Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 32
Capítulo XXXI


Notas iniciais do capítulo

Oie vocês! Sim, o capítulo ficou mais longo que o normal e eu até tentei dividir ele, mas isso simplesmente não daria certo. Hoje teremos três pontos de vista aqui, vamos entender (ou começar) a ver a motivação da mãe da Alana para manter a filha em segurança, teremos Kambriel (finalmente???) de volta e claro, Alana e seu tempo no inferno.

Boa leitura!



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CAPÍTULO XXXI 

 

Lucius se mostrava concentrado demais, perdido em seus próprios pensamentos e interesses ao ponto de sequer perceber que Lena o encarava. O demônio tinha o olhar perdido, observando o inferno da janela e em momento algum virou-se para a mulher. Ele estivera quieto demais desde a conversa com Alana e a mulher bem sabia quais eram os pensamentos que dominavam sua mente naquele momento.  

Lena West sentia raiva dele. Talvez não ao ponto de conseguir forças o bastante para matá-lo ou tentar destruí-lo, mas o sentimento era sim algo forte em seu interior. Não apenas por tudo o que Lucius fizera na cidade, mas também pelo mal que fizera a sua filha. Filha delesLembrou-se com repulsa, afirmar aquele pensamento ainda que fosse uma verdade era difícil, pôde ver pela expressão de Alana sua recusa e também o nojo que sentia e, ela entendia isso.  

Quando descobriu a gravidez o sentimento era o mesmo, grávida de um demônio. Antes jamais julgou ser possível e durante semanas imaginou que seria apenas um engano médico. Um falso positivo, por assim dizer. Mas para sua infelicidade, não se tratava de um engano. Tão pouco de algo impossível.  

— Está muito calada, Lena. Desde que a deixamos, na verdade. — O demônio virou-se em sua direção após quebrar o silêncio do lugar. Ao fundo, era possível ouvir os lamentos e gritos de dor que vinham das almas condenadas.  

Lena deu com os ombros.  

— Não tenho muito o que falar. — Respondeu sem olhá-lo. Porque toda vez que o fazia, era o rosto de Alana que enxergava; principalmente depois que o viu possuí-la para conseguir arrastá-la até lá. Até mesmo olhar para a filha foi difícil, pois se lembrava de como ela chegou até lá, com a aparência perturbadora e com Lucius em seu corpo, imagens que ela jamais se esqueceria.  

— Não? — Questionou com uma sobrancelha arqueada. — Até antes de eu trazê-la para cá você não parava de falar e agora, simplesmente decidiu que não tem absolutamente nada para me dizer?  

A mulher piscou, respirou fundo e finalmente o olhou. Ignorando algumas semelhanças do demônio para com Alana para que conseguisse ao menos manter uma conversa controlada com ele. Sabia como o demônio gostava de jogar e, não iria simplesmente cair em seus truques para apenas fazer suas vontades.  

— Por que a trouxe aqui? Sei que não tem nada a ver com você querer sua família reunida ou qualquer outro tipo de sentimento, então por que?  

Ele sorriu, como alguém que conseguia o queria. Chegar ao ponto principal de algo.  

— Alana tem um papel importante no que venho planejando desde que soube de sua existência, algo que abalará Céus e Terra — Sua explicação foi breve, sem os detalhes que ele sempre gostava de dar. Porém para Lena, foi o suficiente para que ela compreendesse que ele planejou algo grande.  

Perigoso.  

— E para conseguir isso você achou melhor possuí-la? — Rebateu, cruzando os braços na altura de seu peito. Olhando-o muito seriamente.  

— Já conversamos sobre isso... 

— Não, você conversou sobre isso. Eu apenas fiquei a ouvi-lo sem poder falar nada! — Lena bateu as mãos em suas pernas e então pareceu desistir de manter aquela conversa, conhecia Lucius e tinha total ciência de que estava perdendo seu tempo com aquela quase discussão.  

A mulher então suspirou alto, desviou os olhos da imagem do demônio em sua forma humana durante um tempo.  

— Posso vê-la? — Perguntou de repente, voltando os olhos para ele apenas para tentar convencê-lo.  

Lucius não reagiu.  

— Não. — A resposta veio rápido, dura e fria. Não era uma decisão era um decreto.  

Lena tentou, se esforçou demais para não demonstrar sua insatisfação e tristeza em ouvi-lo. 

— E por que não posso vê-la?  

O demônio então sorriu, os lábios se esticaram muito lentamente até formar aquele mesmo sorriso que ela vira anos atrás. O mesmo que ele usou para atraí-la.  

— Porque minha querida, — Surpreendendo-a, ele começou a se aproximar dela, os passos lentos e firmes. — Eu desconfio que tente fazer a cabeça dela ou talvez até tirá-la daqui. Em outras palavras, eu não confio em você.  

Sua fala a chocou.  

— Ela é minha filha, Lucius. Tão minha quanto sua, por favor... — Pediu outra vez. Percebendo tarde demais que deixou que sua voz saísse como uma súplica e realmente era uma; a última vez que viu Alana ela tinha seus dez anos e desde então, observou a filha crescer através das fofocas dos demônios; aqueles que enviava a terra para observá-la de longe. A viu crescer, fazer seus quinze anos, ter seu primeiro beijo, conseguir seu trabalho... Tudo através de fofocas de outras bocas e imagens de outros olhos; nunca o seu.  

Ver Alana, era uma necessidade que gritava em seu interior, algo que apenas uma mãe compreenderia. Queria abraçá-la, explicar-se melhor para ela, dar mais respostas que ela precisava ter..., Mas Lucius estava também tirando isso dela.  

— Eu sei que deve me odiar por causa disso, mas há um motivo para tal. — Disse ele, o demônio já estava ajoelhado na sua frente. Segurando suas mãos com ternura, se Alana estivesse diante deles e os vissem daquele jeito pensaria que estavam os dois a conviverem juntos, mas Lena tinha asco sempre que o demônio a tocava. Sentia como se ele estivesse invadindo sua alma e arrancando tudo o que sempre prezou de dentro dela. Fingia algum sentimento qualquer quando Lucius fazia suas estranhas demonstrações de afeto para terceiros, mas não passava disso: Fingimento. — E além disso, se Alana concordar em ficar aqui conosco, vocês duas terão toda uma eternidade para conversarem... Fazer essas coisas de mãe e filha.  

Lena precisou engoliu o que imaginou ser o grito de fúria a subir por sua garganta, precisava se controlar.  

— Lucius... 

Ele não a deixou terminar. Levou a mão para seu rosto em um gesto que ele considerava amoroso, tocando seu rosto com lentidão; Lena já não se incomodava mais com o que recebia de seus toques o tempo que estava no inferno fizera com que o tormento de seu toque fosse apenas um detalhe insignificante para ela. Estava tempo o suficiente no inferno e ao seu lado para já ter se acostumado com o tormento que vinha do toque de demônios.  

— Eu sei que quer vê-la e entendo isso, perdeu quatorze anos de vida dela, mas você precisa entender também meu lado nessa história. Quero que tudo o que planejei saia perfeito e sem interferências e, no momento vocês duas não irão se ver... Pelo menos não quando estiverem sozinhas. — Sua fala não condizia com sua expressão, Lena estava presa a Lucius tempo suficiente para conseguir entendê-lo. — Depois conversamos melhor, agora eu tenho que fazer uma visitinha a um amigo preocupado.  

Lucius se colocou de pé muito rápido e se afastou com a mesma rapidez até deixá-la sozinha; como ele sempre fazia. Lena respirou fundo, uma, duas... Três vezes até conseguir arrumar os próprios pensamentos, seu coração batia forte e ela já sabia que aquilo que Lucius planejou já estava em curso, na verdade, desde que ele fez Alana pisar no inferno ou talvez até antes disso. Ela não tinha nem mesmo ideia do que estava para acontecer, ao menos não com precisão, mas tinha uma pequena ideia de sua magnitude e tinha cuidado disso.   

Queria apenas avisar a filha para não deixá-la no escuro total da ignorância do que estava prestes a passar, contudo teria de se contentar em apenas dar a ela falas sutis e algumas dicas ali e aqui na fé de que ela poderia vir a entendê-la; poderia estar condenada ao inferno, mas jamais. Jamais. Deixaria que Lucius condenasse Alana também. 

E Lena West sabia exatamente o que tinha de fazer para impedir isso, mesmo que tomar tal decisão lhe partisse o coração.  

 

 ●●●

 

A noite se aproximava com lentidão sobre a cidade e, muitos dos moradores de Grória já estavam trancados dentro de suas casas, em busca de um tipo de proteção humana contra os ataques frequentes. Kambriel estava no alto do telhado da igreja local, sentado sob uma parte mais elevada do mesmo, a temperatura mais fresca e a brisa fria não o incomodava muito, até porque, seus pensamentos estavam distantes demais para que ele pensasse nas futilidades de seu corpo humano.  

Apesar dos pensamentos distantes demais, o arcanjo buscava manter ao menos concentrado na cidade e em cada nova movimentação que percebia. Ali no telhado da igreja, ele conseguia uma visão privilegiada de boa parte da cidade, não era o mesmo de estar no alto de uma montanha, mas a sensação era bem semelhante. Seus olhos azuis corriam pela cidade a se preparar para mais uma noite, ele avistou alguns carros da polícia a fazer sua ronda costumeira, a sirene a soar baixa e as luzes fortes a iluminar boa parte do caminho por um único segundo o distraíram e, ele logo parou de pensar no que aconteceu horas atrás. Pensou unicamente na cidade e em todos os habitantes, nas crianças, nos idosos... Em todos.  

Olhou para o céu, pôde ver algumas nuvens espalhadas. Pensou em seus irmãos e em seu Pai e no que eles estavam pensando dele naquele momento. Estariam todos decepcionados com ele? Irritados? Kambriel não sabia o que dizer, tão pouco o que pensar no que estaria sendo falado por eles, conseguia imaginar todos a cochichar sobre suas atitudes desde que descera, alguns talvez estariam mencionando suas falhas e acertos; os poucos que fizera. Suspirou.  

Estava cansado. Não humanamente, mas o seu verdadeiro eu, parecia dominado por um tipo inédito de exaustão que ele desconhecia até o momento. Desde que chegara à cidade ele não parou por um único momento, procurou por demônios, ajudou quem achou que precisava de ajuda, tentou salvar duas pessoas de um ataque — e infelizmente chegara tarde demais para ajudá-las — e também tentou caçar Lucius à sua maneira. Mesmo que soubesse que essa função estava sob responsabilidade de Eva, ele parecia não conseguir simplesmente deixar que ela cuidasse disso sozinha.  

Pensar em Alana ter sido possuída por Lucius e logo em seguida em vê-la ser arrastada para o inferno o fez sentir-se completamente impotente. E realmente era. Para Kambriel, era como se o pior de seus pesadelos enfim tivesse ganhado vida. Não era apenas o fato de não ter feito absolutamente nada para impedi-lo, mas também não tê-la protegido como prometeu que o faria. A cena de Alana desaparecendo bem diante de seus olhos era uma lembrança recente que ele fazia questão de reviver sempre que achava necessário, como um tapa em sua cara. Uma dor forte que precisava sentir para se lembrar de não deixar de agir.  

Permitiu que tal atrocidade acontecesse diante de seus olhos sem ao menos tentar impedir o demônio, recordar-se disso o enfureceu. Suas mãos se fecharam formando um punho firme e ele controlou-se para não quebrar uma parte do telhado. Respirou fundo, uma, duas, três vezes até sentir-se controlado o bastante para voltar a sua vigia. Seu corpo encontrava-se muito tenso, os ombros estavam arqueados e seus músculos mais firmes do que era normal, sua respiração também estava mais pesada e sua face... Ele não se olhou em nenhum reflexo desde que chegara, mas tinha certeza de que sua aparência naquele momento não era a mesma de sempre.  

A preocupação que o dominava transparecia em sua aparência, pensar no que estaria acontecendo com Alana trazia para seu corpo humano espasmos de um medo irracional de algo que sequer conseguia imaginar. Conhecia Lucius, não o temia, mas temia o tipo de mal que ele poderia estar fazendo contra Alana. Imaginá-la ferida, trouxe de volta uma decisão que deixou sumir em tantos outros pensamentos.  

Ele sabia que estaria quebrando uma das principais regras que regiam o Céu e o Inferno, não podia simplesmente descer até lá e tirá-la daquele lugar sem que começasse uma guerra entre os dois mundos. Apesar de sua denominação, Kambriel conhecia os próprios limites e, respeitava as hierarquias impostas. Não era o líder dos arcanjos, portanto não poderia simplesmente decidir ir até lá sem que sofresse duras consequências por sua escolha.  

— O seu problema, Kambriel é que se preocupa demais com algo mesmo quando não há necessidade alguma disso. — A voz de Lucius logo atrás dele fez com que seu corpo adquirisse uma postura de defesa e ele virou-se no mesmo instante. O demônio estava também no telhado, mantendo uma distância de um metro e meio do arcanjo, ele o encarava com um olhar divertido e leve.  

Kambriel nada fez, apesar de sentir um grande impulso em seu corpo a forçá-lo a agir, ele pensou que, se fizesse o que realmente pretendia, acabaria destruindo o telhado da igreja e não era isso o que ele queria. Claro que, isso seria completamente diferente se estivessem em solo.  

— O que está fazendo aqui? Cadê a Alana?! — Esbravejou as duas perguntas com fúria, seu tom grave e ríspido transpareceu sob a costumeira gentileza que já era parte de quem ele realmente era.  

Lucius por outro lado sequer se importou com seu tom ou com a atitude agressiva do arcanjo, seu rosto permaneceu com a mesma expressão divertida de antes, o que apenas irritou ainda mais o arcanjo.  

— Eu só vim te deixar a par da situação da sua querida humana — Respondeu dando com os ombros, sua voz soando neutra demais; despreocupada até. Como se não estivesse diante de alguém que não pensaria duas vezes em atacá-lo. — Acho que ela ficaria comovida em saber que está assim tão preocupado com ela, mas isso não é necessário. Vim apenas para dizer que ela está perfeitamente bem e segura.   

As palavras não o convenceram como Lucius parecia esperar, Kambriel por outro lado se manteve na mesma postura agressiva e rígida de antes, porém, seus olhos estavam mais centralizados na imagem do demônio mais à frente. Estava esperando por alguma deixa, por mais simples que fosse, para atacá-lo e o forçar a trazer Alana de volta a terra e, ele não queria nem pensar em como faria isso.  

— Traga-a de volta, Lucius! — Ordenou o arcanjo, avançando meio passo em direção ao homem, Lucius nem mesmo se moveu. A intimidação do rapaz parecia não o abalar ou deixá-lo preocupado o bastante para recuar. O demônio era já um homem formado em sua forma humana, por ser um dos primeiros a serem criados por seu Pai sua aparência era de uma pessoa realmente mais velha. Beirando aos quarenta anos. A idade humana também era transparecida em sua real aparência, na forma bestial por baixo daquela máscara pomposa e bela aos olhos humanos.  

Lucius caminhou em uma direção oposta, aproximando-se da beirada do telhado. O céu já fora dominado pela escuridão da noite e apenas a luz da lua iluminava aquele ponto específico da igreja, nenhum olho humano — por mais atento que estivesse — os veria ali em cima.  

— Ainda não. — Disse simplesmente, olhando em direção ao arcanjo muito rapidamente e voltando seu olhar para a escuridão da noite que os cercavam. — Alana está ocupada com assuntos familiares, sabe como são essas coisas, rever os pais, colocar a conversa em dia... 

— Jacob West não está no inferno, apenas a mãe dela. — Respondeu firme logo de imediato, o rapaz também se aproximando um pouco mais do demônio. Apesar de seu odor tão característico não o incomodar como incomodava os humanos — como a incomodava —, ele achou que seria mais prudente manter-se distante dele. Até porque, bem sabia que poderia perder o controle a qualquer momento se quisesse. — E a não ser que tenha sido louco o bastante para quebrar essa regra também, não tem como ela falar com o pai.  

Lucius o olhou novamente, dessa vez pareceu confuso e então soltou uma gargalhada alta o suficiente para que quem estivesse por perto o escutasse, por sorte não tinha nenhum humano ao redor pata ouvi-lo.  

— E por qual motivo eu levaria um pastorzinho para algo tão importante e único como a reunião de uma família? Jacob West não tem parte alguma nisso. — Kambriel viu o momento em que os lábios de Lucius se esticaram em um sorriso perverso, apesar do claro nojo que demonstrava em seu rosto ao mencionar o pastor, pai de Alana. Ele pensou a respeito de suas palavras, estranhando o uso delas, estranhando como o demônio se mostrava satisfeito e quase realizado por mencionar a família de Alana.  

— De qualquer forma, isso não é assunto seu, o que deve ser muito frustrante para um arcanjo como você que, está sempre procurando por alguma briga para se exibir estar aqui sem ter o que fazer para tirá-la do inferno. — Ele zombou. — Mas, falta de aviso não foi, você e Alana foram devidamente alertados de que estavas se metendo em assuntos que não eram do interesse de vocês.  

O lembrou e o arcanjo sabia que ele estava apenas jogando a culpa do que acontecera com Alana sobre si; o que era meia verdade. Kambriel estranhou a mudança tão repentina de assunto, principalmente ao falar sobre o pai de Alana e até mesmo ao mencioná-la na conversa.   

— Alana não tem nada a ver com isso! — Exclamou, levemente alterado. Sem que percebesse ele avançou mais um passo, o demônio, por outro lado, nem se moveu. — Eu a envolvi na minha missão, se quer aplicar seu castigo em alguém que seja em mim!  

— Ah Kambriel, está muito enganado! — O homem ergueu um dedo. — Alana é o elo principal de tudo isso, ou pelo menos uma boa parte disso e quanto a você, arcanjo, é claro que tem sua parte nisso, mas para outro momento. Nesse assunto, você não tem absolutamente nada a ver. Foi mandado até essa cidadezinha porque o Céu precisava mostrar um tipo de intervenção e nada mais que isso e olha, estou surpreso porque até agora o número de vidas apenas aumentou!  

Provocou. Seus olhos vermelhos estavam mais brilhantes nesse momento e seus lábios levemente esticados em um riso vitorioso. Mentalmente Kambriel contou até cem antes de tomar qualquer tipo de atitude, na verdade, ele sequer conseguiu chegar ao número cinco sem que sentisse uma onda forte de irritação lhe dominar. Aquela fúria não era apenas por ser Lucius o demônio por trás dos ataques ou por ele ter levado Alana, mas a provocação... Jogar a culpa das mortes sobre si, isso o mudou. Seu corpo já estava tenso antes mesmo daquela visita indesejada do demônio, porém ouvi-lo dizer que as mortes eram sua culpa deixou seu corpo ao ponto de explodir.  

— Não há motivo para que fique chateado, como eu disse, tanto Alana quanto você têm seus papéis nessa história — Tornou a falar, era torturante o modo zombeteiro com o qual Lucius discursava. — O papel dela é apenas mais importante que o seu. E você o cumprirá, do jeito que quero que faça!  

O rapaz nem mesmo conseguiu encontrar palavras para uma resposta e apesar da ausência de palavras, seu corpo ainda conseguia lembrar como reagir. Kambriel tirou de sua face a expressão tensa e deixou que a raiva lhe dominasse, seu rosto sempre perfeito não era mais o mesmo e os olhos azuis estavam escuros e raivosos. Suas costas formigaram e quando ele fez menção de soltar suas asas, Lucius se adiantou.  

— Oh, oh. — Disse, levantando a palma da mão em sua direção em um aviso. — Eu se fosse você pensaria duas vezes antes de tentar bancar o arcanjo guerreiro que é. Caso tenha se esquecido, eu estou com Alana no inferno e não pense que eu não seria capaz de feri-la, sabe muito bem que sou.  

A ameaça o fez parar logo de cara. Lucius pareceu saber bem como afetá-lo e bastou que ameaçasse ferir Alana para conseguir desestabiliza-lo por completo. Demorou muito para que seu corpo relaxasse o suficiente para que sua postura estivesse normal outra vez; isso fez um sorriso perverso brotar nos lábios do demônio. Dando-se como vencedor daquele embate. 

— Ainda vamos nos encontrar outra vez Kambriel, sei que está ansioso para me enfrentar porque é da sua natureza e saiba que eu também estou e muito. — Relevou, o brilho perverso e animado estava em seus olhos. — Mas isso vai acontecer no momento certo, na hora certa.  

A mão do rapaz fechou-se em um novo punho. Não era possível que um demônio poderia facilmente dominá-lo daquela maneira, temia e muito pela vida de Alana, isso era óbvio, mas deixaria que uma simples ameaça o fizesse recuar? Queria enfrentá-lo, mas se todas as vezes em que se encontrassem ele usasse Alana como meio para pará-lo antes mesmo que ele pudesse agir aonde chegaria? Vidas estavam sendo perdidas, as pessoas da cidade estavam assustadas e trancadas em suas casas, toda uma cidade estava sofrendo por causa dele... Não, isso tinha que ter um fim.  

— Chega. — A fala foi apenas um comentário baixo para si mesmo, Kambriel nem mesmo cogitou na consequência de seu ato ao avançar em Lucius e o empurrá-lo do telhado.  

O demônio caiu no gramado recém cortado como um gato, de pé e em uma postura firme e ereta. Arqueou uma sobrancelha ao assistir Kambriel descer também, o arcanjo sacudiu os ombros com um movimento rápido e suas asas rapidamente saltaram de suas costas, parte de seu brilho — ainda que fraco — incomodou os olhos avermelhados de Lucius. O homem riu e também sacudiu os ombros em um movimento mais simples e demorado, exibindo suas próprias asas também. Diferente das asas de Kambriel, as de Lucius eram escuras, não eram asas pretas nem pontiagudas como mostravam muitas imagens na internet. Era de um tom escuro de cinza e manchadas, muito se assemelhava a uma fumaça de alguma poluição causada pela raça humana. Eram largas e sem brilho, apenas continuam um tipo denso de escuridão que já vinha do demônio e de sua real aparência.  

— Ótimo, vamos brincar então!  

O arcanjo não pensou duas vezes em avançar até o demônio.  

 

●●

 

Contrariando a si mesma, Alana cedeu a algumas das gentilezas oferecidas de Lucius. Aceitou de bom grado o quarto que ele ofereceu para que ela passasse sua estadia, mas apenas por sentir-se cansada demais para qualquer tipo de implicância e também porque não estava confortável o bastante para retornar ao cômodo aonde despertou antes. Na verdade, aonde estava no momento não era menos perturbador do que o outro lugar, ali era apenas mais aceitável do que um lugar escuro e sufocante.  

Desde que fora levada para aquele quarto Alana se viu completamente sozinha, sua mãe não veio lhe visitar e apesar de ter não entender o motivo de sua decisão, uma outra parte dela agradecia por isso; até porque, o que iriam conversar? Para Alana a presença da mãe ainda era um fator muito estranho, ainda que existisse dentro de si a criança inconformada com seu desaparecimento repentino, seu lado adulto parecia recusar aquela presença; apesar de saber que o sumiço da mulher em sua vida não era sua culpa. Ela queria ter a chance de uma conversa com a mulher, contar os anos que ela perdera de seu crescimento, mas contar sobre a vida que ela tinha na terra parecia um grande ato de egoísmo de sua parte; em especial porque agora sabia que Lena nunca teria a chance de ter isso novamente.  

E diante disso, ela preferiu que a mãe não estivesse por perto, não iria dar a ela menções de uma vida que ela não tinha e jamais poderia ter. Fazer isso parecia o correto, bem, era isso o que ela acreditava.  

O longo tempo sozinha era o que ela precisava para pensar melhor em seus próximos passos. Tinha uma decisão importante para tomar e também tinha muito o que pensar sobre o que soube nas horas passadas. A que mais lhe atormentava era ter descoberto que Jacob West não era seu pai biológico, o homem que durante tantos anos sempre cuidou dela, praticamente teve grande influência na formação de seu caráter e a pessoa com quem ela compartilhou diversos momentos de sua vida. Pensar que parte de seu DNA vinha de Lucius, um demônio, causava em seu corpo náuseas e uma forte dor de cabeça.  

Sua mente não conseguia ver sentido naquilo. Demônios que procriavam com humanos... Sequer imaginava que isso era realmente possível, apesar de ter escutado histórias bizarras sobre aquele assunto, sabia que tudo o que ouviu antes eram apenas boas mentiras criadas pela imaginação fértil das pessoas. Se eles realmente soubessem a verdade, pensou em um suspiro pesado e tenso.  

Não estava realmente acreditando naquilo, talvez parte do que Lucius e sua mãe contara fosse verdade, como o fato de Jacob West não ser seu pai biológico, — até porque ela sempre percebeu que não existia qualquer tipo de semelhança com o homem — mas apenas isso. Não conseguia simplesmente engoliu as palavras de Lucius e aceitar que realmente era sua filha. Até porque não se via como sendo filha dele quando já o vira realmente.  

Se isso fosse mesmo verdade, o que ela realmente era? Um demônio como ele? Ainda humana como sua mãe? Ou um pouco de cada um deles? Aquela não seria sua real aparência?  

Alana levou as duas mãos para seu rosto e decidiu que afastaria todos aqueles pensamentos de sua mente durante um tempo, relembrou da proposta nada agradável que Lucius fizera antes, de parar os ataques em Grória contanto que ela ficasse no inferno com ele e sua mãe. West imediatamente teve seu corpo tomado por uma forte tensão, relembrar disso fez novamente seu coração voltar a bater mais acelerado. A simples possibilidade de passar uma eternidade naquele lugar não apenas a enjoava como também a assustava. Estaria mentindo se falasse que pensou em recusar, na verdade, existia uma grande porcentagem dela que cogitava aceitar, afinal iria livrar toda uma cidade de um caos causado por sua causa. Porém ao pensar em como seria depois que aceitasse aquele acordo muitas perguntas se formavam em sua mente, seria condenada como sua mãe? Poderia voltar para a terra quando bem quisesse? Dentre tantas outras que implicavam em fazê-la desistir da ideia tão absurda.  

Inquieta, ela remexeu-se na cama algumas vezes. Mesmo com o cansaço a lhe dominar o ambiente daquele quarto não favorecia em deixá-la relaxada e apesar do claro esforço em fazer com que aquele quarto parecesse com o seu, o cheiro forte de enxofre e a escuridão natural do lugar apenas a fazia recusar aquele lugar como recusava sua presença ali. Dentre tantas outras coisas.  

Um tipo de estrondo a assustou. Ela percebeu as quatro paredes daquele perturbador quarto estremecer muito levemente, alguns dos móveis sacudiram, mas não o bastante para cair, mais ao fundo o som se repetiu e foi como escutar um prédio ser demolido de longe. Aquele estranho barulho a preocupou, estava sozinha fazia muito tempo, ela não tinha uma noção muito exata do quanto, mas não deixou de temer o que aquilo poderia ser. Lembrou do que Eligus lhe dissera antes, que o inferno ficou muito agitado quando seu pai Jacob West desceu até ali de corpo e alma e então imaginou que poderia ser isso. Os demônios ansiosos e eufóricos com sua presença naquele lugar.  

E, em meio a tantos pensamentos e teorias fracas do que poderia significar aquele barulho, algo estranho aconteceu. A parede da frente daquele quarto escureceu, a mesma escuridão densa que dominava o inferno a preencheu de maneira assombrosa, tornando-se uma das tantas imagens que ela jamais conseguiria esquecer. Não demorou para que todas as outras paredes também fossem dominadas pela escuridão densa, deixando assim todo aquele quarto no mais completo breu. Alana levantou da cama assustada, olhando ao redor e percebendo que nem mesmo os feches de luz estavam presentes ali.  

— O que? — Olhou ao redor, sentindo-se perdida sobre o que deveria fazer. Correr? Ok, mas para onde exatamente? Não conseguia ver absolutamente nada ali, para onde iria sem ter uma direção?  

O estrondo se repetiu, agora mais alto e também mais perto dela. Alana travou o corpo no mesmo lugar onde estava, não se mexeu e também nem sentia forças para conseguir isso; ela apenas esperou.  

Uma pequena luz surgiu, estava fraca demais para chegar a iluminar alguma parte do quarto, mas ela conseguia percebê-la com muita facilidade. Essa mesma luz se movia em uma velocidade desumana, sumiu de seu campo de visão e quanto tornou a aparecer, pôde perceber uma figura se formar. De início ela não parecia fazer muito sentido, estava sempre se movendo e sumindo de seus olhos, mas então ela parou, como se estivesse suspensa no ar e então, pareceu ser lançada em sua direção.  

Em uma ação automática de auto defesa, Alana afastou-se e levou as duas mãos para o corpo em um sinal de proteção, porém nada lhe aconteceu. Ela ousou olhar novamente para a estranha figura na sua frente e viu que ela ganhara uma forma mais concreta e seus olhos se arregalaram ao ver que aquela luz que logo tornou-se uma imagem era das asas de Kambriel. Na verdade, era ele ali. O arcanjo parecia estar no chão e tentava se levantar, de início não parecia notá-la e sim olhava para frente, sua postura era de ataque e ela soube que tinha alguém com ele. Zarael, talvez? Não demorou para que a imagem de Lucius também se concretizasse em meio aquela escuridão. O sorriso perverso e sempre muito desdenhoso estava presente em seus lábios, ele também estava com suas asas expostas, mas a visão não era de algo belo como a que via vir do arcanjo, ela preferia esquecer aquela imagem.  

Ao vê-lo em um claro perigo, West avançou aos passos lentos e hesitantes e parou quando viu o rapaz se colocar de pé, as asas ainda brilhando, mas não tão forte. Alana fez menção de esticar a mão em sua direção, mas recusou quando viu Kambriel mover o rosto e olhar diretamente para ela, ao primeiro momento ela não estava achando que ele realmente estivesse a vendo, mas quando percebeu sua reação surpresa dominar o rosto, teve a certeza de que ele a via também.  

— Kam?... — Ela sussurrou seu nome em um tom ainda incerto, avançando a passos hesitantes em direção a ele. Kambriel reagiu, os olhos se abriram em surpresa e fúria, seu corpo pareceu ficar ainda maior do que ela estava acostumada a ver e suas asas se abriram por completo. Tomando conta de todo o seu campo de visão; encará-lo naquele estado trouxe um mínimo de paz a ela. Ainda que não totalmente. Os orbes azuis de seus olhos fixaram-se na figura feminina da humana, ele também a viu.  

Seu coração disparou ao constatar que o arcanjo também a enxergava, aquela possibilidade ainda que pequena demais, de ele tirá-la daquele lugar fez com que ela se visse mais aliviada.  

— Kambriel!  

— Alana!  

Os dois gritaram ao mesmo tempo, Alana nem mesmo cogitou a ideia de correr até ele, queria apenas que ele a levasse para longe daquele lugar horrível e perturbador e fazer aquele seu truque de anjo, nada mais que isso. Quando se deu conta estava correndo em direção a ele, diminuindo com rapidez a distância. Ele também correu até ela. Estavam ambos claramente ansiosos, animados e dispostos a quebrar aquela barreira invisível que os afastava. Contudo, no segundo em que se aproximaram do outro e seus dedos quase se tocaram, algo que ela não viu o que seria puxou Kambriel para trás.  

Para fora de seu campo de visão.  

— NÃO! — Gritou Alana aflita, não conseguindo fazer absolutamente nada do que assistir o arcanjo sumir diante de seus olhos e não retornar mais. — Não!... 

Ainda que ela não soubesse o que exatamente aconteceu ali, seu medo e sua frustração a dominaram tão rápido quanto a imagem de Kambriel desaparecendo da sua frente. Ela levou as duas mãos para a face outra vez, sentia as duas trêmulas e ansiosas, teria simplesmente perdido a chance de sair daquele lugar? O que teria acontecido com ele? Estava bem? Estava vivo?  

A jovem então começou a recuar sem entender, afastando-se da parede até cair para trás por causa da cama. Tremendo da cabeça aos pés.  

Ela ficou ali mesmo, olhando para as quatro paredes daquele quarto tenebroso e asqueroso até que eles voltassem a ser como antes. Alana West não tinha percebido o quão ansiosa ela estava para ser salva do inferno até ver Kambriel ali junto a pequena possibilidade de ir embora e, ao se dar conta de que as duas coisas simplesmente escaparam de suas mãos fácil daquela maneira, aquela mesma aflição lhe dominou. 

Suas mãos tremeram bem mais e sentia que poderia rasgar sua garganta de tanto que queria gritar, vê-lo fez com que muitas coisas se alterassem em seus todos os seus pensamentos, olhá-lo sendo atacado por Lucius e então ele a olhar de volta logo em seguida fez algo dentro de si despertar com força total. Medo. Um tipo estranho de medo que ela apenas sentiu e sentia quando Lucius tentou levá-la na primeira vez. Nesse momento, novos caminhos pareceram se estender à sua frente, muitos deles traziam resultados terrível — como as imagens que ela viu quando o demônio a tocou — e apenas um possuía um resultado mais agradável. O mesmo caminho que viu se estender antes quando cogitou aceitar a proposta de Lucius.  

Novamente seus pensamentos a fizeram pensar a respeito de como o tempo corria no inferno, Alana não fazia nem ideia do tempo em que ficou naquela mesma posição, os olhos fixos na parede e tão pouco percebeu quando Lucius entrou. A presença do demônio não era algo muito difícil de distinguir e mesmo que ela odiasse a maneira como se sentia quando ele estava por perto, aquele momento tão breve de distração pareceu conveniente para que ele se aproximasse dela sem que houvesse uma recusa imediata. O homem ousou até sentar ao seu lado e só então ela notou que ele já estava no quarto.  

— Eu realmente sinto muito por você ter visto aquilo, mas foi algo que precisei fazer com ele, minha filha. — A voz suave e gentil do demônio soava próximo demais dela, Alana bem sabia que ele estava bem ao seu lado e tê-lo assim tão perto trouxe de volta lembranças de seus pesadelos; de como o via em todos eles.  

Bastou para que ela se afastasse dele e se colocasse de pé em um movimento bruto e rápido, não cairia naquele teatrinho de bom demônio. Não quando ele a trouxe para o inferno contra sua vontade.  

— Não me chame de filha! — Exigiu com pressa, as palavras ainda que poucas saindo de seus lábios de maneira ríspida. Alana então afastou-se ainda mais dele, de sua presença, evitando senti-la apesar de estarem no mesmo ambiente. — O que você fez com ele? 

— Eu? — Questionou com forte ironia, apontando o próprio dedo indicador para si mesmo. — Eu não fiz absolutamente nada, quero dizer, não fiz nada além do que ele merecia que eu fizesse.  

O que teve como resposta não a agradou e, ao pensar naquela possibilidade agora real do que poderia ter acontecido com Kambriel, dele realmente ferido, fez seu sangue ferver.  

— Feriu ele? 

— Não, mas tenha em mente que aquele anjinho teimoso e metidinho a briguento bem que merecia. — A última frase veio carregada de ódio, até mesmo ao mencionar Kambriel como ele sendo um simples anjinho era um sentimento muito parecido com o ódio que Eva tinha por Baltazar; claro que, o que acabara de presenciar era algo mais palpável e consistente.  

Uma verdadeira rivalidade entre um arcanjo e um demônio em suas reais naturezas.  

Fez-se um silêncio entre eles, Alana mantinha os olhos fixos no demônio sentado à cama e ele mantinha seu olhar fixo na moça. Ela esperou que ele em algum momento percebesse que sua presença dentro daquele quarto era indesejada — assim como sua estadia no inferno — e que resolvesse sair, porém isso não aconteceu. Lucius sabia que a jovem tinha muitas perguntas para fazer, não apenas sobre o que acabara de acontecer, mas muitas outras que envolviam tudo o que houve até aquele momento. Mas ela não as faria, não quando seu único desejo era ir embora daquele lugar. Dane-se suas dúvidas, convivera com elas nos últimos meses, o que mudaria continuar com elas pelo resto de sua vida? 

— Eu quero falar com ele. — Aquilo não foi um pedido e Alana percebeu que estava contrariando muito a si mesma desde que chegara. Imaginou que conversar com Lucius traria respostas e que com isso se aliviaria de um peso, mas estava enganada. No momento recebera duas respostas para algumas das centenas de dúvidas que tinha guardadas e não gostara nada do que ganhou. Imaginou que, as outras respostas seriam iguais e por isso decidiu que evitaria aquelas perguntas. — Posso concordar em ficar aqui no inferno com você, mas eu quero poder falar com Kambriel antes.  

O homem arqueou uma sobrancelha, seus olhos correram pela imagem da moça desde o topo de sua cabeça até a ponta de seus pés; ele a estava analisando e, diante de sua expressão, pareceu não gostar do que tenha visto.  

— Não é assim que as coisas funcionam, minha filha. — Respondeu, ele dera uma ênfase maior para a última frase; sabendo que isso a irritaria. — Existem regras e... 

— Regras? — Questionou irônica. — Você não liga muito para elas, já que quebrou uma ao me trazer até aqui.  

Alana cruzou os braços contra o corpo, apertando-os forte.  

— É verdade — Ele concordou com um aceno leve com a cabeça. — Mas o que entende sobre as regras daqui? Até onde sei, esse — ele gesticulou para o lugar a sua volta. — Nunca foi o seu mundo. 

Ele semicerrou os olhos com malícia, mas não chegava a ser um olhar maldoso ou que causasse nela algum tipo de desconforto; ele a estava provocando. 

— Entendo o suficiente para saber que você quebrou uma regra importante ao me trazer para o inferno e que têm quebrado muitas delas ao espalhar esse caos em Grória. — West começou a falar, recordando-se com facilidade de tudo o que escutou de Kambriel e Eva durante aqueles meses.  

Ela se surpreendeu por seu tom de voz soar tão firme naquele momento e, Lucius pareceu gostar disso também, pois seus olhos brilharam ao vê-la falar daquela maneira. Orgulho? Entusiasmo? Ela não sabia exatamente, mas esse brilho não lhe agradou. 

— Enfim, quando eu vou poder falar com ele? Com Kambriel? — Ela ousou em perguntar outra vez, apesar de temer ter uma resposta negativa.  

O rosto de Lucius adquiriu uma expressão neutra, ainda que fosse claramente possível perceber em seu olhar o descontentamento em ouvir a repetição de seu pedido, ele pareceu se esforçar demais para manter em sua face aquela expressão calma. O demônio parecia pensar enquanto tamborilava os dedos no colchão da cama aonde estava sentado.  

— O que tanto quer falar com ele? — Perguntou com tédio e curiosidade ao mesmo tempo. Alana demorou para responder, até porque ela tinha muito para falar com Kambriel, porém seu silêncio pareceu ter outro significado para o demônio. — Ah, acho que entendi.  

A face do demônio se modificou muito rápido para um tipo de zombaria, os lábios se curvaram tanto que seu sorriso pareceu estar completamente deformado e algo descaracterizado de seu rosto.  

Já a face de Alana ganhou uma expressão confusa, ela tentou ler o que estaria se passando na mente perturbada dele através de suas feições, mas tudo o que conseguiu identificar foi a clara zombaria estampada em seu rosto.  

— Infelizmente não posso permitir isso. — Alegou, seu tom ainda muito despreocupado. 

Alana piscou e engoliu em seco, sentiu algo pesar o corpo.  

— Não pode me privar disso! Você não tem nenhum direito sobre mim! — Exclamou, avançando sem perceber dois passos em direção a ele. — Eu quero falar com Kambriel!  

As últimas palavras saíram de seus lábios em uma firmeza que espantou até ela, Lucius arqueou as duas sobrancelhas e aquele sorriso deformado retornou aos lábios.  

— Querer alguma coisa é muito diferente de poder ter esse algo — Disse ele com calma. — E aqui, sou eu quem dita as regras e, se eu falar que você não vai falar com seu anjinho você não vai!  

Lucius vociferou tão ríspido que o corpo da moça tremeu, seu tom e sua face mudaram muito rapidamente para algo assustador. West o encarou chocada, os lábios tremelicando levemente. 

— Não, não é. — Ela murmurou para si mesmo, desviando a atenção de seus olhos. Ela sabia que Lucius podia ser o segundo ali no inferno, porém existia uma ordem para tudo; uma hierarquia. Ele era um líder, mas não o maior.  

— O que disse!? — A questionou, levantando-se da cama em um salto. Lançando em sua direção um olhar mortal; ele a escutou.  

Lentamente, Alana West voltou seus olhos para o demônio a encará-la como se estivesse disposto a matá-la a qualquer instante. Ela ergueu o queixo, recuperou a compostura e fez o que não deveria fazer.  

— Você não é o maior daqui eu sei de hierarquias e como funcionam e, meu pai me ensinou muito bem, eu sei que você não é o maioral daqui e que tem alguém bem mais forte do que um demoniozinho no comando daqui. Pode ter poder, mas está se equivocando em dizer que é quem dita as regras aqui quando nós dois aqui sabemos que isso não é bem verdade. — Ela retrucou com coragem surpreendente, mantendo o queixo erguido.  

Devagar Lucius começou a se aproximar de Alana, ao passo que ela recuava isso parecia motivá-lo a continuar se aproximando até que ela estivesse completamente encurralada. Parecia até um clichê ridículo quando constatou que a aparece aonde encostou o corpo; estava no inferno isso era normal.  

— Você não vai falar com ele e nem com ninguém até que eu ache que deva — Ditou, de início ela imaginou que ele a ameaçaria, mas nada disso aconteceu. — Vim até aqui para que pudéssemos conversar melhor, mas vejo que ainda está agitada, por sorte sou muito paciente. Por sorte o que mais tem aqui é tempo, então o use para pensar melhor em tudo e faça isso sem pressa.  

Dizendo isso ele começou a se afastar, caminhado em direção a parede de frente. Alana mordeu o lábio inferior com força e fechou as mãos em punhos firmes, ela entendera a fala do homem demônio e simplesmente foi dominada por uma sensação estranha de estar sendo oficialmente presa ali.  

— Você não pode me deixar aqui! — Alana gritou outra vez, fazendo-o parar de andar. O demônio virou-se em sua direção e a olhou, mas não lhe deu muita atenção. — Você vai me levar de volta para a terra!  

Alana pensou que teria de bater o pé para que ele entendesse o que ela queria, como uma criança mimada que bastasse fazer birra para conseguir realizar suas vontades.  

— Alana, querida filha. — Ele abriu um sorriso simples ao mencioná-la como filha; isso causou uma grande náusea. — Que fique claro que eu não tenho a intenção de levá-la para a terra, Kambriel seu anjinho não pode vir resgatá-la sem começar uma guerra e eu estou contando que ele tente! — Ele fez uma pausa longa, abriu um largo sorriso que a preocupou antes de voltar a falar. — E até que ele entre no meu joguinho, você permanecerá aqui. Goste disso ou não!  


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Notas finais do capítulo

~Não gente, Kambriel não percebeu que Lucius deu super na cara sobre o assunto paternidade da Alana, o que até faz sentindo porque o arcanjo está todo doido de preocupação com ela né.

~Lena já planejou o que fazer, a gente vai ficar sabendo disso nos outros capítulos, mas o que posso adiantar é: É algo grande e o ponta pé para o final.

~Alana bocuda enfrentou Lucius e ainda chamou ele de segundo... Mentir ela não mentiu, não é mesmo?

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