chamar de Hermione. E em que isso seria impróprio? Está numa situação incomum, precisa de ajuda. E depois de tudo que fez por nós...

 

— Mas... O que podem pensar a seu respeito? Nossa diferença de idade... Eu dei aulas para vocês!...

 

— Bem, agora a situação se inverteu, não é mesmo? Afinal, aos 43 anos, sou mais velha que você, um jovem de apenas 38 anos. Eu é que estaria me aproveitando de você. Confesso que a ideia chega a me atrair...

 

Harry arregalou os olhos, tanto quanto Severus, que indagou:

 

— Mas... mas...

 

— Fique tranquilo, professor. Não vou fazer avanços indevidos enquanto estiver na minha casa. A menos que não queira, claro.

 

Novamente Severus ficou sem palavras, olhando a moça sorrir. Harry pigarreou e apressou-se em dizer:

 

— Er, eu vou ali, falar com o médico, sobre uma coisa, acho, e, bom, já fui.

 

Sem esperar resposta, ele simplesmente saiu. Severus encarou Hermione e disse de maneira cuidadosa:

 

— Essa experiência de voltar dos mortos me deixou um pouco abalado. Pensei ter ouvido que gostaria de... er...

 

Hermione chegou perto dele e interrompeu:

 

— Ouviu certo. Não me entenda mal, eu realmente não sou assim impulsiva, mas acho que gostaria de tentar um relacionamento.

 

— Com seu velho e recém-redivivo mestre de Poções?

 

— Já resolvemos essa história de idade. E eu vejo todas as qualidades que fizeram de você um dos heróis da vitória contra Lorde Voldemort. Além do mais, Severus, não devemos tentar entender essas coisas do amor. Elas simplesmente acontecem. O que diz?

 

— É tudo muito repentino...

 

De repente, uma flecha invisível o atingiu, e ele completou:

 

— ... mas parece ser a coisa certa a fazer.

 

Hermione sorriu para ele, e ele correspondeu ao sorriso. Os dois trocaram um beijo tímido, corações acelerados, uma ligeira excitação diante do desconhecido e das grandes mudanças que certamente viriam.

 

Eles não podiam ver, mas ali no quarto de hospital, uma deusa grega lindíssima soltou um suspiro de alívio.

 

— Ah, finalmente! — Ela se virou para o menininho de fraldas e asas, que portava um arco e flechas. — Obrigada, filhinho. Sem você, esses dois não iriam se acertar tão cedo.

 

Ao lado dela, Dumbledore concordou:

 

— Sem dúvida, ambos precisavam desse empurrãozinho. E agora? O que acontece?

 

— Agora as coisas se ajeitam. Os filhos dela, os amigos, a família... tudo vai dar certo. Posso arranjar com Hermes para a imprensa dar uma ajudazinha também. Isso pouco importa. O mais importante eles já têm.

 

Dumbledore sorriu e vaticinou:

 

— Só o que eles precisam é amor.

 

The End

 


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