Minha mãe sempre odiou festas de fim de ano. Eu e meus irmãos sempre tivemos noção disso e aprendemos a deixar de tocar em certos assuntos que poderiam deixa-la mal, mesmo que para nós fosse um tanto decepcionante. Um bom jantar era luxo, ganhar qualquer tipo de presente estava longe de ser nossa realidade.

Começamos todos os três a trabalhar cedo. Laura era vendedora num mercadinho, Jonatas estagiava em uma empresa de química e eu fazia qualquer bico que pudesse dar uma graninha. Ainda não era o suficiente. Pagávamos as contas, a alimentação e nossa maior prioridade: os estudos.

Tiramos sorte grande quando, mesmo sem o básico do estudo, dona Leia nos ensinava que só teríamos uma vida diferente se estudássemos. Não tínhamos arroz todos os dias, mas não faltava sequer um livro da escola.

Hoje, somos professores, químicos e enfermeiros.

Quando cheguei a minha antiga casa, mamãe me esperava no quintal, junto do Lolo, seu cachorrinho.

— Esqueceu o despertador, Juninho? – disse, me puxando para um abraço e me arrastando para dentro de casa – Seus irmãos já chegaram.

— Sigo meu relógio natural, dona.

A casa ainda era a mesma; o sofá estava cada ano em um canto, e a ceia era cada vez mais farta. Como Lolo adorava comer árvores de Natal, esse ano os presentes estavam todos em cima da antiga cama de Laura.

Meus sobrinhos corriam pelo quintal enquanto Jonatas acendia a churrasqueira e Bia, sua esposa, ninava Cadú, o mais novo membro da família.

Hora vai, hora vem, oramos, assistimos dos fogos de artifício e fomos jantar. Quando fomos abrir os presentes era tarde, e as crianças estavam prestes a dormir. Decidimos anunciar o da mãe por último. Desde que nossas condições passaram a permitir, sempre a presenteamos com o melhor que conseguimos, em agradecimento ao eterno amor e paciência. Esse ano o presente seria maior, e estávamos mais ansiosos que nunca.

Quando abriu a caixinha, foi evidente a confusão. Depois de uns segundos de silêncio, perguntou, com lágrimas nos olhos, como se seu palpite fosse impossível: - Chaves?

— É, mamãe – respondeu Laura -, chegou a hora de deixar esse barraquinho.