Abusivo: A história que ninguém conta escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 4
Capítulo 3




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789160/chapter/4

Gotas de sangue sujam o chão do meu quarto, procuro de onde elas estão vindo e acabo encontrando uma grande quantidade em meus lábios... Dor sinto dor, por todo o meu corpo... Tento me erguer, mas recebo mais um golpe, mais outro... são chutes, tento pará-lo, seguro seu sapato, conheço aquele sapato. Tento encontrar o meu agressor, mas a luz me impede de ver o seu rosto, deixando apenas que veja o seu sorriso... um sorriso sádico de satisfação... Eu conheço aquele sorriso... É a última coisa que vejo antes de sua mão vir na direção do meu rosto, mais uma vez...

— Acorda Bela adormecida – grita alguém esmurrando minha porta.

Escuto vozes pelo quintal, indicando que havia gente de pé, olho para o relógio do meu celular e são meio dia. Ainda me sinto cansada, não por conta da balada, mas sim por conta dos pesadelos que tive desde a hora em que deitei todos relacionados com a noite anterior. Levanto com dificuldade e caminho até a porta, abrindo e dando de cara com a Betina e outros quatro sorrisos.

— Boa tarde, garota – diz Betina, animada.

— Está na hora de acordar e passar pela ritual de iniciação. – revela Alissa.

— Ritual de iniciação? – pergunto confusa.

— Sim, nós temos o nosso próprio ritual para as novatas – comenta Cláudia.

— Espero que não seja apegada ao seu cabelo – Jennifer fazendo gesto de tesoura com as mãos. Automaticamente prendo o meu cabelo.

— Meninas, meninas, parem de assustar a Cat. – repreende Tiemi surgindo no meio delas. Fico espantada pelo fato dela estar bem, incrivelmente bem, nem parecia a garota da outra noite. Ela sorri para mim e diz— Hoje é o dia de pôr o papo em dia.

—Uau, legal. Mas eu ainda não comprei nada para pôr na geladeira... – digo, sem graça. A única coisa que tem na minha geladeira naquele momento são duas garrafas de água.

— Não se preocupe, nós trouxemos artilharia pesada – alega Alissa mostrando os potes de sorvete, Cláudia está com dois pacotes de salgadinho, enquanto Jennifer tinha biscoitos e Betina com um balde de pipoca.

— Então, vai deixar a gente entrar, ou nós teremos de comer tudo isso sozinhas? – pergunta Tiemi — Não pense muito, pois o sorvete está derretendo.

Sorrio e me afasto da porta deixando aquelas malucas entrarem e se esparramam pelo meu quarto. Observo-as se ajeitando, animadas e tenho a sensação de aquele momento seriam um dos poucos que teria com elas. Balanço a cabeça, afastando aquele pensamento estranho, pois lógico eu teríamos mais momentos assim, pelos menos durante quatro anos. Sento ao lado delas, e então Tiemi solta:

—É né... É né... Quer dizr então que vocês acharam mesmo que eu não ia sentir a falta de vocês na festa ontem – resmunga Tiemi.

— Ah, Ti, nem começa vai. Você sabe que eu ia à festa – rebate Cláudia lambendo os dedos — Se você tivesse conseguido uma entrada para o Paulo. Você sabe como é, se ele não pode ir, eu também não vou.

— Tá, você está perdoada. Mas e as outras?- pergunta Tiemi para todas nós.

— Você não me convidou – responde Betina.

— Alissa? – pergunta Tiemi, encarando a Alissa.

—Eu ia, mas aí o Lucas disse que tínhamos de ir ao aniversário da avó dele antes. Sabe como é ela está fazendo noventa anos, um milagre! Aí a festa acabou um pouco tarde, ele estava cansado e então fomos para a casa dele.

— Jennifer?

—Eu e o Rogério brigamos feio ontem por causa disso. Eu estava toda produzida para ir, mas aí ele cismou que a minha roupa estava curta demais, que eu estava parecendo uma vagabunda. Fez um show, quebrou até o espelho do quarto dele. Aí tive de ir com ele para a UPA, passei a madrugada toda lá com ele.

— Espero que ele esteja bem – digo, preocupada.

—Ele só levou alguns pontos – explica Jennifer — E você, por que não foi?

— E quem disse que ela não foi? – pergunta Tiemi me abraçando— Ela não apenas foi como também pegou o TUDO DE BOM do Jean Vasconcelos.

— OH MEU DEUS!!! VOCÊ PEGOU O JEAN VASCONCELOS? — grita Cláudia com os olhos arregalados.

— Menina, você é lacradora mesmo, hein! – solta Alissa dando um soco no meu ombro.

— Conta tudo! – implora Jennifer segurando minha mão.

— Uau, vocês conhecem o Jean? – pergunto curiosa. Como elas conheciam o Jean?

—Minha filha, é mais fácil você perguntar quem não conhece o Jean – comenta Cláudia sorrindo. 

— O Jean é o deus grego da UFMS, formando de medicina, filho de um dos maiores neurocirurgiões do país, o Doutor Carlos Vasconcelos. - informa Tiemi.

—Eles viajam para Aspen duas vezes ao ano, nunca ficam com o mesmo carro mais de oito meses, metade das casas do bairro onde eles moram são deles, além de terem diversas casas pelo país e toda vez que viajam sempre compram mais uma, sua família tem forte ligação com a família imperial brasileira... – revela Jennifer, animada. — Dizem que ele namorou uma atriz global enquanto visitava no Rio de Janeiro, mas aí ele cansou dela e terminou tudo, mas ela ficou louca de raiva e a ponto de largar a carreira e vir atrás dele. Só que ele não a quis, então ela tentou suicídio... Calma, está tudo bem com ela, está vivendo isolada em um lugar calmo e tranquilo.

— Líder da atlética de medicina, orador, diretor da comissão da formatura, quer ser cirurgião pediátrica. É voluntário em uma ONG para crianças com doenças cardíacas... Colaborador assíduo do Greenpeace e WWF, inclusive estampou várias campanhas para eles... – completa Tiemi.

— Okay, Okay... Ele é o cara perfeito – digo sorrindo. Parecia que eu tinha aberto uma revista de fofocas sobre ele. — Já entendi.

— E ele ficou interessado em você – solta Tiemi me empurrando.

—Espera esse aí não é aquele formando que é noivo de uma garota da Odontologia? – pergunta  Betina tomando sorvete tranquilamente.

— Noiva? Jean tem uma noiva? – pergunto, chocada com a revelação. Por que ele não me contou que tinha uma noiva? Como ele pôde? Por algum motivo aquilo mexeu comigo, me senti traída, pois achei que ele estava sendo sincero e que tinha gostado de mim de verdade, mas pelo visto seria apenas um caso de uma noite para ele. O presente de despedida de solteiro. Encaro Betina, séria e pergunto — Há quanto tempo estão juntos?

— Ex-namorada. - corrige Cláudia ajeitando seus óculos. Ela se vira pra mim sorrindo como se estivesse lendo meus pensamentos que agora só pensam na quase traição que cometi na boate.  — Não se preocupe, eles tinha um pouco mais de três anos e romperam no final do ano passado, sem ficarem noivos. Afinal, eles eram Jean e Letícia: O casal UFMS. A história de amor deles era super conhecida por todos na faculdade, então todo mundo achou óbvio que ia rolar noivado. Mas a verdade é que o ano virou e tudo mudou... O que era amor, agora é apenas ódio...

— E um mandado de restrição, dizem as más línguas. — completa Jennifer, misteriosa.

— Mandado de restrição? – pergunto curiosa por conta da última parte dita por Jenni.

— Pois é, menina. – afirma Jennifer se ajeitando para contar o que sabia de toda aquela história — Dizem que os dois estavam em uma dessas festas de fim de ano na casa dos pais dele. Aí, eles discutiram a respeito de um cara que estava na festa e que ela deu em cima do cara, mesmo a Letícia dizendo que não que era coisa da cabeça dele que estava cansa dos ciúmes infundados e tals. O que eu fiquei sabendo é que em um determinado ponto da discussão, o Jean a levou para um dos cômodos e bateu nela... e não foi pouco não. Tiveram que apartar os dois e uns seis caras o seguraram, enquanto o pessoal socorria a Letícia. Ela ficou detonada que ficou semanas sem aparecer, só descobriram o que foi por conta da denúncia que ela fez na delegacia. Mas como não foi flagrante, não deu nada pra ele, de cara. Só que o mês passado, ele foi lá à casa dela, deu um show, quebrou o carro dela que ele ficou berrando dizendo que foi ele quem deu então a Letícia entrou com uma ordem de restrição contra ele. O Jean tem que ficar 300 metros da Letícia, não sei como ele irá cumprir, mas se não respeitar, vai preso e pronto.

— Quanta mentira! – exclama Tiemi, revoltada. — Como esse povo inventa, até parece que a Letícia é essa santa aí. Todo mundo sabe que aquela garota não prestava. A verdade, Cat, é que a Lê nunca foi flor que se cheire... Eles se conheceram em uma das Calouradas e não se desgrudaram mais, quer dizer, ela não desgrudou mais. Enfim, ela é uma aproveitadora que com menos de um ano, o fez ele comprar um apartamento para os dois lá perto do shopping, usava e abusava do dinheiro dele comprando as coisas pra ela. Esse carro que dizem que destruiu, na verdade era dele, mas quando eles terminaram, ela pegou sem permissão dele. E tem mais, foi ele QUEM terminou com ela, pois a Letícia é que era ciumenta super paranóica e que vivia caçando encrenca com as meninas do curso e foi por conta desse ciúmes dela que ele tentou terminar, mas ainda não tinha conseguido. No final do ano, na casa dos pais dele, tinha uma prima que o Jean não via há anos e eles eram super amigos. Mas a Letícia cismou com a menina e perseguiu a garota a festa toda, só para a garota não ficar perto dele. Só que teve uma hora que os primos conversaram e a Lê, surtou. Chegou nos dois, jogou a taça de champanhe na cara dele e partiu para cima da prima. Saiu quebrando a casa toda, disse que ia se matar... Aí acionaram uma ambulância para levá-la para uma clínica psiquiátrica, onde ela ficou esse tempo todo. Quando ela saiu, ele terminou com ela, mas a Letícia disse que as coisas não ficariam assim. Ela pegou foi no apartamento dopada, pegou o carro e saiu à toda. Acabaram encontrando ela e o carro batido no poste perto da UPA onde o Jean estava de plantão. Dizem que a encontraram balbuciando que ia dar um fim nele. Foi aí que ele entrou com o mandado de restrição.

Todas nós ficamos sem silêncio, por alguns instantes, refletindo sobre as duas versões. Era como se estivéssemos jogando Detetive e tínhamos que descobrir qual a história era verdadeira. Betina respira fundo e solta:

— Pelo jeito dele, acredito na primeira versão.

— Por que acha isso? – pergunto curiosa.

— Sei lá, acho bem a cara dele. O cara é perfeito demais... E quando a esmola é demais, o santo desconfia – responde Betina.

— Eu tenho certeza que é a segunda – alega Alissa — Já encontrei com eles no shopping uma vez. Ela estava comprando um monte de sapatos enquanto ele estava sentado esperando a namorada terminar. Aí eu só dei Oi para ele e a Letícia já veio perguntando quem eu era e um monte de coisas que eu quase saí correndo, de medo. A cara dela era de doida varrida e o pior é que ele ficou super sem graça. Sem contar o fato de ela ter parado de falar com todos os amigos para viver em função deles. Isso é coisa de gente obsessiva, fora do normal.

— Só para reforçar – diz Tiemi — O cara quer ser Cardiologista infantil e até já passou na residência em Cardiologia pediátrica, em uma das melhores residências do país e super concorrida. Então, assim que ela viu que ele não iria bancá-la para sempre, saiu com esse papo de que foi agredida para ver se tirava uma grana dele. Você acha mesmo que um cara que tem como sonho ajudar crianças com problemas cardíacos é mesmo esse cara que a Letícia está pintando? Você acha mesmo que ele seria capaz de bater em alguém? – pergunta Tiemi me encarando, séria.

Essa última frase me fez lembrar do que aconteceu na boate... Os socos... chutes... o seu olhar de desejo enquanto chuta um dos rapazes... sua respiração ofegante... seu sorriso quase demoníaco... Ele queria continuar fazendo aquilo, eu tinha a certeza em cada parte do meu corpo...

"Eu fiz aquilo por você, Catarina.”

"E faria mil vezes."

— Ei! Terra chamando Catarina – diz Tiemi estalando os dedos em minha direção. Encaro seus dedos por alguns instantes enquanto ela sorri, satisfeita. encarando as meninas — Quem cala, consente.

— Ele é capaz de bater em alguém — sussurro. As meninas parecem não terem escutado o que eu disse.

— O que disse? – pergunta Betina com uma ruga na testa.

— Ele é capaz de bater em alguém. – repito forçando minha voz a sair. Então todas me encaram, surpresas — Eu o vi batendo em dois rapazes na boate.

— Como assim? – pergunta Cláudia, curiosa.

— Que caras? – pergunta Tiemi.

— Os caras que estavam com você – respondo chocada pelo fato dela não se lembrar deles e de tudo o que aconteceu. Então contei a elas como tudo aconteceu, enquanto Tiemi parece tentar processar toda aquela informação. — Tiemi, nós encontramos você com esses caras e eles eram bem estranhos... Exalavam maldade e você não estava em condições de tomar nenhuma decisão, então queria te levar para casa e eles... eles não queriam. Então começou a discussão e um deles me empurrou... aí o Jean foi pra cima deles... foi tudo muito rápido...

— Bom... – solta Tiemi tão espantada quanto todas as garotas — Pelo menos ele fez aquilo por você.

— O que quer dizer? – pergunto confusa. Como ela chegou aquela conclusão?

— Isso é tão óbvio, ele só bateu nos caras para proteger você – solta Alissa — Com certeza o sangue dele ferveu ao ver o cara empurrando você. É sério, o Jean está muito interessado em você.

— Sem contar que se isso tudo aconteceu dessa forma, eles mereceram apanhar do Jean – dispara Tiemi, séria.

— Quer dizer então que a Letícia mereceu apanhar do Jean? — pergunta Betina encarando Tiemi.

— Depende – responde Tiemi, ríspida.

— Do quê? – pergunta Betina.

— Se ela realmente apanhou o que eu acho pouco provável, pois ele sempre foi o capacho dela e não o contrário. E se ele bateu, ela deu um bom motivo. A Letícia sempre foi difícil de lidar.

— E por ela ser difícil de lidar, merece apanhar do namorado? – questiona Betina com os olhos estreitos.

— Se ela for uma mulher difícil de engolir, assim como você, ela merece ficar sozinha, pois homem nenhum gosta de mulher com esse seu tipo de comportamento – responde Tiemi.

— Meu comportamento? – pergunta Betina se levantando.

— Sim, seu comportamento. — responde Tiemi também se levantando.

— Meninas. – repreende Cláudia entrando na frente das duas — Não precisam chegar a esse ponto. A verdade é que ninguém sabe ao certo se algo disso realmente aconteceu entre eles.

Devo concordar com a Cláudia, até aquele ponto, tudo a respeito do Jean eram meras especulações. A única coisa da qual eu tinha certeza é que ele não saía da minha cabeça.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Abusivo: A história que ninguém conta" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.