Quando vou dormir escrita por Rodrigo Salter


Capítulo 2
Primeira carta




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Escrito em 03/09/2018

Existe um detalhe curioso sobre o cigarro que não encontrei em nem uma história que li.

Vamos cortar todo o papo furado sobre a nicotina e sobre o efeito ameaçador ou sexy da fumaça. Eu não consigo enxergar a cena dessa maneira.

Estou fumando agora e não há nada de bonito nisso.

O detalhe que quero comentar é que, enquanto penso em minhas próximas palavras, a metade restante do cigarro é consumida vagarosamente pela brasa e juro que observo calado o fumo queimar até alcançar os meus dedos.

Sim, passou um bom tempo.

Parado.

Encarando um ponto fixo.

E eu pensando nela.

Você nunca gostou que eu fumasse, não é? Recordo de certa vez que você negou o meu beijo porque dizia que jamais colocaria a língua em um cinzeiro. Naquela noite eu fiquei irritado, era para ser o nosso primeiro beijo, mas hoje... ah, quem quero enganar? Eu ainda fico um pouco irritado.

Li em algum lugar que as pessoas não mudam pelos outros. Por que eu mudaria por você?

Quando vi você aqui em casa, já não fui com a sua cara. Você é uma das amigas da minha irmã e se existe algo nesse mundo que eu não suporto de forma alguma, são as amigas da minha irmã. Eu sempre fiz questão de caçoar cada uma delas e com você não seria diferente. Eu as odiava, vocês não me deixavam dormir durante a noite, ficavam até tarde de grito do outro lado do corredor. Se alguma maldição recair sobre alguma de vocês, eu não peço desculpas. Será merecido.

E agora, quando a ponta do cigarro queima meus dedos e os tingem de amarelo escuro, eu revivo a primeira vez que a vi. Já disse que a odiei? Bom, foi assim da segunda vez, foi assim quando eu propositalmente abri a porta do banheiro enquanto você o usava, foi assim quando grudei um chiclete em seu cabelo e, principalmente, foi assim quando você chorou na minha frente porque não aguentava mais as minhas implicâncias toda vez que você vinha.

Você lembra da minha resposta?

Na verdade, não houve uma resposta. Eu apenas ri de você na maior cara dura.

E agora, quando não aguento mais a ardência da brasa do cigarro, eu percebo que fui um babaca e que não me arrependo disso.

Você quer um pedido de desculpas?

Hoje não estou no clima de me redimir. Aguarde alguns minutos, talvez meia hora, quando o conhaque fizer mais efeito.


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