Abusivo: A história que ninguém conta escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 1
Prólogo




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“Servir e Proteger” aquelas palavras foram lidas inúmeras vezes por mim desde que entrei naquela delegacia, com o meu olho esquerdo, pois o direito ainda está tão inchado que só vejo borrões, o que é uma coisa boa, segundo os médicos. Para eles é um milagre não ter pedido a visão . Tento ajeitar minha postura , mas acabo desistindo diante da dificuldade por conta do gesso que tomou conta de grande parte do meu abdômen, protegendo as costelas fraturadas, também está minha perna e braços esquerdos. Sem contar o meu maxilar que foi deslocado e os mais diversos hematomas que dominam cada centímetro do meu corpo.

Mas nada me incomodava mais que os olhares das outras pessoas que ali estavam, sei que já deveria estar acostumada com os julgamentos, à curiosidade e a pena que dominam cada um deles que insistem em nem ao menos disfarçar que estão olhando para mim. Leio mais uma vez aquelas palavras, fingindo que não me importava com eles. Fingir, uma palavra que achei que jamais usaria na prática, até que ela surgiu e se tornou minha companheira nos últimos anos. Bem como indas e vindas da delegacia, depoimentos, aqueles olhares, a consciência pesada e agora, a vez em que quase morri. Só de lembrar essa última parte as lágrimas, outra coisa que passou a fazer parte constante da minha vida, surgem, queimam meu rosto por onde escorrem , morrendo em meus lábios ainda inchados e roxos. Porém, nenhuma dor que eu esteja sentindo agora chegará perto da dor que ele me causou durante todo aquele tempo.

Nunca mais, repito para mim mesma. 

— Catarina Araujo Freitas? – chama uma jovem de cabelos castanhos com um enorme distintivo pendurado no pescoço de uma das portas. Olho para ela que retribui com um olhar chocado, por mais que tentasse evitar e fingir que estava tudo bem com o seu sorriso treinado. Ergo minha mão devagar e ela pergunta — Vamos?

Levanto devagar sentindo cada parte do meu corpo desejando desmoronar pelo chão. Caminho em sua direção enquanto ela ainda sorri tentando transmitir um pouco de confiança, esperança e por que não... Fé. Não retribuo o sorriso por não acreditar que exista nada daquilo. Não mais, essa parte foi uma das primeiras coisas que ele tirou de mim

Andamos em silêncio pelo corredor mais longo já percorri na vida. A cada passo, tento encontrar uma resposta para a pergunta que faço em minha mente:

“Como fui parar ali?"

Andamos em silêncio pelo corredor mais longo já percorri na vida. A cada passo, tento encontrar uma resposta para cada pergunta que faço em minha mente: 

Como fui parar ali?" 

Fui intimada a depor depois que meu caso saiu em todos os jornais. Daquela vez ele tinha exagerado... Na verdade em todas às vezes, só que eu não percebia. Eu sempre me culpava por estar vivendo daquela forma e ainda me culpo por ter parado de lutar. No início, sempre acabava em uma delegacia contando minha versão dos fatos, recebendo comentários maldosos daqueles que diziam servir e proteger... Aquela era obrigação deles, na teoria, pois na prática acabava me achando um lixo, bem mais do que quando eu entrei. E até mais culpada por estar naquele lugar, logo eu que sempre segui corretamente todos os ensinamentos que me deram tanto de princípios familiares quanto os mandamentos religiosos. Sempre fui considerada o motivo de orgulho da minha mãe, uma aluna exemplar, filha exemplar, amiga exemplar, namorada exemplar, noiva exemplar, esposa exemplar... 

— Entre, por favor – pede a policial civil. 

Entro na pequena sala com apenas uma janela fechada e coberta com uma enorme cortina bege, um ventilador de teto que parecia que estava prestes a parar a qualquer momento, um arquivo de metal cinza, uma mesa de escritório separando duas cadeiras acolchoadas pretas. 

Em uma delas me deparo com outra mulher, essa é um pouco mais séria e de alguma forma, exala um poder incrível mesmo digitando algo em seu computador alheia a minha curiosidade. Faço questão de guardar cada detalhe daquela pessoa que está em minha frente. Cabelos castanhos cacheados na altura das costas foi a primeira coisa que notei, me esforço para não tocar meu próprio cabelo alisado com mechas loiras, mas que um dia foi igual ao dela. Sorrio com satisfação ao me lembrar do motivo pelo qual fiz aquilo comigo: Precisava agradá-lo, a qualquer custo, ou teria consequências. No começo, não foi esse o motivo, mas sim mais ridículo. 

— Bem vinda Catarina, sente – pede aquela poderosa mulher indicando a cadeira — Eu sou a delegada Luciana e estou cuidando do seu caso. 

Sento encarando Luciana que não parece se importar, com a quantidade de mulheres que vi esperando lá fora, deduzo que ser observada seja algo rotineiro para a delegada. 

— Então, Catarina, quero que conte para mim sua história – revela Luciana me observando pela primeira vez. Imagino que ela esteja tentando encontrar em meio aquele corpo arrebentado, o ser humano que ali reside. No caso, eu. 

— O que você gostaria exatamente saber? Assim poupamos tempo indo direto ao assunto – pergunto ríspida. Entendo que o papel dela seja recolher o meu depoimento, mas já fiz aquilo tantas vezes e nunca deu em nada. Somado com a dor que sinto, prefiro falar apenas o necessário. 

—Tudo. Quero saber tudo e desde o começo – pede a delegada. — Quero montar o seu caso e colocar esse... Homem... De vez atrás das grades. Sendo bem clara: Quero acabar de vez com a vida desse desgraçado, como ele fez com a sua, mas para isso preciso da sua ajuda — finaliza quase espumando de raiva. Em seus olhos pura convicção, me dando um frio de esperança de que está falando a verdade. 

Respiro fundo encarando Luciana. Tenho certeza absoluta que pelo começo jamais teria como imaginar que aquele seria o meu fim. Então um pensamento horrível me ocorre: Será que tinha como saber? Será que os sinais estavam ali o tempo todo e só eu não viu? Ou pior, não quis ver? 


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