Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 29
Capítulo XXVIII


Notas iniciais do capítulo

Oie! Sim, voltei mais cedo e antes mesmo do que eu tinha planejado, mas a verdade é que eu já tenho todos os capítulos prontos e não vou ficar enrolando nas postagens. Além do mais, não há necessidade disso.

Pois bem, o capítulo de hoje vai ser todo no ponto de vista do Kambriel e vai ter dois acontecimentos “chaves” pra história; um deles um ponto importante onde vamos entrar no caminho das respostas e outro um pouco menos importante, mas que marca um dos personagens e o que será dele no final da história. Boa Leitura!!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/789063/chapter/29

CAPÍTULO XXVIII

Kambriel nunca tivera uma noite tão boa como aquela. Desde que chegara à terra não tivera uma noite de sono como aquela e acordar para a sua atual realidade mostrou-se um grande problema, pois, se ele pudesse, continuaria dormindo por mais tempo. Seus olhos se abriram com grande dificuldade, a luz da manhã invadia o quarto com certa violência fazendo com que o pequeno cômodo fosse completamente iluminado pela luz natural. Demorou para que ele estivesse totalmente acostumado com a claridade e quando se viu pronto, sentiu o corpo responder, recusando-se a despertar de vez. Ele bocejou — uma ação esquisita da qual não se acostumara ainda —, levou a mão para o rosto e começou a afastar a sonolência que parecia relutar em deixá-lo, se ele realmente pudesse dormir por mais tempo não hesitaria em tomar tal decisão, mas sua responsabilidade gritava em sua mente; o trazendo de volta.

Ele fora surpreendido pela ótima noite de sono, seu corpo encontrava-se mais leve e totalmente recuperado; conseguia sentir com facilidade suas forças correr por cada músculo existente o renovando. Kambriel só percebera que o esforço que fizera no dia anterior o tinha esgotado bem mais do que o esperado naquele mesmo momento; ao acordar e perceber esse renovo correr em si.

O arcanjo fez menção de se levantar e parou imediatamente quando sentiu o segundo corpo finalmente pesar sobre o seu, Alana ainda dormia profundamente, encolhida a agarrada a sua blusa como se isso fosse impedi-lo de sair de perto dela. Ela não sabia, mas Kambriel nem tinha forças para isso.

Ele permaneceu imóvel na cama, observando-a dormir. O rosto não era tomado por tensão ou algum tipo de temor, estava em uma expressão neutra e leve, assim como sua respiração; ele entendeu que ela estava sonhando e não sendo atormentada por pesadelos. Houve um pensamento de ele se mover e sair da cama e ele realmente cogitou tal ideia, mas se Eva não viera até o quarto para apressá-los então era um sinal de que ainda tinham tempo. Decidiu manter-se ali, ao lado de Alana.

Aquele tempo o fez repensar em muitas coisas. Nos últimos acontecimentos que o trouxeram até aquele momento em especial, pensativo começou a ligar alguns pontos que julgou serem importantes para a estranha trama na qual passou a ter um papel recorrente. Baltazar fora certeiro ao mencionar os pais de Alana, em especial a mãe que, estava no inferno por uma razão desconhecida. Alana também contara que era Lucius quem ela via em seus pesadelos, mais especificamente sua real face.

Ela é minha. Relembrou do que ele lhe dissera antes de tentar levá-la.

— Por que eles querem tanto você, Alana? — Murmurou a pergunta enquanto a olhava, buscando na humana qualquer sinal que pudesse dar a ele a resposta para a questão que, passou a dominar sua mente.

Ele não queria soar ofensivo, mas por que um demônio como Lucius se esforçaria tanto para uma humana? Alana era diferente do pai, não era centrada na palavra e nem em religiões, não se envolvia com tais assuntos até conhecê-lo — Kambriel sabia que tinha uma centelha de culpa nisso, aceitou envolver Alana naquela missão — e, se ele não tivesse cruzado com seu caminho, ela seria apenas mais uma vítima dos ataques em Grória; um número a mais. Ele estremeceu com o pensamento e pensou em novas possibilidades. No que teria acontecido se ela não tivesse se livrado do ataque — algo que ela nunca lhe contou exatamente — e no que teria acontecido se seus caminhos não tivessem se cruzado no primeiro dia em terra?

Sua mente começou a traçar linhas mais firmes de pensamentos, ele relembrou que só envolveria um humano em sua missão porque achava que ele iria ajudá-lo, mas não era apenas isso, muitas situações pareciam girar em torno da vida de Alana. Logo em seu primeiro encontro com Zarael descobrira o interesse do inferno na humana e que eles — demônios — estavam observando-a e depois disso, o ataque da senhora Glesser fora direcionado a Alana.

Você! Lembrou da voz do demônio ao vê-la, ele nem se mostrou surpreso ou assustado com a presença de Alana, apenas tomado por uma fúria incomum e então tentou atacá-la. Religar os pontos de seus dias em terra fora fácil e surpreendente ao mesmo tempo e ter feito isso logo que acordara acabou por se mostrar bem mais eficaz do que era esperado. Kambriel colocou-se de pé rápido, ainda tomando cuidado para não acordar Alana e nem mesmo fazer qualquer tipo de barulho. Saiu do quarto e foi direto para o quarto ao lado, aonde Eva estava.

Bateu uma, duas, três vezes até ouvir a movimentação do lado de dentro. Após dois minutos a mulher o atendeu, olhando-o com irritação e ainda com sono; a acordou. A imagem de Eva com o cabelo meio desgrenhado, o rosto inchado e os olhos levemente fechados eram o indício de que, ainda era cedo demais para que retomassem a viagem de volta para Grória.

— O que quer? — Perguntou ela impaciente e irritada, bocejando logo em seguida.

— Precisamos conversa e isso tem que acontecer antes que Alana acorde. — A voz do rapaz estava carregada de um tipo incomum de impaciência e aquilo pareceu chamar a atenção da mulher demônio. — É importante.

Mesmo que estivesse clara a sua recusa pelo horário, Eva abriu mais a porta do quarto e deu espaço para que ele pudesse entrar, ao adentrar o interior do pequeno quarto notou que ele não era muito diferente do que dividiu com Alana, aquele, porém, parecia até mesmo um pouco menor que o deles. Os segundos que levou para que a mulher fechasse a porta e se virasse para ele, foram o suficiente para que o arcanjo conseguisse reorganizar todos os pensamentos anteriores, sabendo exatamente o que iria contar para ela.

— Pois bem, já que me acordou, comece a falar. — Pediu Eva, cruzando os braços ao olhá-lo, parada em frente a porta.

— Estive pensando sobre o que houve ontem e tudo o que vem acontecendo desde que desci à terra. — Ele começou a falar, conseguindo o feito surpreendente de manter seu tom calmo, apesar da urgência em seus pensamentos e no que pensara momentos atrás. — Já sabemos que é Lucius por trás dos ataques e passamos horas discutindo sobre isso, sobre o motivo e o que ele fez..., Mas eu acho que por mais insano que isso possa parecer, acho que Alana é motivo de ele estar atacando Grória.

Kambriel fez uma pausa em sua fala, percebendo a expressão de Eva se modificar em seu rosto ainda sonolento. O que antes era apenas uma irritação por ter sido acordada era agora um tipo óbvio de curiosidade, havia sim um leve desdém, mas a fala do rapaz despertou nela a curiosidade sobre o ponto que ele queria chegar.

— Antes que comece a falar, apenas pense comigo, — O arcanjo começou a gesticular com as mãos, deixando a urgência de seus pensamentos se transparecer nos movimentos que fazia com as mãos. — Antes de Lucius tentar levá-la ele me disse “Ela é minha” então pensei em tudo o que houve antes de tudo isso, no dia em que desci. Me encontrei com Zarael e ele contou que estava de olho nela, não só ele, mas que tinham demônios observando-a, o segundo ataque que ela sofreu o demônio tentou avançar nela e Alana como se quisesse pegá-la e não feri-la, contou que é Lucius em seus pesadelos... Acho que tudo isso está ligado a ela de alguma forma.

A mulher coçou sua cabeça, parecia pensar em algo. Ele surpreendeu-se por ver que a mulher não esboçou a reação costumeira ao ouvir o nome de Baltazar ou talvez estivesse sonolenta demais para isso, de qualquer forma, Eva aparentava estar mais concentrada no que ouviu do que em se irritar com um demônio.

— Isso... — A mulher se interrompeu, como se não soubesse por onde deveria começar. — Eu não quero parecer ofensiva nem nada disso, mas por que ele iria querer alguém como ela? Sem ofensa, mas Alana é apenas mais uma humana que se envolveu em assuntos do mundo espiritual, não tem nada de especial que atraia um demônio como ele.

Kambriel assentiu. Ele havia pensado na mesma questão antes, claro que, em seu pensamento ele não concordava totalmente com a mulher; ela poderia sim ser apenas mais uma humana em meio a um mundo cheio deles, mas tinha algo de especial.

— Nós o conhecemos bem, sabemos que um demônio como Lucius não iria se interessar por ela e por ninguém se não houvesse uma razão para tal, se não houvesse nela algo que o atraia! — Argumentou mais firme, aos poucos percebeu que estava mais centrado e certo de sua própria teoria. Ele avançou meio passo, encurtando a distância existente entre ele e a demônio, mas ainda sim manteve-se longe dela. — Ele não é um demônio qualquer, sabemos bem disso e não é do tipo que faria tudo o que está fazendo para pegá-la apenas para me provocar ou matá-la no final. Sei que isso pode soar como algo clichê ou algo fora do nosso comum, mas acredito que Alana tenha sim uma importância para ele. Por isso esses ataques, por isso essa tentativa de arrastá-la para o inferno... Ela tem ligação com tudo o que acontece!

Eva levou as duas mãos para seus lábios como se estivesse fazendo um tipo de prece e ficou daquele jeito durante muito tempo, pensando nas palavras aceleradas e ansiosas de Kambriel com muito cuidado. Ele bem sabia que era arriscado contar a ela seus pensamentos e para ele, parte daquela teoria não fazia muito sentido para ele, porém era impossível ignorar o fato de que havia algo que ligava Alana ao demônio e ao caos que ele estava causando na cidade.

— Kam... — A mulher o chamou, começou a andar pelo quarto, mantendo-se distante dele por enquanto. — Eu sei que se preocupa com ela, percebi isso desde que nos encontramos, mas não acha que esteja exagerando um pouco?

Uma pausa.

— Pense melhor no que acabou de me contar, no que criou em sua mente — A mulher fez menção de se aproximar, mas pareceu mudar de ideia no mesmo segundo. — Sim, Lucius está causando todos esses ataques a Grória por alguma razão, domínio ou apenas querer causar uma guerra entre Céu e Inferno, mas eu não... Eu não consigo ver como Alana pode estar envolvida nisso sem que associe que o pai dela era um pastor. Não acha que seja por isso?

O cenho de Kambriel se franziu imediatamente e ela prosseguiu com sua fala.

— Pastores são servos de seu Pai, querendo ou não Jacob West se tornou um tipo de inimigo para os demônios quando decidiu servi-lo e pregar Seu nome e mesmo que Alana não esteja seguindo os passos dele, isso a torna um alvo também por causa de quem ele era e do que fazia em vida. — Disse, sua voz era calma, quase podia-se dizer que existia um tom compreensivo nela, porém Kambriel percebia que a descrença se sobressaía ali. — Quem Jacob West era passa a ser herança dela também.

— Eva, por que Lucius faria esse tipo de ataque em uma cidade como Grória? É uma cidade pequena, escondida pelo país... Eu sei como ele pensa e você também e, honestamente, não consigo imaginar um motivo que explique sua motivação para que ele queira acabar com uma cidade pequena! — O arcanjo voltou a falar, estava tão certo em suas palavras que nem mesmo se dava conta de como começou a agir ao dizê-las. — Ele sempre pensou bem mais acima do que ele, você sabe disso melhor do que eu. Lucius sempre quis tudo o que o mundo pode oferecer, porque fazer isso em uma cidade com menos de quinze mil habitantes!? Ele tem o país inteiro para isso, mas escolheu Grória? Não acha estranho?

Novamente o rosto de Eva foi acometido por uma expressão pensativa, mas isso não durou mais do que alguns segundos. Logo, ela estava com ambas as mãos em sua face, soltando um suspiro alto e exausto, seus olhos rapidamente se voltaram na direção do arcanjo que, ela passou a encarar como se tudo o que ele estivesse falando naquele momento não passava de palavras sem sentido e, por um segundo, ele realmente cogitou que ela estivesse certa sobre isso. Mas sua mente trouxe de volta suas razões e seu conhecimento em seus irmãos. Especialmente em Lucius.

Antes da revolta de Lúcifer, antes da terça parte dos anjos serem expulsos do Céu, Kambriel conhecia o demônio apenas como seu irmão. Um Querubim, mensageiro de seu Pai. Lucius foi o primeiro que foi influenciado por Lúcifer e o primeiro a concordar com sua rebeldia e apoiá-la também, fora ele quem convencera os demais até montar um tipo de exército contra seu Pai, o que fez com que ele se tornasse o segundo no comando do inferno, ou como eles mesmos se denominaram depois de expulsos: Rei e Príncipe do submundo. Era essa a ganância que movia Lucius, o desejo de sempre conseguir mais e mais e era isso o que fazia com que Kambriel relutasse em aceitar que ele, um demônio como Lucius se interessasse em causar caos em uma cidade pequena.

— Sei que está achando que estou exagerando, mas eu não estou! — Firmou sua fala, olhando para a mulher com intensidade. — Estive pensando sobre tudo o que aconteceu, cada mínimo detalhe e não consigo parar de pensar em algum motivo para que o inferno, Lucius, esteja tão interessado assim em Alana. Só pense por um momento, nele e em tudo o que aconteceu até agora, faz muito sentido.

Eva assentiu muito lentamente e realmente se dispôs a pensar nas palavras de Kambriel e ele fez questão de encará-la durante esse tempo, a observou mudar suas expressões várias vezes, andar de um lado para o outro, olhá-lo como se ele fosse um completo lunático e talvez ele estivesse mesmo sendo, mas não iria negar que, o que pensou fazia sentido. Ao menos para ele. O arcanjo pensou em revelar mais um motivo para seus pensamentos, a questão da mãe de Alana estar no inferno, ele realmente cogitou contar isso para Eva e talvez encontraria alguma coisa que pudesse usar como resposta para Alana, porém lembrou-se que, se nem mesmo ele soubera sobre isso antes, porque ele deveria contar a Eva?

Decidiu não dizer nada a respeito, se ela quisesse contar para a mulher sobre isso, ela tomaria essa decisão sozinha.

Como acontecera antes, a demônio parou na sua frente mais uma vez, tinha os dois braços cruzados contra seu corpo e em seu rosto a expressão usada era muito firme e indescritível para ele, seus olhos sempre atentos e espertos o encaravam com um tipo discreto de fúria. Eva logo assentiu.

— Digamos que acredito em você, o que pretende fazer agora? Vai invocar Lucius com um pentagrama e confrontá-lo? — Questionou com certa ironia em sua voz, ainda que não parecesse, ela havia cedido.

Como resposta Kambriel soltou um muxoxo desdenhoso, a ideia era tão absurda que não parecia fazer muito sentido.

— Claro que não, — Balançou a cabeça em um movimento rápido. — Mas honestamente, eu não pensei no que fazer ainda, saber que é Lucius por trás disso ao mesmo tempo que ajudou e muito também parece não ter mudado absolutamente nada a respeito. Para resolver esse assunto preciso primeiro encontrá-lo...

— E não pode fazer isso, porque ele está no inferno. — Eva completou a fala do rapaz antes de ele fazer isso. Arqueou uma sobrancelha e torceu os lábios num bico leve, estava pensando novamente. — Vamos então começar pelo mais simples, retornamos para Grória e, eu e você procuramos por qualquer demônio, dependendo de como a situação naquela cidade estiver, acho que será uma busca até fácil, encontramos esse demônio e ele nos leva até Lucius, vocês conversam e ele conta o motivo de ele querer tanto Alana. Você faz o que veio fazer aqui e pronto, fim do problema.

A verdade era que apesar do plano de Eva — se é que poderia chamar aquilo de plano — ser muito direto, não era algo fácil e, ao pensar em como Grória estaria depois de três dias longe da cidade fez com que um temor corresse por seu corpo, imaginava e temia que mais vidas tivessem sido perdidas. Mas também agradecia pela mulher, não negaria e nem mesmo se sentiria envergonhado por admitir que ela quem o estava direcionando ao caminho certo. Foi fácil direcionar todos seus pensamentos para os próximos passos, rapidamente conseguiu traçar um tipo de linha temporal do que teria de ser feito e, se fosse rápido o suficiente, conseguiria resolver tudo em poucos dias e teria tempo para ajudar Alana com a questão de sua mãe estar no inferno.

— Bem, vamos aprontar nossas coisas para voltar, ainda temos muito caminho pela frente e não temos muito tempo — Eva cortou seus pensamentos, de repente ela parecia apressada demais para deixar aquele lugar.

E Kambriel também estava.

 

●●●

 

Sabendo parcialmente o que deveria fazer, Kambriel retornou às pressas para o quarto onde Alana dormia, apesar de ainda ser cedo a acordaria para que pudessem retornar a viagem de volta para Grória, até porque estavam ficando sem tempo para resolver aquele problema. Era esperado que a humana ainda estivesse dormindo e, quando abriu a porta do quarto e entrou ficou surpreso por vê-la já de pé.

Constatou que assim perderiam menos tempo para que se aprontassem e deixassem o hotel barato.

— Que bom que já acordou. — Ele quando entrou,, fechando a porta logo em seguida. Alana estava de pé ao lado da cama e de costas para ele, seu corpo estava direcionado para a janela, ela não se moveu ao ouvi-lo. — Alana.

Seu cenho se franziu e ele deu alguns passos para mais perto, contudo parou quando uma súbita onda de ansiedade lhe dominou muito rápido. Suas costas formigaram e houve uma tensão em seu corpo que o tornou mais rijo, havia algo de errado e Kambriel não precisava ser um arcanjo para conseguir perceber isso. Seus olhos se fixaram na figura imóvel de Alana, ela estava calada, apenas se movia conforme respirava.

— Alana. — A chamou pela segunda vez, percebendo que sua voz saíra em um tom diferente do comum, não era preocupação ou nervosismo, na verdade, ele não conseguiu identificar aquele tom, apenas o estranhou por ouvir a si mesmo usá-lo com ela.

Lentamente ela começou a se virar, de início ele sentiu-se um tanto aliviado, mas aquela sensação o abandonou no segundo em que seus olhos encararam o rosto humano da moça, a tensão de antes o dominou mais rápido, suas costas agora pareciam doer devido a sensação de formigamento que corria por elas. A face de West não era a mesma de antes, existia ainda sim, as feições humanas de sempre, porém, a pele morena de seu rosto, pescoço e braços, estavam com veias escuras visíveis, como se estivesse com alguma infecção que crescia em seu corpo a cada segundo.

Os olhos castanhos estavam negros e opacos, e o encaravam com neutralidade, mas estava claro que não existia qualquer sinal de vida neles; era como encarar um cadáver. A boca estava seca e levemente rachada, pálida até, como se fizesse muito tempo que não bebia água. Kambriel abriu a própria boca várias vezes antes de reagir, mas fechou uma última vez quando finalmente entendeu o que estava acontecendo com ela.

— Não... — Murmurou em um tom claro de lamento, perdido sobre o que deveria fazer naquele momento. Atacar? Como faria isso sem que a ferisse? Como não estava sentindo o cheiro de enxofre quando o demônio a possuiu? Como ele não notou isso antes mesmo de entrar no quarto? Ou até antes disso?

Alana — ou melhor, o demônio em seu corpo — inclinou a cabeça para o lado, olhando-o com estranha curiosidade, deu apenas dois passos para o lado, saindo de perto da cama enquanto o arcanjo seguia a cena com os olhos. Ainda pensando no que fazer e como o faria sem que a ferisse.

— Eu falei para você, não falei, arcanjo? — A voz que saiu por entre os lábios de Alana era algo monstruoso, era uma mistura assustadora de um rosnado com a voz doce e feminina da humana. Aquele tom, era diferente de como um demônio que possuía corpos humanos falava, Kambriel reconheceu aquela voz, apesar de perceber melhor o tom de Alana, ele soube imediatamente quem estava falando com ele. Lucius. — Ela é minha.

Foi o tempo de Kambriel fechar o punho e ouvir as mesmas palavras ditas por Lucius  ressoar em sua mente mais uma vez, um terror correu por seu corpo e o formigamento de suas costas aumentou, tornando-se algo quase insuportável de ser suportado por seu corpo. O arcanjo sentiu o chão logo abaixo de seus pés tremer e ele não soube dizer se era por causa do tremor de seu corpo ou se era algo que Lucius estava fazendo. Enquanto sua mente parecia lutar contra a grande hesitação em atacar e tirar Lucius do corpo dela, o rapaz viu quando os lábios não mais humanos lentamente se esticaram até formar um sorriso terrível e jamais esquecido. A imagem do rosto de Alana desfigurado e seus lábios esticados daquela maneira seria uma das piores lembranças de Kambriel em terra.

— Não... — O arcanjo nem mesmo teve tempo de pronunciar a frase completa, ao perder o controle por um único segundo e deixar que a fúria lhe dominasse, ele já estava avançando na direção dela, afinal, seria sua responsabilidade se permitisse que Alana fosse possuída por Lucius, o que aconteceria com ela depois seria um peso que cairia por seus ombros.

Kambriel nem mesmo percebeu quando foi que se lançou em direção a ela, porém, sua mente retornou bruscamente a sua realidade quando a mão humana dela o segurou pelo pescoço com força, ultrapassando a linha tênue entre o que seria ainda sua parte humana e o que seria Lucius a comandá-la. Ficou claro quem tinha a força maior e, infelizmente não era West. O aperto em seu pescoço o deixou sufocado durante poucos segundos, a facilidade demonstrada em ele apenas pará-lo antes de um ataque e o segurá-lo ao ponto de erguê-lo do chão o preocupou demais. A possessão era ainda mais forte e pior do que ele pensou que seria. 

— Alana e eu temos muito o que conversa, então não nos atrapalhe! — Lucius grunhiu alto, o rosto humano de West cada vez mais desfigurado pela possessão.

— Se tocar nela...

— O que vai fazer? — Questionou com claro deboche ao interrompê-lo, o riso era visível em seus lábio. — Vai matá-la?

Lucius o jogou contra a parede com força não esperando por uma resposta, fazendo-o ultrapassá-la. A mesma se quebrou quando o choque do corpo do rapaz bateu na parede, gesso e concreto caíram no chão fazendo com que um som estrondoso chamasse a atenção de quem estivesse naquele andar. Ele caiu no chão e viu quando Alana/Lucius se aproximava dele, os olhos negros e opacos traziam em seu rosto uma expressão de sede, o sorriso psicodélico e assustador ainda formado, contribuíam para uma visão perturbadora.

Ela parou por entre o estrago feito na parede, encarando-o com satisfação, nesse momento Kambriel percebeu que teria de fazer algo, tirar aquele demônio do corpo de Alana, mas sem que a ferisse no processo, porém, como ele faria isso? Quando tentou isso em Grória a pessoa acabou morrendo mesmo assim e, ele não podia permitir isso. Não com ela!

Pensando no que e em como faria, o rapaz nem mesmo percebeu quando Eva surgiu, saindo de seu quarto assustada com o barulho alto que ouviu a pouco. A mulher parou bruscamente quando viu a cena de perto.

— Alana?! — Os dois viraram seus rostos ao mesmo tempo em que ouviram a voz de Eva chamar pela moça, Eva por outro lado encarava Alana com certo espanto e então mudou a direção de seu olhar para o arcanjo que, tentava colocar-se de pé. Não demorou para que ela compreendesse o que houve e, ao ver o estado de Alana, soube imediatamente do que se tratava.

— Eva, a caída. — A desdém na voz arrastada e assombrosa de Alana foi o suficiente para que a mulher se enfurecesse, o rapaz viu quando Eva ficou tensa com a presença do demônio através do corpo humano da moça, fez menção de avançar, mas parou antes mesmo que o pensamento se concretizasse em sua mente.

Percebendo essa hesitação também presente na mulher demônio, Lucius soltou uma gargalhada muito alta de pura satisfação. Sabendo que mesmo que os dois quisessem atacá-lo, não o fariam enquanto estivesse usando o corpo da humana.

— Vamos nos ver em breve, — Disse, passando pelo estrago feito na parede e parando longe de Eva e Kambriel. — Sei que você — Ele olhou diretamente para o arcanjo. — Está se contorcendo em guerrear, e acredite, eu também quero muito por isso. Mas, tudo no seu tempo.

Tentando colocar-se de pé, o rapaz ouviu quando o chão abaixo do corpo dela parecia ruir enquanto as palavras saiam de seus lábios, o cheiro forte de enxofre preencheu o corredor e ele os escutou, os gemidos e gritos de agonia e dor, Alana estava sendo levada e ele não conseguiria fazer nada para impedir.

— Alana ficará bem, não tenho intenção de feri-la, mas só darei essa garantia se nenhum dos dois se intrometerem — Os alertou, o rosto da moça já era uma imagem terrível de se olhar. — Lembrem-se, eu a terei comigo, à minha mercê. Não banquem os inconsequentes.

O arcanjo cogitou soltar suas asas e, como se lesse sua mente, Eva lançou um olhar sério em sua direção e acenou discretamente com a cabeça em um não claro e firme, em sua mente, se mostrasse para Lucius sua glória como fizera no dia anterior ele sairia de seu corpo. Era uma teoria apenas, uma da qual acreditava que daria certo. Porém, ser barrado por Eva o fez imaginar que isso poderia acabar sendo prejudicial para Alana e para os hóspedes daquele lugar.

E, foi essa mesma hesitação que deixou transparecer que fez com que Lucius enfim a levasse para o inferno em um piscar de olhos. Sequer dando a ele tempo de reagir.

Kambriel ficou petrificado, o coração humano acelerou de tal modo que, por um instante ele pensou que estaria machucado e talvez realmente estivesse. Seu corpo estremeceu por inteiro e sentiu-se ser invadido por uma onda forte de culpa, no dia anterior lutara e fizera tudo o que estava ao seu alcance para não deixar que Lucius a levasse e, em uma nova tentativa, simplesmente deixou que isso acontecesse.

— Eu preciso... — O arcanjo começou a murmurar, sentiu-se perdido ali. Confuso com o que iria fazer a seguir, começou a andar mesmo que já soubesse que isso não iria adiantar. — Alana ela...

As palavras se confundiam quando saíam, nunca antes houve um momento em que sentiu-se daquela maneira. Totalmente sem rumo e ferido, era como se uma parte de si tivesse sido arrancada de seu eu humano, uma parte que percebera ser importante para si.

— Você precisa voltar para Grória e resolver o que está acontecendo naquela cidade! — Eva o parou antes mesmo de ele começar a andar, o segurou pelos ombros fazendo-o olhar para ela. — Você cuida de Grória e eu resolvo essa questão de Alana ter sido levada.

Ele sacudiu a cabeça em negação, como conseguiria resolver os ataques em Grória quando Alana estava no inferno com Lucius? Quando era sua culpa que ela fora levada? O rapaz tentou se afastar da mulher e, não foi por falta de tentativa, porém ele percebeu que estava levemente mais fraco, ao ponto de Eva ter conseguido segurá-lo sem nem fazer muito esforço para isso. Ela manteve seus olhos fixos nos dela, para que ele entendesse cada palavra que iria sair de sua boca.

— Você vai voltar para Grória e resolver os ataques e eu vou cuidar do que acabou de acontecer! — Declarou ela com firmeza, entregando em suas mãos a chave do carro de Alana e fechando a mão do rapaz logo depois. — Nosso plano mudou e agora precisamos de um novo — Disse. — Eu sei como se sente, mas eu garanto que vou trazê-la de volta, é uma promessa!

o arcanjo ficou imóvel durante um tempo, ele confiava em Eva, mas não podia deixar que ela resolvesse um problema que ele mesmo causou.

— Como vai fazer isso?...

A mulher esboçou um sorriso ousado, ela já tinha um plano em mente, um do qual sabia ser arriscado e perigoso demais.

— Eu vou até o inferno pegá-la.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

~E com esse capítulo eu declaro oficialmente que vamos finalmente ter nossas respostas respondidas!! Eu sei que levar a Alana para o inferno foi cruel, mas já era planejado pessoal... Desculpa haha.

~Planos foram mudados e agora estamos diante de um verdadeiro caos, não pensei que a desgraça parou por aqui, os próximos capítulos contam com muitas revelações importantes e momentos bem tensos também!!

~EVA VAI PARA O INFERNO SÓ PRA SALVAR A ALANA, quem tem dúvida que ela ainda odeia os humanos????????



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre o Céu e o Inferno." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.