Abusivo: A história que ninguém conta escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 6
Capítulo 5




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Os lábios de Jean eram doces e macios, seu beijo calmo, enquanto suas mãos deslizavam pelos meus cabelos e braços. Ele se afasta e eu abro meus olhos encontrando os dele me admirando como se fosse uma obra prima. Então sorrio sem graça colocando as mãos no meu rosto sem acreditar que tinha acontecido. Esperava acordar na minha cama e tudo aquilo ser apenas um belo sonho, mas era apenas a minha nova vida.

— Você é tão única, Catarina. – graceja Jean sorrindo enquanto segura minhas mãos.

— Se você diz – digo vermelha, balançando as nossas mãos.

Sentamos na grama apenas observando o lago. Então as palavras começaram a sair dos meus lábios e quando dei por mim, já estava toda a história da minha vida. Jean presta atenção em cada informação como se fosse importante, sempre curioso em saber "por que", como, ou "o que" de algum momento da minha vida, principalmente os piores momentos, como o divórcio dos meus pais, sempre interessado em como eu me sentia com relação a tudo aquilo.

Eu nunca tinha conhecido um cara que tivesse interesse em meus sentimentos ou opiniões, sem qualquer julgamento. Enquanto presto atenção em cada centímetro do seu rosto tentando decifrá-lo, já que ele não me dá qualquer pista a respeito de sua vida, ou o que pensa de tudo aquilo.

Sua barba estava crescendo o que dava a ele um ar mais sexy, seus olhos não eram totalmente castanhos como eu me lembrava da última noite, alguns pontos verdes se destacavam contra a luz, suas bochechas tinha leves covinhas que só aparecem quando ele sorri , agradeço por Jean fazer isso com muita frequência, assim sempre posso vê–las. Então , como se adivinhasse meus pensamentos, sorri e me puxa de volta para seus braços, me beijando mais uma vez.

 Suas mãos explorando meus cabelos, pescoço, costas, braços... Encaro seu rosto, seus olhos estão fechados, sua expressão demonstra o quanto está curtindo o momento... então fecho os meus, me deixando levar pelo momento... pelo menos até o meu telefone tocar. Afasto-me e pego o celular que mostra o nome da Betina no visor.

— Oi Beti – digo, enquanto recebo um olhar frio de Jean que não parece gostar nada da interrupção.

—Onde você está?Você está bem? Está perdida?

— Estou bem – respondo tentando tranquilizá-la. Estou no lago do amor.

— Como raios você foi parar aí? Ou melhor, o que raios está fazendo aí? Quer saber, não se mexa, eu já estou bem perto.

Ela desliga o telefone logo em seguida. Encaro Jean, sem graça, não tenho a menor ideia do que dizer a ele, muito menos consigo explicar para mim esse sentimento de ser errado estarmos ali.

— De volta a realidade – solta Jean se levantando. Estende sua mão em minha direção — Permita-me, senhorita.

Aceito sua ajuda e com ela mais um beijo, só que em minha testa, enquanto afaga meus cabelos. Não tenho forças para me afastar dele e nem quero. Tudo o que eu desejo é viver aquele momento para sempre. É tão estranho e surreal para mim, pois nunca me senti assim por alguém, como estou agora pelo Jean.

— Aham – pigarreia Betina nos pegando de surpresa. Ela analisa Jean de cima até embaixo, com leve irritação e então se vira para mim — Procurei você por toda parte. A gente não tinha combinado de se encontrar no corredor central, lembra?

— Sim, desculpa é que...

—Ela estava esperando você – interrompe Jean recebendo um olhar gelado de Betina , mas isso não o intimida, foi mais como um desafio, pois ele passa os braços envolta dos meus ombros , afagando, aumentando ainda mais a ira dela — No Sucão, ela até mesmo ligou para você várias vezes, mas acho que você estava muito ocupada resolvendo a sua vida acadêmica e acabou esquecendo de avisar sua amiga. Desculpa minha intromissão, me chamo Jean – finaliza estendendo a mão para Betina.

—Betina – corresponde Be, mas sem segurar na mão dele que ainda fica um tempo com ela estendida, até colocar ao lado do seu corpo — Eu tive alguns problemas com as papeladas do meu curso, tive de correr atrás de algumas coisas de última hora...

— Por sorte, eu estava lá assinando as cartolas dos calouros, quando a encontrei desesperada esperando você - continua Jean, animado — Então, eu praticamente a forcei a um tour para que não se sentisse tão sozinha e abandonada.

— Eu ia fazer esse tour com ela – alega Betina, séria — Mas pelo visto, ela não conseguiu esperar.

— Bom, eu não posso culpá-la por acabar escolhendo uma companhia mais... interessante. Além do mais, você mesma disse que teve problemas de última hora no seu curso...

—Sim, eu tive.

—O que é bem estranho – solta Jean colocando um ponto de interrogação no meu rosto e no da Betina. Ele esfrega meu ombro com um pouco mais de força, me preparando para ouvir suas próximas palavras — Já que você não é mais caloura, essa não é sua primeira matrícula e só precisava entregar uma folha com as matérias desejadas para um dos seus professores, algo de no máximo meia hora, se tiver muita gente na sua frente... Então fiquei pensando comigo que tipo de papelada você teve de resolver...

— Algo que não é da sua conta – dispara Betina, irritada. Ele a tinha atingido, mas não fazia a menor ideia do que ele estava falando.

— Catarina, a Betina te contou sobre o Escobar?- pergunta Jean encarando Beti que estava prestes a explodir de tanta raiva.

—Não, ela não me contou. O que é o Escobar? – pergunto curiosa.

— É um bar frequentado pelos acadêmicos da UFMS... –responde Jean com sorriso malicioso.

— Já chega, vamos embora- diz Betina.

—Todo ano, alguns cursos levam seus calouros no dia da matrícula para lá...

— Já disse: Chega! – repete Betina, irada.

— E eles os fazem pagar a rodada. Eles se reúnem lá e ficam bebendo e se divertindo a ponto de nem se lembrarem como foram parar lá...

— Onde está querendo chegar, Jean?- pergunto para o Jean, cruzando os meus braços.

— Eu apostaria tudo o que eu tenho que esse era o imprevisto da sua amiga – solta Jean. Ele se aproxima da Betina — Você estava lá, não é mesmo?

— Isso não é da sua conta – reage Beti.

— Você está certa, isso não é da minha conta. Mas acho que deve uma justificativa para a sua amiga que VOCÊ deixou plantada no Sucão hoje. – argumenta Jean se virando em minha direção — Catarina, pergunte onde sua amiga estava.

—Cat, você não precisa fazer isso. – diz Betina me encarando.

—Beti, onde você estava? – pergunto nervosa.

— Cat, por favor, vamos para casa. Lá eu explico tudo pra você — responde Betina esfregando os braços, nervosa.

— Repita a pergunta, Catarina – ordena Jean tocando em meus ombros.

—Beti, onde você estava? – repito devagar, sem muita certeza se realmente quero saber.

— No Escobar – responde Betina, envergonhada.

— E por que não ligou para informar isso? –pergunto, irritada. Não acredito que ela fez isso comigo. Ela me deixou lá esperando enquanto estava se divertindo — Você perdeu o celular? Seu celular descarregou? Porque ele não parece descarregado ou perdido pra mim.

— Porque eu acabei me esquecendo... de ligar - responde Betina se encolhendo cada vez mais.

— De ligar, ou da Catarina? – questiona Jean que parece estar se divertindo com o que estava acontecendo, ou talvez fosse só impressão minha. — Se bem que de qualquer maneira, o mínimo que deve fazer é pedir desculpas.

— Desculpa Cat, por ter esquecido você. - Ela me encara e parece que está prestes a chorar— Mas agora que nós já nos encontramos, está na hora de ir.

— Se quiserem eu posso levar vocês até em casa – comenta Jean, tranquilo.

—Não, muito obrigada, você já nos ajudou o suficiente por hoje – responde Betina limpando as lágrimas.

— Obrigada pelo passeio. – digo me virando em sua direção.

— Sempre às ordens, senhorita – responde Jean me puxando de volta e me beijando, até eu ficar sem ar. Ele se afasta devagar, então mostra meu celular em sua mão. Como ele fez isso sem que eu percebesse? Penso enquanto o vejo discando um número e o fazendo chamar — Aqui está o meu número e agora estou pegando o seu.

—Okay – respondi, sem graça arrumando meus cabelos.

— Toma, espero te reencontrar em breve – diz Jean devolvendo o meu celular.

— Eu também – sussurro guardando o meu celular.

Afasto-me do Jean e caminho em direção da Betina que não tira os olhos dele. Não falei com ela o caminho de volta inteiro, apesar de suas inúmeras tentativas e pedidos de desculpa. Ela tinha me magoado ao mentir para mim, e o pior, se o Jean não tivesse revelado a verdade, sinto que Betina jamais revelaria o que estava de fato fazendo. Mal chegamos no portão de casa e meu celular começa a tocar, indicando que recebi uma mensagem de texto, Betina ignora completamente entrando, mas eu paro para matar minha curiosidade:

O breve chegou: Espero- te às 19 horas em frente ao seu portão

Logo em seguida chega mais uma mensagem:

Dessa vez, eu quero a mulher incrível da Valley Tai.

Mordo meus lábios pensando na resposta que daria a ele. Eu não tinha a menor ideia de como me tornar aquela mulher incrível que ele viu na Valley Tai, ainda mais com as roupas que tenho no guarda roupa, mas também não quero desistir do nosso primeiro encontro, o que com certeza irá determinar se teremos um próximo, e mais outro... Sorrio e então respondo:

Combinado :D

—Meninas, eu preciso da ajuda de vocês!!! – entro gritando portão adentro . Elas com certeza conseguiriam fazer de mim a mulher que Jean tanto deseja.

****

O alarme do meu celular apita , indicando que tenho vinte minutos para ficar pronta e esperar o Jean no portão. Alissa dá os toques finais nas minhas unhas das mãos, enquanto Jennifer finaliza meu cabelo , o deixando bem liso. Cláudia corre de um lado para o outro com os sapatos que combinam com o vestido preto de costas nuas escolhido por Tiemi bem como seu par de brincos e colar de ouro e sua bolsa de mão da mesma cor do vestido. E os minutos finais foram usados com maestria por elas , que não me decepcionaram ao mostrar meu reflexo no espelho: Ali estava a bela mulher que Jean pediu.

— Boa sorte, Cat – deseja Alissa, animada.

— Bata na porta do meu quarto assim que chegar – pede Cláudia abrindo a porta do meu .

— Não coma muito para não estufar sua barriga – orienta Jennifer.

— E por favor, em nome todas nós – pede Tiemi segurando meus ombros — Divirta-se.

Ando bem devagar pelo quintal escuro, evitando fazer barulho , para não acordar a Dona Ester que dorme muito cedo. Segundo as meninas, ela me visse vestida daquele jeito , sem dúvida ligaria para minha mãe vir me buscar imediatamente. Abro o portão de dou de cara com Jean vestido de terno e gravata me esperando.Ele está encostado no capô de seu carro mexendo em seu celular , quando então levanta seu rosto me admirando de cima até embaixo.

— Então, gostou? – pergunto girando devagar para ele ver o conjunto completo.

— Muito bem. Fico feliz em saber que honra com seus compromissos – responde Jean abrindo a porta do lado do passageiro — Permita-me , senhorita.

— Obrigada – respondi entrando em seu carro. Ele segura minha mão e a leve até seus lábios, beijando carinhosamente. Jean vai então para o seu lado , entra no carro e antes que dê a partida , não consigo conter minha curiosidade — Para onde está me levando?

— Gosta de sushi? – responde Jean com uma pergunta e já saindo com o carro.

— Bom, nunca provei – respondo sendo sincera e tentando ao máximo não morder meus lábios. Aquele não era um bom momento para eu me arrepender de não ter comido sushi na festa da nações da escola.

— Por que não? – pergunta Jean, curioso enquanto dirige pelas ruas iluminadas da cidade.

— Sei lá, talvez por ser peixe cru – respondo, encabulada.Ele ri alto da minha resposta como se fosse uma grande piada e me deixa mais vermelha — Eu disse algo de errado?

— Não , é só muito bom saber que o sushi irá surpreender você.

— E se eu não gostar?

—Catarina, acredite, você irá gostar – garante Jean.

— Como pode ter tanta certeza? – pergunto, irritada. As vezes aquele ar de saber mais sobre mim do que eu mesma chega a irritar. Por mais que eu tenha contado coisas sobre mim, duvido que ele acerte até o que eu gostarei ou não de comer.

— Alguma vez eu errei? – pergunta Jean.

— Ainda não – respondo sem dar o braço a torcer.

— E não irei errar agora. – garante Jean, autoritário.

****

Percorremos a Avenida Afonso Pena, já conhecida por mim e paramos em frente ao um belo lugar bem intimista, com os dizeres: Hot n' Rolls Sushi Fusion. O ambiente interno é acolhedor, iluminação indireta e clima agradável, o requinte do lugar me deixa desconfortável a princípio, até Jean segurar em minha mão e caminhar e sorrir para mim, confiante. Nem bem entramos e o garçom já nos direciona a uma mesa próxima da janela dando uma visão belíssima do lado de fora.

— Bem vindo, Senhor Vasconcelos – diz o garçom , ignorando minha presença e nos entregando os cardápios. Pelo seu tom de voz, duvido que ele não saiba o que Jean irá pedir.

— De entrada quero Sunomono e Ceviche De Saint Peter. E pratos principais , Subarashi e um Amazon King – pede Jean sem ao menos olhar para o cardápio. Eu continuo fingindo que sei escolher algo do cardápio quando ele toca de leve na borda , chamando minha atenção — Já pedi para nós, Catarina.

—Okay, certo – digo devolvendo meu cardápio para o garçom, sem graça.

— Sakê, senhor? - pergunta o garçom.

— Do jeito que eu gosto – responde Jean me encarando.

— Então, esse é o seu lugar favorito? – pergunto assim que o garçom nos deixa a sós.

— Pode ser o seu - responde Jean sorrindo — Assim que provar a comida.

— Tudo bem. Enquanto isso, fale sobre você – sugiro observando Jean ajeitar calmamente o seu terno.

—Pela nossa conversa de hoje à tarde, você já sabe tudo a meu respeito – fala Jean.

— Bom , eu sei o que as pessoas disseram. Mas tudo aquilo é verdade?

— Se você quiser que seja... por mim tudo bem. -  responde, evasivo.

— Seus pais? Como eles são? – pergunto , curiosa. — Conte –me sobre um momento em família.

— Por que esse interesse repentino em minha família? – pergunta Jean se mostrando levemente incomodado.

— Porque estou tentando encontrar um tema para a nossa noite. Afinal, nós não viemos até aqui para você ficar me admirando – explico.

— Isso não é um problema para mim – comenta Jean me deixando vermelha. — Eu passaria a noite inteira admirando você sem reclamar.

— Mas é um problema para mim – digo , nervosa — Vamos lá, me ajude. Você sabe tudo sobre mim... Eu lhe disse coisas que  não contei a ninguém, que tal fazer o mesmo?

— Tudo bem. Aceito qualquer tópico, menos... – diz Jean tocando em meu queixo — Minha família.

— Tudo bem. – digo me ajeitando na cadeira enquanto pensava em minhas perguntas — Por que escolheu ser cardiologista infantil?

— Pelo dinheiro – responde Jean sem vacilar.

—Sério? – digo , chocada. Sinceramente, eu esperava uma resposta mais humanista da parte dele , ainda mais com todo seu altruísmo invejável.

— Licença – pede o garçom servindo as entradas junto com os saquês – Bom apetite.

— Você precisa provar o sakê – diz Jean saboreando uma dose. — Tem um sabor único e abre o seu paladar.

— Você está falando sério? – pergunto bem devagar com meus olhos ainda arregalados.

— Sim, estou. Eu não queria contar a surpresa, mas não resisto: o sakê contém partículas de ouro, tenho certeza que isso irá interessar a você.

— Eu estava falando a respeito de escolher sua profissão baseada no dinheiro.

— O que você acha? – pergunta Jean, enigmático.

— Não sei, que tal você começar a responder às minhas perguntas? – questiono , irritada.

— Eu prefiro saborear o sakê.

— E eu que você responda minha pergunta.

— Catarina, como você deseja que eu responda essa pergunta para você?

— Como assim? – pergunto , confusa.

— Você quer que eu responda sendo sincero ou sensato?

— Qual a diferença entre as duas opções? – pergunto mais uma vez.

— Uma delas é a forma que eu realmente penso e a outra é a forma como as pessoas querem que eu pense. – responde devagar tocando a borda de seu copo com os dedos. Abro minha boca para responder qual opção eu desejava saber, então ele me encara bem sério e adverte — Cuidado com a sua escolha, ela pode te decepcionar.

— Jean Vasconcelos – chama um senhor de terno com o dobro do tamanho de Jean e uma bela mulher que tem idade para ser sua filha , mas pela forma como segura o braço do homem, aquela opção estava fora de cogitação. Ele se aproxima da mesa enquanto o futuro cardiologista infantil se levanta abotoando seu terno, então coloca o rosto do rapaz por entre suas mãos como se fosse esmagá-lo — Meu garoto, quanto tempo!!!

— Muito tempo, tio Eduardo – responde Jean pouco animado com o encontro. — Como estão as coisas em Florianópolis?

—Ótimas – responde o senhor puxando a mulher para perto de si — Você lembra da Suzana?

—Não , a Suzana não era da minha época – responde Jean estendendo a mão para a garota que corresponde e então leva a dela até os seus lábios, me deixando com uma pontada de ciúmes — Prazer, Suzana.

— Suzana , esse é o Jean Vasconcelos , filho daquele meu grande amigo neurocirurgião que te falei – explica Eduardo para a jovem que está vermelha olhando para Jean. Mais uma caindo em sua rede, assim como eu. Minha vontade era de levantar e ir embora daquele lugar, mas eu ainda precisava da resposta de Jean para que minha decisão fosse justificada. Então o Senhor me encara de forma lasciva — E quem é este belezinha? Sua acompanhante? 

— Não... essa é Catarina... apenas uma amiga – responde Jean me olhando de relance. A palavra amiga veio como um soco em meu estômago. Então eu era isso? Uma amiga?Mas o que eu quero ser de fato? Não éramos nada, ele está certo em me apresentar como sua amiga... apenas uma amiga — Catarina, esse é Eduardo Gillianti, da rede de frigoríficos, Gillianti. E sua acompanhante , Suzana.

— Prazer em conhecê-los – respondo da maneira mais polida que consigo.

— Em que mesa estão ? – pergunta Jean.

—Estávamos indo lá no fundo, mas como encontramos vocês , vamos sentar todos juntos – sugere Eduardo erguendo o braço efusivamente até que um dos garçons se aproxima — Coloque mais cadeiras aqui nesta mesa e transfira os meus pedidos para cá.

Prontamente o pedido de Gillianti é atendido e todos nós estamos sentados, Jean do meu lado, enquanto os outros dois estão em nossa frente. Eles conversam animados sobre o negócio de Eduardo, riem das piadas dele , enquanto fico ali fingindo estar apreciando aquela noite. Então chegam as entradas: o sunomono era salada de pepino japonês com molho especial, gergelim e lascas do que parece ser polvo ou talvez lula, nunca fui boa em biologia. E o ceviche peixe branco cortado em pequenos cubos e marinado no limão, acompanhado de cebola, coentro e pimenta. Assim que o garçom terminou de servir, o pânico se instaurou em mim: na mesa, apenas palitinhos japoneses. Os três pegam os seus pares e começam a comer naturalmente, enquanto os meus ficam ali esperando alguma ação minha. Nada de garfo , ou faca, como irei comer sem usar talher?

— Querida, esses são os seus hashis –explica Jean apontando com a cabeça em direção aos palitinhos . Encaro Jean, amedrontada, não quero usá-los, mas sim ir embora antes de começar a passar vergonha. Jean respira fundo e então ordena —Catarina, pegue –os.

— Jean, eu não sei usar – explico quase sussurrando para que os demais não escutem.

— Eu te ensino - diz Jean soltando os seus hashis e segurando em minha mão , ajeitando meus dedos por entre os palitos de bambu — Use como se fosse uma extensão dos seus dedos e tente segurar o máximo que puder.

Não pude deixar de reparar o quanto Eduardo e Suzana estavam segurando para não rir de mim. E quase o faziam quando eu deixava cair minha comida, ou quando esparramava shoyo pela mesa.

— Essa sua amiga é uma figura – comenta Eduardo rindo enquanto comíamos já os pratos principais. — Veio do interior?

—Sim, de São Paulo .

— Interior , sendo interior – debocha Suzana que até o momento só sabia rir , mexer no cabelo e esfregar no Jean.

Depois desse comentário parei de comer. Não que a comida não fosse gostosa, estava tudo saboroso, até me arrependi de não ter comido antes. Mas naquele momento não havia arrependimento algum que me fizesse continuar sendo o motivo de risada da mesa. Eu já sabia que aquele não era o meu lugar, mas não precisava de críticos para me lembrar disso a todo o momento. Esperei alguma reação de Jean, não igual a da boate , mas que os fizessem ter um pouco de respeito, mas tudo o que ele fez foi soltar um leve sorriso, me irritando mais ainda. Ainda ficamos um bom tempo no restaurante até Jean olhar em seu relógio e ver quão tarde era. Enquanto Suzana fazia beicinho por não ter aproveitado mais e se esfregado em Jean, eu dava pulos de alegria.

Em poucos minutos, Jean finalizava o pagamento de sua parte da mesa com Eduardo, enquanto Suzana fingia que eu não existia para ela. Pelo menos era o que eu achava até ela se virar para mim e dizer:

—Sabe, eu já fui assim como você, caipirona.

—Ah , é mesmo? – pergunto, sem entusiasmo olhando para Jean.

—Já sim e sei também que você é nova nesse meio e vai se ferrar muito ainda – continua Suzana arrumando os cabelos — Mas posso te dar um conselho?

— Não que eu me importe, mas vai lá – resmungo, séria.

— Tome cuidado – pede Suzana chamando minha atenção.

— Por quê ? – pergunto surpresa.

— Eu vi bem o jeito como você olha para ele. Eu fui assim também, me apaixonava por todos eles.

—Mas eu não...

— Relaxa,eu notei que vocês ainda não transaram, já que você faz a linha moça perfeita. Porém, uma hora isso vai acontecer. Então o meu aviso é para você não se envolver com esse tipo de homem... Ele é do tipo que não nem ao menos existe em seu vocabulário. E você não existe no mundo dele. Logo , você tem um relacionamento complicado demais para que as pessoas aceitem. Então eu peço: saia antes que se envolva. O único tipo de relação que ele terá com você é de poder.

— Não sou como você – rebato, irritada. Quem ela pensa que é para dizer aquelas coisas? — Eu não sou prostituta.

— Ahahaha, querida, para eles , toda mulher é prostituta. Eles sempre nos compram com algo. O primeiro presente pela noite maravilhosa que proporcionou a ele, ou um jantar requintado igual a esse só para deslumbrar você com as maravilhas que ele pode oferecer em troca do seu corpo. Presente de reconciliação, carro novo , casa nova, reforma da casa, aliança de namoro... noivado... casamento , tudo em troca de algo seu e você o dá , pois sabe que precisa dar algo de volta. Enfim, você só precisa definir o seu preço. Não faça essa carinha de ofendida, pois essa história de gata borralheira só dá certo em dramalhão mexicano , na vida real ela é muito cruel.

— Por que está me avisando então se já sabe o final da história? – pergunto , emburrada.

— Porque eu já fui assim como você e torço para que faça o certo. – responde Suzana pegando um cigarro da sua bolsa e isqueiro. — Bom, preciso de ar, me acompanha?

Então ela caminha para fora do restaurante ao ver minha negativa. O que ela sabe que eu não sei? Desejo acompanhá-la , tirar essa história a limpo. Porém, em minha mente pensa nas palavras de Jean:"Cuidado com a sua escolha, ela pode te decepcionar."

— Vamos? – pergunta Jean segurando em minha cintura.

—Sim – sussurro sendo conduzida por ele até o lado de fora.

Voltamos para casa em silêncio e não há esforço de nenhum de nós dois para mudar isso. Eu estou divagando pela noite trágica e Jean está com seus pensamentos. Será que o Jean me vê como uma … interesseira? Será que ele está fazendo isso apenas para me comprar? Será que tudo isso é apenas pelo poder… dinheiro?

 Viro meu rosto observando atentamente o dele buscando qualquer pista que seja do que se passa em sua cabeça, sobre o motivo dele ter me convidado para jantar, das suas esquivas, mas não há nada lá. Naquele momento seu rosto é tão sereno que mais parece uma escultura de mármore. Ele estaciona em frente do portão e acende a luz interna me encarando.

— Boa noite – digo tirando o cinto e abrindo a porta. Então ele a fecha com força, me assustando.

—Não é pelo dinheiro – diz Jean, sério. Ele segura minha mão entre as deles, acariciando devagar.

— Essa é a sua resposta sincera ou sensata?

— Eu tive um irmão – revela Jean ignorando minha pergunta — Ele nasceu com má formação em suas válvulas cardíacas e ele acabou desenvolvendo Endocardite que é uma infecção que afetou suas válvulas ... meus pais fizeram de tudo, recorreram aos melhores médicos do país, mas nenhum deles, na época , era especialista em cardiologia infantil. Ele morreu com três meses de vida... Foi ele quem me inspirou a querer ser o que sou hoje e ser o melhor.

Então na minha frente estava o Jean  entristecido, algo que partia meu coração.Não tinha ideia de que Jean tinha passado por tudo aquilo . Agora entendo o motivo pelo qual não queria falar da sua família, me deixando mais culpada por ter tocado no assunto.

— Desculpa pela forma como agi com você – disse , triste. 

—Tudo bem. Está aí a coisa que você queria saber e que ninguém te contou. Sinta-se privilegiada. – solta Jean enquanto encosta sua cabeça em seu banco.

Acaricio seu rosto enquanto ele beija minhas mãos bem devagar e então sorri , voltando a ser o Jean de antes.

— Eu tenho uma proposta – diz Jean me encarando de forma maliciosa.

—Que tipo de proposta? – pergunto , desconfiada de suas intenções.

— Que tal, se em vez de você ficar perguntando a meu respeito, você passe a participar da minha vida, ativamente?

— E o que sugere?

— Falta uma semana para começar o semestre e também é minha última semana de folga do estágio. Por que você não sai comigo essa semana e vê quem é Jean Vasconcelos e tira suas próprias conclusões?

— É uma boa ideia – respondo recebendo um beijo em troca da minha afirmativa.

— Então, até amanhã , senhorita – despede Jean tocando em meu queixo.

— Até amanhã , Jean.

Desço do carro e caminho em direção ao portão pensando em qual Jean eu irei descobrir esta semana: o sensato ou o sincero?


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