Amarelo- Lírio e Fogo Azul escrita por Ash Albiorix


Capítulo 7
Capítulo 7- Zero


Notas iniciais do capítulo

Volteiii, conseguindo manter minha promessa de atualizar toda semana!! Dessa vez com um cap de 4500 palavras, se vocês vão querer me matar ou me agradecer, aí eu não sei. Mas espero que gostem.
Obrigada a Isa que como sempre ta apoiando essa fic e comentando e a "Olhos de Vênus" que também comentou no último cap, vocês são uns anjinhos que deixam meu dia 23023383 vezes mais feliz.
Boa leitura!



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Zero

 

Eu e Eros encarávamos incrédulos as palavras escritas no papel. Não havia mais como negar que algo realmente estranho estava acontecendo, e agora eu e Eros estávamos definitivamente envolvidos. As pergunta que ressoavam na minha cabeça eram: 

“E agora? A gente esquece, ignora? Ou continua?”

Eu queria a verdade. Mas não sabia se estava disposto a me arriscar, e nem o quê eu estava arriscando.

Olhei para Eros, querendo adivinhar quais perguntas se passavam na cabeça dele. O garoto estava no chão, em silêncio. Mantinha os pedaços dos quadros nas mãos, que tremiam violentamente. 

Antes que eu tivesse tempo de falar algo, ele jogou o quadro longe, e levantou bruscamente, indo em direção a porta.

—Eros? — chamei, ao que ele ignorou, saindo. —Eros, você realmente acha que sair sozinho no meio da noite depois da gente ter sido literalmente ameaçados é uma boa ideia? — gritei. 

Ignorado de novo.

O observei desaparecer pelo corredor, os passos firmes batendo no chão, com raiva.

Decidir não ir atrás dele. Por que iria? Ele era um adulto responsável pelas próprias escolhas, mesmo que elas fossem escolhas muito burras. Se acontecesse algo, não seria minha culpa. Certo? 

Eu não me importava que estava perdendo ele de vista, e que quem quer que tenha nos ameaçado possa estar por perto e…

Merda. 

—Eros, espera aí! — gritei, seguindo o caminho que ele havia feito da forma mais rápida que consegui. — Será que você pode pelo menos fazer uma escolha sensata alguma vez na vida? — falei.

 Eros fingiu que não me ouviu, mas, pela maneira como a distância entre nós estava diminuindo, reparei que ele estava dando passos mais curtos. 

—Você não precisa vir atrás de mim — reclamou, a cara fechada.

Eu estava com medo, como se alguém fosse, do nada, aparecer e fazer algo. Mas Eros não mostrava nenhum sinal de medo, apenas de raiva. 

—É, mas se acontecer algo com você, eu vou me sentir culpado pelo resto da vida — murmurei, tentando deixar claro que eu também não estava feliz com a situação. — Tipo, quem quer que tenha feito aquilo no nosso quarto, pode estar por aqui ainda. E o colégio tá deserto, Eros, não tem mais ninguém acordado. Só… vamos voltar pra lá? — pedi, arfando de tentar alcançar o garoto. 

Eros parou por uns segundos e olhou para trás, abaixando os ombros. Pensei que ia dar meia volta e voltar comigo, mas apenas esperou até que eu chegasse perto e murmurou:

—Só vem comigo. 

—Pra onde?

Eros bufou, colocando as duas mãos no bolso do casaco.

—Só vem. Se eu tiver que olhar pra aquele quarto revirado por mais um minuto, eu juro que vou surtar. 

Ele começou a andar, devagar dessa vez, e eu apenas o segui.

—Bom, aquela bagunça não vai sumir sozinha. A gente precisa arrumar. 

Concordou com a cabeça, mas parecia mal ouvir o que eu estava falando.

—Eu sei. Só… não agora.

Aquele era um tom de voz que eu nunca havia ouvido Eros usar, e era quase como se eu estivesse ouvindo outra pessoa falar. Ele normalmente falava alto, confiante, quase como se suas falas fossem cuidadosamente ensaiadas para o fazer parecer dono do mundo. Mas agora… parecia derrotado, sussurrando as palavras, embolando. 

Eu queria dizer que estava com medo também. Algo em mim me fazia continuar a  olhar ao redor enquanto andávamos como se algo fosse acontecer a qualquer segundo. Qualquer ilusão de segurança que aquele lugar me dava, havia desaparecido. 

Eu e Eros fomos andando em direção à biblioteca, então imaginei que era lá que ele estava indo. Fui o seguindo em silêncio, torcendo para ele não ir até as escadas ou algo assim. Mas, no momento que passamos direto do corredor da biblioteca, eu comecei a ficar confuso. 

—Pra onde a gente tá indo, Eros? 

Tentei manter meu tom baixo, ciente de que se alguém nos pegasse vagando pelos corredores depois de tudo ter fechado, certamente teríamos que nos explicar. Ele apenas me olhou de relance, e continuou andando em silêncio.

Algumas luzes estavam apagadas, e outras acendiam conforme passávamos. Ver aqueles corredores vazios me dava uma sensação esquisita, como se eu estivesse em um lugar completamente novo. 

—Zero… — ele disse, baixo. — Você vai ter que confiar em mim agora.

Eu já estava me arrependendo de ter ido com ele. 

—Eu tô confuso e, seja lá o que for, não me parece uma boa ideia confiar em você.

Ele deu de ombros.

—Não é. 

Chegamos a uma porta no final de um corredor, com uma placa escrito “fora de funcionamento”. Pelo que eu me lembrava, aquela costumava ser uma sala de cinema, onde passavam filmes e documentários, que havia sido transferida para uma outra sala no segundo andar. 

—A gente não vai se meter em problema por entrar aqui? — perguntei, mais confuso ainda.

Ele balançou a cabeça negativamente.

—Sabe como algumas câmeras aqui funcionam e outras não? — perguntou.

—Eu não sabia, na verdade. 

Ele me olhou, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

—Esse lugar é enorme e tem mais de um prédio. Você acha mesmo que eles iriam gastar dinheiro colocando câmeras em todos os lugares?

—Bom… sim? Não é o trabalho deles?

—É. Mas as pessoas odeiam gastar dinheiro. A questão é… as câmeras são intercaladas, de forma que tem pelo menos duas câmeras em cada corredor funcionando. Nesse aqui… não tem nenhuma. 

—Como você sabe disso?

Eros pareceu satisfeito com a pergunta, quase como se tivesse orgulho da resposta. Ele gostava mesmo de se exibir.

—A luz não acendeu quando passamos — comentou. — Eles provavelmente mexeram na instalação elétrica quando desativaram a sala de cinema.

— Sem energia, sem câmeras funcionando — conclui.

Ele sorriu.

—É. Mas a porta, ainda assim, fica trancada. Por sorte, eu roubei a chave ano passado — falou, tirando do bolso uma pequena chave, e me mostrando. 

Abriu a porta, com cuidado, fazendo o mínimo de barulho possível.

—Você roubou uma chave? Se te pegassem fazendo isso… 

Quanto mais tempo eu passava com Eros, mais eu me perguntava se ele era muito corajoso ou se só não tinha noção nenhuma de perigo. 

Entramos devagar na sala que, apesar de fechada, estava tão gelada quanto o corredor do lado de fora. Ela tinha cadeiras vermelhas, uma tela e um projetor. Era bem pequena, se compara a sala que usavam atualmente para reproduzir filmes. 

Eros trancou a porta por dentro, e, quando eu pensei que ia sentar em uma das cadeiras, ele continuou andando. Atravessou a sala em silêncio, e foi em direção a uma pequena porta nos fundos.

—Você vem? — perguntou.

Pra onde? Eros, você vai me deixar maluco, é sério. Tá me dizendo que aqui não é tipo o destino final pra gente sentar e ficar quieto? Eu tô exausto já.

Ele deu de ombros.

—Você pode ficar aí se quiser.

Olhei ao redor, a sala escura e trancada, cuja chave estava com Eros, e decidi que eu era medroso demais para ficar ali sozinho. E já tinha ido até ali mesmo.

Fui andando até onde Eros estava, ao que ele empurrou com o ombro a porta, que rangeu e emperrou. Ele empurrou de novo, e a porta abriu completamente.

Parecia ser um pequeno depósito, com livros antigos empilhados em cima de alguns armários. Mal tinha espaço suficiente para nós dois e minha cadeira.

Eros entrou na frente, e não hesitou em sentar no chão, encostado em um dos armários. Eu analisei a situação, tentando descobrir se eu caberia ali dentro. 

Pensei em deixar a cadeira do lado de fora, mas eu sentiria me vulnerável sem ela, sabendo que estaria incapaz de sair dali rapidamente se precisasse. Mas, se entrasse com a cadeira, ficaríamos os dois apertados numa situação nada confortável. 

Eros me olhou por uns segundos, e então virou para trás, arrastando um armário para o lado, abrindo espaço. 

Entrei e fechei a porta atrás de mim, e logo decidi sentar no chão também. Encaixei a cadeira encostada na porta, e sentei do lado de Eros, mas no canto oposto. Mesmo assim, o espaço era tão pequeno que nossos braços estavam apenas a alguns centímetros de encostar. 

Era desconfortável estar em um espaço tão pequeno com Eros, mas, olhando ao redor, aquele lugar parecia extremamente reconfortante. Estávamos dentro de uma sala escondida, que ficava dentro de uma outra sala trancada. 

Entendi exatamente o motivo de Eros ter ido ali naquele momento específico: lá, ninguém podia nos encontrar.

—Eu só… queria ir pra um lugar seguro — murmurou. 

Olhei para o lado, e vi Eros com os joelhos dobrados e os braços cruzados em cima. Encostou a cabeça nas mãos, de lado, os cabelos loiros se bagunçado em seu rosto. Piscou os olhos devagar. Parecia sonolento. 

Era uma visão estranha. Eros andava pelo Instituto com a cabeça levantada e ombros erguidos, e o olhar de quem se achava melhor que todos. Sempre parecia estar arrumado, também, o cabelo impecável, às vezes até colocava algum acessório ousado tipo uma gargantilha ou pintava as unhas, e ninguém ousava soltar qualquer comentário sobre porque quem não era apaixonado por ele ou amigo de Eros, certamente tinha medo dele. Era o tipo de pessoa que certamente faria bullying comigo no ensino médio, quando eu não tinha coragem de revidar suas provocações sem sentido. Não era à toa que nunca nos demos bem.

No entanto, olhando para ele ali, encolhido, o cabelo bagunçado e os ombros quase que imperceptivelmente tremendo, era como se partes da imagem que eu tinha formado dele fossem se dissolvendo aos poucos. Se transformando na imagem de uma pessoa muito mais… humana. 

Ele me viu o observando, e desviou o olhar. 

O silêncio que estávamos fazendo começou a me incomodar, e quanto mais tempo passava, mais Eros parecia tremer, ao invés de estar se acalmando. 

Eu não conseguia parar de pensar em tudo que havia acontecido nesses últimos dias. Meu amigo estava desaparecido, e tentar descobrir o que aconteceu significava, essencialmente, me colocar em perigo. E colocar outras pessoas em perigo também, lembrei, olhando para Eros.

Eu estava com medo. Não era uma escolha justa de se fazer. 

—Como você achou esse lugar? — perguntei, tentando me distrair.

Eros, que estava com os olhos fechados, os abriu devagar e levantou a cabeça, encostando na parede. 

Ele abriu um pequeno sorriso.

—Eu sempre venho aqui pra transar… digo, pra ter conversas amigáveis com outros garotos. 

Meu rosto ficou vermelho, e ele riu da minha reação, embora eu tenha tentado não deixar transparecer. 19 anos e eu ainda me sinto desconfortável a qualquer menção de sexo. Acho que meu rosto gritava “virgem”. 

Mas eu não estava surpreso com a resposta, se tratando de Eros.

—Mas eu também venho aqui quando preciso me sentir seguro — ele continuou, abaixando o tom de voz. — É como se eu tivesse desaparecido quando to aqui. Como se ninguém conseguisse me achar. 

Eu ainda não havia conseguido assimilar o Eros que eu conhecia a um Eros que precisava se sentir seguro de vez em quando. Que gostava da ideia de desaparecer do mundo um pouco.

Ele estava sendo sincero comigo, pela primeira vez desde que nos conhecemos, e eu queria ter alguma sinceridade para oferecer de volta, mas não sabia como. 

—Eu gostei daqui — foi só o que falei. 

Eros, ao contrário de mim, gostava de falar. Eu sabia disso porque o garoto não calava a boca um segundo, seja me insultando, reclamando de algo, tagarelando com seus amigos ou qualquer outra coisa. Até dormindo falava. 

—Era um quadro importante — murmurou, se encolhendo nos braços novamente. 

Lembrei dos três quadros que ele mantinha no quarto, os três pendurados do lado da cama. Os três haviam sido destruídos.

—Qual deles?

Ele fez silêncio por uns segundos.

—O da menina.

Tentei pensar no quadro específico, e tive uma vaga lembrança de um quadro com uma criança loira, mas não conseguia exatamente lembrar o que a menina estava fazendo ou seu rosto. Lembro que o que me chamou atenção foi a cor que ele usou para os cabelos da menina, que era exatamente a mesma do seu próprio cabelo. Um amarelo forte, chamativo. Me lembrava dos lírios amarelos no jardim da minha avó. 

—É alguém em específico ou…? — perguntei.

Ele abriu um sorriso, como se lembrasse de algo.

—Minha irmã.

Eu esperei que continuasse a falar, mas Eros manteve o silêncio por um tempo, fechando os olhos. Reparei que ele estava tremendo menos, e também percebi que quem estava tremendo agora era eu, mas por causa do frio. Meu corpo era absolutamente horrível em regular minha temperatura, o que significava que eu poderia estar suando de calor em um segundo e morrendo de frio no outro. 

—Você já perdeu algo que nunca vai poder ter de volta?— Eros murmurou, sem olhar para mim. 

Eu não sabia porque exatamente ele estava se abrindo comigo, mas eu também não entendia bem o que levava as pessoas a falarem sobre sentimentos por vontade própria. 

Pensei na pergunta dele, mas não conseguia lembrar de algo em específico. Não é como se eu tivesse perdido  muitas coisas, porque tudo que eu conheci foi essa vida mais ou menos, sem grandes coisas ou pessoas importantes. Não sabia dizer se isso era bom ou ruim.

—Acho que não — respondi. —Você tá falando do quadro?

Eros assentiu com a cabeça.

—É. Aquele quadro da minha irmã… no dia que eu pintei, eu tentei fazer ela ficar quieta pra eu pintar olhando diretamente pra ela. Coloquei duas cadeiras no jardim, uma pra mim e outra pra ela. Aí pedi pra ela ficar paradinha. Mas já tentou fazer uma criança ficar quieta?— perguntou, sorrindo. — Foi engraçado. Mas eu conhecia o rosto dela o suficiente pra não precisar nem olhar. Eu só queria que ela me fizesse companhia. Demorou horas. Ficamos lá rindo o dia inteiro, e eu guardava aquele quadro de lembrança daquele dia. Toda vez que olho pra ele… é como se ela estivesse do meu lado, rindo, suja de tinta. 

Ele parecia feliz só de lembrar. 

—Deve ser legal ter irmãos — comentei. 

—De vez em quando. Eu tenho 7 irmãos, então… pode ser um pouco demais demais às vezes. Mas a Wendy, a do quadro… eu nunca me cansei dela. Acho que é normal ter um preferido. Tá com frio? — perguntou, notando que eu estava me encolhendo. Assenti com a cabeça, e ele continuou. — Eu sei que, tipo, eu deveria estar mais preocupado com o fato de que fomos meio que ameaçados. Mas eu só consigo pensar no quadro. 

Eros tirou o casaco jeans, devagar, e então jogou no meu colo.

O olhei, confuso.

—O quê? — perguntei.

—Cê disse que tava com frio. Eu não to. Pode usar. 

Segurei o casaco como se estivesse segurando uma bomba ou algo fervendo, sem saber o que fazer, constrangido. Gaguejei algo envergonhado, e tentei empurrar o casaco para Eros de volta. 

—Deixa de ser chato, Zero. Só coloca o casaco pra eu não me sentir culpado por ter te arrastado até aqui no meio da noite e te feito ouvir eu falar um monte de merda sobre minha família, que eu tenho certeza que não te interessa nem um pouco.

Eros conseguia ser agressivo até mesmo quando estava sendo gentil. 

Olhei para o casaco, considerando. Eros não era exatamente musculoso, mas tinha ombros largos, e eu tinha certeza que aquele casaco iria parecer um saco de batatas num cara magrelo como eu. Mas eu estava realmente com frio, então apenas coloquei o casaco, e enfiei as mãos nos bolsos, levemente confortado pelo calor. Murmurei um obrigado, que mal tenho certeza se ele ouviu.

—Você não pode, tipo, pintar outro quadro com sua irmã? — perguntei, e percebi na hora que foi uma pergunta estúpida. 

A expressão de Eros mudou, o sorriso desaparecendo aos poucos. Ele apenas negou com a cabeça, e enterrou o rosto nos braços completamente. 

—Eu queria que tivesse como, mas… — então parou, e soltou um suspiro frustrado. 

Depois de mais uns minutos em silêncio, percebi que estávamos ali fazia um bom tempo e que provavelmente precisaríamos voltar logo para o quarto. Ia chamar Eros, mas, assim que olhei para ele, reparei na forma como suas mãos pareciam apertar seus braços, e seus ombros se mexiam de vez em quando. Prestei atenção o suficiente para reparar que ele fungava baixo também.

Eros estava… chorando?

Tipo, Eros era fisicamente capaz de chorar?

Me senti inadequado, como se eu estivesse presenciando algo que não deveria. Me arrependi de ter ido junto quando ele claramente não pediu que eu fosse. 

—Eros… — chamei, baixo. — Você quer, tipo, ficar sozinho? Porque eu posso ir lá pra fora e…

—Não — me cortou, o som abafado. Então sussurrou novamente, quase como se pedisse para que eu ficasse. — Não. 

Antes que eu pudesse surtar pensando se eu deveria perguntar alguma coisa ou consolar ele ou sair do mesmo jeito, Eros levantou o rosto, limpando as lágrimas. 

Seus olhos estavam vermelhos e todo seu rosto estava molhado, ao que ele limpou com as mãos e disse:

—É besteira. Eu só tô fazendo drama por nada. Vamos voltar pro outro prédio.

Eros me observou enquanto eu levantava devagar, puxando a cadeira até mim novamente. Por mais que andar fosse ruim, levantar conseguia ser ainda pior. 

Ignorei a dor repentina, e fomos andando novamente até o quarto. Os corredores agora estavam completamente apagados, e eu quis ter meu celular para usar a lanterna.

Assim que chegamos, apenas me joguei na cama, ignorando a bagunça. Eu ainda precisava tomar os remédios da noite, mas estava tão exausto que apenas fechei os olhos na cama e dormi. 

Dormir sem tomar os remédios não foi uma decisão muito saudável, percebi, enquanto acordava no meio da noite sentindo como se minhas costas estivessem sendo rasgadas no meio. Ter uma série de doenças crônicas significava que eu estava sentindo dor o tempo todo, sempre. Os remédios me ajudavam a diminuir essa dor o suficiente para eu conseguir funcionar como um ser humano, mas, de vez em quando, a dor ficava mais forte do nada.

E às vezes nem tão do nada assim, pensei, me xingando novamente por não ter tomado os remédios. 

Minha mente não conseguia se concentrar o suficiente para pensar qual era o próximo passo além de ficar ali encolhido tentando não gritar de dor. 

Remédio. Eu precisava de remédio. Tomar agora não adiantaria muito a não ser que eu aumentasse a dose, e para aumentar a dose eu precisava antes saber como estava minha glicemia.

Era tanta coisa e eu estava tão cansado... 

Toda vez que eu tentava me mexer, meu coração dava uma pontada forte, que fazia eu me arrepender imediatamente. Meu coração estava acelerado como se eu tivesse corrido uma maratona. 

Naquele ponto, Eros também já estava acordado. Ele tinha um sono leve e eu não estava sendo extremamente sutil enquanto reclamava baixo toda vez que a dor aumentava. 

A única coisa que me deu energia para levantar imediatamente foi perceber que eu estava prestes a vomitar. 

Ignorei a dor e fui tropeçando até o banheiro, derrubando tudo que estava no caminho. 

—Zero? — ouvi Eros chamar, sonolento. 

Não respondi, tentando apenas respirar enquanto vomitava, sentado no chão.

Encostei a cabeça no azulejo e fechei os olhos, com frio. Ainda estava usando o casaco de Eros, mas não estava sendo o suficiente para me aquecer.

Vi a luz do quarto se acender.

—Zero, você precisa de alguma coisa? — Eros perguntou, batendo na porta, que estava muito mal fechada. 

Eu estava quase desmaiando, enjoado e sem forças para levantar. Então fiz a coisa mais sensata a se fazer: negar ajuda.

—Não — respondi, tentando parecer convincente.

Eros esperou um pouco, então ouvi os passos dele se afastando e voltando para a cama. 

Não sei bem se desmaiei ou dormi, mas sei que fechei os olhos e tudo sumiu. 

 

Quando acordei de novo, tudo estava claro novamente, e Eros estava ajoelhado na minha frente me chamando. Se eu não estivesse num estado tão deplorável, teria implorado que ele apenas saísse e me deixasse em paz. 

—Você dormiu aqui? — perguntou. 

Assenti com a cabeça.

—Não consegui levantar…. — murmurei, ainda acordando.

Ele bufou.

—Eu literalmente te perguntei se você precisava de ajuda! — falou, num tom quase que brigando comigo.

Eu quis chorar. 

Ou sumir. 

Eros bufou.

—Vai deitar na cama pelo menos. Você acha que consegue levantar agora?

Neguei com a cabeça.

—Vem, eu te ajudo — falou, baixo.

 Passou o braço por baixo do meu, e eu apenas apoiei nele, enquanto Eros praticamente me arrastava até a cama. 

Eu estava acostumado com desmaiar por aí. Mas odiava o fato de precisar de ajuda de alguém. Principalmente quando esse alguém, na ocasião, era o Eros. 

Apenas engoli meu orgulho e murmurei um obrigado, me cobrindo até a cabeça e dormindo novamente. 

Perdi completamente a noção do tempo, toda vez que eu acordava e abria os olhos, me sentia tão cansado e exausto que acabava dormindo novamente. Tudo começou a ficar esquisito e borrado. 

Foi só quando minha mente raciocinou que eu poderia estar perigosamente hipoglicêmico que eu consegui fazer algo. E por fazer algo eu digo ficar acordado por mais de 2 minutos e tentar pedir ajuda. 

Abri os olhos, tentando enxergar algo mesmo sem óculos. Consegui ver um vulto de cabelos loiros sentado na cama.

—Eros? — murmurei. Ele não ouviu, então tentei de novo. 

—O que foi? — perguntou. 

—Você sabe onde fica a enfermaria?

—Aham.

—Pode ir até lá e chamar alguém, por favor?

 

Eu não me lembro dele saindo, ou de alguém indo até mim. Não me lembro de nada, apenas de acordar na enfermaria, na maca, com um acesso preso ao meu braço e sem saber quanto tempo havia passado. 

Helena, uma das enfermeiras, me perguntou como eu estava e logo depois começou a me dar mais um sermão sobre como eu deveria parar de adiar procurar ajuda apenas quando a situação estava absolutamente crítica, e que eu estava constantemente me arriscando sem necessidade, e todo o tipo de coisa que ela repetia para mim pelo menos uma vez por mês. Eu fazia meu melhor tentando dar conta de tantos remédios e recomendações e injeções e todo o trabalho extra que eu precisava fazer apenas para continuar vivo. Mas, muitas vezes, fugia do meu controle. 

Eu estava melhor, apesar de fraco e definitivamente nojento. Precisava de um banho urgentemente. O casaco de Eros estava suado e fedendo a vômito, ele me odiaria quando visse. 

A enfermeira me liberou depois de confirmar que eu estava melhor, e fiquei aliviado em ver que haviam trazido minha cadeira até ali, porque eu não ousaria andar nem tão cedo. 

Quando cheguei no quarto, encontrei Eros penteando o cabelo, e procurei um relógio, apenas para ser surpreendido com o fato de que eram 8 da manhã, e que eu tinha que ir para a aula. O quarto estava arrumado, o que significava que ele deveria ter arrumado sozinho, e eu me senti mal por não ter ajudado. 

Já entrei pedindo desculpas e falando que ia lavar o casaco, que ele não deveria ter me emprestado e-

—Uau — Eros me interrompeu. — Você realmente acha que eu sou babaca egoísta, né? — disse, e soltou uma risada irônica. — Pensei que era meme.

Franzi as sobrancelhas. 

—O quê? — perguntei. 

—Tipo… — ele disse, concentrado em passar a escova pelos cabelos lisos. — Você meio que quase morreu… bom, não sei se quase morreu. Mas ´cê tava mal, tipo, de verdade. E realmente acha que eu vou ficar puto por causa de um casaco?

—Acho— respondi, sem pensar duas vezes. 

Eu estava confuso. Quis pedir para ele parar de agir que nem um babaca, depois ser legal, e depois agir que nem um babaca novamente. Mas, considerando os últimos dias, eu diria que o nível de babaca tinha diminuído exponencialmente.

Eros soltou uma risada, e terminou de ajeitar o cabelo. Enquanto passava por mim, saindo no corredor, disse:

—Me devolve o casaco quando puder. E vê se não morre no nosso banheiro, porque eu vou odiar ser testemunha de outra morte. 

Apesar do tom brincalhão, tinha algo quase nervoso na forma como ele falou aquilo, e eu reparei na palavra “outra”.

Outra morte.

Ele pareceu ter se dado conta do que disse, porque saiu do quarto o mais rápido possível.

Aquilo foi o suficiente para eu ficar extremamente curioso. Assumi que tinha algo a ver com a irmã que ele tinha mencionado, mas meio que queria saber exatamente o quê.

 Depois da aula, procurei Diana pelos corredor. Ela era a pessoa exatamente fofoqueira o suficiente para saber o que tinha acontecido.

—Dia? — chamei, como quem não queria nada. — Assim… por acaso, você sabe se aconteceu algo com o Eros? Algo a ver com a irmã dele ou…

Ela me olhou, surpresa.

—Ah, aquilo. Você não sabe? Tipo, todo mundo sabe.

—Diana, nem todo mundo é fofoqueiro que nem você.

Ela enrugou o nariz.

—Não, eu quis dizer literalmente. Saiu em vários jornais há uns anos atrás. Quando Eros entrou aqui, ele tentava fazer todo tipo de coisa levemente polêmica pra não ser conhecido apenas como “aquele garoto que foi sequestrado”. Aí agora ele é conhecido como “o garoto que pega todo mundo”. Bom, funcionou, se era o que ele queria. 

Eu estava mais confuso ainda.

—Diana, você pode focar em uma coisa de cada vez? Pera, o garoto que foi o quê? 

O sinal tocou, e Diana apenas disse:

—Eu preciso ir pra aula, Zero. Só… você sabe o nome dele todo? — Concordei com a cabeça, lembrando de todas as vezes que nossos nomes vieram um depois do outro na lista da classificação. —Então joga no google.

Estávamos começando a ser amigos e lá estava eu, prestes a violar a privacidade dele jogando seu nome no google. Bom, mas se era algo que todo mundo sabia, e que estava publicamente exposto na internet, não faria mal eu procurar, certo?

Prometi para mim mesmo que não ia procurar. Me arrependi de ter perguntado a Diana. Não parecia ser algo que ele gostaria que ninguém soubesse. 

Mas ele não precisava saber que eu sabia….

No final, a curiosidade venceu, e eu desejei imediatamente que não tivesse, porque, assim que fui até o laboratório de informática e coloquei o nome completo de Eros no google, um monte de reportagens apareceram. 

Na parte das imagens, que eu não tive coragem de clicar, haviam imagens da menina que eu reconheci imediatamente como sendo a pessoa do quadro. Mas a imagem que mais me deixava assustado era a de Eros, adolescente, cabelo curto, magro, e cheio de hematomas roxos e amarelos no rosto e nos braços. 

Não cliquei na imagem. Eu não queria ver de perto.

Cliquei na primeira reportagem que apareceu. 

 

Caso chocante de adolescente de 16 anos e criança de 12 que foram sequestrados e torturados por professor.”

 

 Fui lendo pulando frases, nervoso, desconfortável. Era o tipo de crueldade que apenas se via no jornal. No entanto, eu estava lendo sobre algo que havia acontecido diretamente com alguém que eu conhecia. Com alguém que eu não conseguia imaginar, e que não aparentava de qualquer forma, ter sido vítima de algo tão cruel como aquilo. 

 

“... os dois irmãos foram levados num passeio de família, que se tornou uma tragédia…”

 

“...um dos homens foi preso em flagrante, enquanto o outro suspeito, cujas investigações policiais apontam que seja o próprio irmão das vítimas, encontra-se foragido…”

"... a motivação do crime segue desconhecida..."

A última coisa que li antes de fechar a página com força, como se fosse o suficiente para me fazer esquecer foi:

 

“... o menino, Leonardo Mendes, de 16 anos, conseguiu fugir e sobreviveu. Encontra-se em estado de recuperação, e a família não o permitiu dar depoimentos para a imprensa. A outra criança, Wendy Mendes, 12 anos, foi encontrada no local já morta”. 


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi bem focado no desenvolvimento dos dois, e no final temos a grande bomba do passado do Eros.
Obrigada a quem teve paciencia de ler os quase 5k e chegou até aqui, não esqueçam de comentar o que estão achando! ♥



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