Entre o Céu e o Inferno. escrita por Sami


Capítulo 17
Capítulo XVI


Notas iniciais do capítulo

Olá olá! Capítulo longuinho, mas juro que não foi intencional.
Boa leitura!



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CAPÍTULO XVI 

Alana despertou num sobressalto. Correndo os olhos por todo o ambiente escuro de seu quarto como se verificasse que o que acabara de acontecer tivesse sido apenas mais um pesadelo e realmente foi. Seu coração batia acelerado contra seu peito, dando-lhe uma sensação de dor. Sua respiração estava acelerada e descontrolada, como se ela tivesse acabado de sair uma longa maratona. Ela passa as mãos trêmulas pelo rosto, soltando o ar aos poucos, estava agitada, tomada por uma sensação estranha; a mesma que sempre fazia-se presente quando acordava do mesmo pesadelo.  

Ela então sai da cama com um único pulo e praticamente correu até o banheiro, abriu a torneira e jogou um pouco da água gelada em seu rosto e já sentia que o sono a estava deixando. Um meio que encontrou de também afastar qualquer vestígio que sobrara em si que a fizesse voltar a dormir, mesmo sabendo que não conseguiria fazê-lo, queria garantir que não voltaria a fechar os olhos tão cedo assim. West nem mesmo se importou com a água gelada em suas mãos e face, só queria afastar a sensação péssima e medonha que sentia lhe dominar naquele momento.  

— Só um pesadelo... — Murmurou para si, olhando para o reflexo no espelho. Estava bem, acordada, segura. Kambriel estava no andar de baixo, lembrou-se e isso pareceu deixá-la mais calma, mais certa de sua segurança. — Está tudo bem... 

Sussurrou mais confiante. Olhando para a água ainda a sair da torneira e molhar suas mãos e logo a fechou. Respirou profundamente, percebendo as mãos já menos trêmulas e o ritmo das batidas de seu coração ganhando um ritmo mais controlado. Mentalmente ela continuava a murmurar a mesma frase que dissera para si antes, que estava tudo bem e que estava segura. Como um mantra, um do qual sabia que iria ajudar a se acalmar por completo.  

Estranhou o retorno indesejado do pesadelo corriqueiro, fazia alguns dias que tivera noites tranquilas e um sono mais completo e talvez este tenha sido seu erro. Acreditar que não mais seria perturbada com aquele estranho e inexplicável pesadelo; estava errada.  

— Sem proteção! — Ela não conhecia aquela voz, mas o que sentiu ao ouvi-la e interromper qualquer outro pensamento que vagou em sua mente, causou um tremor interno em seu corpo que se ela não estivesse com ambas as mãos apoiadas sobre a pia, teria caído no mesmo instante.  

A voz pareceu ecoar em sua mente, cortando qualquer tipo de pensamento aleatório, era um tom rouco e baixo, poderia descrever o tom como algo assustador, mas isso seria muito pouco para definir tudo o que sentiu quando escutou a frase curta. Ao mesmo tempo em que conseguiria descrever a entonação assustadora, sentia que lhe faltava palavras e isso foi o que mais lhe preocupou.  

Alana relutou em erguer o rosto, conseguia sentir a presença do ser desconhecido bem atrás de seu corpo e talvez isso a tenha travado naquela postura pouco curvada sobre a pia, mas não foi apenas isso. Aquela voz, o que sentiu quando a mesma soou por sua mente a fez lembrar de como sentia quando estava no pesadelo de sempre, da agonia que sentia e do medo que lhe dominava.  

Não foi diferente naquele momento.  

Estava ainda sonhando? Pensou sozinha, procurando em si algum sinal de coragem para erguer o rosto e olhar o espelho. Uma parte de si mesma torcia para que fosse apenas uma alucinação criada por sua mente atordoada após despertar de um terrível pesadelo, mas a outra, a que sempre julgou ser mais sensata e coerente, lhe dizia que aquilo era tão real quanto o que sentiu ao ouvi-lo. Novamente seu coração disparou contra seu peito, ao ponto de ser possível que ela o escutasse bater com sua força total, ainda que achasse que isso seria algo completamente impossível e, lentamente ela começou a levantar o rosto.  

Seu corpo lutava contra a estranha curiosidade que se fazia presente, ainda que fosse algo mínimo e diferente de antes, mas ela precisava fazer aquilo. Uma necessidade estranha, ela bem sabia disso.  

Ao olhar para o espelho, pôde vê-la. Assustada, tomada por um pavor tão real que isso parecia deformá-la e então o viu. Como imaginou, era uma pessoa, com o dobro de sua altura e tamanho, bem atrás dela em uma postura tão ereta que isso parecia deixar o estranho ser mais alto do que realmente era. Alana não conseguia ver seu rosto, a escuridão que os rondava ali impedia que ela conseguisse, mas soube que os olhos estavam fixos em si, era possível perceber; como sempre sentia quando Kambriel a olhava, mas que trazia uma sensação ruim, ainda pior do que sentiu quando era Eva a encará-la.  

Aconteceu rápido, ela pensou em fugir dali e no mesmo instante o desconhecido já estava com a mão firme e fechada ao redor de seu pescoço, usando uma força incomum e desumana. Estava agora de frente para o estranho, com sua mão ao redor de seu pescoço num aperto doloroso e sufocante, mas isso não a impediu de abrir os lábios e soltar o grito que pareceu ter se acumulado em sua garganta. 

Abriu a boca ao mesmo tempo em que saltou de sua cama abrindo os olhos pela segunda vez naquela noite, tão assustada e perdida que o cenário de seu próprio quarto lhe pareceu estranho de início. Ela tinha ambas as mãos em sua garganta, pois ainda sentia o forte aperto que recebera antes, parecia sufocá-la, deixando dificultoso a simples tarefa de respirar.  

— Alana! — Ela ouviu o momento exato em que a porta de seu quarto se abriu revelando a figura de Kambriel e sua voz preencheu todo o ambiente em questão de segundos. O rapaz praticamente correu até ela, enquanto a moça lutava a todo custo para conseguir respirar normalmente, puxando o ar de volta para seus pulmões com muita dificuldade.  

Kambriel já estava em sua cama quando ela percebeu, o rapaz colocou-se na sua frente com tanta rapidez que por um segundo, o pensamento de que estivesse ainda sonhando passou por sua mente e isso a assustou de início. Ele levou as mãos na sua direção e ao vê-las se aproximar Alana praticamente bateu nelas, as afastando antes mesmo que ele conseguisse tocá-la; ainda estava assustada demais e seu corpo reagiu diante de uma possível ameaça.  

— Alana, sou eu, Kambriel. Calma, calma! — Ele começou a falar, novamente tentando tocá-la e talvez acalmá-la. Sua voz era completamente diferente da que ouviu antes, calma, amigável e tão mansa... Isso fez com que seu corpo passasse a reagir como sempre. 

Foi como se ela enfim despertasse por completo. Seus olhos se arregalaram ao vê-lo e quando sentiu o toque gentil dele sobre seus ombros foi como sentir uma calmaria dominá-la. Seu corpo tornou-se leve, estranhamente leve e ela finalmente teve consciência de que estava completamente acordada e em seu quarto. Dessa vez realmente segura e bem. Sua respiração rapidamente voltou ao normal, ela finalmente conseguia respirar sem dificuldade.  

Querendo garantir de que realmente estava em seu quarto e de que, era real tudo ao seu redor, ela correu os olhos por seu quarto e lentamente assentiu, recuperando o fôlego que antes lhe pareceu faltar e deu mais atenção ao par de mãos sobre seus ombros, ainda a segurá-la com gentileza e conforto. Uma boa sensação vinha dele, como se ele estivesse lhe tranquilizando sem sequer precisar de muito esforço para fazer isso.  

Durante alguns instantes ela fechou os olhos e respirou mais profundamente, percebendo que o que fosse que Kambriel estivesse fazendo com ela naquele momento, estava dando certo e causava em seu corpo um tipo de resposta imediata. Ao abri-los pôde finalmente encará-lo, mais calma e com seus batimentos e respiração mais controlados também. O rapaz continuava a olhá-la com preocupação notável, seus olhos azuis apesar de pouco escondidos pela falta de luz no quarto, pareciam fixos em seu rosto e ela só soube disso porque sentia o peso de seu olhar nela.  

— Eu estou bem — Ela consegue finalmente dizer, esticando o braço esquerdo e acedendo o abajur na cômoda ao lado de sua cama, a luz conseguiu apenas iluminar parcialmente aquele lado do cômodo, o suficiente para que ela conseguisse vê-lo melhor e ele também tivesse uma visão de si. 

Realmente era ele ali na sua frente. 

— O jeito como gritou, me diz o contrário. — Responde ele, apertando as mãos em seus ombros num gesto mais gentil e ela reagiu ao toque, seus ombros não estavam mais tensos e foi como sentir um calor correr por todo seu corpo.  

Alana une os lábios pensativa, imaginando como teria sido seu grito para que fizesse com que ele entrasse em seu quarto e parecesse tão preocupado naquele momento. O pesadelo. Lembrou-se, mesmo que fosse completamente impossível disso. Internamente sentiu como se um arrepio corresse por seu corpo, mas ela sabia que ao menos isso, era algo criado da sua cabeça.  

Sem jeito ela passou a mão pela cabeça, afastando uma mecha grossa de seu cabelo e a colocando atrás de sua orelha e retornou a fechar os olhos, foi rápido, logo as cenas de seu pesadelo invadiram sua mente e isso a obrigou a abri-los novamente. Foi a confirmação que precisava; não voltaria a dormir naquela noite enquanto as imagens ainda lhe atormentassem.  

— Foi só um pesadelo... — Explicou quando percebeu que ele parecia desconfiado do que houve dentro de seu quarto antes de ele chegar, mencionar o pesadelo era uma maneira de tentar tranquiliza–lo, pois percebia a clara preocupação do arcanjo e na maneira como suas mãos estavam sobre seus ombros e, para sua surpresa ele finalmente a solta.

Foi estranho como ela sentiu-se quando não mais sentia seu toque, como se estivesse vazia de algo. 

— Um pesadelo? — Perguntou ele, olhando-a com mais atenção. A preocupação de antes continuava ali, um pouco mais escondida dessa vez, mas era possível percebê-la em sua face.  

Ela hesitou. Dissera que fora apenas um pesadelo para que ele não se preocupasse ainda mais, porém percebeu que isso não adiantou. As sobrancelhas grossas do rapaz estavam unidas, formando uma ruga leve em sua testa enquanto os olhos se estreitaram, os lábios levemente entreabertos enquanto ele respirava tranquilamente, ainda que de maneira pesada. Alana nunca havia percebido que Kambriel também respirava, como um humano.  

Nesse momento ela não soube o que responder, contaria a ele sobre o que sonhou? E contaria a ele que fora o mesmo sonho que sempre tinha todas as noites? E o que iria acontecer depois que começasse a falar, o que ele iria pensar sobre os pesadelos constantes? Essas perguntas a deixaram tensa, suas mãos começaram a se agitarem e, se não fosse por ele tocando-as, iria sofrer algum tipo de surto logo mais. 

— O que você sonhou? E por favor, não diga que não foi nada, com o grito que deu e de como ficou ao acordar... — O rapaz sequer conseguiu terminar a frase, apenas balançou a cabeça como se jogasse fora aquele tipo de lembrança.  

A filha de Jacob West se mostra muito hesitante antes de começar a falar, pois contar sobre o sonho que teve era como revelar algo muito pessoal dela. Nem mesmo Kelory, sua melhor amiga, tinha conhecimento sobre esses sonhos e lá estava ela, prestes a contá-lo para uma pessoa que conhecera havia poucos dias. Imaginou que se contasse ele poderia ajudá-la de alguma maneira, ou talvez não. De qualquer forma, estava lá, abrindo a boca para enfim contar a ele o que sonhou e que a deixou atormentada. 

— Eu estou no topo de um prédio, não consigo ter uma noção exata da altura, mas sei que é um lugar muito alto... E eu não consigo ver nada ao meu redor, é tudo um breu — Ela parou quando percebeu que estaria chegando na parte do sonho que realmente a perturbava e um tremor correu em seu corpo. — Então eu sinto a terra ceder, eu não consigo ver, mas é possível ouvir isso acontecendo e... Depois eu ouço gemidos de dor, agonia, gritos — Outra pausa. — Alguém começa a me chamar em meio aos gemidos e gritos e depois eu vejo um tipo de ser na minha frente e quando ele avança até mim eu sou puxada para o breu... É quando acordo.  

A face de Kambriel se mantém com a mesma expressão de antes, ao mesmo tempo em que ele parecia tentar entender cada uma de suas palavras.  

— Mas foi diferente dessa vez, eu acordei de um sonho, mas tive outro logo em seguida — Seus olhos se desviam do rapaz na sua frente e ela encara suas mãos pálidas durante um tempo, percebendo os dedos finos e longos dele se mostrarem um pouco mais tensos. — Não era o mesmo ser que me atacava, não conseguia vê-lo direito, mas eu sentia que era outra coisa... A mesma coisa que tentou me atacar antes de eu acordar.  

Seus olhos se voltam para o arcanjo e olhá-lo, ela direciona uma mão para seu pescoço onde conseguia sentir com clareza o aperto que recebera em seu sonho, uma sensação muito real que a fazia questionar a veracidade daquele segundo sonho.  

— Diferente dessa vez?... 

— Eu tenho o mesmo sonho desde que meu pai morreu, na verdade desde o dia em que o enterrei. — Admitiu e essa nova informação o surpreendeu notavelmente. Sua feição se modificou por completo, ao mesmo tempo que ele parecia ter tido um tipo de clareza sobre isso, ele parecia também um tanto confuso. — Esses sonhos pararam durante uns dias, mas vejo que não durou muito.

Um silêncio muito breve se forma entre eles, os olhos do arcanjo estavam fixos no rosto ainda assustado da moça e logo descem para o pescoço dela, Alana nem mesmo percebera que sua mão havia se fechado naquela região, aonde ela continuava a sentir o forte aperto. Parecia que tinha sido marcada, conseguia ter a mesma sensação sufocante que teve em seu sonho, a mão do ser se fechando em volta de seu pescoço sem nem precisar fazer esforço. Tirando seu ar aos poucos.  

Devagar, Kambriel direciona uma mão para seu pescoço. Ela logo se assusta com sua ação e recua o corpo para trás, olhando-o com desconfiança; ainda que soubesse que ele jamais lhe faria mal.  

— Posso? — Ele pede, olhando-a de maneira tranquilizadora. E a jovem se questiona se isso o que ele estava fazendo era um dom que ele possuía por ser arcanjo, ou se isso simplesmente acontecia, sendo algo que ele sequer tinha noção que poderia fazer.  

West concorda e lentamente afasta sua mão de seu pescoço e não demora para que ela sinta o momento exato em que a ponta de seus dedos encontram com sua pele, a reação que ela tem é algo que percorre por todo seu corpo, algo rápido e tão agradável que a jovem sequer percebe que fechara os olhos. Apreciando a sensação que lhe dominou ao senti-lo tocar sua pele.  

Não tardou para que aquele medo irracional que tinha de seus pesadelos constantes simplesmente desaparecesse, seus pensamentos já não estavam mais voltados para o terror ou as imagens que vez e outra retornavam como lembretes irritantes e indesejados. Até mesmo o aperto que ainda parecia sentir em seu pescoço desapareceu. Quando Alana tornou a abrir os olhos ela não entendeu exatamente o que aconteceu, mas seu corpo já não estava mais sendo dominado pelo temor de antes, tão pouco estava tensa ou assustada.  

— O que você fez? Está usando alguma de suas habilidades de arcanjo? — Ela perguntou o olhando levemente confusa e ao mesmo tempo muito agradecida.  

— Nada demais. — O moço respondeu dando com os ombros e sorrindo de maneira muito leve, como se o comentário dito por ela o tivesse divertido, ele ainda tocava seu pescoço e a sensação parecia apenas se intensificar cada vez mais.   

Levou alguns instantes até que ele finalmente afastou sua mão de seu pescoço e quando o fez, Alana se sentiu estranha outra vez e, ela tentou com todas as forças não demonstrar isso. Internamente sua curiosidade lhe dizia para tocar o mesmo local aonde ele tocara, talvez ele tenha realmente feito alguma coisa e deixado algum tipo de marca em sua pele, mas isso poderia esperar.  

— Obrigada, Kambriel. — Ela agradece, mostrando um sorriso fraco ao esticar os lábios sutilmente. Sentia-se um pouco constrangida e sem jeito, mas muito agradecida pelo que ele fizera; apesar de não ter compreendido muito bem o que foi.  

— Vai conseguir dormir novamente? — Pergunta a encarando, ainda um pouco preocupado. — Acho que ainda estamos no meio da madrugada.  

Alana pensa em sua resposta, sua real intenção era não fechar mais os olhos até que o dia amanhecesse, ainda que estivesse preenchida por uma sensação de calmaria e tranquilidade não confiava totalmente em sua própria mente e temia que o pesadelo viesse lhe atormentar novamente. Uma hesitação faz-se presente em seu interior, fazendo-a demorar em sua resposta.  

— Alana — Ele a chama, atraindo sua atenção. — Você vai ficar bem?  

Ela assente com certa dificuldade, sentia-se cansada e levemente sonolenta, mas voltar a dormir assim estava fora de cogitação. Poderia pedir que ele ficasse em seu quarto, mas isso pareceu uma ideia maluca demais e completamente sem sentido.  

— Sim, eu vou. — Responde. Tentando transparecer uma certeza em sua voz para esconder o leve temor de ter seu pesadelo repetido no restante daquela madrugada. — Vou te deixar dormir.  

Por um segundo Kambriel pareceu não acreditar muito nela, mas logo assentiu e se retirou de sua cama com muita calma, olhou ao redor do quarto, dando uma atenção especial a janela fechada e depois para a porta aberta de seu quarto. Voltou a olhá-la e caminhou em direção a porta, Alana o seguiu com o olhar, seus olhares se encontraram novamente. 

— Eu vou conseguir dormir. — Diz a ele com um meio sorriso, essa garantia serviu não só para ele, mas para si mesma também. Apesar de sua mente ter trazido novamente o pedido inconveniente para que ele ficasse ali com ela durante aquela noite, — como uma forma de garantia para que não fosse atormentada pelo sonho — e ela realmente tinha cogitado fazer o pedido, ainda que achasse que ele poderia entende-la errado ou interpretar seu pedido com algo carregado de segundas intenções. Porém logo descartou tal ideia, jogando-a fora de sua mente de uma vez por todas, percebendo como estaria sendo ridiculamente egoísta se fizesse isso. 

Kambriel estava cansado, tivera seu sono interrompido por sua causa e pedir que ele ficasse com ela era ultrapassar um limite estabelecido por ela mesma. Ele precisava dormir, mesmo que fosse um arcanjo ele estava com um corpo humano e como bem sabia, o corpo precisava de repouso e descanso, não pediria isso a ele. 

Jamais.  

— Boa noite, Alana. — O moço diz, esticando os lábios num sorriso diferente de todos os que já mostrara a ela até aquele dia.   

— Boa noite, Kambriel. — Ela responde imitando o tipo de sorriso que ele lançou para ela e, dizendo isso ele a deixou dormir. 

●●●   

Alana parecia concentrada demais encarando a rua na qual seguia, ouvindo as instruções de Kambriel com atenção para que não errasse o caminho, mas a realidade era que seus pensamentos estavam tão distantes que ela sequer percebia ou sentia o peso de seu olhar sobre si enquanto ele falava com ela. Algo completamente inédito.    

Sua mente tentava relembrar da imagem do ser que lhe atacou no sonho da noite anterior, ela dissera e prometera a ele que iria dormir, mas ela não o fez quando ele saiu de seu quarto. Passou o restante da madrugada tentando encontrar uma maneira simples de descrever o que viu e até tentou desenhá-lo em certo momento e o jogou fora quando percebeu que sequer chegou perto de ter uma descrição exata dele. Apesar de que, em seu sonho não conseguisse ver muito além de uma sombra bem mais alta do que ela, a busca por uma clareza a mais sobre o que viu era algo que sua mente mostrou ser necessária, lembrava-se dos olhos vermelhos a encará-la e era o único detalhe que conseguiu ver com facilidade. Gostaria de ter visto seu rosto, talvez assim pudesse ter uma noção mais exata do que estava lhe atormentando durante toda uma noite.    

Ela parou o carro assim que ele deu sinal para isso, obedecendo ao pedido de forma um pouco automática e sem prestar muita atenção no que realmente estava fazendo naquele momento. Haviam chegado à loja de Eva e quando ela fez menção de sair do carro, Kambriel a parou.   

— Espere. — Ele pediu num tom baixo, segurando seu braço com leveza para que sua ação não a machucasse. Alana parou no mesmo instante, percebendo como seu corpo reagiu ao seu toque de maneira semelhante como acontecera durante a noite anterior. — Está tudo bem? Em fazer isso?   

Por um breve instante o cenho da jovem se franziu como se ela não tivesse entendido exatamente a pergunta feita e qual seu real intuito, sabia e isso estava visível no rosto do moço que ele ainda se mostrava preocupado com ela. Ainda mais depois do que houve na noite anterior e mesmo que ela estivesse concentrada em não demonstrar esse tipo de fraqueza a ele, bem sabia que não poderia mentir para ele.   

Não como fizera antes.   

— Sim, estou. — Diz, desviando brevemente seu olhar do dele. Encarando a loja do outro lado onde entrariam muito em breve. — Só estou um pouco tensa, falar de tudo o que encontramos nas anotações do meu pai me faz pensar que estou abrindo uma ferida antiga.   

Kambriel assentiu devagar e o aperto em seu braço pareceu se intensificar. Alana então reparou que sua mão não havia a deixado quando a parou e se perguntou como não reparou nisso. Estava assim tão distraída que sequer sentiu o toque dele em seu braço?   

A ação fez com que ela o olhasse novamente, os olhos azuis carregavam um peso compreensivo e Alana sentiu-me melhor em recebê-lo. Poderia até mesmo dizer que estava motivada a continuar.   

— Vamos lá acabar logo com isso. — A West mais nova diz, tocando muito levemente a mão do arcanjo com sua, sem perceber que sua ação havia desencadeado uma série de sensações não só para si, mas para ele também.    

Kambriel exibiu um sorriso leve e assentiu, lentamente afastando a mão de seu braço. Saíram juntos do carro, Alana precisou respirar fundo ao perceber que estava prestes a entrar na loja de Eva, o lugar onde sentiria o cheiro que passou a odiar e servir como um alerta para si com mais intensidade. Ao entrar, reparou num lugar completamente diferente daquilo que havia imaginado antes e sentiu-se um tanto perdida, era como entrar numa parte da mente de Eva e essa parte era uma perfeita confusão de coisas e bagunça.   

Apesar de Alana conhecer a loja, ela nunca havia de fato entrado na mesma até aquele momento e por isso ficou surpresa ao encontrar com o interior do lugar. Roupas variadas, objetos para casa e decoração... Uma variedade estranha de coisas para serem vendidas. Isso a fez questionar se Eva tinha aquela loja por gostar do que fazia na terra ou se isso era um tipo de castigo por ser um demônio caído. West olhou para o arcanjo ao seu lado, sentiu vontade de lhe perguntar isso, mas decidiu deixar sua curiosidade de lado. Havia um assunto bem mais importante para tratar naquele momento do que simplesmente perguntar sobre a loja dela.   

— Pensei que chegariam mais cedo. — A mulher demônio apareceu por entre algumas araras de roupas, jogando duas peças que tinha em mãos para dentro de uma caixa de papelão no chão. Como era esperado, ela não olhou diretamente para Alana, mas isso já não parecia mais incomodá-la. — Vem, temos muito o que conversar.   

Eva os guiou por outro corredor existente ali, o mesmo parecia ter sido escondido propositalmente dos demais, pois havia ao menos três araras bloqueando parte do caminho; o qual ela as tirou sem nenhum problema. Como já era esperado, Alana sentiu o cheiro de enxofre ao pisar no corredor, mas o odor não estava tão forte assim, o que a fez sentir-se um pouco menos tensa do que realmente estava.   

Os três seguiram até encontrarem uma porta, quando Eva a abriu, permitiu que entrassem e nesse momento West sentiu que estava entrando em outro lugar. E realmente estava. Era uma casa, ou pelo menos parte de uma. Estavam na sala, pôde ver dois sofás e uma mesa de centro, alguns quadros com pinturas renascentistas na parede e uma janela grande aberta; que permitia que a luz natural do dia iluminasse aquele ambiente.   

O cheiro de enxofre não estava presente naquele cômodo, o que sentia era um cheiro forte de floral; Kambriel pareceu perceber isso também, mas disfarçou melhor.   

— Vamos resolver isso logo, conseguiram descobrir alguma coisa? — Eva perguntou, sentando-se no braço do sofá e gesticulando para que eles também se sentassem.   

Alana e Kambriel se entreolharam rapidamente, a humana fez um aceno de cabeça permitindo que fosse ele a contar tudo o que conseguiram encontrar com as anotações de seu pai.   

— Jacob já estava ciente sobre tudo — Ele diz, imitando o gesto que fizera no dia anterior para representar o mundo no qual ele pertencia. —Ele viu a morte de Morgan acontecer e uma semana depois foi procurar por Eligus, provavelmente para pedir algum tipo de favor a ele e antes que pergunte, ele não deixou nenhuma pista do que foi esse favor.   

Eva pareceu pensativa.   

— Eligus pode estar envolvido nisso também? Acha que é possível? — Questiona.   

— Ele sempre gostou de confusões, não me surpreenderia descobrir que ele está metido com esse caos também. — Respondeu o rapaz, Eva e Kambriel pareciam conversar entre si; esquecendo-se momentaneamente da presença de Alana ali também. — Conseguiu encontrá-lo? Estamos ficando sem tempo.   

Eva assentiu lentamente.   

— Sei como falar com ele, mas temos um problema. — Ela faz uma pausa antes de continuar, cruzou os braços e fez uma careta de pura insatisfação. — Eu não posso ir até ele.   

Alana percebeu quando Kambriel pareceu surpreso, o olhou e viu quando ele arqueou ambas as sobrancelhas e abriu a boca sem nada dizer durante alguns instantes.   

— Por que não? Você é um demônio também. — Pergunta sem entender, olhando para a mulher sentada no outro sofá.   

— Sim eu sou um demônio, mas eu caí, — O lembrou. Sua voz saindo pesada e levemente irritada. — Quando isso aconteceu eu perdi esse tipo de benefício.   

— Tudo bem então, eu vou e falo com ele. — A resposta de Kambriel veio tão rápida que isso surpreendeu a Eva, a mulher lançou a ele um olhar incrédulo e ao mesmo tempo confuso.   

— Ficou maluco? Se ousar ir até lá ele vai entender isso como um ataque e você vai começar uma guerra sem necessidade! — Ela se levantou, caminhou pela sala até chegar perto do arcanjo que, também se levantou. Alana assistia a conversa um pouco de fora do assunto, eles estavam falando sobre o demônio que seu pai foi procurar, mas pareciam decidir como iriam falar com ele.   

O que em sua mente era algo simples para se decidir.   

— Estou num corpo humano...   

— Sim, mas ainda tem o mesmo cheiro do alto! — Ela interrompe sua fala, parecia zombar dele e West não duvidaria que ela estivesse mesmo fazendo isso. — Pense bem Kam, se eu sendo um demônio não posso vê-lo quem dirá um arcanjo transfigurado num corpo humano! Sei que está desesperado para terminar essa missão, mas precisa pensar com mais cuidado no que quer fazer.   

Alana parou por um momento de prestar atenção na conversa, pensando ela mesma numa solução para aquele tipo de impasse que tinham. Ela queria, assim como Kambriel, que todo aquele caos que estava na cidade enfim cessasse e, se nenhum deles poderia falar com Eligus, ela poderia, certo?   

— Eu falo com ele então. — Sua voz pareceu interromper qualquer assunto no momento e, ela se deu conta de que sua fala saiu em alto e bom som. O que era apenas um simples pensamento de uma ideia que apenas passou por sua mente, se tornou uma ideia real.   

A reação de Kambriel foi a primeira que ela recebeu.   

— Nem pensar! — Exclamou num tom cortante, olhando-a sério. Parecia não acreditar que ela realmente dissera tamanha estupidez.   

Foi a vez de Alana de se levantar também, ela devolveu o olhar sério que ele lhe lançava.   

— E por que não? — O questiona, cruzando os braços de forma pouco desafiadora. — Você e Eva não podem falar com ele e aparentemente eu sou a única aqui que não tem um tipo de restrição para vê-lo.   

Como se pedisse ajuda, ela olhou para Eva. A mulher que, até o momento estava alheia a pequena discussão dos dois logo, assentiu. Concordando com a fala de Alana ou com a de Kambriel?   

— Eu seria a última aqui a concordar com essa ideia, mas ela está certa, Kam. — Diz, havia sim um leve descontentamento em seu tom de voz e foi fácil de perceber; provavelmente por estar concordando com a humana. — Ela é a única que tem passe livre para ir lá, sabe disso.   

Seus olhos se voltaram para o arcanjo, ele agora se mostrava incrédulo que Eva realmente tivesse concordado com a fala de Alana. Imediatamente negou.   

— Mas isso não vai acontecer! Vamos pensar em outra forma de conseguir respostas...  

— Por que Kambriel? — A moça perguntou outra vez, puxando-o pelo braço para que ele se voltasse apenas para ela no momento. Admitia que sim, sua ideia de ir falar com um demônio era maluca e completamente perigosa, entendia o receio dele em negar que ela fizesse isso, mas não tinham outra opção no momento. 

E também, Alana queria saber o que seu pai foi procurar com um demônio de favores e queria ouvir essa resposta diretamente da boca dele.   

— Alana, Eligus não está na terra. Não é como ir visitar alguma amiga em sua casa e ir embora, é descer até o inferno para falar com ele. — Ele finalmente falou o que parecia estar engasgado em sua garganta e ela enfim entendeu o motivo real para que ele se negasse tanto a aceitar que fosse ela a ir falar com Eligus. — Ele é o meio termo para os dois lados, como já sabe, mas ele não fica na terra. Eu não posso falar com ele por ser um arcanjo e Eva por ser uma caída exatamente por isso, por ele estar no inferno!   

Alana recua meio passo, percebendo como essa nova informação fez com que muita coisa em sua ideia maluca de ir falar com Eligus mudasse. E também a questão de seu pai, se ele conseguiu falar com ele, significa que foi até o inferno para isso... Isso mudou também.  

— Entendo que quer ajudar, mas é perigoso demais ir até lá...   

— Eu vou! — Alana bate o pé em sua decisão, apesar de sentir-se um tanto incerta após saber da real localização de Eligus, não seria isso que a faria desistir de conseguir resposta. Ou que a impediria de oferecer a ajuda que os dois seres celestiais precisavam. Kambriel voltou a olhá-la, estava pronto para falar e novamente tentar impedi-la disso. Mas Alana foi mais rápida. — Não, não venha com essa de que é perigoso ou que você vai pensar em outra solução! Tem um arcanjo e um demônio aqui comigo, vocês me explicam o que eu preciso fazer eu vou até lá, falo com esse demônio e volto!

— Kam, podemos fazer isso dar certo. — Eva se colocou entre eles, mantendo é claro uma certa distância maior de Alana. — E eu sei como fazer isso de um jeito seguro e rápido.   

Relutante, o arcanjo nada respondeu. Apenas assentiu muito lentamente com a cabeça enfim concordando com a ida de Alana até o inferno.  


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Notas finais do capítulo

~Foi só um pesadelo no fim das contas, nada demais.

~ Pois é, Alana vai até o inferno galera!



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